MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Nº 3172/2015 PGGB RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 821.141/RN RECTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROC. : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE RECDO. : JOSÉ AUGUSTO DE GÓIS FILHO ADV.(A/S) : ARMANDO ROBERTO HOLANDA LEITE E OUTRO(A/S) RELATOR : MINISTRO CELSO DE MELLO Recurso extraordinário. Preliminar de repercussão geral. Desnecessidade. Intimação do acórdão recorrido anterior a 3.5.2007. Inconstitucionalidade da transferência definitiva e do enquadramento de servidor público estadual, da Secretaria de Administração, em cargo do quadro permanente de pessoal do Tribunal de Contas local sem concurso público. Ex-empregado do extinto BANDERN - Banco do Estado do Rio Grande do Norte ajuizou ação ordinária, pleiteando o seu enquadramento no cargo de Assistente de Inspeção do quadro permanente do Tribunal de Contas local, com base na Lei Complementar estadual nº 185/00. A inicial informou que, quando da liquidação do BANDERN, o autor, que ali tinha emprego, foi realocado no quadro de pessoal da Secretaria de Administração e dos Recursos Humanos, como Assistente Bancário B, e foi colocado à disposição do Tribunal de Contas, onde ficou por quatro anos, na qualidade de cedido. Relatou que o art. 41 da LC nº 185/00 determina que os ex-servidores do BANDERN com lotação no TCE/RN
passem a integrar o quadro suplementar de pessoal da Corte de Contas, no cargo de Assistente de Inspeção. Disse ter sido indeferido o pedido de relotação, administrativamente, por ausência de vaga, o que não mais aconteceria, por força de aposentadorias. A sentença julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos da tutela, para conceder ao autor os benefícios da LC nº 185/00, determinando o enquadramento pleiteado. No Tribunal de Justiça, foi arguida a inconstitucionalidade das Leis estaduais 6.054/90 e 6.514/93, do Decreto estadual nº 11.407/92 e da Lei Complementar estadual nº 185/00, que disciplinam a absorção dos ex-empregados do extinto BANDERN pelo Estado do Rio Grande do Norte. O Plenário julgou constitucionais as normas, aludindo aos princípios da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da boa-fé. A sentença foi, em seguida, mantida. O recurso extraordinário aponta violência aos arts. 1º, III, 5º, II, 37, caput, I, II e 2º, 167 e 169 da CF. Argui a inconstitucionalidade das leis estaduais que disciplinaram o ingresso do recorrido no quadro permanente de servidores do Estado (Leis estaduais nºs 6.054/90 e 6.514/93, Decreto estadual nº 11.407/92 e Lei Complementar estadual nº 185/00). Defende que os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica não podem se sobrepor aos princípios constitucionais da legalidade e do concurso público (fl. 527, e-stj). - II A intimação do acórdão recorrido foi publicada em 28 de fevereiro de 2007 (fl. 502, e-stj), o que afasta a causa da sistemática da repercussão geral (AI nº 664.567-QO/RS, rel. o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 6.9.2007). Quanto ao tema de fundo, observa-se que o pedido inicial ficou limitado ao enquadramento do autor, na qualidade de servidor público estadual, no cargo de 2
Assistente de Inspeção do quadro permanente do Tribunal de Contas local, com base na Lei Complementar do Estado nº 185/00. A análise da constitucionalidade dos diplomas que disciplinaram a absorção, sem concurso público, de ex-empregados do extinto BANDERN na Administração Direta do Estado do Rio Grande do Norte foge do alcance da controvérsia, como delineada pelo pedido e os seus fundamentos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a vigente ordem constitucional não mais tolera a transferência ou o aproveitamento como formas de investidura que importem no ingresso de cargo ou emprego público sem a devida realização de concurso público de provas ou de provas e títulos. Com esse fundamento, a Corte decidiu, no julgamento da ADI 2.689 (DJ 21.11.2003), pela inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 233/2002, do mesmo Estado do Rio Grande do Norte, no ponto em que