UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATU SENSU



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Transcrição:

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATU SENSU OBSTRUÇÃO URETRAL EM FELINOS Simone Pauluk Curitiba, ago. 2008

SIMONE PAULUK Aluna do Curso de Especialização Latu Senso em Clinica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais da Universidade Castelo Branco OBSTRUÇÃO URETRAL EM FELINOS Trabalho monográfico de conclusão do Curso de Especialização Latu sensu em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais, apresentado à Universidade Castelo Branco como requisito parcial para obtenção do título de especialista, sob a orientação da Prof. Dra. Rosangela Locatelli Dittrich. Curitiba, ago. 2008 ii

OBSTRUÇÃO URETRAL EM FELINOS Elaborado por Simone Pauluk Aluna do Curso de Especialização Latu Sensu de Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais da UCB. Foi analisado e aprovado com grau:... Curitiba, de de. Membro Membro Profº Orientador Curitiba, ago. 2008 ii

RESUMO PAULUK, S. Obstrução uretral em felinos. 2008. 9f. Monografia (Conclusão do curso de especialização Latu Sensu em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais) Universidade Castelo Branco, Curitiba, 2008. A obstrução uretral é um sinal clínico comum da doença do trato urinário inferior dos felinos e, associada a outras alterações, leva o animal à dificuldade ou incapacidade de urinar, podendo, em casos mais graves, causar a morte do animal. A obstrução uretral é mais freqüente em felinos machos e pode ser mecânica ou funcional. Os tampões mucoproteináceos e urólitos são as duas causas mais comuns da obstrução uretral. Fatores como alimentação, obesidade, diminuição da freqüência e volume urinário, castração, pouca atividade física, enfermidades e estresse podem influenciar na formação dos tampões e urólitos. O animal pode apresentar disúria, anúria, hematúria, eliminação inadequada de urina, gemidos, vômitos, letargia, agressividade, dor quando o abdômen é palpado e lambedura do períneo. O diagnóstico é realizado com base na história clínica e nos achados do exame físico. Podem também ser necessários exames como urinalise e cultura, radiografia, ultrassonografia e eletrocardiograma. O tratamento deve ser realizado com desobstrução da uretra. Se o felino já apresentar azotemia, é necessária também a fluidoterapia parenteal. O prognóstico é de bom a grave, dependendo da presença ou ausência de hematúria, vômito, hipotermia, depressão, azotemia, uremia e arritmia cardíaca. A prevenção de uma recidiva da doença dependerá de uma dieta acidificante restrita em magnésio com duração de aproximadamente dois meses. Se essa dieta não for suficiente para manter uma urina ácida, acidificantes urinários devem ser adicionados ao tratamento. Palavras-chave: obstrução uretral, felinos. iii

ABSTRACT The urethral obstruction is a usual clinical sign from the disease of the lower urinary tract, it brings the animal a trouble or incapacity to urinate, and it might, in harder cases, cause death. The urethral obstruction is more common on male cats and it can be mechanical or functional. The muco protein plugs and uroliths are the 2 most common causes of urethral obstruction. Factors like feeding, fatness, low frequency, low urinary volume, castratation, low physical activities, illness and stress can influence on the plugs and uroliths, formation. The animal can present dysuria, hematuria, anuria, inappropriate elimination of urine, moaning, vomits, lethargy, aggressive, and pain when the abdome is pressed, perinial licking, diagnose is accomplished by the clinical history and findings in physical exam. Might be also necessary exams like urinalysis and culture, radiography, ultrasonography and electrocardiogram, the treatment should be accomplished removing urethral obstructions. If the cat has already presented azotemia is also necessary parenteral fluids. The prognosis can be good or not, depending from the presence or absence of hematuria, vomit, hypothermia, depression, azotemia, uremia and cardiac arrhythmias. The prevention of a disease relapse, will depend from an acid diet restrict in magnesium, which will last at 2 months. If this diet is not sufficient to keep the urine acid, acidified urinary should be added to the treatment. Key works: urethral obstruction, feline. iv

