Fármacos e Oftalmologia Rui Proença Oftalmologia FMUC
Fármacos e Oftalmologia Agentes farmacológicos utilizados no exame oftalmológico Potenciais complicações oculares de medicamentos aplicados por via tópica ou administrados por via sistémica Efeitos secundários sistémicos de fármacos utilizados topicamente em oftalmologia
Fármacos tópicos oculares para diagnóstico Fluoresceína Anestésicos Midriáticos Parassimpaticolíticos Simpaticomiméticos Antes de administrar qualquer fármaco, é necessário perguntar sempre se existe uma história prévia de alergias ao agente utilizado.
Fluoresceína Fluoresceína sódica : corante hidrossolúvel, amarelo-alaranjado, que se torna verde brilhante quando observado sob uma luz azul Não é irritativo para o olho Extremamente útil na detecção de abrasões da superfície corneana porque a fluoresceína córa o epitélio lesado Papel embebido de fluoresceína (embalado e esterilizado) Aplicado na conjuntiva bulbar inferior Não há complicações sistémicas pela utilização tópica de fluoresceína Complicação local: coloração de lentes de contacto
Anestésicos tópicos Cloridrato de proparacaína a 0,5% Tetracaína a 0,5% Compostos de acção de superfície Tornam o epitélio corneano insensível dentro de 15 s Anestesia tópica - manipulações corneanas sem dor - remoção de corpos estranhos alojado na córnea - para realizar a tonometria Facilitar a observação de lesões da córnea
Anestésicos tópicos Podem produzir reações alérgicas locais ou sistémicas, o que é bastante raro Não devem ser prescritos para uso repetido pelo doente porque são tóxicos para o epitélio corneano Inibem as mitoses e a migração celular e podem causar úlceras de córnea e cicatrizes corneanas permanentes
Midriáticos Agentes bloqueadores colinérgicos (parassimpaticolíticos) Agentes estimulantes adrenégicos (simpaticomiméticos) Fármacos que dilatam a pupila Exame oftalmológico, para observar o fundo ocular Uveítes, para evitar sinéquias
Midriáticos / Cicloplégicos Fármaco Acção Cicloplegia Observações Tropicamida 3-6 H + Curta duração Fenilefrina 4-10 H - HTA / crianças Dispersão pigmentar Ciclopentolato 18-30 H + + Sedação / crianças Quimiot. leucócitos Homatropina 3 dias + + + Ciclopl. potente Atropina 10-14 dias + + + + Ciclopl. potente Sinéquias / UAC Ambliopia / crianças
Parassimpaticolíticos Tropicamida a 0,5% ou a 1% Cloridrato de ciclopentolato a 0,5% ou a 1% Hidrobrometo de homatropina a 1% ou a 2% Sulfato de atropina a 0,5% ou a 1% Hidrobrometo de escopolamina a 0,25% ou a 0,5% Acção bastante prolongada, durando dias (homatropina) a semanas (atropina e escopolamina)
Parassimpaticolíticos Midríase Cicloplegia: paralisia dos músculos ciliares Cicloplégicos Produzem uma paralisia da acomodação Visão turva ao perto até que o efeito desapareça O efeito cicloplégico facilita a refracção (crianças)
Tropicamida Midriático mais utilizado Rápido início de acção e curta duração Dilatação pupilar máxima aos 30 minutos O efeito desvanece-se dentro de 4 a 5 horas Efeitos secundários sistémicos muito raros, mas podem ser graves: náuseas, vómitos, palidez, colapso vasomotor
Simpaticomiméticos Dilatam a pupila por estimularem o músculo dilatador pupilar Apenas um fármaco é actualmente utilizado: cloridrato de fenilefrina a 2,5% Dilatação a pupila em 30 a 40 minutos Sem efeito sobre a acomodação Midriático mas não cicloplégico A midríase que produz não é tão grande como a da tropicamida e a pupila permanece reactiva à luz
Fármacos tópicos oculares para tratamento Descongestionantes Agentes utilizados nas conjuntivites alérgicas Anti-inflamatórios Antibióticos
Descongestionantes Uso extremamente frequente Acção simpaticomimética fraca que tornam branca a conjuntiva pelo seu efeito vasoconstritor Cloridrato de nafazolina a 0,012% Cloridrato de fenilefrina a 0,12% Cloridrato de tetrahidrozalina a 0,05% A crença difundida de que o uso destes compostos faz parte de uma boa higiene ocular é um conceito errado
