12A FRAGMENTAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS E A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: UMA SÍNTESE

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Transcrição:

12A FRAGMENTAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS E A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: UMA SÍNTESE Guarino Rinaldi Colli Gustavo de Mattos Accacio Yasmine Antonini Reginaldo Constantino Edivani Villaron Franceschinelli Rudi Ricardo Laps Aldicir Scariot Marcus Vinícius Vieira Helga Correa Wiederhecker 317

Introdução Neste capítulo é feita uma síntese dos efeitos da fragmentação e das recomendações para políticas públicas apresentados nos capítulos anteriores. Para a correta interpretação dessa síntese, é necessário ter em mente as limitações dos dados obtidos pelos 15 subprojetos. Apesar de terem investigado os efeitos da fragmentação sobre oito grupos taxonômicos (plantas, peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, insetos e outros invertebrados) em cinco biomas brasileiros (Cerrado, Floresta Amazônica, Floresta Atlântica, Floresta com Araucárias e Região Costeira), a grande maioria dos subprojetos se concentrou em mamíferos (60%), aves (53,3%) e plantas (53,3%), em fragmentos da Floresta Atlântica (60%) (Figura 1). Essa limitação em sua generalidade, entretanto, não diminui o valor das conclusões e recomendações que seguem. Cientistas freqüentemente adotam uma postura de fazer recomendações apenas na disponibilidade de dados da mais alta qualidade, na tentativa de minimizar o elemento de risco ao adotar uma linha de ação 1. Porém, como dados ecológicos de alta qualidade são de difícil obtenção, a incerteza é um elemento intrínseco à determinação de parâmetros e processos em ecologia. Além disso, é de senso comum a urgência da demanda de conhecimentos ecológicos que orientem a formulação de políticas públicas para a conservação da natureza no Brasil. Nesse contexto, uma estratégia de gerenciamento adaptativo pode ser adequada, onde as decisões são tomadas com o objetivo explícito de aprender sobre os processos que governam o sistema e esse aprendizado é utilizado para informar futuras decisões 2. A fragmentação dos ecossistemas e a biodiversidade brasileira: uma síntese 318 Efeitos de borda e do tipo de matriz De uma forma geral, quanto maior o contraste entre a estrutura dos fragmentos e da matriz, maior a intensidade dos efeitos de borda e da matriz, tanto sobre a flora quanto sobre a fauna. Por exemplo, não foram detectados efeitos de borda sobre a herpetofauna tanto em fragmentos de Cerrado (inseridos em matriz aberta), quanto em fragmentos de Floresta Atlântica no sul da Bahia (inseridos em matriz florestal). Da mesma forma, em fragmentos de Floresta Estacional Decidual não foram detectados efeitos de borda na riqueza, diversidade e composição de espécies, abundância de indivíduos e estrutura das populações de árvores. Em todos esses casos, o contraste entre os fragmentos e a matriz é baixo. Assim sendo, como a maior parte das matrizes antrópicas é formada por ambientes abertos, fragmentos de ecossistemas fechados, como florestas úmidas, estão mais sujeitos a esses efeitos do que fragmentos de ecossistemas abertos, como florestas estacionais e cerrados. Alguns organismos, como insetos fitófagos ou associados a clareiras, tendem a proliferar com o aumento das bordas dos fragmentos. Por outro lado, outros só ocorrem no interior dos fragmentos florestais, incluindo morcegos da subfamília Phyllostominae e aves típicas do subbosque, como a galinha-do-mato (Formicarius colma). Além disso, a per-

Fig.1 Representatividade de grupos taxonômicos (acima) e biomas (abaixo) nos 15 subprojetos sobre fragmentação de ecossistemas naturais. meabilidade da matriz é decorrente da sua complexidade estrutural e do tipo e intensidade do seu uso. Por exemplo, no sul da Bahia, a matriz de cabrucas é pouco permeável a pequenos mamíferos que dependem do sub-bosque, porém favorece a ocorrência de aves típicas de dossel. Pela sua importância, os efeitos de borda e de permeabilidade da matriz devem ser considerados na escolha de áreas para conservação. É recomendável conservar grandes áreas contínuas com porções centrais amplas, bem preservadas e livres da influência do entorno, para assegurar a sobrevivência de espécies sensíveis aos efeitos de borda. Técnicas de manejo que atenuem esses efeitos pela melhoria da qualidade do entorno (matriz) podem aumentar as chances de persistência das populações. A presença de ambientes sucessionais no entorno de fragmentos pode promover a manutenção de espécies menos exigentes, que utilizam tanto o interior dos fragmentos, quanto recursos encontrados no seu entorno. A redução dos efeitos de borda pode ser obtida pela diminuição da razão perímetro/área dos fragmentos. Em ecossistemas aquáticos, é recomendável estabelecer uma zona de proteção entre a matriz e a borda do fragmento, impedindo o afluxo de agrotóxicos e sedimentos. 319

