REMODELAGEM APLICADA AO CONCEITO DE UPCYCLING: ALTERNATIVA PARA DESCARTES TÊXTEIS

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Transcrição:

REMODELAGEM APLICADA AO CONCEITO DE UPCYCLING: ALTERNATIVA PARA DESCARTES TÊXTEIS Remodeling applied to the concept of upcycling: Alternative to disposal of textiles PAOLIELLO, Piera Consalter; Graduada; Universidade Estadual de Londrina, piera_paoliello@hotmail.com ¹; SOUZA, Patrícia de Mello; Doutora; Universidade Estadual de Londrina, patriciademellosouza@gmail.com ² Resumo O conceito de upcycling é aplicado no desenvolvimento de um projeto de design de moda no qual a desconstrução e a reconstrução de produtos de camisaria resultam na elaboração de um catálogo de modelagem, como solução para prolongar o ciclo de vida dos produtos descartados e minimizar os impactos ambientais causados pelo setor têxtil. Palavras-chave: Design de moda, Upcycling, Materiais têxteis, Modelagem, Sustentabilidade. Abstract The concept of upcycling is applied in the development of a fashion design project in which the deconstruction and reconstruction of hosiery products result in the development of a modeling catalog as a solution to extend the life cycle of discarded products and minimize impacts environment caused by the textile sector. Keywords: Fashion Design, Upcycling, Textile, Modeling, Sustainability. ¹Graduada em Design de Moda pela UEL. Bolsista do USF, em atuação no projeto Assessoria e Apoio à Criação da Incubadora de Cooperativas de Costureiras da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários - INTES/UEL. ² Bolsista CNPq em Pós-doutorado no Exterior, no Politecnico di Milano. Doutora e mestre em Design pela UNESP. Docente e pesquisadora na UEL. Tem experiência na área de Design, com ênfase em Moda e atua nos temas: processos de construção; modelagem tridimensional e criação; tecnologia do vestuário; moda e arquitetura

1. INTRODUÇÃO Dados de 2004 confirmam que cada brasileiro gera, em média, setecentos gramas a um quilo de lixo por dia (DIMENSTEIN, 2004). Na Alemanha, cerca de 960.000 toneladas de vestuário são consumidas por ano, sendo 24 kg por pessoa, onde aproximadamente 460.000 toneladas são recolhidas e reutilizadas. Isto significa que cerca de 500.000 toneladas de têxteis são destinadas ao lixo comum. Os consumidores do Reino Unido gastam cerca de 780 libras per capita anualmente em vestuário, adquirindo cerca de 2,15 milhões de toneladas, sendo 35 kg por pessoa, dos quais, aproximadamente 30 kg são descartados anualmente em aterros (ALWOOD et al, 2006). Além disso, acrescentam os autores, durante a produção de roupas, 15% a 20% de material têxtil é descartado. Diariamente o meio ambiente recebe milhares de toneladas de lixo, trazendo um grande prejuízo à natureza. Partindo do pressuposto de que a efemeridade imposta pelo sistema de moda ocasiona um fluxo intenso de produção, e conseqüentemente, descarte de produtos do setor têxtil, torna-se necessário o desenvolvimento de projetos que auxiliem no enfrentamento aos impactos ambientais ocasionados, que ocorrem desde o excessivo gasto de matéria-prima e energia ao longo da préprodução, produção, distribuição e consumo dos produtos, até a geração de resíduos e emissões no fim de vida dos mesmos. Segundo Manzini e Vezzoli (2008), para alcançar a sustentabilidade torna-se necessária uma nova maneira de conceber produtos, serviços e sistemas: o design sustentável permite produzir com um baixo impacto ambiental e uma alta qualidade social, além da viabilidade econômica. Observa-se que o conceito de upcycling, embora pouco explorado, possui grande potencial para soluções em longo prazo. Para detectar a real situação do descarte de artigos têxteis em determinada região, realizou-se uma pesquisa com mulheres entre 25 e 35 anos. Os resultados obtidos apontam as camisas como o principal produto de vestuário inutilizado. Observa-se também a necessidade de uma solução prática para artigos têxteis que não são vestuário, tais como toalhas de mesa, 2

