Atitudes lingüísticas na fronteira de Guaíra/ PR Valeska Gracioso Carlos (UEPG) Introdução A investigação das relações sociais produzidas em região fronteiriça ainda tem sido pouco explorada na área da linguagem. A sociolingüística brasileira tem dado pouca atenção a uma realidade de extrema importância: a relação Brasil-Paraguai, no que diz respeito às relações comerciais que se fazem na fronteira desses países. Com pontos históricos de grande semelhança em sua colonização, Brasil e Paraguai apresentam outras grandes divergências, sejam elas econômicas, sociais ou lingüísticas. Assim, estudos sobre língua e sociedade são objeto desta pesquisa e, dessa forma, as atitudes lingüísticas estão relacionadas às manifestações que os falantes de certa comunidade podem fazer sobre a fala de outros indivíduos e sobre sua própria fala. Do ponto de vista social, a função da linguagem não é simplesmente a de estabelecer relações sociais, mas também tem a função de transmitir informações sobre o falante. A região analisada, a cidade de Guaíra, proporciona uma abundante fonte de estudos, através da análise das atitudes lingüísticas de seus falantes, devido à relação entre os dialetos do português encontrados ali, além de uma situação de bilingüismo entre as línguas portuguesa, a espanhola e a guarani. Acreditamos que os falantes têm a capacidade de emitir valores de juízo, que podem ser positivos ou negativos, sobre a variedade da fala adotada. Assim, fazemos nossas as palavras de Trudgil (1983, p. 14). 3398
Our accent and our speech generally show what part of the country we come from, and what sort of background we have. We may even give some indication of certain of our ideas and attitudes, and all of this information can be used by people we are speaking with to help them formulate an opinion about us. O objetivo deste estudo é verificar como se dão as relações lingüísticas realizadas através do comércio na fronteira Brasil-Paraguai. Assim sendo, o presente estudo analisa as atitudes lingüísticas dos habitantes da cidade de Guaíra, Brasil, com relação aos habitantes da cidade paraguaia Salto del Guairá. 1. A cidade A história de Guaíra é tão antiga quanto a história do Brasil e da América. A região compreendida pela margem esquerda do rio Paraná era habitada por indígenas de diferentes tribos. A partir do século XVI, a região, pertencente ao Governo do Paraguai, estava composta por espanhóis e indígenas escravizados. Em 1620, o território de Guaíra estava virtualmente nas mãos dos portugueses, já que os bandeirantes paulistas assolavam periodicamente a região, destruindo os pueblos espanhóis e escravizando os índios catequizados das reduções jesuíticas. O território onde se encontra hoje o município de Guaíra pertencia à Companhia de Matte Laranjeira S. A., a qual desbravou e colonizou toda a região, dando-lhe o impulso necessário para o seu progresso. Em 1820 a região foi demarcada como território brasileiro e tornou-se município somente em 1952. Atualmente o município de Guaíra é constituído de uma miscigenação de raças destacando-se as colônias: portuguesa, paraguaia, japonesa, alemã, italiana e síria. A cidade cujo nome oriundo do guarani kuaira significa esconderijo, lugar de difícil acesso ou intransponível faz alusão às Sete Quedas desaparecidas em detrimento da Hidrelétrica de Itaipu em 1982. A cidade está localizada ao oeste do 3399
Estado do Paraná, às margens do rio Paraná, e faz fronteira com Salto del Guairá, no Paraguai e com Novo Mundo, no Estado do Mato Grosso do Sul. O município que conta atualmente com aproximadamente 30.000 habitantes é um dos maiores centros de comércio entre Brasil e Paraguai, recebendo visitantes de várias partes do Brasil durante todo o ano. 2. Metodologia A pesquisa está embasada nos critérios utilizados pelos pesquisadores do ALiB (Atlas Lingüístico do Brasil). Para a realização da pesquisa adotamos os critérios de coleta de dados através de questionários por meio de entrevistas realizadas in loco. Os questionários são gravados e posteriormente analisados. A seleção dos informantes foi realizada segundo os seguintes critérios: ter nascido na