Evolução, fatores de risco e prognóstico: o pescoço está pronto?



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Transcrição:

Centro SARAH de Formação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Mestrado em Ciências da Reabilitação Evolução, fatores de risco e prognóstico: o pescoço está pronto? Andreia Gushikem Orientador: Aloysio Campos da Paz Júnior

ii Rede Sarah de Hospitais de Medicina de Reabilitação Centro Sarah de Formação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Mestrado em Ciência da Reabilitação Andreia Gushikem Brasília 2007 Andreia Gushikem

iii Evolução, fatores de risco e prognóstico: o pescoço está pronto? Dissertação apresentada ao Centro Sarah de Formação e Pesquisa da Rede Sarah de Hospitais de Medicina de Reabilitação, como exigência para obtenção do Título de Mestre em Ciências da Reabilitação Orientador: Aloysio Campos da Paz Jr. Brasília 2007

iv A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original Albert Einstein

LISTA DE FIGURAS v

LISTA DE TABELAS vi

vii RESUMO Um das regiões que mais sofreu modificações ao longo da evolução do homem é o pescoço. A alta prevalência de dor e disfunção na coluna cervical, sugere analisar os mecanismos da coluna à luz dos dados sobre a evolução. Por outro lado, para direcionar o processo de reabilitação, é necessário compreender também os fatores de risco. Esse trabalho objetivou avançar no estudo dos fatores de risco e prognóstico da cervicalgia, bem como analisar o problema do ponto de vista evolutivo. Para alcançar os objetivos quanto aos fatores de risco, conduzimos um estudo de caso-controle, envolvendo 37 pessoas com cervicalgia inespecífica crônica e 33 controles assintomáticos. A análise do ponto de vista evolutivo foi precedida de revisão bibliográfica. Observamos que as mulheres, pessoas com sobrepeso, que mantém flexionado ou flexionam repetidas vezes o pescoço, no seu dia-a-dia, e que apresentam algumas alterações ditas degenerativas, específicas, apresentam maior chance de apresentar cervicalgia. Os pacientes com cervicalgia, que exibiram alterações degenerativas, apresentavam maior tempo de evolução dos sintomas. E, quanto maior a intensidade da dor, maior a limitação funcional. Ao longo da evolução, o pescoço sofreu modificações e estaria bem adaptado para a marcha. Entretanto, não se pode afirmar que esteja pronto para as novas demandas impostas pelo cotidiano e o aumento da expectativa de vida. Palavras-chave: Cervicalgia, fatores de risco, osteoartrose, obesidade, tabagismo, depressão, atividade física, riscos ocupacionais, atividades de vida diária, evolução.

viii ABSTRACT The neck is one of the regions of the human body that, through evolution, most suffered modifications. The high prevalence of pain and dysfunctions in the spinal cord, suggest an analysis of the spinal mechanics enlightened by evolutionary background. In the other hand, to conduct the rehabilitation process, it is also necessary to comprehend other risk factors. The aim of this research was bringing advances to the study of risk factors and prognosis in cervical pain and all together analyze the problem through the evolutionary point of view. To reach our objectives in regards to risk factors a case-control study was conducted, involving 37 individuals with unspecified chronic cervical pain and 33 asymptomatic control subjects. The analysis of the evolutionary perspective was based on a bibliographical revision. It was observed that women, individuals with overweight which maintain the neck flexed or repetitively flex it, in their day-to-day activities, and that present any specific degenerative modification, present greater chance of presenting cervical pain. Patients with cervical pain that showed degenerative modifications manifested their symptoms for a longer period of time. And greater the intensity of the pain greater was the functional limitation. Through evolution the neck underwent modifications and should have been well adapted to gait. However, we can not state that it is heady to attend to the new demands imposed by daily life and the increase of life expectation. Keywords: Cervical pain, risk factors, osteoarthritis, obesity, smoking, depression, physical activities, occupational risks, daily life activities, evolution.

