Engenharia de Sistemas Naturais em recuperação de Pedreiras - da teoria à prática. João Paulo Fernandes ICAAM, Universidade de Évora

Documentos relacionados
EUVG PARQ 5 TECNOLOGIAS E MATERIAIS E TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO III

Nuno de Santos Loureiro Universidade do Algarve. Combate à Desertificação e Desenvolvimento Sustentável

Ecossitemas e saúde Ambiental:: Prof MSc. Dulce Amélia Santos

A Engenharia Natural na Reabilitação Ambiental de Áreas Degradadas

Impactes sectoriais. Sistema edafoclimático, hidrologia, hidrogeologia. Impactes Ambientais 5 ª aula Prof. Doutora Maria do Rosário Partidário

Impactes sectoriais. Impactes Ambientais 5 ª aula Prof. Doutora Maria do Rosário Partidário

Recuperação da Paisagem Mestrado 1º ano 2º semestre

Impactes sectoriais. Sistemas ecológicos e biodiversidade. Impactes Ambientais 6 ª aula Prof. Doutora Maria do Rosário Partidário

Contributo das Técnicas T Engenharia Natural na Recuperação de Ecossistemas

ÍNDICE ÍNDICE DE FIGURAS

PLANO DE ORDENAMENTO DA RESERVA NATURAL DAS BERLENGAS PROGRAMA DE EXECUÇÃO

A importância das infra-estruturas ecológicas no ecossistema vitícola. Cristina Carlos

Impacto Ambiental das Explorações Mineiras

Política Nacional do Meio Ambiente LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981

Linhas de acção da ADVID na Biodiversidade funcional

Alterações Climáticas, Florestas e Biodiversidade

SERVIÇOS DOS ECOSSISTEMAS Jorge Cancela, CIAUD/FAUL/UL PNPOT Território e Economia Circular Lisboa, 27 out CCDRLVT

Cen e t n r t o r o U rbano o do o Futu t ro

Boas Práticas de Gestão Sustentável da Terra (GST) na Província do Huambo, Extensívo a Outros Locais do País Projecto ELISA

Seminário Explorações a Céu Aberto Novos desenvolvimentos

Enquadramento Legal. Famalicão 14 de Julho de Luis Fragoso. Responsabilidade Ambiental

PHD Água em Ambientes Urbanos

Centro Experimental de Erosão de Vale Formoso: Passado, Presente e Futuro

Grupo Parlamentar. Projecto de Resolução n.º 95/X

ESCOLA SECUNDÁRIA DR. SOLANO DE ABREU ABRANTES. Turma: A, B, C, D ANO: 8º ANO LECTIVO 2010/2011 ACTIVIDADES/ ESTRATÉGIAS. Discussão / Debate.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados Senhora e Senhores Membros do Governo

MESTRADO INTEGRADO EM ENGENHARIA CIVIL VIAS DE COMUNICAÇÃO. Luís de Picado Santos

OPEN

19/11/2015. Recuperação: objetivos gerais. Recuperação: objetivos gerais. Recuperar... A fertilidade do ecossistema, Seus valores ecológicos,

AMBIENTE E TERRITÓRIO 9 ª aula

Agroecologia e Sistemas Agroflorestais

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão da Indústria, do Comércio Externo, da Investigação e da Energia

Energias renováveis e o PNBEPH. João Joanaz de Melo

A importância das infra-estruturas ecológicas na conservação do solo. Cristina Carlos

Organização da Aula. Recuperação de Áreas Degradadas. Aula 6. Contextualização. Adequação Ambiental. Prof. Francisco W.

Os princípios do Direito do Ambiente

IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS COM ALTO POTENCIAL DE REGENERAÇÃO NATURAL NO ESTADO DE SÃO PAULO

Impactes sectoriais. Impactes Ambientais. Mestrado em Engenharia do Ambiente 5º ano / 9º semestre. Impactes Ambientais

Biodiversidade e protecção biológica de conservação contra pragas da vinha, na Região Demarcada do Douro

GESTÃO AMBIENTAL E GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS

FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELAS DIFERENTES TIPOLOGIAS DA REN

