The narcissism of couples who underwent in vitro fertilization with donated eggs for receiving: a literature review



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Transcrição:

ARTIGO O narcisismo dos casais que se submeteram à fertilização in vitro com receptação de óvulos doados: uma pesquisa bibliográfica Gustavo Presídio de Oliveira 1 Antonios Terzis 2 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP RESUMO Este trabalho apresenta uma discussão entre a teoria psicanalítica freudiana, em especial os conceitos da sexualidade infantil e do narcisismo, e os resultados encontrados em pesquisas científicas parciais sobre as vivências emocionais dos casais que se submeteram à fertilização in vitro com o uso de óvulos doados, tendo como objetivo compreender os aspectos emocionais destes casais através do arcabouço da psicanálise. Esta pesquisa bibliográfica permitiu concluir que a impossibilidade de gerar um filho biológico por parte da mãe, em decorrência do uso de óvulos doados através da técnica de FIV, poderá acarretar em alguns casais conflitos emocionais, fantasias angustiantes de incompletude e a fragilidade narcísica. Palavras-chave: Reprodução humana; Narcisismo; Psicanálise. The narcissism of couples who underwent in vitro fertilization with donated eggs for receiving: a literature review ABSTRACT This paper presents a discussion of Freudian psychoanalytic theory, especially the concepts of infantile sexuality and narcissism, and the results of scientific partial research on emotional experiences of couples who underwent in vitro fertilization using donor eggs, aiming to understand the emotional aspects of these couples within the framework of psychoanalysis. This literature review concluded that the inability to produce a biological child by the mother, due to the use of donated eggs through the technique of IVF, may result in emotional conflicts, agonizing fantasies of narcissistic fragility and incompleteness among couples. Keywords: Human reproduction; Narcissism; Psychoanalysis. 5

El narcisismo de las parejas que se sometieron a fecundación in vitro con óvulos de donantes: una revisión de la literatura RESUMEN Este artículo presenta una reflexión de la teoría psicoanalítica de Freud, especialmente los conceptos de narcisismo y sexualidad infantil, y los resultados parciales de la investigación científica sobre las experiencias emocionales de las parejas que pasaron por fecundación in vitro con óvulos donados, con el objetivo de comprender los aspectos emocionales de las parejas a través del marco del psicoanálisis. Esta revisión concluye que la imposibilidad de tener un hijo biológico por parte de la madre, debido a la utilización de óvulos donados a través de la técnica de fertilización in vitro, algunas parejas pueden acarrear conflictos emocionales, fantasías angustiantes de lo incompleto, fragilidad narcisista. Palabras clave: La reproducción humana; El narcisismo; El psicoanálisis. INTRODUÇÃO Este trabalho, de caráter bibliográfico, tem o objetivo de proporcionar uma análise parcial de alguns resultados obtidos em estudos científicos na literatura sobre as vivências emocionais dos casais que se submeteram à fertilização in vitro (FIV) com o uso de óvulos doados, articulando-os com a teoria psicanalítica freudiana, em especial os conceitos da sexualidade infantil e do narcisismo. Isto porque existem poucos trabalhos de cunho científico que abordem os aspectos emocionais destes pacientes utilizando o arcabouço teórico da psicanálise para compreender estas experiências subjetivas durante o tratamento da FIV com óvulos doados no Brasil. Essa proposta poderá oferecer aos profissionais da área da saúde que trabalham com esta demanda uma escuta dos processos psíquicos destes casais durante o tratamento e possivelmente os sofrimentos psíquicos que podem acometê-los. De tal maneira, este estudo envolveu livros, artigos e teses científicas concernentes à temática aqui apresentada, porém ressalta-se a dificuldade de obter trabalhos científicos publicados na atualidade - nas línguas portuguesa e espanhola - para compor a revisão de literatura. Para tanto, foram buscadas revistas científicas indexadas na Biblioteca Virtual de Saúde nas bases de dados Scielo, Lilacs, PePSIC e Medline. Os critérios de inclusão das obras literárias para compor a revisão bibliográfica foram estudos publicados que relatassem os aspectos emocionais vivenciados pelos pacientes que se submeteram ao tratamento de reprodução assistida com receptação de óvulos doados, ainda que a priori não desenvolvessem um 6

