Unidade: Introdução à Reflexão Filosófica Unidade I: 0
O que é Filosofia? Essa pergunta permite muitas respostas... Alguns podem apontar que a Filosofia é o estudo de tudo ou o nada que pretende abarcar tudo. Diante de tantas possibilidades, podemos iniciar nosso trabalho procurando o significado da palavra, que é de origem grega. Trata-se da junção de dois termos: philos que significa amizade e sophia que significa sabedoria; portanto, Filosofia é o amor pela sabedoria. Philo = amizade filosofia Sophia = sabedoria Considerando essa ideia, podemos dizer que a Filosofia indica um estado de espírito, um desejo de procurar o conhecimento, cultivá-lo e respeitá-lo. Segundo a tradição, foi o grego Pitágoras de Samos que criou esse conceito. Pitágoras considerava que a sabedoria absoluta era um privilégio divino, mas os Pitágoras de Samos homens poderiam desejá-la e ao se dedicarem a obtê-la, tornavam-se 1 FILÓSOFOS. 1
A Filosofia é uma criação grega. Foram os gregos que, encantados com o mundo que os cercava e insatisfeitos com as explicações de caráter tradicional, procuraram entender os fenômenos com base na inteligência humana. Em suma, eles perceberam que o mundo poderia ser conhecido pelo homem e por isso, ensinado. Para que Filosofia? Marilena Chauí conta que quando você pergunta a um filósofo para que serve a Filosofia, a primeira resposta será Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações. 1 O que ela quer dizer com isso? Sua afirmação permite considerar que a Filosofia demanda uma atitude diferenciada perante o conhecimento e as suas formas. Trata-se da ATITUDE FILOSÓFICA. Atitude Filosófica A atitude Filosófica é marcada por dois movimentos: a atitude crítica perante as informações recebidas e o pensamento crítico, marcado por indagações rigorosas sobre o mundo. Atitude crítica e pensamento Esse tipo de atitude aponta a necessidade de observar o conhecimento como algo em construção e que pode ser alterado, ampliado e acima de tudo criticado. O filósofo grego Sócrates dizia que a atitude filosófica fundamental era aceitar que: Sei que nada sei. A atitude filosófica, portanto, é uma atitude de indagação constante e as perguntas que marcam essas indagações são as mesmas, independentes dos objetos que a Filosofia pretenda conhecer. Observe o gráfico que segue: 1 CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Atica, 2000, p.9. 2
O quê? Atitude Significação de algo Filosófica Como? Estruturas e Por que? Origem ou causa das coisas Reflexão Filosófica = pensar o pensamento Aos poucos, a Filosofia volta as suas questões para o próprio pensamento, ou seja, o pensamento passa a interrogar a si mesmo e esse movimento é chamado de REFLEXÃO. A reflexão filosófica é considerada radical, pois coloca em discussão como é possível a existência do próprio pensar e como isso realmente acontece. A reflexão filosófica também procura observar as relações que estabelecemos com o mundo e como essas se efetivam. Observe o Gráfico Reflexão Filosófica Para que pensamos? Por que pensamos? Motivos O que pensamos? Conteúdo Finalidade 3
Essas questões, contudo, não podem ser respondidas ao acaso ou com base em opiniões pessoais. A Filosofia é uma ciência que trabalha com raciocínios lógicos e enunciados precisos. No campo da Filosofia, o processo de pensar algo é acompanhado por um rigor sistemático que garante organicidade, lógica e sentido a tudo que é postulado. As respostas obtidas a essas questões, portanto, precisam formar um conjunto coerente, sistemático de ideias que possa ser comprovado e demonstrado logicamente. Filosofia: conhecimento sistemático Coerência Relação entre as ideias Considerando o que já foi dito, voltamos a questão: Para que Filosofia? Ora, a Filosofia nos ensina a pensar de forma crítica, a criticar o pensamento. A filósofa Marilena Chauí aponta: Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum, for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos, for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história, for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política, for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos, for útil; então, podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. 2 A Filosofia Ocidental tem seu estudo dividido em grandes momentos, que algumas vezes estão próximos à periodização utilizada na História e algumas vezes ficam bem distantes. Os principais períodos são: 2 CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo, Atica, 2000, p.17. 4
