Atuação do Brasil no CSNU no biênio 2010-2011 Em 2010 e 2011, o Brasil cumpriu seu décimo mandato como membro nãopermanente do Conselho de Segurança. Os mandatos anteriores foram em 1946-47, 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68, 1988-89, 1993-94, 1998-99 e 2004-05. Juntamente com o Japão, o Brasil é o Estado-membro da ONU que mais vezes ocupou um assento não-permanente no Conselho de Segurança. Além dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), o Brasil atuou, nesse período, juntamente com Áustria, Japão, México, Turquia e Uganda (em 2010), África do Sul, Alemanha, Colômbia, Índia e Portugal (em 2011) e Bósnia e Herzegovina, Gabão, Líbano e Nigéria (ao longo dos dois anos). Durante o mandato, o Brasil procurou traduzir em ações a visão que tem defendido para o Conselho de Segurança: maior ênfase na diplomacia preventiva e na solução pacífica das controvérsias; a necessidade de que seja mais representativo do conjunto e da diversidade dos países membros da ONU; e a importância de que avalie e enfrente as ameaças à paz e à segurança internacionais com um enfoque abrangente, capaz de lidar com a complexidade dos desafios enfrentados e das respostas requeridas. Procurou, também, realçar o valor que o País empresta ao papel do Conselho de Segurança na manutenção da paz e da segurança internacionais e a convicção de que as Nações Unidas constituem foro essencial para a promoção do multilateralismo e de um mundo multipolar. - Diplomacia Preventiva, Reivindicações Populares no Mundo Árabe e Responsabilidade ao Proteger O Brasil defendeu, de forma consistente, a valorização das soluções diplomáticas como alternativa à visão, comum em determinados círculos, de que a coerção pode servir como fator indutivo de estabilidade ou resolução forçada de conflitos. Insistimos sempre na necessidade de se explorar melhor a via diplomática antes de se recorrer a medidas previstas no capítulo VII. Advogamos a conveniência de o Conselho apoiar e encorajar os esforços das organizações regionais. A situação do Sudão antes do referendum sobre a independência do Sudão do Sul constituiu bom exemplo de exercício da diplomacia preventiva. O Conselho de Segurança manteve um acompanhamento constante da situação, inclusive por meio de duas missões a Cartum e a Juba, apoiou os esforços do Painel de Alto Nível da União Africana e articulou uma plataforma comum, capaz de mobilizar atores internos e externos em torno do objetivo de assegurar a realização do referendum sobre o Sudão do Sul de forma pacífica e com respeito aos resultados. Em grande medida graças a essa atuação unida e equilibrada do CSNU, o referendum se realizou e foi seguido da independência do Sudão do Sul sem que houvesse uma crise de larga escala, apesar da situação frágil e volátil nas regiões de fronteira e não
obstante as dificuldades que persistiam e ainda persistem sobre questões pendentes do Acordo de Paz entre o Norte e o Sul. No segundo ano do mandato, as questões ligadas às reivindicações populares no mundo árabe constituíram um dos principais temas de atenção do Conselho de Segurança. O Brasil afirmou, desde o primeiro momento, sua solidariedade com as manifestações pacíficas e com os anseios populares legítimos por maior participação política, liberdade e oportunidades econômicas. Condenamos firmemente a violência contra civis e as violações de direitos humanos. Por outro lado, também advogamos que, ao lidar com situações de natureza essencialmente doméstica, a via política deveria prevalecer sobre a utilização de meios coercitivos, especialmente o uso da força, dando-se mais espaço, por exemplo, para esforços de mediação de organismos regionais. A questão da Líbia foi igualmente central na atuação do CSNU. Por meio da resolução 1970 (de fevereiro de 2011, quando o Brasil exercia a Presidência do CSNU), o Conselho respondeu de maneira rápida e efetiva aos reclamos por uma manifestação contundente, que contribuísse para a cessação da violência e favorecesse o encaminhamento de uma solução pacífica para a crise na Líbia. Esse consenso foi, entretanto, rompido um mês mais tarde, quando a discussão sobre a Resolução 1973 colocou em pauta a questão da autorização ampla do uso da força ("todos os meios necessários") em nome da proteção de civis. O Brasil se absteve, por considerar que o uso da força na extensão prevista - muito além do necessário para uma zona de exclusão aérea, conforme solicitado pela Liga Árabe e pela União Africana - não contribuiria para o objetivo comum do Conselho, que era a cessação da violência na Líbia, podendo causar ainda mais sofrimento aos mesmos civis que pretendia proteger. Posteriormente, a forma como foi implementado o mandato conferido pela Resolução 1973 gerou desconfianças sobre o verdadeiro propósito da operação da OTAN e contaminou o ambiente no CSNU, com repercussões negativas tanto para o tratamento da questão síria quanto para o próprio debate sobre proteção de civis. À luz dessa experiência, e no contexto da promoção da diplomacia preventiva, a Presidenta Dilma Rousseff em seu discurso na Assembleia Geral referiu-se à "responsabilidade ao proteger". Dando seguimento a essa ideia, o Brasil lançou debate sobre os princípios que deveriam ser observados para evitar o uso indevido da força e, nos casos excepcionais em que for autorizada, haja permanente monitoramento da implementação do mandato conferido pelo Conselho de Segurança bem como da adoção de parâmetros para reforçar a responsabilização ("accountability").