entendimento destes aspectos a partir da teoria psicanalítica. Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: estudos que não abordassem casais que utilizaram óvulos doados na reprodução humana assistida e que não apresentassem nenhuma vivência subjetiva destes pacientes em seus resultados. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO PSÍQUICO DOS CASAIS QUE SUBMETERAM A FIV COM O USO DE ÓVULOS DOADOS: UM ESTUDO PSICANALÍTICO Como uma das instituições mais antigas na história da formação do indivíduo e da sociedade, a família é campo de investigação de várias áreas científicas, tais como: sociologia, antropologia, psicologia, direito, entre outros. Segundo Roudinesco (2003), as relações familiares envolvem aspectos afetivos, psicológicos, sociais, religiosos e sanguíneos, os quais dão um caráter dinâmico para essa instituição que, no decurso do tempo, diante das diferentes culturas e ciclos da vida, sofreu inúmeras modificações. Há mudanças significativas nos papéis sociais e de gênero - as mulheres vêm ocupando melhores cargos, com maior renda, bem como disputando áreas do mercado de trabalho antes exercidas apenas por homens, passando assim a contribuir financeiramente com as despesas domésticas e almejando a realização profissional, além de dividir os afazeres domésticos e funções familiares com seus parceiros. O adiamento em gerar um filho torna-se, portanto, uma das possíveis consequências dessas mudanças no grupo familiar. No que se refere aos relacionamentos amorosos, segundo Ribeiro (2004), tanto alguns homens quanto algumas mulheres estão mais exigentes nas escolhas de seus parceiros (as), esperando da relação com seu cônjuge maior satisfação afetiva e sexual. Neste sentido, na busca de um par perfeito, estão à procura de qualidade nos relacionamentos e, consequentemente, aumentando o número de casamentos e de divórcios assim que se desiludem com as diferenças inevitáveis na relação a dois. Além disso, com o aumento da expectativa de vida, muitos casais protelam o desejo de terem filhos em prol de realizarem outras atividades como viagens, especialização profissional, trabalho em outro cargo ou profissão que exige maior disponibilidade de tempo, entre outros. Nesse sentido, o adiamento da chegada de um filho, principalmente após os 35 anos de idade, pode ser considerado um dos fatores dessas transformações sociais e, por conseguinte, do crescimento de casos de infertilidade no casal. Contudo, para a autora Gasparini (2007), os avanços na ciência médica, em especial relacionados à reprodução assistida, têm contribuído não somente para o tratamento da infertilidade dos casais, como também favorece aqueles que decidiram ter seus filhos tardiamente. Quanto maior o avanço nas maneiras de gerar um filho, maiores as repercussões e problemáticas em relação à sexualidade, ao conceito de família e a sua subjetividade imperativa nas vinculações de seus integrantes. Há, pois, um contexto complexo de discussões 7

sobre a reprodução assistida em relação às benesses no tratamento da infertilidade e às questões éticas que envolvem as formas de intervenção. Em conformidade a este pensamento, Zalusky (2000) afirma que a tecnologia está avançando mais rapidamente do que a mente pode lidar com os significados dela, pois o que antes era imaginável apenas no reino da fantasia, agora o desejo de ter um filho, apesar das dificuldades causadas pela infertilidade, tem potencial para ser efetivado no campo do real. Tais tecnologias como, por exemplo, a Fertilização In Vitro (FIV) com óvulos doados, embora ofereçam benefícios aos seus usuários, ainda assim podem estimular as ansiedades e fantasias onipotentes nos pacientes e, consequentemente, criar desafios únicos no processo analítico quando não ocorre êxito no tratamento. De acordo com Pina (2008), através da doação de óvulos pode-se favorecer um grande número de mulheres com incapacidade de gestar naturalmente um filho, bem como aquelas que apresentam menopausa fisiológica, prematura ou incipiente, ou ainda as que são portadoras de doenças genéticas, dentre outros. O sucesso obtido com a utilização de oócitos doados mediante a FIV pôs fim a um atraso de 99 anos em relação à utilização de gametas masculinos com fins reprodutivos. De certo que, para Corrêa (2001, p.75), há uma grande dificuldade de se conseguir doadoras de óvulos, uma vez que ocorre invasividade e pesadas manipulações do corpo feminino implicadas nas diferentes etapas do ciclo FIV, tais como a hiperestimulação hormonal, punção e coleta de óvulos, a superprodução de embriões, entre outros. Além disso, em algumas clínicas, os custos financeiros para o uso de medicamentos e assistências médicas ficam a cargo daquela que se disponibilizou a doar seus próprios óvulos. Existe, ainda, uma série de normas avaliativas para a execução da ovodoação e, por conta disso, os princípios éticos tornam-se preponderantes. Para Papp (2002, p.127), o conceito de óvulo de doadora é capaz de espantar a imaginação. Inicialmente, a maioria dos casais rejeita a ideia por considerá-la inaceitável. Contudo, após as diversas tentativas de engravidar - que levam a grande desgaste físico, emocional e financeiro -, a opção de receber óvulo de outra mulher torna-se, aos poucos, aceita. Importante ressaltar que, diante das adversidades vividas ao longo do tratamento da infertilidade e seus malogros, os casais podem acabar aceitando o uso de óvulos doados sem ter tempo suficiente para refletir a respeito dessa decisão. As consequências podem surgir no futuro em relação à maternidade (biológica) do filho, ao preconceito de alguns familiares e amigos, ao vínculo afetivo do casal, entre outros. Ou seja, o desejo de ter um filho é hiperinvestido do narcisismo de alguns desses pais a tal ponto que acabam aceitando essa técnica após já terem experimentado outros tratamentos infecundos. Assim sendo, a possibilidade de não realização deste feito poderá causar eventos traumáticos em alguns destes genitores e/ou na própria relação conjugal. De fato, quando o desejo de ter um filho não é alcançado, ou seja, quando somos privados de uma realização tão primordial e tão comum, antigas feridas narcísicas podem ser 8