Filosofia Antiga do século VI a.c ao século VI d.c Esse período compreende os quatro grandes períodos da Filosofia greco-romana. São eles: Nome Período Característica Pré Socrático ou cosmológico Séc. VI a.c - Séc V a.c Mapear a origem do mundo. Mapear as causas das transformações da natureza. Período Socrático ou antropológico. Séc. V a.c - Séc IV a.c Mapear questões voltadas à questão humana como: ética, política. Período Sistemático Séc. IV a.c - Séc III a.c Sistematizar os conhecimentos sobre cosmologia e antropologia Tudo pode ser objeto da Filosofia Período Helenístico ou grecoromano sobre ética, do Séc III a.c Séc IV d.c Ocupa-se de questões conhecimento humano e das relações homem/natureza e natureza/deus Filosofia Patrística século I a século VII Trata-se de um esforço sistemático de conciliação da filosofia grecoromana, com o pensamento cristão e pode ser dividida em duas: a patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e a patrística romana (ligada à Igreja de Roma). 5
A Patrística terá como questão principal a conciliação entre a fé e razão e seus autores vão introduzir no campo do pensamento a noção de que algumas verdades foram reveladas por Deus, trata-se dos dogmas. Com isso, surge uma distinção desconhecida aos pensadores antigos, entre as verdades Filosofia Patrística conciliação entre a fé e a razão. reveladas por Deus (os dogmas) e as verdades da razão humana. As verdades divinas são tidas, para esses autores, como mais importantes e superiores ao pensamento racional humano. Filosofia Medieval Século XIII ao século XIV Filosofia Medieval Método da disputa = Uma ideia seria considerada verdadeira ou falsa, dependendo da força e da qualidade dos argumentos Trata-se do surgimento de uma Filosofia que pode ser considerada realmente cristã. Suas questões centrais são: as relações entre Deus e o homem, a relação entre fé e razão, a diferença entre o corpo e alma, o Universo como uma hierarquia de seres e a subordinação do poder temporal ao poder espiritual. Filosofia medieval sofreu grande influência do pensamento neoplatônico e das leituras árabes do pensamento de Aristóteles. A Outra característica importante era o método desenvolvido, conhecido por disputa. Uma ideia seria considerada verdadeira ou falsa, dependendo da força e da qualidade dos argumentos apresentados pelo autor. O pensamento está subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma ideia era considerada verdadeira, dependendo se estava baseada na opinião de alguma autoridade reconhecida. 6
Filosofia da Renascença Século XV ao Século XVI Trata-se de um período marcado pela descoberta de novas obras de Platão e Aristóteles, bem como a recuperação do trabalho de outros autores do mundo greco-romano. São três as linhas de pensamento no período Filosofia da Renascença A Natureza é um grande ser vivo. O homem é parte da natureza e pode agir sobre ela. O homem pode conhecer os vínculos estabelecidos pelos elementos da natureza e criar outros. Valorização da vida ativa, ou seja, a participação política. Renascimento da liberdade política. Homem como artífice de seu destino. Destino determinado pelo conhecimento, da política, das técnicas e da arte. Filosofia Moderna Século XVII a Século XVIII Esse período é conhecido como Grande Racionalismo Clássico. Nenhum outro período da história da Filosofia foi tão marcado pela crença na RAZÃO. Considerava-se que a razão seria capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões humanas e controlá-las, além disso, seria capaz de Filosofia Moderna Primado da RAZÃO determinar o melhor regime político para as sociedades e de mantê-lo racionalmente. 7
É um período marcado por três grandes mudanças de atitude intelectual. Filosofia Moderna A Filosofia deve começar pela reflexão. Indagar a capacidade humana de conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos Tudo que pode ser conhecido, pode ser transformado em um conceito claro, distinto, demonstrável e necessário. Natureza, Sociedade e Política podem ser conhecidas totalmente, pois são inteligíveis. A realidade é um sistema de causalidades racionais, rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Filosofia da Ilustração ou Iluminismo Século XVIII ao Século XIX. Esse período também crê no poder absoluto da razão e seus pensadores consideram que ela ilumina o caminho humano. O Iluminismo afirma que: Iluminismo A Razão permite conquistar liberdade, felicidade social e política. A Razão é capaz de progresso. O homem pode atingir a perfeição através do conhecimento, das artes, da moral e da ciência. O Aperfeiçoamento da Razão se realiza pelo progresso das civilizações. As civilizações evoluem das mais primitivas para as mais desenvolvidas. Natureza é o reino das relações necessárias e imutáveis. Civilização é o reino da liberdade e da finalidade produzida pelo homem. 8