Planeamento e gestão de EIA Estrutura e Conteúdo

SUCESSÃO ECOLÓGICA PROF. ÉDER

DISCIPLINA: CIÊNCIAS NATURAIS 8º Ano

Conteúdos Conceitos Competências Situações de aprendizagem Avaliação Aulas

ESPAÇOS VERDES TECNOLOGIAS DE ÁGUA

O sistema LiderA na reabilitação de obras de arte na EN6

RELATÓRIO DE CONFORMIDADE AMBIENTAL DO PROJECTO DE EXECUÇÃO

AULA 2. Aspectos Ambientais da Regularização Fundiária

Renascimento de florestas

CONCEITOS E PRINCÍPIOS DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS

Adequação Ambiental e Restauração Florestal. Pedro H. S. Brancalion Laboratório de Silvicultura Tropical (LASTROP/ESALQ/USP)

APOIO AO INVESTIMENTO FLORESTAL. PDr2020

CEABN InBIO. A nossa missão Esforçamo-nos para produzir conhecimento científico para uma sociedade mais consciente e sustentável.

Recuperação de Matas Ciliares na Bacia do Rio das Velhas. Profa Maria Rita Scotti Muzzi Depto de Botânica/ICB/UFMG

Orientação Ambiental para Abertura de Áreas Agrícolas

Estudos iniciais. Definição do âmbito. Estudo de Impacte Ambiental Normas Técnicas

AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

Jael Palhas José Teixeira Vera Ventura Armando Alves Vasco Flores Cruz. Jornadas de Educação Ambiental - Paisagens Educativas

Análise da continuidade estrutural da paisagem - a região dos distritos de Setúbal e de Évora

30/11/2017. Recuperação: objetivos gerais. Recuperar... A fertilidade do ecossistema, Seus valores ecológicos, Econômicos e. Estéticos.

COMISSÃO DECISÕES Jornal Oficial da União Europeia L 102/7

Revisão: conceitos e generalidades

CONCEITO DE PAISAGISMO E SUAS DIMENSÕES. A palavra paisagem surgiu no século XVI na Holanda, para designar uma pintura.

Professora Leonilda Brandão da Silva

Mestrado Integrado em Engenharia Civil ENGENHARIA CIVIL E AMBIENTE URBANISMO

Reabilitação e Reforço de Estruturas

Impactes sectoriais. Sistema edafoclimático, hidrologia, hidrogeologia e sistemas ecológicos. Minimização e gestão de impactes

Workshop Técnicas de Eng. Natural - Ribeira de Alcanhões, Fonte de Santa Marta, Alcanhões -

O PNSAC e a. Extractiva. Maria Jesus Fernandes. 24.Fevreiro 2010 Porto de Mós

Desenvolvimento sustentável significa que as necessidades da actual geração devem ser satisfeitas sem comprometer a capacidade de as futuras gerações

DIA NACIONAL DA ÁGUA 2007 Água, um bem ambiental global António Eira Leitão

Seminário Nacional. Iniciativas para limitar a Degradação das Terras nas áreas Susceptíveis à Desertificação em Portugal

Restauração ecológica

Universidade Estadual de Santa Cruz

Estudo de Impacte Ambiental da Fábrica de Cimento de Rio Maior. Parecer conjunto no âmbito da consulta pública

Domínio: TERRA UM PLANETA COM VIDA

SERVIÇOS PARA A INDÚSTRIA MINEIRA

PLANIFICAÇÃO DE CIÊNCIAS NATURAIS - 8º ANO -Sustentabilidade na Terra-

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA QUINTA DO CONDE Escola Básica Integrada/JI da Quinta do Conde Escola Básica 1/JI do Casal do Sapo Ano Letivo /2016

Sistema Nacional de Unidade de Conservação

Hidrologia Bacias hidrográficas

DESFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA

Sucesión Forestal y Restauración Ecológica. Severino Rodrigo Ribeiro Pinto, Phd.

Estudos de Incidências Ambientais Projectos de Produção de Energia Eléctrica a partir de FER

UG Medidas de Gestão Fonte Orientações Técnicas Objectivos e Rastreamento

PROTOCOLO DE PARCERIA. Celebrado ao abrigo de projecto de Demonstração

Protocolo para a Requalificação e Valorização da Bacia do Alviela Sessão Pública de Esclarecimento Câmara Municipal de Alcanena 26 de Março de 2011

CARTA PARA A PROTECÇÃO E VALORIZAÇÃO DO AMBIENTE EDIFICADO

IMPACTOS AMBIENTAIS - CONCEITOS E DEFINIÇÕES-

Programa Analítico de Disciplina ENF391 Recuperação de Áreas Degradadas

Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro Escola Básica de Eugénio de Castro Planificação Anual

RESOLUÇÃO SMA-15 DE 13 DE MARÇO DE 2008.