reativadas (RIBEIRO, 2004, p. 91). Algumas pacientes relutam em aceitar a recomendação para o uso de óvulos doados, já que reverbera em seus psiquismos a fantasia de que seus corpos podem reverter o diagnóstico de infertilidade funcionando normalmente e de maneira sadia. Nestas situações, a sugestão em receber óvulos doados ganha dois significados: a esperança em poder ter o tão desejado filho, mas, por outro lado, a frustração em não ter um filho geneticamente parecido com a mãe. Quando é necessário como única opção lançar mão da ovodoação, a mulher vive conflitos intensos na sua intimidade, conflitos que precisam encontrar espaço de elaboração antes da decisão final e do início do tratamento (SEIBEL, 2006, p. 157). Em conformidade a este pensamento, as autoras Makuch e Filetto (2010, p. 771-779) afirmam que homens e mulheres, levados pela esperança de engravidar, tendem a não se incomodar com as exigências e o desgaste que significam os procedimentos da FIV, mas quando o resultado é o fracasso, começam a surgir vivências e a levantarem-se questionamentos que foram minimizados ou não tidos em conta antes de iniciar-se a terapêutica. Segundo Luna (2005, p. 4), após a aceitação do uso da técnica de FIV com óvulos doados, os casais convergem suas atenções e angústias para as questões relacionadas ao pertencimento dos laços sanguíneos do filho que vai nascer. Ou seja, alguns casais buscam que a terceira pessoa (a doadora) envolvida no tratamento seja alguém da sua família, posto que o motivo mais alegado pelas usuárias que procuram tratamento de infertilidade é o desejo de ter o filho meu mesmo, do meu sangue. Os laços de sangue são símbolos de pertencimento entre pessoas, das relações de filiação. Contudo, na impossibilidade de obter uma terceira pessoa (doadora) da família, alguns casais recorrem a critérios de semelhanças físicas, em especial biológicas, das doadoras pretendentes. Assim, com o propósito de mimetizar o indefectível destino - ter um filho geneticamente diferente da sua mãe -, esta última seleciona a doadora levando-se em conta características raciais, cor e textura dos cabelos, cor da pele e olhos, tipo sanguíneo, dados de saúde, bem como aspectos sociais que englobam a profissão, nível de instrução, religião, entre outros. Para Borlot e Trindade (2004), essa busca de similaridade entre a doadora do óvulo e a receptadora, de certo modo, torna-se um mecanismo de defesa para que não seja questionada pela sociedade - e até mesmo pelo próprio filho futuramente - a infertilidade da mãe e a forma como a criança foi gerada. Para Hochschild (1998), esta questão, anteriormente citada, perpassa a discussão a respeito do conceito sobre maternidade e paternidade, já que os pais são indivíduos que fornecem a informação genética contida nos gametas, enquanto a maternidade e a paternidade não estão necessariamente ligadas à descendência. Não há gene para transmitir o amor materno ou paterno, e a única ponte capaz de estabelecer relacionamentos e de pertença parental como uma criança é mediada por uma ponte de amor e vontade de ser um pai, mãe e filho (HOCHSCHILD,1998, p. 22). 9

