POPULAÇÃO INDÍGENA DA BAHIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO CARTOGRÁFICA Liliane de Deus Barbosa Mestre em Geografia/ PUC-MG lilianededeus@gmail.com INTRODUÇÃO Em 1500, o encontro com os brancos rompeu com a realidade indígena. Os primeiros a serem contactados foram os Tupinambás, do tronco Tupi, falantes da linguagem abanheenga localizados no litoral sul da Bahia. Desde esse primeiro contato, houve uma grande transformção nas tribos indígenas, que se orignaria a sociedade brasileira do século XXI. Toda a história de nosso povo tem como ponto de partida a Bahia. Ainda hoje, mais de 500 anos depois desse episódio, pouco se sabe sobre as tradições e costumes indígenas, sua localização e história. Silva e Grupioni (1995) afirmam que o Brasil ainda não conhece a realidade indígena, pois pouco se sabe a respeito dessas sociedades e seus modos de vida. Somente foram pesquisados pelos especialistas, a metade das etnias. Sendo assim, o conhecimento sobre esses povos ainda é fragmentado e parcial. Os povos indígenas vêm conquistando um novo espaço no cenário atual do Brasil, hoje eles estão presentes nas universidades, nas lutas sociais e na política. No entanto, ainda que sejam povos ancestrais do país, estudos aprofundados sobre essas sociedades são raros. Algumas áreas como a história e as ciências sociais vêm realizando pesquisas sobre esses povos há muitos anos. Porém, com o recente protagonismo adquirido por essas populações, em conjunto com o surgimento de novas correntes de pesquisa científica, os índios têm despertado o interesse de outras disciplinas, como a geografia, por exemplo. A temática indígena tem apresentado interesse de grupos de estudiosos, especialmente no final do século XX e início do século XXI, como Silva e Grupioni (1995), etc; devido às conquistas realizadas por estes povos. O ressurgimento da importância das etnias
brasileiras, relacionado com o advento da Geografia Cultural, tem enfatizado essa nova área de estudo. Apesar dos estudos indígenas estarem diretamente ligada à história ou a antropologia, a perspectiva de análise geográfica é uma alternativa perante as demais ciências. Tassinari (1995) caracteriza a cultura como uma maneira particular de ver o mundo e de organizar o espaço. A cultura é compartilhada por indivíduos de um mesmo grupo, não se referindo a um fenômeno individual. É um código simbólico, um conjunto de símbolos compartilhado por membros de uma sociedade, integrantes de um determinado grupo, e que lhes permite atribuir sentido ao mundo que vivem e às suas ações. A geografia cultural é uma área em crescimento recente ocorrido principalmente devido a sua abordagem a temas relacionados a movimentos de povos emergentes como os quilombolas, agricultores familiares, lutas de gênero, etc. Outra área que tem se renovado por meio das novas tecnologias é a cartografia. Os mapas são fontes de conhecimento do espaço desde os primórdios do ser humano, contudo, as geotecnologias têm permitido uma produção de mapas com maior eficiência em menor tempo e vêm revolucionando essa área geográfica. Interelacionando essas duas áreas, esse artigo busca dar continuidade a produção de mapas atualizados dos povos indígenas brasileiros esse trabalho já vem sendo desenvolvido anteriormente em outras oportunidades, como na dissertação de mestrado em Geografia - Tratamento da Informação Espacial na Pontifícia Universidade de Minas Gerais (Puc-Minas, 2015), bem como em artigo sobre a população indígena de Minas Gerais aceito recentemente para publicação em e-book da área de Ciência Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Nesse trabalho, será realizada uma nova abordagem da área de pesquisa, enfatizando apenas os indígenas baianos. È visto que, a necessidade de criação de bases cartográficas sobre os índios pode ser respaldada na grande defasagem de produção de mapas sobre a temática indígena, pois além de existirem poucas representações sobre os mesmos, também não se pode descartar a presença de uma quantidade representativa de mapas sem qualidade e com informações equivocadas circulando no espaço da web. Sendo assim, o objetivo principal é a criação de mapas temáticos atualizados que representem o histórico populacional com localização
antiga e atual dos povos indígenas baianos, as migrações ocorridas no território, à situação populacional (emergentes, extintos ou emergentes) e serão representados os laços familiares das etnias utilizando-se da classificação de troncos linguísticos apresentada no Censo 2010. OBJETIVOS Dessa maneira, considerando a dificuldade de encontrar e relacionar dados dos povos indígenas do Brasil, o objetivo principal desse trabalho é de criação de um mapa etnohistórico específico do estado da Bahia, seguido de uma análise comparativa com os povos que atualmente ocupam a região. Como objetivo secundário busca-se discorrer sucintamente sobre cada um dos povos que vivem nessa região, relatando os seus costumes e tradições. METODOLOGIA A metodologia consiste na realização de ampla pesquisa sobre os indígenas baianos, nos principais órgãos governamentais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e em outas fontes não governamentais, a exemplo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Instituto Socioambiental (ISA), bem como a utilização de fontes secundárias como as prefeituras, sites da internet, entre outros, de modo a adquirir uma maior quantidade de dados sobre os indígenas baianos, que serão relacionados e representados em tabelas e mapas temáticos produzidos com o uso do software ArcGis. Essas novas representações foram discutidas e analisadas como resultado dessa pesquisa, que será complementada com informações principais da história dessas etnias indígenas baianas. A base cartográfica principal desta pesquisa é o Mapa Etno-histórico, elaborado por Curt Nimuendajú em 1944 e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1980, onde estão representadas informações sobre a localização das tribos indígenas no passado.