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS GONÇALO SAMPAIO ESCOLA E.B. 2, 3 PROFESSOR GONÇALO SAMPAIO

Seminário Recuperação Ambiental de Pedreiras. Recuperação paisagística de pedreiras - O caso das massas coerentes

Síntese do Projeto Pedagógico Curso: Gestão Ambiental (Tecnológico) Campus Centro I Presidente Vargas

ECOLOGIA E BIODIVERSIDADE

Ana Maria PIRES Carlos MACHADO João VILHENA José Paulo MONTEIRO Luís RODRIGUES Maria José CARVALHO Nelson LOURENÇO Rui REBELO

Transcrição:

Engenharia de Sistemas Naturais em recuperação de Pedreiras - da teoria à prática João Paulo Fernandes ICAAM, Universidade de Évora

Enquadramento conceptual e prático da recuperação de áreas degradadas Quando se fala em recuperação (ecológica, ambiental, paisagística) está-se muitas vezes a incluir no mesmo termo uma grande variedade de conceitos que convém esclarecer. Restauro ecológico é o processo de ajudar o restabelecimento de um ecossistema que se degradou, foi danificado ou foi destruído, restaurando a sua integridade funcional e biótica original. Reabilitação ecológica refere-se igualmente aos ecossistemas originais mas foca-se mais na reparação dos processos, produtividade e serviços do ecossistema. Recuperação ecológica (ecological reclamation) utiliza-se normalmente no contexto das áreas degradadas (nomeadamente por actividades extractivas) e tem como principais objectivos a estabilização do terreno, a garantia da segurança pública, a melhoria estética e a recuperação dos terrenos para usos úteis no contexto regional.

O Restauro pode ser conduzida em 5 contextos distintos: Recuperação de um ecossistema degradado ou danificado até ao seu estado original; Substituição de um ecossistema que foi completamente destruído por um da mesma natureza. Transformação (conversão) de um ecossistema num ecossistema ou tipo de uso de natureza diferente mas da mesma bio-região, que substitua o ecossistema que foi removido de uma paisagem na sequência de uma alteração irreversível da mesma. Substituição de um ecossistema que foi completamente destruído de uma forma que impede o estabelecimento de qualquer ecossistema da mesma bio-região por um ecossistema correspondente a uma composição inovadora de espécies indígenas. Substituição por um ecossistema de natureza diferente do potencial devido ao desconhecimento ou desaparecimento do ecossistema de referência na sequência de um historial milenar de uso e perturbação.

Os diferentes padrões de evolução dos sistemas ecológicos em quadros de uso

Os contextos de evolução e o espaço do restauro

Temos de ter sempre presente que: Uma área degradada é uma área cujo potencial ambiental se encontra comprometido ou condicionado. Recuperar é repor a plena funcionalidade do potencial ambiental natural de uma área. O potencial natural de uma área é uma função espaço-temporal que corresponde à capacidade que essa área tem de fornecer de uma forma sustentável recursos ou serviços ambientais aos diferentes usos (ou utilizadores) susceptíveis de nele ocorrerem. Recuperação ambiental de uma área consiste na reposição da sua funcionalidade enquadrada pela natureza do seu estado subsequente à perturbação que a degradou. Reposição não significa reconstrução do original mas tão só apoio ao natural padrão de reequilíbrio que qualquer sistema experimenta após uma perturbação.

Recuperação sem atenção à necessidade de privilegiar os meios naturais (camuflagem) Recuperação ecológica Recuperação ecológica é pois completamente distinta da recuperação ou integração paisagística Recuperação descuidada dos solos e instalação de vegetação (coberturas de herbáceas, plantações) Objectivos: principalmente segurança e impacte visual Evolução natural Tempo T1 Degradações possiveis Estado evoluído (ou degradado) Valor ecológico aleatório Recuperação cuidada dos solos, incluindo acções específicas às particularidades locais. Instalação da vegetação orientada para outros objectivos além da segurança e da qualidade visual: promoção de nichos de espécies raras ou classificadas, protecção, abrigo e alimentação da fauna Evolução natural Tempo T2 (<T1 para um estado equivalente) gestão para evitar as degradações Estado evoluído (ou intermediário) não degradado Valor ecológico assegurado gestão e manutenção específicas Manutenção da qualidade Possível criação de biótopos classificados

O processo de recuperação

Estamos, pois, a falar de um procedimento de Engenharia dos Sistemas Naturais, entendendo por tal, aspectos como: 1. Criação de substratos a. Garantindo condições favoráveis ao estabelecimento de comunidades vegetais b. Controlando os eventuais factores de toxicidade 2. Gestão de morfologias 3. Gestão do balanço hídrico 4. Gestão do balanço térmico e de radiação 5. Gestão dos sistemas ecológicos intermédios e finais relativamente aos objectivos fixados 6.