Descongestionantes Uma conjuntivite irritativa podem beneficiar o mesmo com a aplicação de compressas frias sobre as pálpebras fechadas Complicação mais frequente: sobre-utilização, com um efeito rebound de vasodilação dos vasos conjuntivais Podem desencadear um glaucoma agudo de ângulo fechado por causa da dilatação pupilar que causam
Agentes utilizados nas conjuntivites alérgicas Combinações de nafazolina e antazolina ou feniramina (acção descongestionante e um afeito anti-histamínico) Estabilizadores dos mastócitos (quetotifeno, olopatadina): previnem a libertação de mediadores da inflamação e podem ser administrados de modo crónico para a prevenção dos sintomas alérgicos A levocabastina, um anti-histamínico, e o quetorolac, um agente anti-inflamatório não-esteróide, são úteis para o alívio da sintomatologia
Anti-inflamatórios Os corticosteróides tópicos oculares não devem ser prescritos sem a vigilância de um oftalmologista As complicações destes fármacos são graves e incluem: Aumento da susceptibilidade a infecções virusais, bacterianas e fúngicas Glaucoma Catarata
Anti-inflamatórios Os anti-inflamatórios não-esteróides disponíveis para aplicação tópica incluem: Diclofenac Quetorolac Flurbiprofeno Suprofeno Isoladamente, não têm potência suficiente para controlar a inflamação intraocular Indicações específicas: Controlo do prurido ocular Prevenção do edema macular após a cirurgia Prevenção da miose durante a cirurgia
Antibióticos Infecções bacterianas da conjuntiva e da córnea Os mais utilizados são: quinolonas, cloranfenicol, sulfacetamidas e eritromicina Os preparados que contêm neomicina, embora efectivos como agentes anti-bacterianos, podem causar sensibilização tópica Os antibióticos associados a corticosteróides só devem ser utilizados sob vigilância, pois esta combinação tem os mesmos efeitos secundários que os corticosteróides utilizados isoladamente
Potenciais complicações sistémicas de medicamentos aplicados por via tópica
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Bloqueadores ß-adrenérgicos Os antagonistas ß-adrenérgicos não-selectivos reduzem a formação de humor aquoso pelo corpo ciliar Timolol, levobunolol, metapranolol, carteolol Efeitos ß-adrenérgicos incluindo o broncoespasmo Contra-indicados na asma ou d. pulmonar obstructiva crónica Efeitos cardíacos Podem precipitar ou piorar uma insuficiência cardíaca Devem ser utilizados com precaução em doentes com bradicardia ou hipotensão arterial
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Bloqueadores ß-adrenérgicos Betaxolol tópico Antagonista ß1.adrenérgico cardio-selectivo, foi desenvolvido para evitar as complicações pulmonares do timolol O betaxolol é tão efectivo na diminuição da pressão intraocular como os não-selectivos Contudo foram igualmente descritos raros efeitos secundários pulmonares pelo que deve ser utilizado com precaução em doentes com uma grande diminuição da função pulmonar
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Parassimpaticomiméticos Pilocarpina tópica Disponível em colírio, baixa a pressão intraocular por aumentar o fluxo de drenagem do humor aquoso Efeitos secundários locais, incluindo diminuição da visão devida à constricção da pupila e cefaleias causadas por espasmo do músculo ciliar Efeitos secundários sistémicos são raros e só ocorrem com doses 5 a 10 vezes superiores às usadas habitualmente Ocasionalmente: lacrimejo, salivação, sudação, naúseas, vómitos e diarreia, sobretudo em casos de sobredosagem
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Agonistas adrenérgicos alfa-2 Brimonidina tópica Agonista alfa-2 relativamente selectivo Efeitos secundários sistémicos: secura das mucosas, cefaleias, fadiga Não deve ser utilizada em crianças - risco de hipotensão grave e apneia Apraclonidina tópica Derivado da clonidina Efeitos secundários: hipotensão ortostática e os episódios vaso-vagais Reacções de hipersensibilidade, dermatite de contacto palpebral A sua utilização tópica está associada a uma ligeira dilatação pupilar, branqueamento da conjuntiva e elevação da pálpebra superior.