A tese brasileira tem por linhas mestras: a) o reconhecimento de que a prevenção é o melhor remédio; b) a conveniência de que a comunidade internacional busque todos os meios pacíficos disponíveis para a proteção de civis; c) o critério de que o uso da força no exercício da responsabilidade de proteger deve ser um recurso excepcional, limitado no tempo e em consonância estrita com o mandato conferido pelo Conselho de Segurança e com o direito internacional; d) a importância de se assegurar que o uso da força não cause mais danos do que o que pretende evitar, e de que seja judiciosa, proporcional e limitada aos objetivos estabelecidos pelo Conselho; e) a necessidade de procedimentos de monitoramento e avaliação da implementação do mandato; e, finalmente, f) a importância de que haja prestação de contas ao Conselho por parte daqueles que recebem autorização para o uso da força em nome da comunidade internacional. No tratamento da situação na Síria, o Brasil procurou evitar polarizações e encontrar caminhos que unissem o Conselho e permitissem seu eficaz funcionamento, elemento imprescindível para gerar impacto positivo no terreno. Ao atuar com esse espírito, o Brasil propugnou por ação verdadeiramente produtiva, que não apenas indicasse condenação, mas melhorasse de fato a perspectiva de resultados para o encaminhamento pacífico da crise, contando com o mais amplo apoio possível no CSNU. Ainda no mundo árabe, permanece sem solução uma das principais questões ligadas à paz e à segurança na agenda internacional a situação no Oriente Médio, em particular o conflito Israel- Palestina. A esperança de reforma e os ventos de mudança infelizmente não alteraram a realidade do drama palestino. A delegação brasileira buscou fazer ver que o CSNU precisa assumir suas responsabilidades e não se furtar a ter um papel na resolução desse problema central para a paz naquela região e no mundo. O Brasil apoiou o pleito palestino de ingresso como membro pleno nas Nações Unidas. Nas discussões sobre o assunto, o Brasil sublinhou o fato de que o pedido de admissão não era tentativa de avançar medida unilateral, mas recurso à via multilateral por excelência para fazer valer seus legítimos direitos de autodeterminação. Como reflexo do interesse brasileiro em ampliar nossa contribuição à paz no Oriente Médio, e em resposta à expectativa da ONU de que o Brasil viesse a desempenhar papel de liderança na operação de paz no Líbano, Oficial-General brasileiro assumiu o comando da Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) e enviou fragata para servir como nau capitânea da força naval das Nações Unidas. A Força-Tarefa vem trabalhando em conjunto com a Marinha libanesa para monitorar a área e impedir a entrada de armas ou material conexo no Líbano. A medida representou contribuição inédita do Brasil com meios navais para missões de paz.
- O uso de sanções pelo CSNU e a questão iraniana Nos casos em que o Conselho decidiu recorrer a medidas coercitivas, o Brasil procurou favorecer estratégia de combiná-las com instrumentos de solução política. Nas ocasiões em que sanções são necessárias, seu caráter punitivo tende a predominar sobre ações conjugadas para manter vivo o processo político-diplomático, com o uso consciente dos instrumentos dos Capítulos VI e VIII da Carta das Nações Unidas. Em 2010, a questão nuclear iraniana talvez tenha sido o assunto de maior visibilidade no que diz respeito à defesa, pelo Brasil, de esforços para a promoção do diálogo e do engajamento, em oposição ao recurso a sanções. A Declaração de Teerã, de 17 de maio daquele ano, assinada por Brasil, Turquia e Irã, removeu obstáculos que haviam impedido, em 2009, acordo sobre o fornecimento de combustível para o Reator de Pesquisas de Teerã, proposto pela AIEA com o apoio do grupo P5+1. O acordo tinha o objetivo de iniciar processo de construção de confiança e abrir caminho para a retomada de negociações que pudessem esclarecer dúvidas quanto à natureza pacífica do programa nuclear iraniano. A iniciativa turcobrasileira, entretanto, não recebeu a tenção devida pelos proponentes de projeto de resolução que reforçava o regime de sanções contra o Irã. Decidiram tabular o documento e colocá-lo a votação. O voto de Brasil e Turquia contra a Resolução 1929 (o Líbano absteve-se) não teve o sentido de discordância em relação aos demais membros do CSNU quanto ao imperativo de que o Irã cumpra suas obrigações ao amparo do TNP e do Acordo de Salvaguardas com a AIEA, mas sim de desacordo quanto à estratégia adotada. Brasil e Turquia haviam oferecido uma via alternativa que considerávamos mais eficaz do que a opção ao final escolhida. O recurso açodado a novas sanções não ajudou a resolver o problema essencial, que, neste caso, era e continua sendo a plena cooperação iraniana