ix RÉSUMÉ Le cou est l une des régions du corps qui ont subi le plus grand nombre de modifications au cours de l évolution de l homme. La forte prévalence de la douleur et les dysfonctions de la colonne cervicale nous ont amenée à analyser les mécanismes du cou à la lumière des données disponibles sur l évolution. Par ailleurs, il est indispensable à une bonne conduite de la rééducation de bien comprendre les facteurs de risque. La présente étude a été menée dans le but d avancer dans la connaissance des facteurs de risque et du pronostic de la cervicalgie, en abordant le problème sous l angle de l évolution. Pour l analyse des facteurs de risque a été réalisée une étude cas-contrôle sur 37 personnes souffrant de cervicalgie non spécifique chronique et 33 sujets témoins asymptomatiques. L analyse du point de vue de l évolution a été précédée d une étude bibliographique. Nous avons observé que les sujets de sexe féminin, les personnes en surpoids, qui maintiennent le cou en flexion ou sont amenées à le flexionner de manière répétée pour les activités de la vie quotidienne, et celles qui présentent des modifications dites dégénératives, spécifiques, sont davantage exposés à la cervicalgie. Chez les patients cervicalgiques porteurs de modifications «dégénératives» le temps d évolution des symptômes est plus long. Et plus l intensité de la douleur est élevée, plus grande est la limitation fonctionnelle. Au cours de l évolution, le cou a subi des modifications et serait bien adapté pour la marche. Il est néanmoins impossible d affirmer qu il est préparé pour affronter les nouvelles contraintes imposées par le quotidien et l allongement de l espérance de vie. Mots-clé : Cervicalgie, facteurs de risque, ostéoarthrose, obésité, tabagisme, dépression, activité physique, risques occupationnels, activités de la vie quotidienne, évolution.

x

xi SUMÁRIO

xii SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS v LISTA DE TABELAS vi RESUMO vii ABSTRACT viii RÉSUMÉ ix 1 INTRODUÇÃO 1 O pescoço está pronto? 1 2 REVISÃO DA LITERATURA 4 2.1 - Das origens à atualidade 4 2.2 - O Homem sentado ( Homo sentadus ) 6 2.3 - Histórico da dor nas costas 7 2.4 Uma análise da cervicalgia 9 2.4.1 - Potenciais fontes de dor, etiologia e fatores de risco 9 2.5 - Prevenção 12 2.6 Diagnóstico da cervicalgia 12 3 - SUJEITOS E MÉTODOS 15 3.1- Delineamento do estudo 15 3.2 Seleção da população 15 3.3 - Coleta de dados 16 3.3.1 Variáveis socioeconômicas e idade 17 3.3.2 Variáveis antropométricas 18 3.3.3 Variáveis que expressam estilo de vida 18 3.3.4 - Variáveis relacionadas à ocupação 18 3.3.5 Variáveis que expressam a condição emocional 18 3.3.6 Alterações radiológicas 19 3.3.7 Caracterização dos sintomas e atividades de vida diária nos pacientes com cervicalgia 21 3.4 Análise estatística 22 4 INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR 25 5 - RESULTADOS 27 5.1 Investigação dos potenciais fatores de risco 27 5.1.1 - Consolidação dos fatores de risco 29 5.2 Investigação dos potenciais fatores prognósticos no grupo-cervicalgia 30 6- DISCUSSÃO 34 6.1 - Aspectos metodológicos e limitações da pesquisa 34 6.1.2 - Diagnóstico 35 6.1.3 - Validade dos instrumentos 35 6.2 Principais resultados 36 6.2.1 - Dados socioeconômicos 37 6.2.2 - Variáveis antropométricas e que expressam estilo de vida 37 6.2.3 - Fatores que expressam a condição emocional 38

xiii 6.2.4 - Fatores relacionados à ocupação 39 6.2.5 - Alterações radiográficas 39 6.2.6 Eletroneuromiografia 40 6.2.7 - População com cervicalgia 42 6.3 - Considerações finais 43 6.4 - Implicações práticas 44 ANEXOS 56 Anexo i Ficha de coleta de dados 56 Anexo ii - Inventário Beck de Depressão 57 Anexo iii Ficha de avaliação radiológica 59 Anexo iv - Critérios de avaliação e classificação achados radiológicos 60 Anexo v Ficha de caracterização das queixas 61 Anexo vi- Questões do Neck Disability Index (NDI) 62 Tabela 7. Resumo dos principais resultados encontrados nos artigos 17