Efeitos da qualidade e estrutura dos fragmentos A fragmentação dos ecossistemas e a biodiversidade brasileira: uma síntese As diferentes formas de utilização dos fragmentos podem provocar alterações em sua estrutura. Por exemplo, a exploração seletiva de madeira em fragmentos de Floresta Atlântica na região de Una, Bahia, causou reduções na densidade de árvores das famílias Chrysobalanaceae e Sapotaceae. No Paraná, o corte seletivo de canelas (Lauraceae) provocou a diminuição da riqueza de aves frugívoras, como o tucanodo-bico-verde (Rhamphastos dicolorus). Por outro lado, em florestas estacionais deciduais no vale do Paranã, Goiás, a extração seletiva de madeira não afetou a densidade, riqueza e diversidade de espécies de árvores adultas. As características internas dos fragmentos também influenciam a estrutura das comunidades. Na costa norte do Brasil, fragmentos de melhor qualidade apresentaram maiores populações de aves migratórias. Em fragmentos de Cerrado, a diversidade da herpetofauna foi associada à estrutura do habitat, sendo que algumas espécies foram mais abundantes em áreas alteradas, de forma similar ao que aconteceu com borboletas frugívoras na Floresta Atlântica em Una. Por fim, características únicas dos fragmentos podem condicionar a ocorrência de algumas espécies mais exigentes. Assim, na Floresta Atlântica a abelha mandaçaia (Melipona quadrifasciata) necessita de árvores com ocos grandes para estabelecer colônias, enquanto que algumas espécies de aves e borboletas ocorrem apenas em grotas, taquarais e áreas de baixada. Ainda, o lagarto endêmico Cnemidophorus parecis foi encontrado apenas em fragmentos de Cerrado sobre solos arenosos na região de Vilhena, Rondônia. Assim sendo, as formas de uso podem comprometer a estrutura e a capacidade de manutenção de populações naturais nos fragmentos. Essas atividades devem ser controladas e, se possível, evitadas. Dentre as formas de uso mais danosas à estrutura de fragmentos, destacam-se a exploração de madeira e alguns produtos não-madeireiros (cipós, palmito), a introdução de animais domésticos e a caça. No caso de fragmentos aquáticos, alterações no regime hídrico são particularmente nocivas. Além disso, os efeitos do uso inadequado da matriz, como o emprego irracional de agrotóxicos e do fogo, podem se propagar pelos fragmentos, afetando negativamente sua qualidade. De uma forma geral, devese permitir a recuperação de fragmentos até os estágios avançados de regeneração, pois é quando as populações das espécies mais exigentes atingem sua maior abundância, ainda que muitas outras espécies possam sobreviver em áreas agroflorestais ou secundárias que cercam os fragmentos naturais. Entretanto, a seleção de fragmentos para conservação não deve privilegiar apenas áreas em estado avançado de regeneração, mas também outras características tais como a heterogeneidade espacial e a existência de feições ecogeográficas únicas, que podem ser condicionantes da manutenção de populações de determinadas espécies. 320

