IMAGINÁRIO DO ESPELHO: espelho, espelho meu, sou eu? Ionice da Silva Debus 1 Profª. Drª. Valeska Fortes de Oliveira 2 Este texto foi desenvolvido para a disciplina Imaginário e Narrativas de Formação do curso de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria, ministrada pela Profª. Valeska Fortes de Oliveira. Na ocasião, fomos instigados a escrever sobre o Imaginário a partir das leituras e discussões que vínhamos realizando nas aulas. Como a disciplina mesclava Imaginário e Narrativas, um tema se misturou ao outro na hora da escrita. Então, quando comecei a escrever, percebi que para falar de Imaginário somos levados a olhar para nós mesmos e buscar em algum lugar as respostas que precisamos ou que queremos expor. Os parágrafos que vem a seguir são frutos desse exercício de busca de respostas sobre o Imaginário. Parada diante do espelho, olho fixamente minha imagem refletida. Observo, olho, mas será que enxergo? Saio e ando depressa, o tempo não pára. O instante vivido é escravo dele. Ou serei eu? Ou serão os dois? Já é outro dia, estou novamente diante do mesmo espelho. Será o espelho o mesmo? Serei eu a mesma? Olho e vejo meu cabelo, minha face, meus olhos, minha boca, minha roupa. Estreito o olhar e ainda assim vejo meu tom de pele, meu nariz e novamente saio apressada. Vários dias se passam e várias vezes me vejo diante do espelho. A pergunta persiste, serei a mesma? A roupa mudou várias vezes, o nariz não, os olhos também não. Saio. 1 Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação- PPGE, da Universidade Federal de Santa Maria UFSM. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social- GEPEIS.
Encontro, converso, observo, ouço, escuto, falo, calo, e estou com várias pessoas, em vários momentos do meu dia e da minha noite. Mas e quando me estou vendo na frente do espelho, serei somente eu? Aos poucos os olhares que destino ao espelho vão me revelando algo além do que visto anteriormente. Percebo as linhas e marcas de expressão no meu rosto e os motivos delas estarem ali. Meu semblante um dia triste, outro alegre e o porquê de cada um. A roupa que uso, diz muito mais do que cores e tecidos. Algumas respostas vão aparecendo, não sou mais a mesma todos os dias, nem mesmo o espelho é o mesmo, pois antes era uma armação de madeira, um vidro, agora um templo de sentidos e percepções. Então, atrás de mais respostas, olho novamente ao espelho, fixo o olhar no meu olhar e vejo dentro de mim, lugares, tempos, cores, sabores, gestos, sons, imagens, sensações, pessoas, que se misturam em mim e me misturo a eles, fazendo de mim eles e eles eu. Pisco e volto a ver no mesmo espelho de antes, minha face, minha boca, minha roupa, meu nariz, a armação de madeira, o vidro... Nas reflexões que fiz, tentando encontrar respostas, aparece o Imaginário como construção coletiva, pois não seremos um só, somos um pouco de cada um que passa por nós e deixamos um pouco de nós em cada um. Imaginário é tudo que nos constitui, indo ao encontro de Silva (2006), quando este trás que: O imaginário é um reservatório/motor. Reservatório, agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado, leituras da vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar no mundo. (SILVA, 2006, p.11) Neste sentido, quando falamos de algo ou de nós mesmos, emerge o que está nesse reservatório e se mostra um pouco de cada momento, aprendizagens, vivências, lugares por onde passamos. Mas se eu continuar em busca de respostas, como sei que vou continuar como no caso desta escrita, fico tentada a passar na frente do espelho e parar. O espelho é só uma metáfora aqui. Na verdade ele expressa muito o Imaginário, pois nos permite ver além das aparências, se quisermos, é claro. Como nos aponta:
Cada vez que alguém vai ao psicanalista se pergunta: quem sou eu? Esse reconhecimento da estranheza em relação a si, marca de uma identidade fragmentada, ou, mais precisamente, da inexistência de identidade, sinaliza o imaginário. Quem somos? De que somos feitos? Até que ponto somos reais, claros, identificáveis? Até que pontos somos uma construção, uma imagem em movimento, um filme, um olhar sobre nós mesmos? Diante do espelho, sempre nos surpreendemos um pouco. Sentimo-nos atraídos pelo estranho que nos contempla com ar curioso. Nunca saberemos quem realmente somos. Mas temos certezas imaginárias que nos orientam, consolam, guiam, realizam-se. (ibid. p. 72) Até mesmo o que pensamos que sabemos são certezas imaginárias que nos sustentam. Nem sempre gostamos do que vemos diante do espelho. Talvez por isso não costumamos olhar atentamente. Temos receio do que vamos encontrar lá. São exercícios difíceis e de descobertas, assim como as pessoas que trabalham com o Imaginário não alcançam um sentido único para o tema, nem respostas fáceis, tampouco conceitos fechados. Mas preciso mais respostas sempre, como pesquisadora de mim e do mundo. O Imaginário torna isso possível. Por mais complexo que seja o problema, há resposta. E talvez seja ele que garante outras respostas. Através do Imaginário conseguimos alcançar as coisas por outro viés, o da sensibilidade. Aguçar os sentidos e perceber algo que não se mostra de outra maneira. Ele nem sempre foi valorizado. Percorreu um caminho difícil até aqui. Ainda agora se falamos que trabalhamos com o Imaginário, percebe-se um ar de descaso das pessoas. Como disse um amigo essas coisas do imaginário sofrem preconceitos até hoje (Kurek, 2009). Como já disse antes, a metáfora do espelho me auxilia a explicar o que significa o Imaginário para mim. É um exercício necessário para chegar ao que quero. Olho antes de qualquer coisa, para dentro de mim. Lá encontro respostas, mas também muitas perguntas. Não acredito que seja igual para todos. Cada um vai encontrar sua maneira. Mas a minha é essa. Posso pensar e escrever agora utilizando o espelho, amanhã talvez outra coisa me convide. Esse exercício de busca é constante e de mudança também. Não sou a mesma hoje que ontem e não serei a mesma amanhã. Certezas e respostas definitivas não tenho. Penso por um instante que deveria parar diante do espelho mais vezes, muitas vezes, quantas vezes for necessário.
Esse foi um relato de uma experiência, de uma disciplina, de uma tentativa de respostas, de um desafio lançado. Revelador de um Imaginário, de uma maneira de pensar, de entender. Mas também revelador de um eu que não está só. Que assim como o Imaginário é coletivo, está no/com outro. Saio da escrita e páro novamente diante do espelho. Olho e vejo cada vez de uma maneira. Posso olhar com os olhos do Imaginário que vê além do que está. Também posso ver apenas a aparência de tudo. Saio e volto quantas vezes for preciso. Um dia consigo ver algo, outro não. Sentir algo. Insisto e olho fixamente. Novamente dentro do meu olho Vejo muitas coisas. Sons, lugares, eu mesma, muitas pessoas e agora você e se você olhar fixamente, me verá também...
REFERÊNCIAS kurek, Deonir Luís. Essas coisas do imaginário. In: Essas coisas do imaginário...diferentes abordagens sobre narrativas (auto)formadoras. Orgs. Lúcia Maria Vaz Perez, Edla Eggert, Deonir Luís Kurek. São Leopoldo: Oiko; Brasília: Líber Livro, 2009. SILVA. Juremir Machado. As tecnologias do Imaginário. Porto Alegre: 2ª ed. Sulina, 2006.