De fato, para Freud (1905/1996), desejar a maternidade ou a paternidade e fazer com que isso se torne real ao permitir a vivência do lugar e da função de ser pai ou mãe levam a um encontro de cunho afetivo e vincular do casal, o que ganha ressonância em seus inconscientes. Nesse contexto, surge ou é resgatado do passado o projeto particular de ter um filho que, agora, une-se ao projeto do parceiro (a). O desejo de ter um filho perpassa as questões vivenciadas pela criança na sua descoberta da sexualidade e de sua constituição psíquica. A mãe, independentemente do sexo do filho, propiciará o ambiente e o contexto para que ele experimente a sexualidade, a erotização do seu corpo, a investigação de onde veio (origem dos bebês), bem como a primeira relação objetal. Tais fatores conglomeram importantes valores na constituição psíquica do infante, para ambos os sexos, porém tomarão destinos diferentes no decorrer do desenvolvimento psíquico, no que concerne ao desejo de ter filhos na fase adulta. No sexo feminino é mais proeminente e de maior visibilidade o desejo de ter um filho em razão de fatores sociais e culturais que influenciam no psiquismo da mulher desde sua infância, quando se observa o brincar de bonecas, de casinha, entre outros. Para Ribeiro (2004, p. 52), talvez seja difícil diferenciar, no psiquismo infantil, questões tão interligadas como a presença (origem) de bebês, a relação (sexual) entre os pais, a diferença entre os sexos e entre as gerações. São enigmas complexos, permeados pelas excitações pré-genitais, de extrema importância para a investigação sobre o desejo de ter um filho. Segundo Freud (1905/1996), o ambiente e a filogenia propõem, então, as rotas e o programa edípico para a libido, cujo sentido e finalidade pela castração são a constituição de um sujeito separado. As teorias infantis atestam claramente a elaboração dessa separação dentro da trama edípica, em que se luta contra o viés narcisista que resiste ao luto implícito e à separação do objeto primário, pois o luto é inerente à aceitação da castração para a entrada do sujeito na cultura. A elaboração carrega consigo essa transposição retroativa e defensiva, ou seja, em meio ao refúgio narcísico da castração e aos estágios da libido oral e anal. Estes adquirem uma configuração fantasmática da problemática edípica, ou seja, de significantes culturais, porém sob o modo narcísico, no que concerne a fantasia da ubiquidade do pênis, concepção, nascimento e bebês. No texto Romance familiar, Freud (1909/1996) descreve com clareza o conflito vivido pela criança a respeito da sua origem e suas impossibilidades amorosas sexuais para com seus pais. A dificuldade da criança em poder manter um estado de afeto satisfatório e único com seus genitores, após as interdições do complexo de castração, e, posteriormente, as constituições das barreiras sexuais, faz com que atravesse etapas de sua vida em que a fantasia circunscreve dúvidas a respeito da sua origem. Como exemplo disso, é comum o infante questionar-se se aqueles que dele cuidam são seus verdadeiros pais, bem como imaginar uma possível infidelidade conjugal dos genitores, e depois, ao descobrir o funcionamento sexual e o papel masculino e feminino no ato da procriação, restringir ao pai a dúvida da paternidade. Essas fantasias, que caracterizam os primeiros anos da criança, voltam 10

a se manifestar no adulto e vão ser projetadas em outras pessoas, como, por exemplo, nas escolhas amorosas e no desejo de serem pais. Para Freud (1914), o desejo de ter um filho parece surgir no esteio de questões estruturais para o psiquismo. Justamente por sua importância, a impossibilidade de realizá-lo pode reativar e/ou intensificar conflitos inerentes ao campo psíquico em que se origina e permanece vinculado De fato, o narcisismo é um dos núcleos inconscientes que leva o ser humano a se relacionar com o outro ou um objeto na busca de poder satisfazer seus impulsos sexuais infantis até então recalcados. Ter um filho segue semelhante trajetória, porém tem-se a sua singularidade, ou seja, o desejo de ter um filho origina-se e permanece vinculado ao desejo de imortalidade do Eu. Contudo, quando este filho nasce através da receptação de óvulos doados, surge um impacto ou conflito psíquico neste casal, já que terão que lidar no mínimo com a impossibilidade deste filho ter a genética da mãe. Assim sendo, alguns pais criam um pacto ou segredo em não falar sobre esta vivência entre eles, com o filho e nem mesmo entre parentes e amigos, como se fosse um mecanismo de defesa ou recurso de enfrentamento que possibilite a ambos a proteção de seus egos e, consequentemente, o narcisismo que se encontra até então fragilizado. Há que se considerar que, como destaca Papp (2002), a questão da receptação de óvulos doados pode ocasionar intensos conflitos entre os cônjuges, já que, em algum momento, eles terão de decidir se revelam ou não para o próprio filho e para a sociedade o uso da técnica FIV com óvulos doados. Trata-se de uma decisão difícil que requer um acordo entre os membros do casal. A autora adverte que a decisão de omitir o uso da técnica leva à criação de um segredo, um pacto que pode unir o casal ou desarmonizar sua relação afetiva e sexual. Isto porque ambos vivenciam constante tensão e angústia pela possibilidade de, ao revelarem seu segredo, serem excluídos ou inferiorizados pela sociedade no que concerne à fertilidade, bem como de seu filho desejar, em algum momento, conhecer a doadora do óvulo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo apresentou uma reflexão sobre a impossibilidade de gerar um filho biológico pela mãe e o possível emprego da FIV com o uso de óvulos doados. Essa técnica poderá acarretar ao casal conflitos emocionais e fantasias angustiantes de incompletude. O sentimento de inferioridade torna-se mais preponderante no comportamento do casal, no que concerne à virilidade masculina e à fertilidade feminina, ocasionando uma fragilidade narcísica e a busca de recursos defensivos para lidar com o retorno da angústia de castração. As experiências da sexualidade infantil, impregnadas com as questões da origem do ser humano e a trama edípica, ressurgem em cada cônjuge e as defrontam com conflitos afetivos e sexuais não elaborados na infância. As intensidades destes afetos, agora manifestados, tornam-se insuportáveis ao ego de alguns destes casais, fazendo com que busquem no segredo a 11