Efeitos do isolamento dos fragmentos O grau de isolamento de um fragmento de habitat afeta a probabilidade de trocas de indivíduos (migração) com fragmentos vizinhos, comprometendo a persistência das populações. Por exemplo, fragmentos menos isolados de Floresta Atlântica mostraram maior diversidade e abundância de abelhas Euglossini. A similaridade florística entre fragmentos de Floresta Estacional Decidual e a similaridade faunística entre fragmentos da Floresta Atlântica foi maior entre fragmentos mais próximos. O grau de isolamento dos fragmentos não é apenas afetado pela distância entre os mesmos, mas também pela permeabilidade da matriz. Na região de Una, Bahia, cabrucas e capoeiras funcionaram como extensões da floresta para muitas borboletas frugívoras e sapos e lagartos da serrapilheira, promovendo uma maior conectividade entre os fragmentos. Da mesma forma, não houve associação entre o grau de isolamento e a riqueza de espécies de lagartos em fragmentos de Cerrado, onde a matriz é relativamente permeável. Outro efeito possível do isolamento é a alteração da estrutura genética das espécies. A interrupção do fluxo gênico entre populações isoladas do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) e do cedro (Cedrela aff. odorata) resultou na redução da variabilidade genética e maior grau de diferenciação entre as mesmas. Esse efeito foi, porém, reduzido em espécies sinantrópicas, como o gambá, Didelphis aurita. A persistência de populações em paisagens fragmentadas é criticamente dependente da manutenção da conectividade entre fragmentos, que por sua vez impede o isolamento das populações. Uma maior conectividade pode ser obtida pela criação de habitats mais semelhantes ao original no entorno dos fragmentos, pela criação de corredores ecológicos, e pela diminuição da distância entre fragmentos. A criação de zonas-tampão pode melhorar a qualidade do entorno, sendo sua eficiência diretamente proporcional à similaridade, em composição e estrutura, relativa à vegetação dos fragmentos. Nesse sentido, até mesmo árvores isoladas podem contribuir para o fluxo de indivíduos e genes entre os fragmentos, como verificado na Floresta Atlântica na região do Pontal do Paranapanema. Na Floresta Atlântica do sul da Bahia, cabrucas e capoeiras desempenham importante papel na conexão entre fragmentos florestais e contribuem para a permanência da fauna nativa, devendo ser incorporadas aos planos de manejo, principalmente quando são extensas. É necessário promover a manutenção do sistema de cabrucas e investir nos produtos provenientes do cacau. Corredores ecológicos são, muitas vezes, a única alternativa para a conservação de plantas cujos polinizadores e dispersores de sementes não atravessam matrizes abertas. Ainda, é fundamental incentivar pesquisas sobre a ecologia e a genética de populações, pois o desconhecimento do poder de dispersão das espécies de interesse, assim como da sua estrutura genética populacional antes da fragmentação, pode ser um sério empecilho à sua conservação. 321

Efeitos do tempo de isolamento dos fragmentos A fragmentação dos ecossistemas e a biodiversidade brasileira: uma síntese 322 Efeitos do tamanho dos fragmentos Muitos efeitos da fragmentação só se manifestam com o passar do tempo. Assim, a riqueza e abundância de primatas no Baixo Tapajós foram menores em fragmentos situados em áreas com maior tempo de colonização. Pela comparação entre censos realizados na década de 30 e censos atuais na região de Viçosa-MG, verificou-se que, após sete décadas de isolamento, 31% das espécies de aves frugívoras foram extintas e 77% estão ameaçadas de extinção nos fragmentos de Floresta Atlântica remanescentes. De forma similar, foi observado que a riqueza de espécies de lagartos em fragmentos naturais de Cerrado, com cerca de 3.000 anos de idade, corresponde à metade daquela em fragmentos antrópicos, com cerca de 20 anos de idade. Com o decorrer do tempo, a fragmentação ainda pode afetar a variabilidade genética das populações isoladas. A perda da variabilidade genética em populações do sapocachorro (Physalaemus cuvieri) no Cerrado foi maior em fragmentos naturais, principalmente nos de menor tamanho, mas ainda não é perceptível em fragmentos antrópicos. Assim sendo, ao se analisar os efeitos da fragmentação sobre a biodiversidade é mister considerar o tempo decorrido desde a fragmentação e outras perturbações, naturais ou não, que tenham ocorrido ao longo do tempo. Análises limitadas a fragmentos recém-isolados possuem baixo poder preditivo e podem até indicar pouca ou nenhuma alteração na biota. Os estudos com anfíbios e aves mostraram que a erosão genética não ocorre imediatamente após o processo de fragmentação. Portanto, a preservação de fragmentos onde a deriva genética e a endogamia ainda não são pronunciadas pode ser crítica para a manutenção da diversidade genética e viabilidade das populações numa determinada região. Apesar de poucos projetos terem abordado efeitos temporais da fragmentação, os resultados indicam que diferentes estratégias devem ser adotadas de acordo com a idade dos fragmentos. Por exemplo, para a herpetofauna do Cerrado, em se tratando de fragmentos antrópicos recentes, é preferível preservar grandes áreas; no caso de fragmentos naturais antigos na periferia do Cerrado, é preferível privilegiar um grande número de áreas. Ainda, devido ao longo tempo de isolamento, fragmentos naturais podem abrigar espécies endêmicas, devendo ser considerados como de alta prioridade para a conservação. Fragmentos de pequeno tamanho podem não possuir habitats suficientes para a persistência das populações de determinadas espécies. Em áreas de Cerrado, verificou-se que fragmentos maiores que 1.300ha abrigam cerca de 25% mais espécies de árvores que fragmentos menores que 700ha. A riqueza de aves foi positivamente associada ao tamanho dos fragmentos tanto na região das Florestas de Araucárias, quanto na costa norte do Brasil. Em alguns grupos, porém, não foi observado um efeito do tamanho dos fragmentos sobre a riqueza de espécies, como em

