MÓDULO 01 O que é Filosofia? PENSANDO FILOSOFIA À primeira vista é muito fácil definir o que é Filosofia, basta lembrar das origens gregas do termo: Philos (amigo) + sophia (sabedoria). Porém, bem mais difícil é tentar explicar para que ela serve. De fato, a Filosofia não visa a resultados práticos ou imediatos. Ao contrário, ela abre espaço justamente ára perguntas como: por que todas as coisas devem ter uma finalidade prática? Meret Oppenheim. Object. 1936. Xícara, pires e colher forrados com pele. Muitos artistas do século XX deslocaram objetos cotidianos de seu contexto habitual, colocando-os em outros, muitas vezes inusitados. Com isso, conseguiram, entre outras coisas, chamar a atenção para o fato de que existem outras realidades além da aparente e de que nem tudo deve ser observado somente em termos de sua utilidade prática. A Filosofia é um tipo de conhecimento que se justifica por si mesmo. Por isso, não se deve cobrar dela uma aplicação imediata. Faz parte de nossa cultura pensar no conhecimento como um instrumento para a realização de coisas materiais. Porém, essa ideia nem sempre acompanhou o homem, ela foi fruto, principalmente, das mudanças decorrentes da Revolução Industrial, que transformou o conhecimento em técnica, por sua vez utilizada na produção de objetos em larga escala. Esse processo de tal forma afetou nossa vida e mudou nossos hábitos, que passamos a considerar a utilidade prática como única função do conhecimento. A Filosofia não despreza a realidade concreta, mas também não se limita a ela: constitui-se em busca constante por explicações e tem no seu horizonte o desafio de levar o indivíduo ao conhecimento de si mesmo. Criando problemas Os homens começaram a filosofar movidos pelo espanto. Essa frase, do filósofo grego Aristóteles (384 322 a.c.), resume bem o sentido da Filosofia: ancorada em nossa capacidade de problematizar, ela ajuda-nos a enfrentar questões fundamentais para as quais normalmente não encontramos respostas em nosso cotidiano. Isso inclui o questionamento sobre si mesmo. Sócrates (470 399 a.c.), pensador grego, considerado por muitos uma espécie de pai da Filosofia, tinha como um de seus princípios a máxima: Conhece-te a ti mesmo.
Para atestarmos a complexidade dessa tarefa, imaginemos o seguinte: quando você acorda pela manhã, uma de suas primeiras experiências é olhar-se ao espelho. E, durante o dia, muitas vezes você usa a expressão eu. Quando alguém pergunta quem é você?, você diz seu nome. Ao mesmo tempo, identifica seu nome com aquela imagem do espelho à qual está acostumado. Mas o que apenas um nome e uma imagem dizem sobre você? Certamente, existem muitos outros atributos (virtudes e defeitos). Será que você sabe exatamente quais são? Você alguma vez já se surpreendeu quando alguém disse que você era uma coisa que você nunca imaginou que fosse? Em outras palavras: quanto de você mesmo você conhece? E mesmo quando alguém diz que você é inteligente ou bonito, ou quando alguém diz somos amigos, o que isso significa realmente? O que é inteligência, beleza? O que é amizade? O sentido dessas palavras é sempre o mesmo ou muda de pessoa para pessoa ou mesmo ao longo do tempo? A Filosofia não oferece respostas prontas para esse tipo de questão, ou seja: não é um conjunto pronto e acabado de conhecimentos que se aprende. Ela é uma forma de encarar o mundo, uma busca e um questionamento permanentes. Conceito, reflexão e crítica O conceito é a base do pensamento filosófico. Criamos conceitos para nos referirmos mais precisamente a objetos, ideias ou sentimentos. Para isso, é necessário que cada coisa seja designada naquilo que lhe é fundamental. Em outras palavras, conceitos são abstrações, modelos abstratos que podem ser usados sempre que tentarmos identificar ou entender os diversos aspectos da realidade (e de nós mesmos). Pode-se dizer que a Filosofia é essencialmente a atividade de criar conceitos. Outra característica do pensamento filosófico é que ele depende de um procedimento ou método baseado na reflexão, que deve ser entendida como algo mais do que um simples pensamento. Conhecemos a palavra reflexão do nosso vocabulário de uso cotidiano ou do vocabulário da Física. Simplificando um pouco, o reflexo é a imagem que o espelho nos devolve. Em Filosofia, reflexão significa um pensamento que tem a capacidade de voltar-se contra si mesmo. Isso quer dizer que a Filosofia procura sempre questionar aquilo que já foi pensado. Dessa forma, não se prende a dogmas (ou seja, a ideias indiscutíveis). Mas, ao mesmo tempo em que rejeita o dogmatismo (a crença inegável num sistema), o pensamento filosófico quase sempre rejeita o ceticismo (no sentido da impossibilidade de se chegar a alguma certeza). Por isso se diz que a reflexão filosófica é crítica. Na linguagem cotidiana, costumamos ligar a palavra crítica ao ato de falar mal ou ver defeitos : esse não é o sentido filosófico. Fazer a crítica significa examinar minuciosamente e, sobretudo, com critério e rigor, sem extremismos e considerando a diversidade de opiniões. Se alguém diz Não gostei daquele filme, estará simplesmente emitindo uma opinião, criticando (no sentido vulgar da palavra). Mas, se disser Não gostei daquele filme porque o roteiro não é original e os atores foram pouco convincentes, estará fazendo um exame mais minucioso, a partir de critérios mais precisos. Estará, portanto, sendo rigoroso e crítico.