Nimuendajú criou três mapas: o primeiro, elaborado para o Smithsonian Institution, dos Estados Unidos; em 1943, foi refeito para o Museu Goeldi, localizado em Belém do Pará; e, o último, para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 1944. A comparação entre os dois primeiros, tendo como base o terceiro mapa, foram os instrumentos necessários para que o IBGE lançasse em 1980, na escala de 1: 5.000.000, o Mapa Etno-histórico do Brasil e áreas adjacentes. O Mapa Etno-histórico representa a distribuição espacial das etnias indígenas da América do Sul, em áreas datadas da documentação das sociedades indígenas do século XVI ao XX. A classificação adotada é composta por 40 famílias linguísticas, 33 línguas isoladas e uma variedade de línguas desconhecidas. Também são representados os indícios das migrações de povos indígenas, as tribos existentes (sedes atuais e abandonadas) e tribos extintas. Nimuendajú (1980) no Mapa Etno-histórico, não utiliza a classificação em troncos, sugerindo que seja realizada com as categorias: famílias linguísticas, línguas isoladas e línguas desconhecidas. Existem variações quanto a pertencimento das famílias aos troncos ou ao fato de serem isoladas, etc. A classificação atual, realizada pelo Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta os dois troncos linguísticos, mas ainda existe diversidade de línguas isoladas e de não classificadas, em troncos e em famílias. Zarur (1980) sugere que entre as opções de análise relacionadas ao contato interétnico dos indígenas com outras populações, as principais variáveis que podem ser estudadas a partir do Mapa Etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes de Nimuendajú (1980), são os tipos e subtipos de frentes pioneiras segundo o período histórico e as estruturas socioculturais dos grupos indígenas de acordo com a área e o tempo histórico. A partir das informações atualizadas sobre os indígenas, foi possível comparar os dados levantados por Nimuendajú (1980), porém, foi realizado um recorte da área da Bahia que resultou no mapa 1: Bahia- Mapa Etno- histórico (1944).
Mapa 1: Recorte etno-histórico da área da Bahia. RESULTADOS PRELIMINARES A partir da análise do mapa comparando as etnias que hoje se encontram no estado da Bahia, é perceptível que já havia uma grande diversidade de tribos indígenas diferentes do estado no passado. Curt Nimuendajú identificou mais de 50 sociedades indígenas diferentes e pelo menos 9 etnias diferentes. Hoje, ainda há uma grande diversidade de sociedades indígenas na Bahia, o Instituto Socioambiental (ISA) identificou 14 tribos. São elas: Atikum, Kaimbé, Kantaruré, Kiriri, Pankaru, Pankararé, Pataxó, Pataxó Hã-hahãe, Payayá, Truká, Tumbalalá, Tupinambá, Tuxá e Xukuru-Kariri.