INTRODUÇÃO

1 INTRODUÇÃO O pescoço está pronto? O pescoço é a região mais móvel da coluna vertebral e uma das que mais sofreu modificações ao longo da evolução do homem, sob o ponto de vista antropológico. Existe coincidência entre essas regiões e a ocorrência de disfunção e dor. No caso do pescoço, a prevalência de dor é de 34%. Isso sugere que uma das possibilidades para entender os mecanismos da coluna humana é estudá-los à luz da evolução. Por outro lado, para direcionar o processo de reabilitação, é necessário compreender também os fatores de risco, presentes na vida moderna. Além disso, é importante refletir sobre a influência que o processo de industrialização exerceu sobre a coluna humana e, especificamente, sobre o pescoço. O homem passou, ainda, a viver mais tempo apoiado na máquina palnejada para andar, lutar e fezer esforços.. Os objetivos deste estudo não se restringiram, portanto, apenas ao estudo clássico dos fatores de risco e prognóstico no contexto da reabilitação. Também avançaram na análise da dor no pescoço do ponto de vista antropológico. Especificamente, quanto à investigação dos fatores de risco, este estudo objetivou: Preliminarmente, investigar a presença ou não de envolvimento radicular; Investigar a relação entre a dor no pescoço e os achados radiológicos da coluna cervical; Investigar a relação entre a dor no pescoço e obesidade, tabagismo, atividade física, características da ocupação e ansiedade/depressão. No que concerne aos fatores prognósticos, visou: Comparar os achados radiológicos da coluna cervical com a gravidade e o tempo de evolução dos sintomas de dor no pescoço;

2 Investigar o impacto da dor cervical nas atividades de vida diária; Determinar a relação entre os achados radiológicos da coluna cervical e a capacidade de realizar as atividades de vida diária. Para procurar explicar a dor e a disfunção, do ponto de vista evolutivo, a análise buscou: Compreender as modificações que ocorreram na coluna ao longo da evolução do homem; Identificar o contexto em que as modificações ocorreram e o que significaram do ponto de vista evolutivo; Especular sobre a relação entre as modificações ocorridas e a dor no pescoço.

REVISÃO DA LITERATURA 3

4 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 - Das origens à atualidade Inicialmente, buscamos conhecer as modificações anatômicas que ocorreram ao longo da evolução do homem, para compreender o contexto em que surgiram e o que significaram do ponto de vista evolutivo, ou seja, se de alguma forma as modificações ou adaptações teriam sido vantajosas. Dados da descoberta de fósseis e estudos de DNA sugerem que os homens e os macacos africanos dividiram um ancestral comum há 9-7 milhões de anos e que o andar ereto ocorreu há cerca de seis milhões de anos (Figura 1). Na medida em que nossos ancestrais tornavam-se eretos, ocorriam transformações importantes no alinhamento e morfologia da coluna (Figura 2). A coluna dos primatas (macacos) é constituída por duas curvaturas, a lordose cervical e a cifose tóraco-lombar. A coluna do homem e de seus ancestrais, a partir da aquisição do andar ereto, é caracterizada por três curvaturas, lordose cervical, cifose torácica e lordose lombar. Essa alteração na forma, além de posicionar o eixo da coluna próximo ao do centro de gravidade, minimizando o esforço da musculatura de sustentação, colocou o tronco e a cabeça na posição vertical desencadeando alterações na coluna cervical a fim de posicionar eficazmente os órgãos dos sentidos - e os membros superiores ao longo do corpo, previamente em posição anterior ao eixo do corpo. No que diz respeito à morfologia: - Os macacos apresentavam processos transversos estreitos e alongados, provavelmente em decorrência da maior amplitude de inclinação lateral da cabeça, e menor angulação dos tubérculos retroglenóideos do atlas (porção posterior da faceta superior; macacos= 81, humanos= 87-94 ); - O processo odontóide dos primatas é inclinado, nos homens é orientado verticalmente - ereto - e em nossos ancestrais a angulação varia de levemente inclinado a ereto;