SUMÁRIO Resumo...iii Abstract...iv 1. Introdução...1 2. Revisão Bibliográfica...4 2.1. Obstrução Uretral em felinos...4 2.1.1. Definição...4 2.1.2. Etiopatogenia...5 2.1.3. Sinais Clínicos...6 2.1.4. Diagnóstico...7 2.1.5. Tratamento...8 2.1.6. Prognóstico...11 2.1.7. Prevenção...12 3. Conclusão...13 Referências Bibliográficas...14 v

1. INTRODUÇÃO A obstrução uretral é um sinal clínico comum da doença do trato urinário inferior dos felinos ou síndrome urológica felina. Associada a outras alterações, leva o animal à dificuldade ou incapacidade de urinar podendo em casos mais graves causar a morte do animal. O perfil do animal afetado pela obstrução urinária é de felino macho, castrado, de dois a sete anos de idade, obeso, que consome ração seca e ingere pouca água, sendo encontrada na raça siamesa, porém sendo mais comum em raças mestiças. A prevalência é maior nos casos em felinos que conviviam em casa com outros felinos (RABELO, SOARES, LEITE, 1998). Existem dois tipos de obstrução urinária felina: a mecânica e a funcional. A mecânica pode ocorrer por massa intraluminal, urólitos, tampões, neoplasias, inflamação ou fibrose da bexiga, massas extramurais intrapélvicas como as lesões prostáticas. As obstruções funcionais são: o aumento do tônus uretral, dissenergia reflexa, lesão do neurônio motor superior afetando a função da bexiga, dor e espasmos uretral (LITTMAN, 2004). A maioria das obstruções de uretra ocorrem por muco com alguns cristais (tampões uretrais) e em alguns casos somente por muco. Os tipos de cristais de maior ocorrência, acompanhados de muco, são os cristais de estruvita e oxalato de cálcio. Os urólitos que se formam também podem obstruir a uretra (WILLS e WOLF, 1993). A causa para a formação desses cristais e a excessiva produção de muco ainda são desconhecidas, mas os fatores citados acima predispõem os animais. 1

Em 1993, 50 felinos com doença do trato urinário foram atendidos no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Dos 36 animais que apresentavam obstrução uretral, em 67% dos pacientes eram por tampões uretrais, 11% por infecção do trato urinário, 22% causa desconhecida e nenhum caso por cálculos uretrais (RECHE, HAGIWARA, MAMIZUCA, 1998). Os primeiros sinais de obstrução urinária são disúria, anúria, hematúria, vocalização, choro, letargia, agressividade e/ ou dor no abdômen a palpação, decúbito, bexiga distendida e lambedura da região perineal. Os felinos gravemente afetados são aqueles obstruídos por mais de 36 horas, profundamente deprimidos, que estão sem comer ou ingerir água por mais de 24 horas, apresentando vômito, desidratação grave, hálito urêmico. O proprietário percebe os sinais clínicos da obstrução quando o animal está sofrendo uma crise toxêmica devido à estase urinária, podendo desenvolver insuficiência renal aguda, apesar do tratamento. Os sinais clínicos mais encontrados após 24 a 36 horas de obstrução são aqueles ligados à azotemia pósrenal, como o vômito, anorexia (devido à perda de água e catabolismo), depressão, desidratação, hipotermia, colapso e arritmias. Pacientes com azotemia pós-renal podem apresentar sinais cardiovasculares resultantes de distúrbios hidroeletrolíticos, incluindo a desidratação, hipercalemia e acidose metabólica. A acidose metabólica também pode resultar em alterações pulmonares. A frequência respiratória será maior na fase inicial e o animal progride para bradipnéia. No sistema nervoso central pode ocorrer depressão com a acidose, diminuição da perfusão e uremia que contribuem para o coma. Graus variados de flacidez, fraqueza e paralisia muscular ocorrem como resultado do impedimento da transmissão do impulso nervoso. 2