Filosofia Contemporânea Século XIX até os nossos dias. O pensamento filosófico atual é marcado pelas questões sobre a relatividade do pensamento, a crítica à razão instrumental e a necessidade de perceber a pluralidade das sociedades humanas. Seus principais problemas são: Filosofia Contemporânea História e progresso A História é descontínua e não progressista. Razão deve alertar para o perigo do pensamento instrumental. Trazer liberdade ao ser humano Filosofia afirmar sua posição de compreensão e crítica às ciências. Crítica às Utopias Revolucionárias somos capazes de criar uma sociedade mais justa? Cultura pluralidade cultural Crítica à Razão. O que podemos realmente conhecer? Interesse pela multiplicidade e pela diferença Os campos próprios de Estudo da Filosofia. A Filosofia realizou seus estudos em diversas áreas e ao longo de sua existência como uma disciplina do pensamento foi capaz de desenvolver alguns campos de estudo que lhe são próprios. São eles: 9
História da Filosofia Estudo dos períodos Filosóficos Ontologia Fundamento últimos de todos os seres Lógica Formas e regras do pensamento verdadeiro Filosofia da Linguagem A linguagem como manifestação da humanidade Epistemologia Análise crítica das ciências. Filosofia Estética Estudo das formas da arte e do trabalho artístico Teoria do Conhecimento Estudo das modalidades de conhecimento humano Filosofia da História - Estudo da dimensão temporal da experiência humana Filosofia Política Estudo da natureza do poder Ética Estudo dos valores morais O conhecimento. As noções que discutimos até agora apontam que a questão central da Filosofia envolve a crítica ao ato de pensar e, conectado a ele, o ato de conhecer. O conhecimento permeia todo o nosso cotidiano; através dele, sabemos como nos portar, o que evitar, o que é adequado. Enfim, o conhecimento do mundo nos garante um grande repertório de ações e pode ser percebido de duas maneiras: 10
Conhecimento = relação objeto/observador adquirido e transmitido. Ato de conhecer Conteúdo produzido Na primeira, o conhecimento é a relação estabelecida pela consciência do observador e o mundo que o cerca e na segunda possibilidade, o conhecimento é o conteúdo dessa relação. Trata-se, portanto, do saber Quando interagimos com o mundo, criando o conhecimento, nunca o fazemos despidos de conceitos anteriores, pois, ao longo da nossa relação com o mundo, somos educados e absorvemos conceitos que nos permitem ampliar o saber que temos. Trata-se de construir um edifício, em que cada um contribui com sua vivência. Existem muitas formas de conhecer e entre elas, destacam-se o senso comum e a ciência. O Senso Comum O senso comum é uma forma de conhecimento espontâneo que resulta das experiências cotidianas dos indivíduos para resolver problemas. Nesse processo, ele troca informações com seus contemporâneos e recebe informações de gerações anteriores. Trata-se de um conhecimento empírico e fragmentário que não estabelece relações com outros fenômenos. 11
Suas características centrais são: Senso Comum Saber Imediato Saber Subjetivo Saber Heterogêneo Saber Não Crítico Observação Confunde a aparência com o real Observação Centrada nas opiniões do indivíduo Acúmulo não sistemático de informações Não analisa criticamente o conhecimento É importante perceber que o Senso Comum pode ser considerado uma etapa na construção do saber. Ele precisa ser substituído por uma abordagem crítica e coerente, ou seja, o senso comum deve ser transformado em BOM SENSO. O Bom Senso, segundo Gramsci é "o núcleo sadio do senso comum". 3 Qualquer pessoa, se não privada de sua liberdade de pensamento, e se teve condição de desenvolver sua atitude crítica, será capaz de autoconsciência, de perceber criticamente o próprio pensamento e de analisar o mundo que a cerca. Portanto, todos somos capazes de atingir o bom senso proposto por Gramsci e, a partir dele construir um conhecimento, fruto da crítica sistemática. Como fazer isso? É necessário assumir a postura de dúvida perante o mundo que nos cerca e considerar, que as informações que recebemos precisam ser alvo de critica. Dessa forma entramos no mundo das CIENCIAS. 3 ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo, Moderna, 1993, p 37. 12