localidade ou pelo menos ter vivido 2/ 3 no local. Esses informantes são comerciantes, pelo fato de manterem contato com os diferentes grupos étnicos da região. Consideramos três faixas etárias para as entrevistas (sendo elas de 18 a 30 anos, de 31 a 50 anos e a partir dos 51 anos), dois sexos e ter estudado até o ensino médio. Para realizar a entrevista foram selecionados 6 (seis) informantes que preenchiam os requisitos da pesquisa e se dispuseram a colaborar. Trataremos as informantes mulheres por letra M e os homens por letra H. Os números correspondem à faixa etária, sendo o número 1 para 18 a 30 anos, 2 para 31 a 50 e 3 para a partir dos 51 anos. mulher homem 3400
Nome V. L. D. (informante M1) E. L. A. (informante H1) Idade 19 18 Naturali Guaíra PR Guaíra PR dade Escolari dade Até Ensino Médio Ensino Médio incompleto mulher homem Nome C. C. S. B. (informante M2) M. B. (informante H2) Idade 33 31 Naturali Altônia PR (Desde os 10 anos em Mundo Novo MS dade Guaíra) Escolari dade Até Ensino Médio Até Ensino Médio mulher homem Nome A. M. M. M. (informante M3) N. N. (informante H3) Idade 61 56 Naturali Rio do Sul SC (Desde os 18 anos Guaíra PR dade em Guaíra) Escolari dade Até Ensino Médio Ensino Médio incompleto 3. Discussão dos dados 3.1. Considera bom ou ruim a vinda de grande número de pessoas de outras regiões a Guaíra? 3401
Parece unanimidade, pois todos os informantes afirmaram ser boa a vinda de pessoas para a cidade. M3 completa acrescentando que Guaíra sempre foi ponto de passagem, desde o Peabiru, acredita que é uma forma de manter a tradição. Os outros informantes pensam ser positiva a vinda de pessoas de outras regiões, pois elas trazem trabalho e ajudam no comércio. 3.2. Qual é a língua mais utilizada aqui na região? Segundo os entrevistados a língua mais falada na região é a língua portuguesa. Mesmo em Salto del Guairá, no comércio, os paraguaios falam português para melhor atender os clientes. O interessante quanto a essa pergunta é que os informantes H1, H2 e M3 mencionaram o uso do portunhol também como a língua mais falada na região. 3.3. Qual ou quais línguas fala? Onde aprendeu? Por quê? De acordo com as respostas obtidas pudemos observar que além do português, os informantes H1, H2, H3 e M3 falam o portunhol, aprendido no convívio com os paraguaios e nunca estudado em uma situação formal. Mas todos têm consciência de que não falam bem. No entanto, a maneira como falam é suficiente para que haja compreensão na comunicação. Apenas M3 tem uma compreensão da língua guarani. 3.4. O Sr./ Sra./ você se expressa bem em todas elas? 3402
Com exceção de M1 e M2, os informantes afirmaram que falam portunhol ou o castelhano mal falado. M3 lamenta não ter tido a oportunidade de estudar a língua espanhola, pois tropica no castelhano e acrescenta dizendo que em Guaíra a língua espanhola deveria ser ensinada nas escolas. M3 complementa dizendo que é um hábito nocivo falar o portunhol. 3.5. Qual língua é mais utilizada no Paraguai? De acordo com os informantes, os paraguaios falam português, castelhano e guarani e, muitas vezes, misturam todos os idiomas. H3 afirma que, com a invasão dos brasileiros, os paraguaios falam português; H2 diz que entre eles falam o guarani e com os brasileiros eles falam o portunhol. M2 não tem muito bem nítida a diferença entre as línguas, segundo ela os paraguaios falam castelhano mistura do português com o castelhano deles lá. 3.6. Qual sua opinião sobre o castelhano falado no Paraguai? A maioria dos entrevistados não tem uma opinião bem formada a respeito do castelhano falado pelos paraguaios porque em suas relações comerciais os paraguaios sempre falam português. H2 complementa dizendo que falam muito rápido o castelhano. 3.7. Existem diferenças do castelhano falado no Paraguai e na Espanha? M3 compara o castelhano do Paraguai com o da Espanha como o português do Brasil e de Portugal e que sim existem regionalismos. H2 afirma que sim, que mesmo na Espanha já existem diferenças, que o Sul fala diferente do Norte. 3403