Os achados laboratoriais mais comuns incluem: acidose metabólica, discreta hiponatremia, hipercalemia, hipermagnesemia, hiperfosfatemia, hiperglicemia, hiperproteinemia, hipocalcemia, hipocloremia, hematúria, cristalúria e azotemia pós-renal. A urinálise em felinos obstruídos demonstra intensa hematúria principalmente pela distensão da vesícula urinária com ruptura de vasos e hemorragia, além do processo inflamatório, cristalúria e ph ácido. A cultura de urina deve ser feita quando a urinálise indicar piúria e/ ou bacteriúria além de hematúria, sendo a coleta por cistocentese indicada nestes casos (RABELO, SOARES, LEITE, 1998). Na necropsia é comum encontrar a bexiga hiperextendida se ainda estiver com urina, ou flácida e com áreas escuras e de tecido friável; a superfície interna da bexiga rugosa com petéquias e equimoses, parede espessada com lesões podendo se extender até a uretra proximal. Alterações nos rins e ureteres são raras podendo haver presença de hidroureter e espessamento dos mesmos (RABELO, SOARES, LEITE, 1998). A base da terapia da obstrução uretral consiste em desobstrução da uretra e fluidoterapia parenteral, oscilando de acordo com a severidade dos sinais clínicos, que também variam com a intensidade e duração da obstrução. Se o gato ainda não apresentar azotemia a desobstrução é suficiente, porém, se já apresentar, a fluidoterapia será necessária (BARSANTI, FINCO e BROWN, 1994). O prognóstico da obstrução uretral é de bom a grave dependendo do tempo de duração da obstrução (PLUNKETT, 2006; NELSON e COUTO, 2006). A prevenção depende de cuidados com a dieta e controle de líquidos ingeridos pelo gato (NELSON e COUTO, 2006). 3

O estudo em questão tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre a obstrução urinária felina, causada principalmente por tampões uretrais. Esta pesquisa se justifica pelo fato de que a obstrução uretral é o principal sinal clínico da doença do trato urinário inferior dos felinos. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Obstrução Uretral em Felinos 2.1.1. Definição A obstrução uretral é um sinal clínico comum da doença do trato urinário inferior dos felinos ou síndrome urológica felina que, associada a outras alterações, leva o animal à dificuldade ou incapacidade de urinar podendo, em casos mais graves, causar a morte do animal. Existem dois tipos de obstrução urinária felina: a mecânica e a funcional. A mecânica pode ocorrer por massa intraluminal, urólitos, tampões, neoplasias, inflamação ou fibrose da bexiga, massas extramurais intrapélvicas como as lesões prostáticas. Como obstruções funcionais, o aumento do tônus uretral, dissenergia reflexa, lesão do neurônio motor superior afetando a função da bexiga, dor e espasmos uretral (LITTMAN, 2004). Os tampões mucoproteináceos e urólitos são as duas causas mais comuns de obstrução uretral, sendo os tampões os de maior ocorrência. A composição mineral no interior 4

dos tampões uretrais varia. Os cristais de estruvita são os mais observados, encontrandose também o de oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou uma mistura desses cristais. Os urólitos são encontrados em 15 a 22% dos gatos com sinais clínicos de hematúria, polaciúria e disúria. A composição dos urólitos felinos consiste mais freqüentemente de fosfato amônio de magnésio ou oxalato de cálcio (GRAHAM e LANE,2004). Em um estudo realizado em vinte e quatro universidades norte americanas, entre 1980 a 1997 em felinos com doença do trato urinário inferior, a obstrução uretral foi encontrada em 20% dos 22.908 pacientes (OSBORNE et al, 2004). Na Universidade de Minnesota foi realizado um estudo diagnóstico em 143 felinos com sinais de doença do trato urinário inferior e 22,4% dos animais apresentaram tampões urinários, 21% urólitos, 1,4 % urólitos e infecção bacteriana, 1,4% infecções bacterianas e 53,8 % condições idiopáticas (OSBORNE et al, 1997). Em 1993, 50 felinos com doença do trato urinário foram atendidos no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Nos 36 animais que apresentavam obstrução uretral, 67% eram por tampões uretrais, 11% por infecção do trato urinário, 22% causa desconhecida e nenhum caso por cálculos uretrais (RECHE, HAGIWARA, MAMIZUCA, 1998). 2.1.2. Etiopatogenia As causas para a formação de cristais e a excessiva produção de muco formando os tampões são desconhecidas, porém, alguns fatores podem predispor os animais (WILLS e WOLF, 1993). 5