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Estimulantes adrenérgicos Epinefrina e dipivefrina tópica Pro-drogas da epinefrina Podem causar arritmias cardíacas ou aumentar a pressão arterial sistémica em alguns doentes devido à estimulação adrenérgica Análogos das prostaglandinas Latanoprost tópico Análogo da prostaglandina F2a Potencial peculiar de escurecer as íris em doentes com olhos claros Associado a um aumento da espessura e comprimento dos cílios Pode causar edema da mácula, particularmente em doentes submetidos a cirurgia da catarata
Efeitos secundários sistémicos dos anti-glaucomatosos Inibidores da anidrase carbónica Acetazolamida, metazolamida e diclorfenamida orais Supressores da formação do humor aquoso Efeitos secundários: parestesias anorexia alterações gastro-intestinais cefaleias alteração do sabor e do cheiro deplecção de sódio e de potássio formação de cálculos renais depressão da medula óssea (raramente) Dorzolamida tópica A dorzolamida tópica baixa a pressão intraocular pelo mesmo mecanismo que os inibidores orais da anidrase carbónica Incidência muito menor de efeitos secundários sistémicos.
Potenciais complicações oculares de medicamentos administrados por via sistémica
Corticosteróides Administrados em doses moderadas durante longos períodos, podem provocar cataratas subcapsulares posteriores Doentes asmáticos, doentes transplantados e doentes com patologia auto-imune sistémica, como a artrite reumatóide, são os grupos nos quais se observa com maior frequência Corticosteróides por via sistémica ou em inalação está associada a um aumento da pressão intraocular (glaucoma induzido pelos corticosteróides) em indivíduos susceptíveis
Cloroquinas Fosfato de cloroquina Sulfato de hidroxicloroquina Originalmente utilizados para tratar a malária, são hoje utilizados no tratamento da artrite reumatóide, do lupus eritematoso sistémico e outras doenças autoimunes As cloroquinas podem causar depósitos corneanos, geralmente assintomáticos, mas podem produzir fotofobia Os depósitos regridem quando a terapêutica é suspensa As lesões retinianas induzidas pelas cloroquinas são insidiosas, lentamente progressivas e geralmente irreversíveis
Cloroquinas As lesões maculares típicas (em olho de boi ), não são visíveis a não ser quando já existe uma lesão retiniana importante Doses elevadas de cloroquina (mais de 250mg/dia) ou tratamentos prolongados (três ou mais anos com, pelo menos, uma dose total de 300g) têm um risco elevado de retinopatia Os doentes submetidos a terapêutica com cloroquinas devem ser submetidos a exames oftalmológicos periódicos: determinação da acuidade visual e da visão cromática, grelha de Amsler, campos visuais e exame oftalmoscópico
Digitálicos A intoxicação com estas drogas cardio-vasculares pode produzir visão turva alterações da visão cromática (cromatopsia) Classicamente, os objectos normais parecem amarelados na sobredosagem com digitálicos (mas podem parecer verdes, vermelhos, castanhos ou azuis) Geralmente a fadiga e a fraqueza muscular desenvolvem-se concomitantemente, mas as perturbações visuais dominam frequentemente as queixas do doente
Amiodarona A amiodarona é um anti-arrítmico cardíaco que produz depósitos pigmentados, lineares, em forma de bigode, no epitélio corneano Os depósitos são dependentes da dose e reversíveis quando a dose é diminuída ou a droga suspensa Os sintomas visuais são raros
Difenil-hidantoína Utilizada no controlo da epilepsia Efeitos secundários cerebelo-vestibulares dependentes da dose Com níveis séricos moderadamente elevados da droga, podem ocorrer nistagmus horizontal no olhar lateral nistagmus vertical no olhar para cima vertigens ataxia diplopia Com níveis séricos muito elevados podem ocorrer formas mais complexas de nistagmus e até oftalmoplegia Efeitos secundários reversíveis com a suspensão da terapêutica
Etambutol Tratamento da tuberculose Efeitos secundários: neuropatia óptica relacionada com a dose 15mg/Kg/dia: < 1% 25mg/Kg/dia: 5% 50mg/Kg/dia: 15% O início dos sintomas visuais ocorre geralmente no primeiro mês Geralmente é observada uma recuperação quando a terapêutica é suspensa, mas esta pode demorar meses e, ocasionalmente, pode persistir uma perda permanente da visão
Pontos a relembrar 1. Nunca prescrever nem dar amostras de anestésicos tópicos aos doentes. 2. Nunca utilizar atropina ou escopolamina para dilatar a pupila para observação do fundo do olho. 3. Nunca utilizar nem precrever um corticosteróide tópico ocular sem um diagnóstico preciso para a qual este esteja indicado. Deve-se estar preparado para monitorizar o doente por causa dos efeitos secundários, como sejam o glaucoma ou a catarata.