previu a absorção dos ex-empregados do BANDERN e do BDRN Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte S.A. nos quadros de servidores permanentes do Estado, por ofensa ao art. 37, II, da CF. A situação dos autos é substancialmente igual; tampouco aqui é dado admitir o enquadramento de servidor público estadual da Secretaria de Administração e dos Recursos Humanos em cargo do quadro permanente de pessoal do Tribunal de Contas, com desafio à regra do concurso público. A Súmula 685, que cristaliza a inteligência devida das normas máximas do ordenamento jurídico a respeito da necessidade do concurso público, conduz ao resultado da inconstitucionalidade da lei que o Tribunal de Justiça abonou. O juízo de inconstitucionalidade não fica, aqui, obviado com a invocação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica ou da boa-fé. O autor, diferentemente do que aconteceu em precedentes do STF alegados, não foi pego de surpresa, quando, estando no exercício de cargo efetivo por longos anos, foi descoberto o vício da lei que o propiciou. Aqui, o autor pede, com base na lei inconstitucional, que seja efetivado em certo cargo que ocupava a título 3
precário. Não há falar em quebra de uma razoável confiança na continuidade de uma situação há muito estabelecida. Nem o postulado da segurança jurídica, nem o da boa-fé interferem sobre as consequências da inconstitucionalidade flagrada no diploma. Por outro lado, o argumento da dignidade da pessoa humana não foi invocado com mínima fundamentação, no Tribunal de Justiça, para que pudesse ser tido como de alguma relevância para o caso. O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana pode estimular a criatividade do juiz com vistas a estender a tutela do Direito a situações outras além daquelas delineadas pelo constituinte ao proclamar direitos fundamentais; pode mesmo servir de razão para alargar o sentido habitual de certos direitos dessa ordem. Mas, para que o princípio não perca significado jurídico pela trivialização do seu emprego, não se pode perder de vista, como se adverte oportunamente, que o significado da adoção pelo Direito desse princípio, emerge da pletora de experiências do que significa ser humilhado e profundamente machucado 1 O Tribunal de Justiça não logrou demonstrar nem isso resulta evidente por si que o pleito do autor possa ser assimilado à busca de remédio para situações extremas como essas; tampouco transpareceu no caso que se esteja diante de uma questão que coloque em risco o valor único e inexcedível de cada pessoa. 2 O princípio da dignidade da pessoa humana, assim, não opera sobre a hipótese, não sendo argumento aceitável para que a flagrante inconstitucionalidade que os autos estampam seja contornada. 1 Jürgen Habermas. Human Dignity and the realistic utopia of human rights. In Metaphilosophy, Malden, vol. 41, n. 4, julho 2010, p. 468. 2 Cf. Habermas, ob. cit., p. 474. 4
O parecer é pelo provimento do recurso, para que se declare a inconstitucionalidade dos arts. 3º, c, segunda parte 3, 39, segunda parte 4, e 41 5 da LC nº 185/00, e para que se julgue improcedente o pedido formulado na inicial. Brasília, 15 de maio de 2015. Paulo Gustavo Gonet Branco Subprocurador-Geral da República 3 Art. 3º, LC nº 185/00. O Quadro de Pessoal do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte compreende: ( ) c) Um Quadro Suplementar, constituído pelo conjunto de cargos organizados com o pessoal não optante pela inclusão no presente Plano, conforme dispõe o art. 34 da presente Lei, e daqueles provindos do extinto Banco do Estado do Rio Grande do Norte BANDERN. (grifei) 4 Art. 39, LC nº 185/00. Os benefícios desta Lei atingem os servidores deste Tribunal de Contas e aqueles cujo processo de relotação encontra-se em tramitação. (grifei) 5 Art. 41, LC nº 185/00. Os ocupantes dos empregos de Assistente Bancário 'A', 'B', 'C', 'D', 'E', 'F' e de Técnico Bancário 'L' e Auxiliar Escriturário 'A' passam a integrar o Quadro Suplementar de Pessoa do Tribunal de Contas e, assim, enquadrados nos cargos de Assistente de Inspeção no Quadro Permanente do mesmo Tribunal. (grifei) 5