A obstrução uretral se apresenta com maior freqüência nos machos devido a conformação anatômica da uretra. Nos Estados Unidos, entre 1982 e 1985, foram avaliados felinos com sinais clínicos de doença do trato urinário inferior. A obstrução de uretra estava presente em 36% dos casos e todos os animais eram machos (MARKWELL e SMITH, 1993). Em um estudo realizado em São Paulo em 1993, 100% dos felinos com obstrução uretral eram do sexo masculino (RECHE, HAGIWARA, MAMIZUCA, 1998). Os fatores nutricionais, especialmente um alto aporte diário de magnésio, podem ter um papel no desenvolvimento dos cristais de estruvita e urólitos. As dietas contendo alto teor de cinzas foram também implicadas no passado. A obesidade foi também relacionada. Outras causas que predispõe os felinos são a diminuição do volume urinário e da freqüência da micção por sua caixa sanitária estar suja ou pouco disponível; atividade física diminuída como resultado de clima frio, castração, enfermidades ou confinamento; diminuição do consumo de água por causa de seu sabor, disponibilidade ou temperatura. O estresse também pode contribuir para uma associação recente à estada em hotel, exposições, presença de um novo animal ou bebê na casa, férias ou clima frio ou chuvoso (NELSON e COUTO, 2006). 2.1.3. Sinais Clínicos O animal apresenta disúria, anúria, hematúria, eliminação inadequada de urina, gemidos, vômitos, letargia, agressividade, dor quando o abdômen é manipulado e lambedura do períneo (PLUNKETT, 2004). Em alguns casos pode-se confundir a dificuldade em urinar com dificuldade em defecar devido à demora do animal na caixa sanitária (COWAN, 1994). 6

Se a obstrução não for avaliada dentro de 36 a 48 horas podem ocorrer sinais clínicos característicos de azotemia incluindo anorexia, vômito, fraqueza, desidratação, depressão, estupor, hipotermia, acidose com hiperventilação, bradicardia ou morte súbita (NELSON e COUTO, 2006). 2.1.4. Diagnóstico O diagnóstico da obstrução uretral geralmente é fácil de ser feito e é baseado na história clínica e nos achados do exame físico (NELSON e COUTO, 2006). No exame físico os pacientes com obstrução uretral podem apresentar a bexiga de duas a cinco vezes maior que o seu tamanho cheio normal, portanto, a palpação da bexiga deve ser realizada com cautela para evitar o seu rompimento, devido a fragilidade da parede (NORSWORTHY, 1993). Na urinálise de animais obstruídos encontra-se uma intensa hematúria, principalmente pela distensão da vesícula urinária com ruptura de vasos e hemorragia além do processo inflamatório, cristalúria e ph ácido (RABELO, SOARES, LEITE, 1998). A cultura deve ser feita quando a urinálise indicar piúria e/ou bacteúria além de hematúria (COWAN, 1994; OSBORNE et al, 2004; BARSANTI, FINCO e BROWN, 1994) Para a realização da urinálise e da cultura a coleta de urina é por cistocentese, evitando contaminações (WILLS e WOLF, 1993). A radiografia e a ultrassonografia podem auxiliar na identificação e exclusão de anormalidades anatômicas (NELSON e COUTO, 2006). 7

Embora a maioria dos tampões uretrais seja radiolucente, alguns são radiopacos o suficiente para que sejam detectados pela radiografia simples (OSBORNE et al, 2004). Se a obstrução não pode ser avaliada usando um cateter uretral, um contraste pode ajudar a identificar o local e a causa do problema. Nas obstruções recorrentes normalmente são encontrados nas radiografias abdominais cálculos císticos e geralmente estes são radiopacos (COWAN, 1994). A composição mineral dos tampões e dos urólitos deve ser analisada, pois muitos dos regimes terapêuticos são baseados na sua composição mineral ( OSBORNE et al, 1997). No eletrocardiograma pode-se encontrar falta de onda P, QRS alargado, intervalo QT prolongado e ondas T pontiagudas devido a má perfusão e hipercalemia (PLUNKETT, 2006). 2.1.5. Tratamento Nos felinos com uma obstrução uretral, a relativa urgência para aliviar a obstrução uretral depende do estado físico do animal (GRAHAM e LANE, 2004; NELSON e COUTO, 2006). Em animais com graves alterações deve-se seguir a seqüência de abordagem emergencial padrão pelo ABC (Ar - Patência de via aérea, Boa respiração e Circulação) na abordagem primária, seguido da abordagem secundária e cuidados definitivos. A prioridade é a via aérea, mas, se o animal está em fibrilação ventricular devido a progressão grave da hipercaliemia, por exemplo, deve-se desfibrilar primeiro e em seguida fornecer circulação artificial e oxigenação. Alguns felinos obstruídos apresentam-se hipotérmicos e devem ser aquecidos (RABELO, SOARES e LEITE, 1998). 8