5 - As facetas articulares evoluíram de uma forma de cone, resultado de forças tensionais associadas a maior movimentação em flexão-extensão, para uma orientação mais plana, correspondendo às forças compressivas decorrentes da postura ereta. Nos Australophitecus aferensis (3,3 milhões de anos), observa-se faceta plana, nos Paranthropus robustus (1,8 milhões), leve angulação (essa angulação parece sugerir bipedalismo associado à escalada); - Australophitecus apresentam processos espinhosos e transversos grandes, o que sugere ancoragem de maior massa muscular, e corpo vertebral mais largo que longo, como nos humanos. No entanto, as características morfológicas são intermediárias entre as dos macacos e humanos; - Com a alteração na posição do pescoço, também ocorreu mudança no fulcro de movimento de flexão-extensão da cervical, que nos primatas localiza-se na atlantooccipital e entre C6 e T1, nos humanos em C5 e na coluna dos ancestrais em posição intermediária; Na transição para a postura ereta, houve diminuição na mobilidade da atlantooccipital e, conseqüentemente, maior mobilidade da cervical baixa. Isso estaria relacionado com maior estabilidade e conseqüentemente com menor gasto energético, por parte dos músculos cervicais. Na coluna lombar, ocorreu outra série de alterações: - O ilíaco tornou-se mais curto e angulado ântero-lateralmente, para garantir a estabilidade lateral da pélvis na fase de apoio simples, pelos glúteos (Figura 3); - O sacro tornou-se mais largo, o que permitiu maior mobilidade das últimas vértebras lombares, que eram praticamente imóveis nos primatas, fixas entre o ílio. Também ocorreu um incremento caudal progressivo, na distância entre os processos articulares das facetas, facilitando a lordose; - A maior mobilidade e o maior suporte de peso desencadearam alterações na organização óssea, muscular e ligamentar. Em resposta ao aumento da carga com a postura ereta, ocorreu maior mineralização da parte medial e das margens superior e inferior da faceta articular lombar, onde há maior estresse nos extremos da flexão e extensão do tronco. Houve redução da massa muscular dos eretores da coluna e reorganização da função dos músculos pélvicos, com o glúteo máximo e os abdominais tornando-se os principais estabilizadores do tronco. Nos bípedes existem

6 estruturas ligamentares laterais (ligamento costotransversal), responsáveis pela estabilidade lateral da coluna, não existentes nos quadrúpedes e pouco desenvolvidas nos semibípedes. Quadrúpedes têm os ligamentos supra e interespinhosos lombares finos e pouco desenvolvidos, provavelmente pela necessidade de flexionar e estender a coluna grandemente para marcha correndo. Nos humanos, esses ligamentos são mais fortes e proporcionam controle da flexão durante os movimentos na postura ereta. E, por fim, a pélvis passou por alterações, a partir dos Australopithecus aferensis, provavelmente, para facilitar o nascimento de fetos com maior tamanho de cérebros. 1-9 2.2 - O Homem sentado ( Homo sentadus ) O homem saiu de uma condição ativa, em que caçava, para uma atitude sedentária, freqüentemente caracterizada pela permanência na posição sentada. Além disso, costumava estender freqüentemente o pescoço, ao olhar para cima antes de subir nas árvores e durante a escalada. 8 A coluna poderia ser vista como resultado da evolução, que tem como um dos marcos o andar ereto. Deve-se, no entanto, considerar que o processo evolutivo não levou em conta o prolongamento da expectativa de vida e a total mudança no estilo de vida, durante o último século. Finalmente, o pescoço está pronto? Se por um lado o pescoço parece bem adaptado à marcha, por outro, estaria pronto para a maior demanda de carga imposta pelo cotidiano e maior expectativa de vida? Talvez não, e a conseqüência seja a alta prevalência de dor nessa articulação (34%) e as alterações degenerativas, principalmente em C5, o fulcro do movimento. A evolução iniciou há milhões de anos e continua. Na seqüência, que mudanças adaptativas a essa nova condição ainda irão ocorrer?