possibilidade de não vivenciarem este mal-estar. Tal segredo é velado como um pacto entre os cônjuges em não falarem sobre como foi concebido o filho para seus amigos, familiares e até mesmo para a própria criança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORLOT, A. M. M.; TRINDADE, Z. A. As tecnologias de reprodução assistida e as representações sociais de filho biológico. Estudos de Psicologia, Natal, v. 9, n. 1, p. 63-70, 2004. CORRÊA, M. V. Novas tecnologias reprodutivas: limites da biologia ou biologia sem limites? Rio de Janeiro: UERJ, 2001. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a sexualidade. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. VII. FREUD, S. (1909). Romances familiares. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. v. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996. GASPARINI, E. V. R. Experiências com casais inférteis que utilizam a medicina reprodutiva: um estudo psicanalítico. 2007. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2007. HOCHSCHILD, Z. F. Dilemas de la reproducción asistida. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, p. 7-23, 1998. LUNA, N. Natureza humana criada em laboratório: biologização e genetização do parentesco nas novas tecnologias reprodutivas. Revista História, Ciência e Saúde Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 12. p. 395-417, 2005. MAKUCH, Y. M.; FILETTO, N. J. Procedimentos de fertilização in vitro: experiência de mulheres e homens. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 4, p. 771-779, 2010. PAPP, P. Casais em perigo: novas diretrizes para terapeutas. Porto Alegre: Artmed, 2002. PINA, H. Doação de óvulos. In: SOUZA, M. C. B.; MOURA, D. M.; GRYNSZPAN, D. (Orgs.). Vivências em tempo de reprodução assistida: o dito e o não-dito. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. RIBEIRO, M. F. R. Infertilidade e reprodução assistida: desejando filhos na família contemporânea. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. ROUDINESCO, E. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. SEIBEL, D. Pensando a ovodoação: dilemas e desafios. In: QUAYLE, J.; MELAMED, R. M. M. (Orgs.). Psicologia em reprodução assistida: experiências brasileiras. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. 12

ZALUSKY, S. Infertility in the age of technology. Journal of the American Psychoanalytic Association, New York, n. 48, p. 1541-1562, 2000. Endereço para correspondência Gustavo Presídio de Oliveira E-mail: gustavo.presidio@terra.com.br Recebido em 30/05/2011. 1ª revisão em 01/07/2011. Aceite final em 25/07/2011. 1 Gustavo Presídio de Oliveira é psicólogo, especialista em Docência do Ensino Superior (UNIFACS-BA), em Sexualidade Humana (FMUSP-SP), Psicanálise, Grupalidade e Intervenção nas Instituições (CEFAS-SP), Psicologia Clínica (Conselho Federal de Psicologia) e em Psicologia Hospitalar (Hospital Albert Einstein-SP). Mestre em Psicologia (UniMarcos-SP) e Doutorando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail: gustavo.presidio@terra.com.br. 2 Antonios Terzis é psicólogo pelo Centro de Estudos e Pesquisa de Atenas, Mestre em Psicologia Clínica, Ciências Humanas e Clínicas pela Universidade de Paris VII e Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, professor titular da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo e presidente da Federação Latina de Associações de Psicanálise Grupal. 13