drosofilídeos e lagartos no Cerrado, ou borboletas frugívoras e anuros da serrapilheira na Floresta Atlântica do sul da Bahia. Apesar de haver perda de espécies com a redução no tamanho dos fragmentos, em áreas de Floresta Atlântica houve variação na composição de espécies de abelhas sem ferrão entre fragmentos de tamanho similar, assim como na fauna de mamíferos em fragmentos menores que 100ha. Assim, quando considerados em conjunto, fragmentos pequenos podem manter uma parcela significativa da biodiversidade regional. Os efeitos do tamanho dos fragmentos podem se manifestar de várias formas. Por exemplo, em pequenos fragmentos de Floresta Atlântica houve uma redução no número e abundância de espécies polinizadoras e frugívoras, na taxa de visita dos polinizadores e na fertilidade de algumas espécies arbóreas, como a canjerana (Cabralea canjerana). Ao mesmo tempo ocorreu um aumento na predação de sementes. Além disso, a redução do tamanho dos fragmentos pode diminuir a variabilidade genética das populações, como foi observado no Cambuí (Myrciaria floribunda). Fragmentos grandes são geralmente mais eficientes na manutenção da riqueza de espécies do que fragmentos pequenos, considerandose similares a matriz, o histórico e o uso dos mesmos. Da mesma forma, eles podem conservar uma maior diversidade genética das populações. Por outro lado, mesmo em paisagens bastante fragmentadas, praticamente todos os subprojetos demonstraram o valor de pequenos fragmentos (menores que 100ha) na conservação da biota. Embora não mantenham todas as espécies de uma região, eles podem (1) servir como pontos de parada ou alimentação para várias espécies da fauna, (2) representar a heterogeneidade espacial original da região e (3) desempenhar papel fundamental na conexão entre fragmentos maiores e áreas contínuas, contribuindo para o fluxo de genes entre populações. Assim sendo, políticas de conservação não devem privilegiar apenas fragmentos de maior tamanho. Ainda, o manejo de fragmentos pequenos deve ser voltado predominantemente para o controle de agentes externos e, no caso dos grandes fragmentos, de agentes internos. Entretanto, agentes externos são importantes independentemente do tamanho do fragmento. Consideração final Nos últimos tempos, identificar os efeitos da fragmentação dos habitats sobre a biodiversidade brasileira e propor linhas de ação para minorar seus impactos talvez tenha sido o maior desafio enfrentado tanto por cientistas, políticos e outros agentes sociais preocupados com a conservação da natureza. Esse desafio é exacerbado pela grande extensão do território, pela escassez de verbas para a pesquisa e pela alta velocidade de destruição das nossas paisagens naturais. Além disso, ainda persiste uma grande heterogeneidade nas atividades de produção 323

de conhecimento entre grupos taxonômicos e entre biomas brasileiros. Apesar dessas limitações, um conjunto considerável de conhecimentos sobre o assunto tem sido acumulado, tanto pelas atividades dos subprojetos representados nesse volume, quanto por outras iniciativas 3. Nós acreditamos firmemente que esses conhecimentos formam uma base sólida para orientar políticos e agências governamentais na tomada de decisões e esperamos que eles sejam bem utilizados. Referências bibliográficas 1. LUDWIG, D., MANGEL, M. E HADDAD, B., 2001, Ecology, conservation, and public policy. Annual Review of Ecology and Systematics, 2001: 481-517. 2. SHEA, K. E NCEAS WORKING GROUP ON POPULATION MANAGE- MENT, 1998, Management of populations in conservation, harvesting and control. Trends in Ecology & Evolution, 13: 371-375. 3. BIERREGAARD, R. O., JR., GASCON, C., LOVEJOY, T. E. & MESQUITA, R. C. G., 2001, Lessons from Amazonia: The Ecology and Conservation of a Fragmented Forest. Yale University Press, New Haven & London. 478 p.