7 2.3 - Histórico da dor nas costas As primeiras descrições de doenças na coluna datam de 2600 a.c., quando Imhotep, astrônomo, médico, padre, mágico e arquiteto grego descreveu 48 lesões ósseas, algumas envolvendo a coluna. Ele identificou torções, subluxações vertebrais, deslocamentos e diferenciou as lesões medulares altas que causavam tetraplegia daquelas que causavam paraplegia. Percebeu que as paralisias eram resultado de uma lesão medular grave, mas não entendia o motivo. O trabalho de Hipócrates, em 1400 a.c., foi o marco entre a medicina e a mitologia. Entre suas contribuições destacam-se a mesa de tração para redução de fraturas e fraturas e luxações da coluna. Galeno, grego, (130-200 d.c) descreveu o sistema muscular como um órgão complexo de locomoção. Nomeou algumas deformidades da coluna, como a escoliose, e foi o primeiro a sugerir a correção ativa dessa deformidade. Oribasius, grego, (325-400 d.c) aprimorou a mesa de tração. Paulus de Aegina, grego, (625-690 d.c) preconizou o uso de órteses após a redução de fraturas da coluna e realizou as primeiras laminectomias nos casos de fratura da coluna posterior com compressão medular. Nos quase 1000 anos seguintes, pouco se avançou no estudo da coluna. Roland, em 1210, escreveu o Chirurgica, o primeiro tratado de cirurgia, onde recomendava a manipulação manual das fraturas e luxações da coluna ao invés do uso da mesa de tração preconizada por Hipócrates. Andréas Vesalius, belga, (1514-1564) foi o fundador da medicina moderna e o precursor do estudo da anatomia. Estabeleceu o conceito de que para conhecer o corpo, o médico precisa conhecer sua anatomia. Nicholas Andry, (1658-1742) foi o pai da cirurgia ortopédica e publicou o primeiro livro sobre o sistema músculo-esquelético, L Orthopedie. Ele estudou as curvaturas da coluna com atenção especial para o efeito da má postura e o valor do treino postural. Considerou o desequilíbrio muscular de suma importância nas deformidades esqueléticas e usou exercícios para seu tratamento. O inglês Percivel Pott, (1717-1788) descreveu a clássica deformidade e seqüela da tuberculose na coluna. 10;10

8 A dor nas costas foi por muito tempo considerada como punição dos maus espíritos e, nos últimos dois séculos, até meados da década de 30, rotulada como reumática. Somente nessa década é que os sintomas de dor nas costas foram considerados como originários das estruturas da coluna, com a descrição de uma ruptura discal. 11 Também por volta de 1930, foi publicada uma das primeiras descrições de alterações envolvendo especificamente a coluna cervical. A descrição era de que a doença parecia ser seletiva, com comprometimento da coluna cervical inferior, iniciando usualmente no quarto espaço. A seqüência de eventos envolvia o desaparecimento dos discos intervertebrais, neoformação óssea, desaparecimento da cartilagem dos processos articulares, proliferação cartilaginosa seguida de neoformação óssea. A sintomatologia seria secundária ao comprometimento do forame intervertebral pela redução do espaço discal, neoformação óssea da margem dos corpos vertebrais ou processos articulares das vértebras. Os sintomas seriam iniciados por um trauma, como um esforço ou entorse. Também se interrogava o papel da nutrição tecidual e das infecções bacterianas na etiologia da dor. 12 Avanços foram feitos no conhecimento e tratamento das enfermidades da coluna. Partiu-se de um modelo de caracterização estrutural, anatômico, da dor nas costas, para o reconhecimento dos fatores biopsicossociais que interferem no início e manutenção dos sintomas. Por outro lado, os avanços no diagnóstico de imagem, como a tomografia computadorizada helicoidal e a ressonância nuclear magnética, permitiram maior conhecimento dos processos patológicos. Porém pouco se avançou no entendimento da relação entre os achados e os sintomas... O mapeamento do genoma humano abriu uma nova frente de pesquisa, voltada para a identificação da causa genética das doenças. Recentemente, demonstrou-se a susceptibilidade genética ao processo de envelhecimento, com a identificação do gene associado à osteoartrose familiar. Diversas pesquisas têm sido conduzidas para aumentar o tempo de vida celular, repor células do disco intervertebral, inibir a degradação e aumentar a síntese dos proteoglicanos e regular os fatores de crescimento. 13;14 Por fim, especialmente nas últimas décadas, com a descoberta de novos fósseis, pôde-se avançar no conhecimento da evolução do homem.