A base da terapia consiste em desobstrução da uretra e fluidoterapia parenteral. Se o gato ainda não apresentar azotemia, a desobstrução é suficiente, porém se apresentar, a fluidoterapia será necessária (BARSANTI, FINCO e BROWN, 1994). Para a desobstrução alguns animais requerem sedação, que pode ser realizada utilizando cloridrato de cetamina (1 a 2 mg/kg intravenoso), um barbitúrico de ação central ultracurta (tiaminal sódico ou tiopental sódico, 1 mg/kg intravenoso) ou propofol (2 a 4 mg/kg intravenoso) (NELSON e COUTO, 2006). Para gatos gravemente prostrados somente a contenção física numa toalha ou num cesto e uma aplicação tópica local de lidocaína podem ser suficientes (NELSON e COUTO, 2006; OSBORNE et al, 2004). Para a desobstrução da uretra pode-se tentar a massagem do pênis do animal, esticando-o caudalmente, para deixar a uretra a mais reta possível (NELSON e COUTO, 2006; PLUNKETT, 2006, OSBORNE et al, 1997). Porém esse método tem apresentados poucos resultados positivos. Outro método utilizado para aliviar a obstrução é a passagem de uma sonda uretral. Se a obstrução não for desalojada com facilidade, a lavagem da sonda com uma solução salina estéril ocasionalmente força o tampão em direção a bexiga ou quebra o material permitindo a passagem da sonda urinária. Se não for possível introduzir a sonda deve ser realizada a cistocentese e depois novamente a cateterização uretral. Em uma cateterização difícil, deixa-se a sonda no local geralmente por curto prazo (12 a 24 horas) para evitar traumatismo adicional e possibilitar o desaparecimento do espasmo e da inflamação uretrais. Após o alivio da obstrução, recomenda-se a lavagem da bexiga com solução salina estéril para tentar remover os cristais, areia ou precipitado mucóide remanescente na bexiga, diminuindo a possibilidade de nova obstrução (GRAHAM e LANE, 2004; PLUNKETT, 2006). 9

A fluidoterapia é o mais importante componente da terapia para animais com azotemia pós-renal. Para a maioria dos pacientes, reestabelecer o fluxo urinário associado à fluidoterapia apropriada pode resolver a hipercaliemia, acidose e azotemia (RABELO, SOARES e LEITE, 1998). A solução salina normal (cloreto de sódio a 0,9%) é uma escolha inicial segura e eficaz. Como solução livre de potássio, a salina corrige os déficits de volume e promove a diurese do potássio, uréia e íons hidrogênio retidos. As soluções alcalinizantes como Normosol-R ou Ringer lactato são muito usados para reverter a acidemia e a hiperpotassemia, embora estes líquidos contenham quantidades mínimas de potássio. As melhoras na perfusão tecidual, acidose e excreção de potássio, muitas vezes, superam o risco de uma pequena carga adicional deste elemento. À medida que a excreção urinária de potássio é restabelecida e a diurese prossegue, é provável que a hipopotassemia se desenvolva, dependendo da duração da terapia e da composição do líquido. Pode, então, ser necessário suplementar os líquidos com potássio. Devem-se utilizar as concentrações séricas do potássio periódicas para orientar a suplementação (GRAHAM e LANE, 2004). A quantidade de fluido para a reposição pode ser calculada da seguinte maneira: porcentagem de desidratação multiplicada pelo peso corpóreo em quilograma resultando em quantos litros devem ser administrados intravenosamente por 24 horas. A terapia de manutenção é de aproximadamente 60 a 70ml/kg/dia (NELSON e COUTO, 2006). O uso de antibióticos somente é indicado nos casos onde foram encontrados no sedimento urinário bactérias e leucócitos, e quando a cultura da urina for positiva (NELSON e COUTO, 2006). Indica-se também o uso de antibióticos de largo espectro, como a ampicilina, nos casos onde os cateteres são mantidos por mais tempo no animal. Mas é importante 10