H3 complementa dizendo que um amigo espanhol quando veio para Guaíra teve dificuldade em se comunicar, pois as mesmas palavras significavam coisas distintas. Os outros informantes não apresentaram opinião a respeito da questão. 3.8. Qual sua opinião sobre o guarani falado pelos paraguaios? Conforme M3 o guarani é uma língua difícil, de sonoridade diferente. Afirma que os índios economizam palavras, uma só palavra tem uma extensão/ sentido maior. H1, H2, M1, e M2 não entendem guarani, pois é uma língua muito difícil. H3 opina que é uma língua muito bonita e entende, pois cresceu em um bairro da cidade onde em sua maioria os habitantes eram paraguaios. 3.9. Qual sua opinião sobre os paraguaios falando português? É fato que os paraguaios, em sua maioria, falam português, mas as opiniões sobre essa questão são divergentes. H2 diz que eles tentam, mas é fraco. H1 afirma que tem vários amigos que falam português como se fossem brasileiros. H3 acredita que eles falam bem o português. M1 acrescenta que uns falam bem, outros enrolam. 3.10. Qual língua é mais bonita/ agradável/ melhor? H1 e M3 acreditam que a língua portuguesa é a mais bonita das faladas na região. H2 prefere o portunhol. M1 opta pelo castelhano. 3.11. Tem dificuldade de entender os paraguaios? 3404
É unanimidade dizer que os informantes não apresentam dificuldade em entender os paraguaios, somente quando falam guarani ou quando falam muito rápido. 3.12. Como é o seu relacionamento com os moradores de Salto del Guairá? Os informantes demonstram ter um relacionamento bastante natural com os moradores de Salto del Guairá. M3 gosta do convívio com os paraguaios e acrescenta que as nossas raízes são as mesmas. M2 diz que o convívio é muito bom, que devido ao trabalho muitas vezes chegam a ficar amigos. 3.13. Há algum tipo de rivalidade entre os brasileiros e os paraguaios? Na região, rivalidade entre brasileiros e paraguaios é somente no futebol. Segundo os informantes, quando há um jogo, vai dar encrenca (M3), ou, fora o futebol, o resto é alegria (M2). O informante M3 já jogou em uma equipe paraguaia e agora quem joga é seu filho, que mora no Paraguai e só volta para casa nos fins de semana. 3.14. Tem amigos paraguaios? Todos os informantes têm amigos paraguaios, alguns que vivem do outro lado da ponte e outros que moram em Guairá. 4. Considerações finais Felizmente, como pudemos verificar durante as entrevistas, as atitudes dos brasileiros com relação aos paraguaios na região de Guaíra são bastante positivas. 3405
Acreditamos que isso ocorre devido à história de colonização do local e ao comércio de mão dupla. Segundo os informantes os brasileiros que vão ao Paraguai compram perfumes e eletrônicos no país vizinho. Enquanto os paraguaios vêm ao Brasil comprar móveis, roupas, materiais de construção e itens de supermercado. Conforme os informantes, 30% das vendas dos supermercados são feitas pelos paraguaios. Outro fato mencionado pelos informantes é o boom imobiliário que está ocorrendo em Salto del Guairá, novos shoppings estão sendo construídos e também novas casas, não só para paraguaios mas também para brasileiros que possuem negócios do outro lado da fronteira. Com relação à linguagem, todos conseguem se comunicar sem maiores dificuldades, seja em português, castelhano ou portunhol. O portunhol é considerado uma língua falada por quase todos os habitantes das duas cidades que trabalham na área do comércio. Concordamos com o informante H3 que a língua espanhola deveria ser ensinada nas escolas de Guaíra e acrescentamos que a língua portuguesa também deveria ser ensinada nas escolas de Salto del Guairá. Acreditamos ser de grande relevância estudar o comportamento lingüístico nas fronteiras do Brasil, principalmente no que diz respeito ao Paraguai, devido à complexidade das relações que se fazem nessa fronteira, centro de compras muitas vezes ilegais e falsificadas. Salientamos que este é o começo de um estudo mais amplo que realizaremos em fronteiras de Brasil e Paraguai dada a importância em se entender as relações sociais e lingüísticas que se fazem nessas fronteiras. Referências ALVAR, M. Hombre, etnia, estado. Actitudes sociolingüísticas en Hispanoamérica. Madrid: Gredos, 1986. 3406
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