Exercícios 1. Para responder à pergunta que segue, considere a afirmação do filósofo francês Merleau Ponty (1908 1961): A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo. Em sua opinião, como a Arte e a Filosofia conseguem nos fazer repensar nossa maneira de ver e entender o mundo, as pessoas e a nós mesmos? 2. Diga qual é a explicação histórica para o fato de buscarmos uma utilidade prática para tudo e aponte as consequências desse tipo de postura. 3. Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos de pensamento. (Platão, Sofista.). Como sugere Platão, o pensamento é um tipo de discurso com características muito particulares. Com base no texto da aula, diga quais são as principais especificidades do pensamento filosófico.
4. Defina brevemente, com suas palavras, ceticismo e dogmatismo e procure ilustrar, com exemplos da realidade concreta, os perigos de uma postura extremada. Tarefa O filósofo grego Sócrates foi acusado de corromper a juventude ateniense, e seu julgamento foi descrito pelo discípulo Platão, no texto Apologia de Sócrates. No fragmento abaixo, Sócrates, após saber de sua condenação, dirige-se aos juízes, rejeitando a pena alternativa de expulsão da cidade e propondo o pagamento de uma multa irrisória. Sem alternativa, os juízes confirmaram a sentença de morte. SÓCRATES: Algum de vós talvez pudesse contestarme: Em silêncio e quieto, ó Sócrates, não poderias viver após ter saído de Atenas? Isso seria simplesmente impossível. Porque se vos dissesse que significaria desobedecer ao deus e que, por conseguinte, não seria possível que eu vivesse em silêncio, não acreditaríeis e pensaríeis que estivesse sendo sarcástico. Se vos dissesse que esse é o maior bem para o homem, meditar todos os dias sobre a virtude e acerca de outros assuntos que me ouviste discutindo e examinando a mim mesmo e aos outros, e que uma vida não examinada não é digna de ser vivida, se vos dissesse isso, acreditar-me-iam menos ainda. Contudo, é isto que vos digo, ó atenienses, porém é difícil convencer-vos. Por outro lado, não estou habituado a considerar-me merecedor de mal algum. Se possuísse dinheiro, poderia ter-me aplicado uma multa que conseguisse pagar, porque, assim, não teria me infligido mal algum. Mas não possuo dinheiro e não posso fazer isso, exceto se desejeis multar-me de uma quantia que eu tenha possibilidade de pagar. Poderei pagar-vos apenas uma mina de prata, portanto multo-me em uma mina de prata. (Platão, Apologia de Sócrates.) De acordo com Sócrates, qual a finalidade da Filosofia? Indique o trecho da fala de Sócrates que justifica sua resposta.
Tarefa Leia o trecho do texto O Inutensílio, do poeta Paulo Leminski, e responda: por que o autor afirma que as coisas inúteis são a própria finalidade da vida? O indispensável in-útil As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias. A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio. As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a megera. Mas ela sempre volta a incomodar. Com o radical incômodo de uma coisa in-útil num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê. Pra que por quê? (Paulo Leminski, Anseios Crípticos, 1986.) Leitura complementar A Grécia e a Filosofia A civilização grega foi talvez a primeira, na Antiguidade, a agrupar um conjunto de características muito peculiares, que se relacionam ao surgimento da Filosofia. Em primeiro lugar, o desenvolvimento da navegação no mar Mediterrâneo. Vivendo em uma terra pobre e em contato com o mar, os gregos se dedicaram a viagens marítimas, voltadas para o comércio e possibilitando amplo deslocamento da população. Nessas viagens, os gregos jamais encontraram os deuses e as criaturas fabulosas que existiam nas lendas e mitos, tanto as suas quanto as de outros povos. Pelo contrário, foram percebendo que a Natureza sempre segue as mesmas regras, não importando o local onde estivessem. Foi também o comércio com locais distantes e povos diversos que estimulou o emprego da moeda e a disseminação da escrita. Ao substituir a troca entre mercadorias, a moeda ajuda a desenvolver o raciocínio abstrato, para a elaboração de cálculos de valor. A escrita fonética, em que cada letra representa um som, faz com que as palavras percam seu caráter mágico de representação de um objeto ou uma ideia (palavra = coisa) e passem a ser apenas o seu signo (palavra = signo), dessacralizando o uso da escrita e estimulando o raciocínio. A riqueza trazida pelo comércio e a utilização em larga escala de escravos, tornou possível o ócio, o tempo livre, que podia ser dedicado à atividade contemplativa, estimulando o espírito de observação. Da mesma forma, o aperfeiçoamento do calendário, baseado na observação da Natureza (repetição das estações do ano, das fases da lua), que deu ao tempo um caráter natural e não divino. Tais condições, sozinhas, não explicam por que a Filosofia nasceu na Grécia Antiga, mas certamente contribuíram para que isso ocorresse.
Brevemente, cite algumas condições específicas que favoreceram o desenvolvimento da Filosofia na Grécia Antiga?