lembrar que é necessário um acompanhamento da urinálise e da cultura para verificar a eficácia do tratamento (OSBORNE et al, 1997). A atonia de um detrusor é bastante freqüente nos felinos obstruídos por mais de 24 horas e é associada à excessiva distensão da bexiga. Se a bexiga puder ser comprimida manualmente de 4 a 6 vezes por dia, não é necessário um cateter permanente. Caso isso não ocorra, é indicado o uso de cateter de permanência. Betanecol (2,5 mg a cada 8 horas VO) pode ser administrado para estimular a contratibilidade do detrusor, somente após observação de um fluxo urinário amplo ou da colocação de um cateter urinário de retenção confirmando a patência da uretra (NELSON e COUTO, 2006). A uretrostomia perineal é realizada somente quando há fracasso em todos os outros procedimentos para restabelecer a função normal da uretra (WILLS e WOLF, 1993). As uretrostomias são realizadas mais comumente em gatos com reobstrução freqüente (NELSON e COUTO, 2006; GRAHAM e LANE, 2004; WILLS e WOLF, 1993). 2.1.6. Prognóstico Na obstrução uretral o prognóstico é de bom a grave, dependendo da presença ou ausência de hematúria, vômito, hipotermia, depressão, azotemia, uremia e arritmias cardíacas (PLUNKETT, 2006). O prognóstico para felinos machos com obstrução uretral recidivante é reservado (NELSON e COUTO, 2006). 11

2.1.7. Prevenção A prevenção depende de cuidados com a dieta e controle de líquidos ingeridos pelo gato. Água fresca deve estar disponível e as caixas sanitárias devem ser limpas freqüentemente e colocadas em locais convenientes. Se o animal apresentou obstrução uretral e na urinálise observou-se ph alcalino e cristais de estruvita, o felino deve ser alimentado com uma dieta acidificante restrita em magnésio, que manterá um ph urinário médio de 6,4 1. A duração do tratamento com uma dieta para prevenção de estruvita é controversa, mas dois meses é uma tentativa inicial muito boa. Se houver recidiva após o tratamento inicial, indica-se uma tentativa terapêutica mais prolongada. Se essas dietas não puderem manter uma urina ácida, acidificantes urinários devem ser adicionados ao regime de tratamento. Cloreto de amônia é o acidificante urinário mais eficaz (800 mg/dia ou aproximadamente ¼ de colher de chá no alimento); entretanto, diarréia, vômito e anorexia são os efeitos adversos em potencial (NELSON e COUTO, 2006). 1 Exemplos de dietas para prevenir a recidiva, incluem (Hill s Feline Prescription Diet s/d (enlatada ou seca), Science Diet Feline Maintenance (enlatada ou seca), Iams ph/s, Purina UR-Formula Feline Diet e Waltham Veterinarium Feline Control ph-formula Diet).

3. CONCLUSÃO A ocorrência de obstrução uretral em felinos é freqüente, principalmente em machos. Diferentes causas são consideradas, como a formação de tampões mucoproteináceos e urólitos, devido à fatores nutricionais, obesidade, diminuição da freqüência e volume urinário, atividade física diminuída, enfermidades, confinamento e estresse. Os poucos trabalhos publicados sobre essa doença foram realizados há muitos anos e em outros países. No Brasil, o diagnóstico deveria ser realizado para prevenir recidivas, através da análise mineral dos tampões uretrais. Os proprietários de felinos deveriam ser orientados para identificar os sinais da obstrução uretral, como a freqüência, volume e coloração da urina, evitando assim as alterações metabólicas mais graves, que levam o animal ao óbito. 13

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RABELO, R.C; SOARES, J.A.; LEITE, R. M.C. Aspectos emergenciais na síndrome urológica obstrutiva dos felinos. Disponível em <http://www.bveccs.com.br>. Acesso em 6 jun. 2008. RECHE, J.A.; HAGIWARA, M.K.; MAMIZUKA, E. Estudo clínico da doença do trato urinário inferior em gatos domésticos de São Paulo. Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso em 6 jun. 2008. WILLS J.; WOLF A. Manual de Medicina Felina. 1.ed.. Zaragoza: Editora Acribia, 1993. p. 236-241. 15