cortinas e lençóis, que perdem a utilidade por inúmeros motivos, considerando que alternativas para a intensificação do ciclo de vida de tais artigos são praticamente inexistentes. A fim de encontrar uma solução real e de aplicação imediata para o problema delimitado, desenvolveu-se um projeto utilizando como matéria prima os artigos têxteis com maior índice de desuso. O estudo partiu de análise da modelagem das camisas, que foram desestruturadas, dando início a um trabalho de remodelagem com a finalidade de desenvolver novos produtos de maior valor, uso e qualidade em relação ao inicial, com base no conceito de upcycling. Desta forma, o presente trabalho busca soluções para auxiliar no combate aos impactos ambientais causados pelo setor têxtil. 2. DESENVOLVIMENTO Para Lipovetsky (2003), foi apenas no final da Idade Média que a moda foi reconhecida como sistema. A renovação das formas torna-se um valor mundano, a fantasia exibe seus exageros na alta sociedade e a inconstância em matéria de formas e ornamentações, passa a ser regra permanente. A efemeridade é umas das principais características do sistema da moda e está vinculada a curta duração das coleções, ao efeito passageiro e transitório da moda. O novo produto rapidamente perde o valor, e surge o desejo por algo novo. A novidade torna-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir "o que se faz" de novo e adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites (LIPOVETSKY,2003, p. 33). A efemeridade, portanto, é caracterizada pela lógica da mudança. A moda como um sistema bem sucedido deve gerar inovação, e esta pode ser considerada como a própria materialização da superação de tendências 3

ultrapassadas. Tal sistema ocasiona um fluxo intenso de produção, e consequentemente, acarreta o descarte excessivo de artigos têxteis. Segundo Santos (2009), o algodão é uma das matérias-primas mais utilizadas na indústria têxtil. No uso mundial de fibras naturais, ocupa aproximadamente 90% do total consumido, seguido pela lã lavada. Sabe-se que a maior parte dos produtores ainda empregam formas tradicionais de plantio que incluem amplo uso de agrotóxicos como: pesticidas, fungicidas e inseticidas e processos de adubação química artificial e sintética. No caso de colheita feita através de máquinas utilizam-se desfolhantes químicos, os quais agridem consideravelmente o meio ambiente e consequentemente as pessoas, tanto as que estão envolvidas no processo como os consumidores finais. Um quilo de tecido de algodão requer de 15 a 20 kwh de energia e 100 litros de água, e após todo esse processo de produção, que demanda gastos e emite poluentes, verifica-se um grande estímulo ao consumo que acarreta elevados montantes de descarte. (ALWOOD et all, 2006). A grande quantidade de resíduos sólidos gerada no Brasil é incompatível com a política e os investimentos públicos para o setor, mesmo considerando que os resíduos da indústria têxtil são homogêneos e fáceis de recolher, portanto, passíveis de simplificada recuperação. Torna-se necessária a busca por alternativas capazes de minimizar esta realidade, na qual a capacitação técnica e a conscientização da sociedade são fatores determinantes. Para Souza (2006), todo profissional deveria ter em mente que a qualidade de vida das futuras gerações depende da forma como são tratados os recursos naturais do planeta e de como se produz atualmente. Neste contexto emerge o conceito de sustentabilidade ambiental, isto é, a utilização das funções vitais do meio ambiente de maneira a permanecerem disponíveis indefinidamente. Chamar uma atividade de sustentável, garantem Townsend, Begon e Harper (2006), significa afirmar que ela pode ser continuada ou repetida em um futuro previsível. Portanto, com o aumento do reconhecimento da função-suporte da natureza, a reutilização de produtos de moda tem se tornado uma das 4