com a AIEA. - O binômio segurança e desenvolvimento e o Haiti Durante todo o mandato, permeou o discurso e a atuação do Brasil a percepção de que a atuação do Conselho de Segurança deve levar em conta que os temas de segurança e desenvolvimento estão inter-relacionados. O debate de alto nível organizado pela Presidência brasileira do Conselho de Segurança, em 11 de fevereiro de 2011, sobre a relação entre segurança e desenvolvimento, permitiu realçar a importância de um tratamento integrado dessas questões e de uma ação mais coordenada do Conselho de Segurança com outros foros e agências da ONU para assegurar transição efetiva para a paz. Essa é uma tese que decorre, por exemplo, da experiência brasileira no Haiti e da análise de outras situações de conflito ou pós-conflito. À luz desse enfoque integrado, o Haiti não representa apenas o maior comprometimento brasileiro com tropas e capital político nas missões das
Nações Unidas. É também a situação em que o Brasil pode demonstrar, na prática, a validade de suas ideias de correlação entre paz, segurança e desenvolvimento. A MINUSTAH, cujo componente militar Oficial-General brasileiro lidera desde 2004 e na qual participamos com o maior contingente, significou mudança qualitativa de nossa presença em operações de manutenção da paz. Desde seus estágios iniciais, com o apoio de nossos parceiros latinoamericanos e de outros países, o Brasil tem defendido para a MINUSTAH mandatos que incorporem atividades de reconstrução e consolidação da paz em paralelo a ações de manutenção da paz. Destaca-se, nesse sentido, a contribuição dos engenheiros militares, os quais, ao realizarem tarefas como construção de pontes e recuperação de estradas, conferem maior mobilidade à Missão, ao mesmo tempo em que ajudam os próprios haitianos a avançar no seu desenvolvimento. O mais recente mandato brasileiro no Conselho de Segurança começou sob o impacto da tragédia de 12 de janeiro de 2010 no Haiti. Passada a fase mais aguda da crise pós- terremoto, as atenções se voltaram para a reconstrução haitiana. A consolidação da democracia e o fortalecimento das instituições, elementos-chave para o processo de reconstrução e de relançamento da atividade econômica, passaram a tomar a linha de frente também na consideração da questão haitiana pelo CSNU. Os desafios no Haiti permanecem consideráveis. Para além de nosso papel na MINUSTAH, o Brasil continua a ser um dos maiores parceiros do Haiti na promoção de seu desenvolvimento. O interesse e o engajamento do Governo e da população haitiana na manutenção da estabilidade e no reforço de suas capacidades locais são essenciais para paz sustentável, que viabilize a gradual redução da Missão, como já vem ocorrendo, e sua eventual retirada em momento oportuno. -A promoção do multilateralismo Na linha de sua atuação tradicional, o Brasil engajou-se no aperfeiçoamento dos métodos de trabalho do Conselho de Segurança. Ao longo do biênio, a delegação brasileira reafirmou seu compromisso com maior transparência e acesso ao órgão por parte dos países não membros, tomando a iniciativa de prestar informações e trocar opiniões sobre o trabalho do Conselho. Nesse processo, procurou reforçar a percepção generalizada de que a reforma do CSNU é necessária e urgente. A importância incontestável do Conselho requer sua atualização com o ingresso de novos membros nas duas categorias de assentos, permanentes e não-permanentes, em particular de países em desenvolvimento com capacidade para assumir maiores responsabilidades e contribuir para as atividades da Organização no campo da manutenção da paz e da segurança internacionais.
Aspecto interessante da dinâmica do CSNU no segundo ano do mandato brasileiro foi a presença simultânea dos membros do IBAS e do BRICS. O grupo IBAS projetou-se ao longo de 2011 como um conjunto de delegações cujas posições independentes e ponderadas constituíram elemento-chave para o próprio funcionamento do Conselho em determinadas situações. A articulação do IBAS no CSNU foi sempre rotineira, natural e resultado de afinidades espontâneas. Em algumas das questões em que o CSNU esteve mais polarizado, dadas as diferenças entre seus membros permanentes, o lado para onde pendeu o IBAS foi decisivo para o resultado das discussões, mostrando que a presença de Brasil, Índia e África do Sul no CSNU é proveitosa para um Conselho mais equilibrado e multipolar. Em suma, ao longo do biênio 2010-2011, o Brasil esforçou-se para favorecer uma ordem internacional mais equilibrada, justa e democrática. Defendeu a negociação como forma de resolver conflitos e buscou colaborar na construção de consensos que pudessem surtir resultados concretos no terreno, sempre tendo como parâmetro essencial a promoção dos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas.