- FACCAT - FACULDADES INTEGRADAS DE TAQUARA

Documentos relacionados
Antropologia Personalista (texto recortado e re-construído a partir da obra BIOÉTICA de José Roque Junges, Editora Unisinos).

Antropologia Filosófica: Dimensões Estruturais do Ser Humano (Eu Corpo) Helder Salvador

IDEALISMO ESPECULATIVO E A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO CURSO DE EXTENSÃO 22/10/ Prof. Ricardo Pereira Tassinari

SISTEMA E LIBERDADE. A PROPÓSITO DE ONTOLOGIA E HISTÓRIA

AS RELAÇÕES CONSTITUTIVAS DO SER SOCIAL

A filosofia da história hegeliana e a trindade cristã

IDEALISMO ESPECULATIVO E ESPÍRITO ABSOLUTO ARTE, RELIGIÃO E FILOSOFIA CURSO DE EXTENSÃO 24/10/ Prof. Ricardo Pereira Tassinari TEXTO BASE 1

IDEALISMO ESPECULATIVO, FELICIDADE E ESPÍRITO LIVRE CURSO DE EXTENSÃO 24/10/ Prof. Ricardo Pereira Tassinari

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

Capacitação em Ética, Cultura de Paz e Dinâmicas da Convivência Módulo 4 Valores locais ou universais? relativos ou absolutos?

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

Preocupações do pensamento. kantiano

Revista Filosofia Capital ISSN Vol. 1, Edição 2, Ano BREVE ANÁLISE FILOSÓFICA DA PESSOA HUMANA DO PERÍODO CLÁSSICO AO CONTEMPORÂNEO

Metodologia do Trabalho Científico

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Relatório Perfil Curricular

Fenomenologia. Psicopatologia Geral e Especial Carlos Mota Cardoso

LEV VYGOTSKY 1896/1934

A. Independência e dependência da consciência de si: dominação e escravidão

As concepções do Ser humano na filosofia contemporânea

PARADIGMAS SOCIOLÓGICOS DECORREM DA FORMA DE VER A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE.

APRESENTAÇÃO A FILOSOFIA COMO EXPERIÊNCIA RADICAL. Para Renata Flecha, sem maiores explicações.

Kant e o Princípio Supremo da Moralidade

Paradigmas filosóficos e conhecimento da educação:

Ética e Organizações EAD 791. Prof. Wilson Amorim 25/Outubro/2017 FEA USP

Objetivos 05/09/2017. Ao nascermos... Psicologia aplicada à nutrição

O caráter não-ontológico do eu na Crítica da Razão Pura

A estética de Hegel. Antonio Rodrigues Belon

A psicologia humanista surgiu na década de 50, ganhando força nos anos 60 e 70; Reação às ideias psicológicas pré-existentes: o behaviorismo e a

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular ÉTICA E DEONTOLOGIA PROFISSIONAL Ano Lectivo 2010/2011

A MEDIAÇÃO COMO ESTRATÉGIA NA GESTÃO DE PESSOAS. A metodologia focada no desenvolvimento cognitivo.

Psicologia. Introdução

Aprendendo o dinamismo do mundo vivido

Roteiro de leitura da Percepção da Fenomenologia do Espírito

PROCESSO SELETIVO Metodologia da Educação Física Escolar Campus Juiz de Fora

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular ÉTICA E DEONTOLOGIA PROFISSIONAL Ano Lectivo 2012/2013

AS DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DA ABERTURA HUMANA AO TRANSCENDENTE À LUZ DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DE LIMA VAZ*

Objetividade do conhecimento nas ciências sociais. - primeiro passo: evitar confusões entre juízos de fato e juízos de valor.

VYGOTSKY Teoria sócio-cultural. Manuel Muñoz IMIH

IPUSP - HISTÓRIA E FILOSOFIA DA PSICOLOGIA. Notas para reflexão e discussão sobre a natureza da psicologia como campo

Conceito de Moral. O conceito de moral está intimamente relacionado com a noção de valor

14- LA TAILLE, Yves. DANTAS, Heloisa e

O ESTADO MODERNO COMO PROCESSO HISTÓRICO A formação do Estado na concepção dialética de Hegel

MORAL E ÉTICA. Consciência Moral: noção de bem e mal/certo e errado/justo e injusto.

Piaget. A epistemologia genética de Jean Piaget

HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

- [...] a perspectiva histórico-ontológica da formação humana se faz presente ao longo de toda a obra de Karl Marx. Nela, pode-se apreender a

Maria Luiza Costa

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA

percepção vital não está localizada num órgão específico (por exemplo, o sentimento de fadiga corporal, pois esse está no corpo próprio do vivente,

Saúde e espaço social: reflexões Bourdieusianas. Ligia Maria Vieira da Silva Instituto de Saúde Coletiva - UFBa

A FENOMENOLOGIA E A LIBERDADE EM SARTRE

A PESQUISA FUNDAMENTADA NA FENOMENOLOGIA SOCIAL DE ALFRED SCHÜTZ

Aristóteles, Ética a Nicômaco, X 7, 1177 b 33.

OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO

A mercadoria. Estudo da primeira seção do primeiro capítulo de O Capital

A Estrutura da Antropologia Filosófica de Lima Vaz e a necessidade do pensamento Teológico

Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN X

TEMA: Ética, Responsabilidade e Consumo Sustentável: uma aproximação necessária

ROMANTISMO E IDEALISMO (Século XIX)

1. O CONCEITO DE VIOLÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES

CADERNO IV ÁREAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAÇÃO CURRICULAR

como se deu seu desenvolvimento e identificando quais fatores condicionaram sua manifestação. Duarte (2001), outro pesquisador representante dessa

Data de registro: 30/03/2009 Data de aceite: 07/05/2009

A Concepção Moderna do Ser humano

ALGUNS PRESSUPOSTOS EM COMUM ENTRE: MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO TEORIA HISTÓRICO CULTURAL PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA

Hermenêutica e humanização:

RESENHA. HUSSERL, Edmund. A ideia da Fenomenologia. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, p.

Os Grandes Eixos Antropológicos. Psicopatologia Geral e Especial Carlos Mota Cardoso

A Pedagogia da Aventura

Psicologia da Religião. Conceitos e Reflexões Profa. Dra. Patrícia Pazinato

Ficha de filosofia. A necessidade de fundamentação da moral Análise comparativa de duas perspectivas filosóficas. Fundamento e critérios da moralidade

Psicopedagogia e constituição do humano: uma abordagem sistêmica

PEDAGOGIA. Aspecto Psicológico Brasileiro. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Parte 2. Professora: Nathália Bastos

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Ética e Organizações EAD 791. Prof. Wilson Amorim 30/Agosto/2017 FEA USP

A Criança e o Entendimento da Morte: estágios da compreensão e do desenvolvimento. Amanda Dupin Terapeuta Ocupacional Novembro de 2016

Educação Física. 1º Bloco Eixo Temático Articulador: Educação e Sociedade

VI Congresso de Neuropsicologia e Aprendizagem de Poços de Caldas

DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS HUMANAS II PC h

(1970) Jean Piaget. Não pode ser concebido como algo predeterminado. As estruturas internas do sujeito resultam de uma construção efetiva e contínua.

TEORIAS DA APRENDIZAGEM

DIFERENTES PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS EM PESQUISA. Prof. Dto. Luiz Antonio de OLIVEIRA.

PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO. desenvolvimento social e humano /ucp centro regional do porto

Pontifícia Universidade Católica Psicologia Jurídica AS FUNÇÕES MENTAIS SUPERIORES

Psicologia da Educação II Pressupostos Teóricos de Vygotsky. Profa. Elisabete Martins da Fonseca

Hermenêutica Filosofica - Schleiermacher

Universidade Federal de Roraima Departamento de matemática

O CONCEITO DE COMUNIDADE SEGUNDO LIMA VAZ

Método e Metodologia Conceitos de método e seus princípios

8 FASES DO MOVIMENTO INTERDISCIPLINAR- Quadro síntese.

C & Q Claudio C. Conti

O MOVIMENTO DO PENSAMENTO PARA APROPRIAÇÃO CONCEITUAL EM DAVÝDOV

Referência Bibliográfica: SOUSA, Charles Toniolo de. Disponível em <

Alécio Vidor 1. Doutor em Filosofia - Universidade São Tomás de Aquino, Roma.

OBRA DA ÉPOCA MODERNA: FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES, DE KANT

Álvaro Luiz Montenegro Valls

Kant e a filosofia crítica. Professora Gisele Masson UEPG

Transcrição:

- FACCAT - FACULDADES INTEGRADAS DE TAQUARA Disciplina: Antropologia Professor: Dr. Pe. Ari Antônio da Silva (Síntese das obras de Antropologia Filosófica de Carlos Lima Vaz SJ e José Roque Jungues SJ)

1. Apresentar a finalidade da bioética História 2. Elementos constitutivos antropológicos corpo psiquismo espírito, que possibilitem a formação de uma consciência moral e do respectivo agir moral. Significado da Vida Humana: - Não se pode reduzi-la a um puro fato biológico, mas antes, um evento pessoal. Trata-se da vida de um ser pessoal. Pessoa > É uma categoria fundamental para a bioética. Conceito convincente, porque se funda em dados constatáveis que impedem uma interpretação. Conceito de Pessoa > Está ligado a teorias morais que fornecem critérios para decisões éticas referentes à vida humana e fundamenta tais teorias. Aponta para uma antropologia específica que o sustenta e é explicita. Essa pode ser chamada de personalista. Essa oferece uma interpretação dos ser humano com pessoa e serve de plano de fundo para qualquer decisão sobre a vida humana. A toda ética subjaz uma antropologia que é necessária explicitar. Bioética > Tem como ponto de referência a vida humana. Vejamos agora o modelo personalista: Sem essa visão unitária da pessoa, não é possível resolver os conflitos entre direitos e deveres face à vida humana e a aplicação dos princípios bioéticos que podem levar a impasses. Antropologia Personalista: Para, Lima Vaz, o objetivo do discurso antropológico é o ser humano enquanto sujeito. Antropologia > É sempre uma autocompreensão; não é um saber sobre o sujeito, mas um saber do sujeito. A experiência de tornar-se sujeito é sempre inusitada, e é interpenetrada de presença; presença a si mesmo (eu), aos outros (sociedade) e ao mundo (natureza).

Trata-se de elevar o que o ser humano é com dado (natureza humana) à sua expressão (à sua forma através do sujeito). O ser humano manifesta-se essencialmente como um movimento dialético de passagem do dado à expressão ou da natureza à forma cujo momento mediador é o sujeito. O Problema Central da Antropologia > É elucidar essa mediação subjetiva. A constituição do sujeito acontece na passagem do dado ao significado. A mediação subjetiva manifesta-se de três formas: 1. Mediação empírica constitui o mundo vivenciado do sujeito. 2. Mediação abstrata que dá origem ao universal abstrato e está na base de toda ciência. 3. Mediação transcendental que é o próprio manifestar-se do sujeito como detentor do sentido e condição de possibilidade de acesso à realidade. O dado são as estruturas fundamentais do ser humano: Corpo, psiquismo e espírito. As estruturas são elevadas à expressão, quando o ser humano apropriar-se delas como sujeito através de relações fundamentais: 1. Com o mundo (relação de objetividade). 2. Com os outros (relação de intersubjetividade). 3. Com o absoluto (relação de transcendência). O ser humano tem: Uma visão espontânea e natural de si mesmo que não passa pelo âmbito do discurso, pois compreende o seu mundo vivencial. É o domínio: 1. Da pré-compreensão. 2. Da compreensão explicativa fornecida pelas diferentes ciências. 3. Da compreensão filosófica que é transcendental enquanto aberto ao horizonte de sentido (perspectiva de sentido) e enquanto condição de possibilidade (perspectiva do sujeito). A antropologia filosófica insere-se nesse terceiro modo de compreensão.

A compreensão filosófica se expressa em categorias, pois nelas que reconstitui o saber do sujeito sobre si mesmo num nível mais fundamental, não mais empírico como é o caso da pré-compreensão, nem abstrato como na compreensão explicativa, mas na sua concepção conceitual. Estruturas fundamentais do ser humano: Estrutura somática (corpo-próprio), que é uma das primeiras percepções do ser humano e o seu corpo. A criança começa a tocar partes do corpo e perceber o corpo como lugar de prazer, inicialmente através da boca. Assim, vai, paulatinamente, tendo uma percepção do corpo tornandose expressão de si mesmo, apropriando-se do corpo como corpo próprio. Essa apropriação desemboca na formação do esquema esquema corporal que integra as diferentes partes do corpo num todo harmônico, possibilitando que o corpo seja a própria manifestação da pessoa e não um puro instrumento ou acessório dispensável. O Esquematismo Corporal > Revela a apropriação do corpo e a sua integração no todo pessoal. É a experiência do corpo próprio, essencial para situar-se no espaço e no tempo, relacionar-se com os outros e agir sobre a realidade. Existem três significados para a palavra corpo : 1. Como substância material (totalidade física). Esse sentido referese à pura materialidade do corpo, ou seja, do cadáver. 2. Como organismo vivo (totalidade biológica). Esse sentido vê como uma estrutura de tecidos, órgãos e funções responsáveis pela vida biológica que vivifica o corpo e o preserva da decomposição. 3. Como corpo próprio (totalidade intencional ou pessoal). Considera o corpo como evento pessoal. Somente neste último caso, podemos falar de corpo como autoexpressão do sujeito e de um eu corporal, o que não é o caso do corpo físico e do corpo biológico. O Ser Humano identifica-se como seu corpo físico e biológico e, nesse sentido, ele é seu corpo. A pré-compreensão do corpo acontece na percepção do corpo próprio. O Ser Humano é também seu corpo próprio, mas não existe uma identidade total, e nesse sentido, ele tem seu corpo, porque pode dar-lhe intencionalidade e sentido que transcende o corpo físico e biológico.

A distinção do ser e do ter corpo significa que o corpo é corpo vivido, não no sentido biológico, mas intencional. Pelo corpo o ser humano: 1. Está presente no mundo. 2. E aos outros, principalmente. Como totalidade físico-orgânica > Tem mais uma presença natural (o estar no tempo e no espaço naturais). Como corpo próprio > Tem uma presença intencional. Pela primeira situação > Está no mundo de uma maneira passiva (estar no mundo). Pela segunda situação > Está no mundo de maneira ativa, como serno-mundo. As presenças natural e intencional constituem duas modalidades de referência com respeito ao espaço e ao tempo: 1. Na presença natural > O corpo experimenta o espaço e o tempo de maneira física e biológica (trata-se da postura e do ritmo corporal). 2. Na presença intencional > O corpo próprio enquanto corpo vivido experimenta o espaço e o tempo como humanos, isto é, na sua dimensão psicológica, social e cultural. Assim, o corpo próprio é o lugar fundamental da compreensão espaço-temporal humana e das relações humanas. Na pré-compreensão do corpo próprio o ser humano organiza o seu estar no mundo, supra-assumido o corpo físico-biológico e significando-o a partir de níveis espaço temporais não mais biológicos, mas intencionais. Trata-se: 1. Do espaço e do tempo psicológicos (âmbito da efetividade que se manifesta por sentimentos e emoções). 2. Sociais (âmbito da comunicação que se expressa por sinais e gestos corporais). 3. Culturais (âmbito da tradição cultural que detem a modelagem da figura corporal).

Todos esses âmbitos determinam o modo intencional de estar no mundo, característico da percepção do corpo próprio. Se a précompreensão capta o corpo como expressão do sujeito, como próprio, à compreensão explicativa da ciência reduz o corpo à sua referência físicobiológica. Existe uma objetivação do corpo que esquece o seu significado humano; não leva em consideração a presença intencional do corpo. Realiza uma abstração formal típica do conhecimento científico que estabelece uma distância entre o sujeito e o corpo e chega a um saber empírico-formal. Essa mediação formal abstrata, usada pela ciência biológica não consegue perceber o corpo em sujeito, como próprio e, portanto, não capta o corpo em sua dimensão humana como expressão da pessoa. A ciência médica é um exemplo paradigmático, pois reduz o corpo a um objeto de pesquisa. Do outro lado, o exercício da medicina não pode abstrair do sujeito ao tratar do corpo. As exigências de Beneficência, autonomia e justiça não podem ser cumpridas sem a perspectiva do corpo próprio. Esse aspecto é importante para a Bioética, pois a maneira de conceber a vida vai depender do modo de encarar o corpo como suporte da vida. A pessoa se expressa, torna-se presente, exterioriza-se pelo corpo. É a dimensão de exterioridade do corpo humano. Entretanto, o ser humano não é seu corpo, porque pode projetar-se para além de sua presença imediata ao mundo. Essa possibilidade de distanciamento do corpo quando está doente e sente dor. Por isso, é essencial que ela possa dar outros significados ao corpo ultrapassem a sua identidade físico-biológica e encontrar um sentido para o sofrimento. A pessoa pode dar à sua identidade corporal, significados que ultrapassem a sua imediatidade expressiva e mundana. Estrutura Psíquica: Psiquismo. Psiquismo > É uma estrutura intermediária entre a somática e a espiritual e desempenha uma função mediadora entre as duas. A esfera psíquica não é imediata, mas mediata, ou seja, mediada através das percepções (ou percepiente) e do desejo (eu apetente). Pelo corpo próprio, o ser humano exterioriza-se e constitui a sua figura corporal exterior. Pelo psiquismo > o ser humano plasma sua figura interior e constitui o seu eu psíquico.

No domínio (interior) psíquico, começa o homem interior e delineia-se: 1. A interioridade. 2. A consciência. 3. A reflexibilidade. Pela presença intencional existe uma interiorização do mundo e a constituição do mundo interior. A reconstrução do mundo exterior num mundo interior organiza-se através: 1. Do imaginário (eixo da percepção da representação). 2. Do afetivo (eixo do desejo, da pulsão). Ao falar do corpo próprio, vimos a passagem do espaço e tempo humanos através da presença intencional. No mundo psíquico, a dimensão espaço-temporal é interiorizada. O espaço e o tempo são configurados segundo o fluxo da vida psíquica. Existem espaços e tempos psicoafetivos. Na experiência da vida psíquica, existe uma reflexividade dos atos psíquicos, radicalmente diferentes dos processos orgânicos. Contudo, o eu consciente afunda-se também no inconsciente, isto é, existem elementos não alcançados pela unificação consciente, como é o caso dos estados oníricos e paranormais. A compreensão do psiquismo > mostra que o ser humano não pode reduzir-se à estrutura somática. É necessária chegar a unidade consciencial pela qual o sujeito define-se como sentimento de si através das duas vertentes do psiquismo: 1. O imaginário. 2. O afetivo. A compreensão explicativa do psiquismo é dada pela psicologia que vai desde a neuropsicologia até a psicanálise. O conceito central da compreensão explicativa é a noção de consciência contraposta ao consciente. Psiquismo > não é presença imediata face aos outros e à realidade, mas mediatizada pela presença somática; necessita da linguagem do corpo para expressar-se. Representa a posição mediadora entre a presença imediata ao mundo pelo corpo próprio e a presença interior absoluta pelo espírito. Por isso, não se pode reduzir o psíquico e o somático como acontece no materialismo, nem tampouco reduzi-lo à dimensão intelectual e espiritual como faz o intelectualismo e o espiritualismo.