principais abordagens em relação à consciência sustentável no setor. As pressões sociais sobre as empresas estão aumentando, o que as leva a modificar o seu comportamento ou determina a sua saída do mercado. O nível de degradação ambiental socialmente aceitável diretamente ligado ao nível de incômodo que a sociedade está disposta a suportar e, sobretudo, de quais recursos está disposta a abrir mão para melhorar o seu meio ambiente (TOWNSEND; BEGON; HARPER, 2006). A percepção de que os recursos naturais disponíveis no meio ambiente possam se esgotar se não forem utilizados de maneira consciente está gerando novas formas de produção e de consumo, que fazem parte do desenvolvimento sustentável (LEITE, 2009). O estudo acerca das possibilidades de projetos sustentáveis, aponta para o conceito de upcycling, que embora pouco explorado, possui grande potencial para soluções a longo prazo. 2.1 Upcycling Ao projetar com o intuito de desenvolver produtos com design sustentável, geralmente aplica-se a teoria dos 3 Rs (reduzir, reutilizar e reciclar). Inicia-se com a busca pela redução na fonte, desenvolvendo sistemas para que haja a redução de resíduos gerados pela fabricação e consumo de produtos, conforme definição da EPA - Environment Protection Agency (STRALIOTTO, 2009). A parte denominada reutilizar é caracterizada pela utilização de produtos já existentes, ou de parte deles, muitas vezes com uma nova função ou aplicação. A reciclagem trata da recuperação de um material, tornando possível o seu beneficiamento para o desenvolvimento e produção de novos produtos. Freqüentemente, a reciclagem é considerada uma alternativa de fim-delinha, menos ecológica que as alternativas de redução e reutilização porque os processos de reciclagem implicam consumo de energia de fontes não renováveis. (MANZINNI e VEZZOLI, 2002). Muitas vezes é possível associar a 5

reciclagem com o conceito de downcycling, que significa o desmanche de um material que não teria mais como ser utilizado, e então, é destinado para o reuso como produto de menor valor. (MCDONOUGH, 2001). Em contrapartida, o upcyling é um conceito que tem se tornado relevante, e tem como definição utilizar um material no fim do ciclo de vida útil ou então o resíduo de um produto, e desenvolver novos produtos de maior valor, uso ou qualidade sem despender mais energia para recuperação de matéria-prima, ou seja, sem reciclar o produto. É um processo de recuperação que transforma materiais no fim da vida útil em novos produtos ou materiais com superior qualidade e valor ambiental. Upcycling não é um conceito novo. Alguns dos melhores exemplos aconteceram entre os anos 1930 e 1940, quando as famílias tinham recursos econômicos e materiais escassos. Nesta época de poupança, as pessoas acabavam sendo obrigadas a reutilizar muitas coisas, reformulando os produtos até que os mesmos não fossem de fato mais úteis. Sacos de estopa que armazenavam alimentos transformaram-se em vestidos, e portas antigas, em mesas de jantar. Além de remover itens do fluxo de lixo global, o upcycling contribui para diminuição da geração de poluentes oriundos da criação de novos objetos, permite poupar energia e água que seriam utilizadas para decompor os materiais, somando vantagens sobre o método de reciclagem, na medida em que acarreta impactos positivos sobre o meio ambiente. 2.2 Projeto e remodelagem Tachizawa (2004) afirma que a gestão ambiental é a resposta natural das organizações ao consumidor ecologicamente preocupado, também conhecido como consumidor verde. Modelos e alternativas de gestão são necessários para que se garanta um crescimento econômico equilibrado, utilizando os recursos naturais de forma sustentável, para garantir qualidade de vida às futuras gerações. Camargo (2003) argumenta que a utilização da 6

capacidade criativa das organizações pode ser usada para desenvolver oportunidades de negócios que surgirão como forma de sanar problemas existentes e como meio de garantir o futuro. Portanto, o quanto antes as organizações visarem às questões ambientais como um desafio e como oportunidades de crescimento, maior será a chance de que sobrevivam. Neste contexto, desenvolveu-se um projeto com o intuito de intensificar o uso dos artigos têxteis que, devido à sazonalidade da moda, são periodicamente inutilizados mesmo tendo suas características têxteis intactas. O estudo teve inicio com a delimitação do público alvo, que ocorreu após detectar emergente interesse pelas questões socioambientais em uma classe de consumidores mulheres com idade entre 25 e 35 anos, que se adequam ao perfil delimitado por Morace (2009, p. 63), as Sense Girls. Em pesquisa realizada diretamente com este público, na cidade de Londrina, no Paraná, detectou-se que 16 em cada 30, afirmam que dentre os produtos de vestuário que costumam consumir, a camisa é a que inutilizam com mais frequência. Geralmente são confeccionadas em tricoline, um tecido que tem como matéria prima o algodão. Além disso, dados da pesquisa indicam que não existem alternativas de escoamento para artigos têxteis de outros segmentos, tais como toalhas de mesa, cortinas e roupas de cama, que geralmente são inutilizados por tempo de uso ou por defeitos e armazenados pelo proprietário, ou descartados em lixo comum. Assim, percebeu-se a necessidade de elaborar um sistema que considerasse tal cenário. Para o desenvolvimento do projeto, então, foram utilizadas camisas, bem como, toalhas de mesa, cortinas e roupas de cama, artigos têxteis que se se encontravam em desuso pelo público alvo. Partiu-se do estudo da modelagem das camisas, que foram desmontadas conforme mostra a Figura 1, tendo suas partes analisadas individualmente com o intuito de desenvolver novos produtos de vestuário combinando, de forma alternativa, cada uma delas. 7

Figura 1 Partes de uma camisa. Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada. (2013) Para facilitar e intensificar o estudo formal das partes das camisas, com base no conceito de upcycling, delimitou-se como foco do projeto o desenvolvimento de vestidos a partir do objeto de estudo. Os outros artigos têxteis inutilizados delimitados na pesquisa foram agregados à análise, sendo empregados como base para a aplicação de modelagens desenvolvidas para as partes inferiores dos vestidos. Para dar melhor visibilidade ao projeto, elaborou-se um catálogo com as modelagens desenvolvidas, constituído de 50 modelos de partes superiores de vestido, nas quais foram aplicadas como base, as partes da modelagem das camisas conforme exemplos ilustrados na Figura 2; e 5 modelos de partes inferiores, que podem ser confeccionados com cortinas, toalhas de mesa e roupas de cama. Todos os modelos podem ser combinados entre si, totalizando 200 possibilidades de vestidos diferentes. Planejou-se o emprego de cada parte da camisa, inclusive golas, pé de gola e punhos, de modo a reutilizar todo o material descartado. O desenvolvimento do projeto se tornou viável devido à emergente aceitação de conceitos relacionados à questão ambiental e ao consumo consciente, especialmente em relação a produtos de moda, tais como o Slow Fashion e a Moda Atemporal. O Slow Fashion, a tendência da não tendência, visa à preservação dos recursos naturais, enfocando a atitude sem pressa, o que não significa fazer menos, ou baixa 8

produtividade, mas sim trabalhar para a melhoria da produtividade através da criatividade e da qualidade, o que torna o processo amigo do meio ambiente. O conceito de Moda Atemporal define a categoria de peças de vestuário com estética que não é afetada pelo sistema sazonal das tendências de moda. Basicamente, são aquelas que possuem vida longa não somente pela qualidade têxtil. Ambos os conceitos tem o intuito de auxiliar no desenvolvimento de produtos com a finalidade de despertar um estilo de vida, fazendo com que o possível consumidor seja impactado por algo mais significativo, que vá além das características estéticas. Figura 2 Página do Catálogo de Modelagens desenvolvido (Partes superiores do vestido). Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada. (2013) Para estimular os possíveis consumidores a se conscientizarem dos benefícios da reutilização de artigos têxteis, desenvolveu-se também a proposta de um Sistema de Serviço, ilustrado na Figura 3, que envolve o usuário com o processo, do seu início até o produto final. 9