Ao realizar uma comparação do Mapa etno-histórico com as sociedades indígenas atuais, é possível identificar que algumas delas permanecem no território de origem até os dias atuais, como por exemplo os Pataxó e os Tupinambá. É preciso destacar, no entanto, que essa continuidade no território de origem não foi pacífica. Os Pataxó, por exemplo, sofreram uma chacina conhecida Fogo de 51 ou Massacre de 51, ocorrida devido a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal, em que muitos Pataxó foram expulsos. Posteriormente os Pataxó se empenharam na luta pelo reconhecimento de sua etnia indígena e, hoje, reconquistaram suas terras nativas e conquistaram novos territórios na Bahia. Parte desses Pataxó foram forçados a migrar para Minas Gerais. Conforme o Conselho Indigenista Missionário (2015), durante algum tempo, os Pataxó foram dados como extintos, devido a sua intensa mobilidade espacial, sendo a mesma um elemento muito forte na cultura. No passado, não estabeleciam aldeias por mais de três a quatro meses. Atualmente essa sociedade ainda busca se adaptar aos territórios fixos. Para isso, ocorre constante migração de grupos dentro de suas próprias terras, de uma aldeia a outra. Franchetto (2001) destaca que apesar das conquistas já realizadas, podemos considerar que os Pataxó ainda vivenciam um processo de reafirmação étnica. Um exemplo é a língua Patxohã, que havia se perdido. Para restaurar a língua nativa eles buscaram os seus parentes mineiros Maxakali (ambos da mesma família linguística do tronco Macro Jê) e reaprenderam a língua realizando adaptações. Depois de muitas pesquisas, batizaram a língua de Patxohã: pat são as iniciais de Pataxó e Atxohãé língua e Xôhã é um guerreiro. Após o estabelecimento da língua, começaram os intercâmbios entre os professores e as comunidades Pataxó da Bahia e de Minas Gerais, para que a língua Pataxó fosse revitalizada entre os povos que residem em outro estado. Hoje a linguagem é ensinada nas escolas, inclusive da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba e falada no cotidiano. De acordo com o mapa apresentado, várias sociedades foram extintas do território baiano. Algumas delas sem nem mesmo terem sido estudadas ou conhecidas pelos pesquisadores. Essas sociedades estão representadas no mapa como Línguas desconhecidas ou isoladas diversas, a exemplo temos os Malalí e os Botocudo. Para Seki (1990), hoje muitas dessas sociedades não existem mais, porém os Botocudo deixaram descendentes na atualidade: os Krenak, que são considerados seus
remanescentes, inclusive apresentam dados populacionais no Censo 2010, mas não vivem mais no território baiano, esses se alojaram no sudeste de Minas Gerais, próximo do Vale do Rio Doce. Existem ainda aqueles que posteriormente migraram para o estado, como os índios Kantaruré, descendentes dos Pankararu de Pernambuco. Esses possuem em comum com outros povos indígenas baianos, a celebração do ritual do Toré, tradicional dos índios nordestinos. Os Kiriri e os Tuxá também seguem as tradições do Toré. Os indígenas brasileiros são sociedades que tem passado por diversas alterações de seus modos de vida nos últimos anos. Devido ao contato com outras sociedades como os portugueses e os africanos, os indígenas buscaram modificar algumas características de sua cultura para se adequar aos dias atuais. Mesmo que tenham ocorrido mudanças nessas sociedades, elas ainda preservam os seus valores culturais. Os rituais e danças são formas de manterem a unicidade de seu povo e cultuarem os deuses, sendo uma importante manifestação desses povos. Os Pataxó e os Pankararu compartilham de rituais culturais, dentre elas, destacam-se os rituais do Awê e Toré. Apesar desses rituais possuírem características únicas de cada povo, eles também apresentam similaridades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os indígenas tem vivenciado esses processos de transformação de suas culturas, porém ainda preservam grande parte de seus aspectos etno-culturais. As danças Awê dos Pataxó e do Toré dos Pankararu, representam uma forma de manutenção do patrimônio cultural desses indígenas. Esse trabalho pretende ser uma continuidade da busca pelo conhecimento sobre indígenas. Ele veio a complementar o trabalho de mestrado desenvolvido por Barbosa (2015) na medida que trouxe novas perspectivas sobre uma outra área. Mas ainda há uma grande possibilidade de realizar trabalhos de mapeamentos de indígenas em todo o Brasil, bem como ainda haverão novas pesquisas na área como os censos 2020, 2030, etc. A tendência de pesquisas sobre os indígenas e outros grupos como quilombolas ainda está
emergindo no âmbito acadêmico e o pesquisador que se interessa por essas temáticas tem o seu lugar no mercado. Assim, espera-se que esse trabalho ajude aos pesquisadores dos índios da Bahia a possuírem mapas de qualidade para realizarem suas pesquisas. Bem como sirva de material para as escolas, universidades, órgãos, etc. para conhecerem a realidade indígena com outros olhares. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Liliane de Deus. Caracterização geo-histórica e cultural dos indígenas nas áreas culturais do cacau, do café e da mineração. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial, 2015. CLAVAL, Paul. A geografia cultural. 2 ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2001. 453 p. FRANCHETTO, Bruna. As línguas indígenas. In: Índios do Brasil 1 / Secretaria de Educação a Distância, Secretaria de Educação Fundamental. - reimpressão. Brasília MEC, SEED SEF, 2001 96 p. Disponível em http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/me001985.pdf. Acesso em: 19 de outubro de 2015. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Quadro geral dos povos indígenas no Brasil. São Paulo: ISA, 2015. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral. Acesso em: 22 de outubro de 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010. Características gerais dos indígenas. Resultados do Universo. Rio de Janeiro, 2010. NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa Etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1980. 1 mapa: color. SEKI, Lucy. Apontamentos para a bibliografia da língua Botocudo/Borun. Cad. Est. Ling., Campinas, (18): 115-142, jan/jun. 1990.
SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luiz Donizete B. A temática indígena na escola novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995. TASSINARINI, Antonella Maria Imperatriz. Sociedades indígenas: introdução ao tema da diversidade cultural. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luiz Donizete B. A temática indígena na escola novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.