A Ciência Ao longo do tempo, podemos observar a existência de três formas de conceber as ciências ou noções do que é cientificidade. A primeira, chamada concepção racionalista, tem sua origem no pensamento dos gregos e pode ser percebida até o final do século XVII. abordagem são: As características centrais dessa Conhecimento racional, dedutivo e demonstrativo tido como real Ciência- unidade sistemática de postulados natureza do objeto natureza e as propriedades de seu objeto, Objeto científico é matemático = realidade possui uma estrutura matemática Concepção Racionalista Ciência- unidade sistemática de postulados relações de causalidade sobre o objeto As experiências científicas = verificar e confirmar as demonstrações teóricas Objeto científico = representação intelectual universal, necessária, verdadeira e real verdadeira das coisas - corresponde à própria realidade Deve-se observar que, para essa perspectiva, a ciência faz uma radiografia da realidade. Ela definia um objeto e dele procurava deduzir os efeitos e propriedades do fenômeno estudado, trata-se de uma abordagem hipotético-dedutiva. Já a abordagem empirista era hipotético-indutiva, ou seja, 13
criava suposições ao objeto e, depois de realizar um conjunto de experiências, definia suas características e propriedades. A concepção empírica pode ser relacionada ao pensamento de Aristóteles e pode ser rastreada até o século XIX. Suas características centrais são: A ciência é uma interpretação dos fatos, baseada em observações experimentos. A ciência é uma interpretação dos fatos, baseada em experimentos A concepção empirista Métodos experimentais rigorosos A experiência tem a função de produzir conhecimento A concepção construtivista combina elementos vindos do empirismo e do racionalismo e indica uma nova perspectiva para a noção de ciência. Procura-se explicar a realidade e não construir um raio X do mundo que nos cerca, trata-se de um conhecimento que pode ser ampliado e corrigido. Tratase da concepção de ciência que domina o conhecimento atual. 14
As características dessa concepção são: o objeto uma construção lógicointelectual coerência entre os princípios que orientam a teoria Concepção Construtivista modelos explicativos construídos - observação e experimentação Os resultados obtidos possam ser alterados e alterem a própria teoria Deve-se observar que, apesar de a concepção racionalista e a empirista terem sua origem no pensamento grego, a concepção dos gregos do que era ciências é radicalmente diferente da nossa. Existem muitas diferenças; Tecnologia é um saber teórico que pode ser aplicado praticamente contudo, a que merece destaque é a relação entre a ciência e a técnica. No mundo grego, que era escravista, a técnica era considerada 15
um saber inferior. Ela estava ligada a práticas necessárias à vida e nada tinha a oferecer à ciência nem a receber dela. Já a ciência moderna está intimamente ligada à intervenção no mundo natural e, nesse sentido, a ciência moderna não se separa da questão técnica, pois no mundo, o controle da natureza é considerado fundamental para a ciência. Na verdade, a ciência moderna coloca em evidência a questão da tecnologia que pode ser definida como um saber teórico que pode ser aplicado praticamente. A Filosofia, com sua atitude crítica, é a alma mater da ciência e permite ao ser humano interferir no seu meio, procurando um mundo melhor, como aponta Marilena Chauí: Penso que quem busca a filosofia como forma de expressão de seu pensamento, de seus sentimentos, de seus desejos e de suas ações, decidiuse por um modo de vida, um certo modo de interrogação e uma certa relação com a verdade, a liberdade, a justiça e a felicidade. É uma decisão existencial, como nos aparece com tanta clareza nas primeiras linhas do Tratado da emenda do intelecto, de Espinosa. Essa decisão intelectual, penso, não é possível a menos que aceitemos aquilo que Merleau-Ponty chamou de nossa vida meditante em busca de uma razão alargada, capaz de acolher o que a excede, o que está abaixo e acima dela própria. Essa decisão, penso também, não é possível se não admitirmos com Espinosa que pensar é a virtude própria da alma, sua excelência. O desejo de viver uma existência filosófica significa admitir que as questões são interiores à nossa vida e à nossa história e que elas tecem nosso pensamento e nossa ação. Significa também uma relação com o outro na forma do diálogo e, portanto, como encontro generoso, mas também como combate sem trégua. 4 4 CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos Avançados 17 (49), São Paulo, 2003, p.11. 16
Referências ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo, Moderna, 1993. CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos Avançados 17 (49), São Paulo, 2003.. Convite a Filosofia. São Paulo, Atica, 2000. 17
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