Figura 3 Sistema de Produto-Serviço utilizando como base o Upcycling de artigos têxteis. Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada. (2013) No que tange ao interesse pelo consumo consciente, cabe citar os autores Vinnari & Koskela (2009) cuja pesquisa realizada com 249 entrevistados, traça o seguinte panorama: 62,0% apresentam interesse em consumo consciente; 57, 1% tem freqüentemente um comportamento de consumo consciente, 49,2% tem interesse em consumir vestuário com considerações éticas e 47,2% decidem adquirir roupas pela consciência ética. Portanto, observa-se que apesar da não superação do conflito entre o meio ambiente e o consumidor, existe um aumento da preocupação para com as questões sócio-ambientais, tanto por parte dos empresários, quanto dos consumidores, que já se organizam em um crescente grupo de compradores, 10

geralmente envolvidos intensamente com a causa, contribuindo para disseminar a proposta e levá-la ao conhecimento e alcance de novas pessoas. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando os dados coletados por meio de pesquisa bibliográfica e através de pesquisa realizada diretamente com o público alvo, pode-se considerar que a conscientização de consumidores em relação à relevância e importância de consumir produtos de moda com caráter atemporal já não é algo distante, tampouco utópico. O projeto foi desenvolvido como alternativa passível de aplicação imediata, e o conceito de upcycling contribuiu para a aceitação da proposta, considerando que os novos produtos devem ter maior uso, valor e qualidade em relação ao produto matéria-prima. Para que a difusão do conceito do consumo consciente de artigos têxteis seja eficaz, é de extrema importância que os futuros consumidores conscientes sejam apresentados a Sistemas de Produto-Serviço acessíveis e que os envolva de maneira prática. Desperta-se, assim, o interesse em adquirir produtos que são desenvolvidos com o intuito de reduzir o impacto ambiental provocado pela indústria da moda, que por vezes não se permite tempo para planejar, fabricando massivamente produtos com ciclo de vida demandados especialmente pelos aspectos da novidade e da efemeridade. REFERÊNCIAS ALWOOD et all. Well dressed? The present and future sustainability of clothing and textiles in the United Kingdom. London: University of Cambridge Institute for Manufacturing, 2006 LEITE, P. R. Logística reversa: meio ambiente e competitividade. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009. 11

LIPOVETSKY, G. Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo, Companhia das Letras, 294 p., 2003. MANZINI, E.; VEZOLLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentáveis : os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo:EDUSP /Editora da Universidade de São Paulo, 2002. MCDOUGALL, F., WHITE, P., FRANKE, M. & HINDLE, P. Integrated Solid Waste Management: a Life Cycle Inventory. 2nd Edition. Blackwell Science Ltd, 2001. MORACE, F. Consumo Autoral: As gerações como empresas criativas. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora, 2009. SANTOS, G. A indústria cultural e a fruição Estética. São Paulo: Unesp, 2009. SANTOS, S. Impacto ambiental causado pela indústria têxtil. Florianópolis, 2009. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep1997_t6410.pdf SOUZA, S. D. C. Engenharia de produção: rumo ao sistema de produção limpa. CREA RJ em Revista, n. 56, p. 30-33, jan./fev, 2006. TACHIZAWA, T. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. WOOLRIDGE, A.C.; WARD, G.D.; PHILLIPS, P.S.; COLLINS, M.; GANDY, S. Life cycle assessment for reuse/recycling of donated waste textiles compared to useof virgin material: An UK energy saving perspective. UK: Resources Conservation & Recycling, 2006. 12