Coloca-se pois a questão: qual é o sistema final? Criaram-se novas condições que implicam novas composições florísticas e faunísticas? Correspondem às condições locais? Criaram-se condições em que espécies estranhas permitam a recolonização por outras espécies nativas? Associado às condições criadas, ou por via delas, ocorreu uma colonização por espécies exógenas? Mais concorrenciais (invasoras) Únicas adequadas (uma comunidade nova de raíz) Novas condições de trofia

Compreender o contexto do sistema a intervir

Os desafios a enfrentar têm de ser considerados no contexto presente e futuro: O que significa que, num quadro de alteração climática, gerando tipologias de extremos diferentes das habituais:

Nos confrontamos com cenários não só de variações das médias, mas também de aumento dos extremos:

Isto implica, para o cenário hidrológico e pluviométrico nacional actual: um aumento da frequência das chuvadas extremas e uma concentração da precipitação no Inverno Com a consequência de, por exemplo

Nestas condições, a análise do conceito de invasora tem de ser perspectivada com todo o cuidado. Por exemplo: Serão espécies exclusivas do Norte de África invasoras, ou estaremos perante a repetição (acelerada) de um processo de oscilação N/S de limiares climáticos?

Tudo isto no quadro da garantia dos seguintes objectivos: Prevenção de degradações da paisagem causadas por superfícies estéreis e contornos artificiais e reposição de um sistema natural equilibrado e funcional, através de plantações de protecção, para melhoria climática e prevenção de danos decorrentes da erosão. Recuperação das superfícies decorrentes da exploração no sentido do estabelecimento de um novo uso. Criação de células de regeneração ecológica. Prevenção de riscos para os utilizadores do espaço, através da reintrodução funcional e morfológica do espaço de exploração na natureza das formas e funções do espaço envolvente. Prevenção da poluição do solo, das águas superficiais e subterrâneas e da utilização abusiva do espaço explorado para a deposição incontrolada de resíduos de qualquer natureza.

E dentro do seguinte quadro de contingências:

Enquadrado e sistematizado o contexto,, vejamos agora as questões a abordar pela Engenharia propriamente dita 1. A envolvente da pedreira a gestão dos sistemas que afectam a área da pedreira e a gestão dos processos modificados pela sua existência e actividade (por ex. hidrologia, erosão e sedimentação, etc.). 2. A morfologia estabilidade imediata e a prazo do maciço, das escombreiras, dos taludes. Dinâmica de sólidos. 3. Os substratos: toxicidade, fertilidade potencial e potencializável (gestão da química, física e do biota). 4. A vegetação a) Pioneiras b) Facilitadoras (da flora e fauna) c) Comunidades alvo (de flora e fauna) d) Técnicas de instalação e) Intervenções complementares

5. Manutenção: conduzir a sucessão: a) Manutenção de curto ou de longo prazo b) Manutenção das plantas e sistemas vivos ou manutenção, reparação e substituição de sistemas inertes complementares c) Manutenção de estabelecimento garantia do estabelecimento das espécies definidas no projecto com as densidades e as características estabelecidas d) Manutenção de desenvolvimento condução da vegetação no sentido do desenvolvimento das formações e comunidades-alvo e) Manutenção de acompanhamento gestão da vegetação e das formações vegetais de modo a garantir a manutenção das suas funções de estabilização e protecção (por ex. elasticidade e comportamento hidráulico). 6. A fauna a) Facilitadores b) Continuidade e conectividade (atenção quando os ecossistemas equivalentes não têm acessibilidade) c) Populações mínimas viáveis (isolamento) 7. A imagem

O processo de recuperação tem de ser considerado de forma integrada, não só em termos dos objectivos a atingir, como essencialmente das condicionantes e limitações ambientais

Cada alternativa de uso coloca condicionantes diferentes

existindo medidas directas que permitem corrigir factores limitantes primários a cada tipo de uso - objectivo

Curitiba: Ópera de arame e Univ. Livre do Meio Ambiente

Muito obrigado