9 2.4 Uma análise da cervicalgia A cervicalgia merece destaque entre as doenças músculo-esqueléticas, não só por ser altamente prevalente, mas também por diversas outras razões. Entre elas, podemos citar: é uma condição freqüentemente recorrente ou crônica; multifatorial, que pode ser originada e influenciada por fatores de risco físicos, psicológicos, genéticos, relacionados ao trabalho, de ordem degenerativa, entre outros 11;15 e existe uma lacuna na literatura sobre o programa de tratamento mais eficiente. 16-20 A prevalência anual para a população geral adulta é estimada entre 14,6% e 34,4%, e em 71%, se considerada a prevalência de vida. Dependendo do tipo de atividade desempenhada, pode chegar a até 91%! É maior entre as mulheres (40%) e com pico entre 35 e 50 anos. Estima-se que, para a cervicalgia crônica ( 12 semanas), a prevalência seja em torno de 15% e que até 40% apresentem alguma limitação funcional. No período médio de seis meses, cerca de 50% das pessoas evoluirão com melhora da dor; 35% utilizarão menos medicação; 15% apresentarão recorrência dos sintomas e serão perdidos, em média, 25 dias de trabalho. Por fim, a cada ano, cerca de 1% da população desenvolverá dor cervical incapacitante. 11;21;21-24;24-27 As estimativas variam, principalmente, dependendo da população, da definição do problema (cervicalgia) e do período de tempo observado. Não encontramos estatísticas da prevalência e do impacto da cervicalgia em pesquisas realizadas no Brasil. 2.4.1 - Potenciais fontes de dor, etiologia e fatores de risco Antes de explanarmos sobre os potenciais fatores de risco, faremos algumas considerações. Uma fonte de dor é definida como o local anatômico onde a dor se origina. Para que uma estrutura seja uma fonte de dor, é necessário que ela seja inervada. E, para que essa fonte seja a causa da dor, algum tipo de lesão deveria existir. Na coluna cervical, as únicas estruturas não-inervadas são a região posterior da dura-máter e o núcleo pulposo. 28;29

10 Em linhas gerais, os músculos e as facetas articulares são inervados pelo ramo dorsal do nervo espinhal, e os ligamentos longitudinais, ânulo fibroso e dura-máter ventral por uma complexa rede derivada do ramo ventral do nervo espinhal (nervos sinusvertebrais). Cada ramo desses nervos parece inervar a mesma estrutura no próprio nível, bem como um nível acima e abaixo. Essa sobreposição da inervação poderia explicar as queixas de dor, localizada e referida (na ausência de sinais neurológicos, como é o caso da cervicalgia inespecífica). 28 Estudos envolvendo a estimulação das diversas estruturas da coluna cervical em voluntários assintomáticos conseguiram reproduzir os mesmos padrões de dor local e referida. A estimulação constou da distensão mecânica da cápsula articular por meio da injeção de solução salina ou contraste e de discografia provocativa. Por outro lado, estudos em pacientes com cervicalgia mostraram que anestesiar as articulações facetárias aliviava a dor. 30 Podemos definir fatores de risco como as circunstâncias do ambiente ou as características das pessoas, herdadas ou adquiridas, que lhes conferem uma maior probabilidade de acometimento, imediato ou futuro, por um dano à saúde. 31 Quais seriam então os potencias fatores de risco para a cervicalgia? Mulheres e pessoas na faixa etária dos 40 anos apresentam maior chance de desenvolver ou evoluir com persistência da cervicalgia. Diferente da lombalgia, o sobrepeso não parece representar risco aumentado para a cervicalgia. 24-26;26;27;32-37 O papel da atividade física é mais complexo; enquanto algumas atividades seriam fatores de proteção, outras, como o ciclismo, fatores de risco para a persistência da dor. O tabagismo também aumentaria a probabilidade. 27;33;35;38 34 25;32;39. A posição do corpo durante o trabalho (tronco, pescoço, membros superiores), as características da ocupação e do ambiente de trabalho também podem estar relacionadas ao início e persistência da cervicalgia. 11;40 Alguns defendem que as pessoas que trabalham a maior parte do tempo na posição sentada e as que mantêm a flexão do pescoço durante as atividades apresentam cerca de duas vezes mais chance de apresentar cervicalgia (Figura 4). 40-42 As queixas de usuários de computadores com monitores verticais, poderia sugerir uma interpretação diferente, com a protusão da cabeça (flexão da coluna cervical baixa e extensão da coluna cervical alta) incluir figura. A posição dos braços durante o trabalho, seja a abdução do ombro ou a realização de movimentos repetitivos e o mau ajuste ergonômico do ambiente de trabalho, representam um risco até quatro vezes maior para a

11 cervicalgia. 23;25;35;38;40;40 Por outro lado, a satisfação no trabalho é fator protetor para o início da cervicalgia 26 e não ter ocupação é fator de risco. 34 Numa outra vertente de avaliação, também representam fatores de risco para a cervicalgia a exaustão física ou mental no trabalho, a pouca capacidade de controlar a situação de trabalho e o 25;38 35;43 tempo insuficiente de lazer. Os fatores psicológicos podem ter mais impacto que os biomecânicos e biomédicos na dor e incapacidade e estão relacionados ao início e manutenção da dor. Os fatores cognitivos (atitude, crenças), a depressão, a ansiedade, o estresse e a baixa percepção da saúde geral têm sido identificados como fatores associados à dor e à incapacidade. 44;44 Especificamente, pessoas com depressão têm cerca de duas a seis vezes mais chance de desenvolver cervicalgia. Ao contrário, os que estão bem adpatados, têm alegria de viver e amar, não apresentam isso, ou pouco valorizam. 26;35;37;45-47 Um dos fatores que suscita especial curiosidade é a relação das alterações ditas degenerativas e a cervicalgia. As alterações ditas degenerativas * são o reflexo das mudanças bioquímicas e mecânicas que acompanham o envelhecimento. Ocorre uma seqüência de eventos que culmina com a modificação da função, principalmente da capacidade fisiológica da coluna de suportar peso. O processo inicia-se no disco intervertebral, por volta da terceira década, e envolve subseqüentemente outros tecidos, como as articulações facetárias e uncovertebrais. As regiões cervical e lombar são as mais comprometidas devido à maior mobilidade. As alterações aumentam em função da idade, de 14% na faixa etária de 30-40 anos a 92% nas pessoas acima dos 50 anos. Na coluna cervical, o espaço mais precoce e freqüentemente alterado é o C5/6, seguido de C6/7 e C4/5. 10;48-53 Além da idade, alguns fatores podem contribuir para o desenvolvimento mais precoce ou mesmo agravar o comprometimento. O trauma e os microtraumas na região cervical, 54-57 como, por exemplo, carregar peso na cabeça (Figura 5) e alguns esportes, por interferirem indiretamente na nutrição discal; e outros fatores, como o tabagismo, diabetes e doenças vasculares, por levarem a comprometimento vascular direto. 10 * Há o hábito de rotular-se como degeneração o processo evolutivo natural; o ser humano é gerado, nasce, cresce, atinge a plenitude e envelhece, o que não pode ser encarado como degeneração. Quando escrevemos estas palavras, Oscar Niemeyer estava celebrando seus 100 anos...

12 E essas alterações degenerativas podem explicar a dor no pescoço? Alguns achados têm sido mais freqüentemente visualizados nas pessoas com dor no pescoço que nas assintomáticas, embora, muitas vezes, associados a outras condições como trauma, ou somente para o gênero masculino. Ainda não bem esclarecida, também, é a relação entre a cervicalgia, às alterações degenerativas e a 46;50;51;58;59 54;55;60;61 capacidade de realizar as atividades de vida diária. Outros fatores têm sido freqüentemente associados à cervicalgia, como a cefaléia, lombalgia, comorbidades e trauma cervical. 26;27;35 Por fim, são diversos os fatores de risco relacionados à cervicalgia. No entanto, a contribuição de cada um deles isoladamente ou em conjunto, ainda é controversa, o que sugere a condução de novas investigações para se tentar avançar um pouco mais no entendimento das variáveis que influenciam a cervicalgia. 2.5 - Prevenção A literatura cita diversos tipos de intervenções preventivas, seja para evitar o início da doença (prevenção primária) ou sua recorrência (prevenção secundária). Entre as intervenções destacam-se, a orientação dos cuidados com a postura para evitar sobrecarga na coluna, exercícios, ergonomia e a modificação dos fatores de risco individuais - mudança de hábitos de vida. No entanto, encontramos evidência de efetividade somente para os exercícios, na prevenção secundária, com poucos dados sobre a prevenção primária da dor nas costas. 62 2.6 Diagnóstico da cervicalgia O diagnóstico de cervicalgia inespecífica é principalmente clínico e traduz uma condição de dor na região cervical, irradiada para nuca, ombros ou membros superiores, na ausência de sinais de comprometimento radicular ou medular, no exame físico. A abordagem dos pacientes com cervicalgia requer uma avaliação criteriosa, objetivando diagnóstico diferencial entre as causas mecânicas primárias (que podem

13 ser originadas das diversas estruturas da coluna) e as possíveis causas secundárias, como tumores, infecções, doenças reumáticas, as quais reservam um prognóstico menos favorável e necessitam de intervenção terapêutica contemplando a etiologia, mas que são menos freqüentes. Em geral, a chave para o diagnóstico das causas secundárias pode ser encontrada durante a história clínica, aliada ao exame físico. Alguns sinais e sintomas merecem atenção especial e são denominados sinais de alerta ( Red flags ). Fatores como dor que não alivia com o repouso, febre, perda inexplicada de peso, alterações na postura, dificuldade para caminhar, limitação nos movimentos da coluna vertebral, perda de força ou dormência, mudanças na escrita manual. Exames de sangue (laboratoriais) geralmente são desnecessários em uma avaliação inicial. Essa avaliação em geral está indicada na suspeita de tumores, infecção ou doenças reumáticas. 63 A investigação radiológica também é realizada, de acordo com a hipótese diagnóstica, em caráter de complexidade crescente: radiografia simples, hoje digital, já oferece muita informação e poupa o paciente de radiação desnecessária; a tomografia computadorizada só se justifica se a radiografia simples sugerir a necessidade de um MPR (reconstrução tridimensional); e a ressonância nuclear magnética, se houver dúvida quanto ao comprometimento de estruturas nervosas. Pacientes portadores dos sinais de alerta necessitam avaliação radiológica de imediato. Pacientes com cervicalgia crônica, com ou sem história de trauma, devem realizar exame radiográfico simples da coluna (AP, perfil, oblíquas, boca aberta; oblíquas a critério do examinador). Aqueles com alterações radiográficas, sem sinais de comprometimento neurológico, não precisam de outra investigação por imagem. 64 Por razões puramente mercantilistas, em nosso meio, os pacientes geralmente nos procuram com uma ressonância e um elenco de dúvidas resultantes de laudos interpretados sem a devida correlação clínica.