O Psiquismo > tem a dinâmica própria como mundo interior, formado pela suprassunção do dado psíquico da natureza (mundo da representação e do desejo) e pela mediação do sujeito > apropria-se do seu psiquismo através da constituição da sua interioridade. O psiquismo > é essencial e constitutivo do ser humano. O psíquico > exprime-se estruturalmente pelo eu psicológico e relacionalmente como linguagem. A constituição de um mundo interior através do psiquismo é outro aspecto do ser humano que a bioética não pode desconhecer. Não existe respeito à dignidade humana sem atenção ao mundo interior da pessoa. A beneficência e a autonomia serão puro formalismo, desconhecendo as representações e os desejos interiores do enfermo. A compreensão filosófica do psiquismo reduz-se a duas afirmações básicas: 1. A irredutibilidade do psíquico ao somático, pois o ser humano transcende o seu corpo e se abre para a sua realidade interior que não é somática (oposição entre a forma psíquica e a forma somática). 2. A irredutibilidade do ser humano ao psiquismo, pois ele não pode ser reduzido a sua interioridade, já que se confronta com um horizonte de sentido para sua existência que transcende o seu mundo psíquico (oposição entre a forma psíquica e a amplitude transcendental do sujeito). Assim a amplidão transcendental do sentido manifesta a infinitude do espírito e no espírito manifesta-se a dimensão infinita do ser humano. Na história da humanidade o espírito: 1. Foi experimentado como dinamismo ou princípio vital. 2. Como anseio de liberdade. 3. Como visão em profundidade da realidade. 4. Como linguagem e comunicação com os outros. 5. Como reflexividade de si. 6. Como encontro místico com o absoluto. Expressou-se: - Na religião. - Na filosofia. - Na arte. - Na política. (Que são todas elas, obras do engenho humano em busca de sentido. São as formas pelas quais o ser humano se autocompreende como sujeito).

Espírito > é a estrutura antropológica do sentido que se manifesta essencialmente como pensamento e como ação. O sentido expressa-se: - Como pensar (conhecimento). - Como agir (liberdade). São as duas grandes manifestações do espírito humano. Pelo conhecimento > o ser humano descobre e revela o sentido da realidade. Pela liberdade > realiza o sentido da sua existência. O sentido configura-se: - No pensamento como verdade. - Na ação como bem. A busca da verdade > é o sentimento do pensamento e a realização do bem é o sentido da ação. Enquanto inteligência, o espírito, ao pensar, abre-se à amplidão transcendental do bem. O Espírito > revela-se como pensamento, ou melhor, como conhecimento que busca a verdade, como ação que realiza o bem. A verdade e o bem são realidades transcendentais que nenhum conhecimento e ação conseguem exaurir. A experiência espiritual de sentido é a experiência mais fundamental e abarcadora do ser humano. As estruturas somáticas e psíquicas são suprassumidas pelo sujeito através da estrutura de sentido, que busca a verdade e o bem. As pré-compreensões do somático e do psíquico são passos prévios da compreensão do espírito. A suprassunção dialética no espírito não é a superação do somático e do psíquico, mas sua conservação na unidade. Com pensamento e como ação > o espírito capta a verdade e o bem como idealidade objetiva e como perfeição subjetiva. A verdade e o bem se manifestam tanto como ideal diante do qual o sujeito se confronta, quanto na perfeição que o sujeito realiza em si. Por um lado, a verdade e o bem intencionados como ideal objetivo ou norma necessária e objetiva do pensamento e da ação; por outro, captados como perfeição realizada do sujeito pensante e agente. Na ordem do conhecimento > a idealidade objetiva da verdade nega a sua realização como perfeição subjetiva, pois o conhecimento precisa

confrontar continuamente suas aquisições com a verdade para expressar o sentido da realidade. Conhecimento > é a busca incessante da verdade. Na ordem da ação > a realidade subjetiva do bem, nega a sua idealidade objetiva, pois através da configuração histórica do bem, o sujeito constitui sua existência como liberdade (realização histórica do bem). Na sua dimensão teorética > o espírito como inteligência acolhe a verdade na forma da universalidade. A verdade se impõe como universal. Na sua dimensão prática > o espírito como inteligência, acolhe, ou melhor, o espírito como liberdade, consente ao bem na forma de ordenação ao fim. O bem se impõe como fim. Em outras palavras: a verdade é o bem da inteligência; o bem é a verdade da liberdade. A estrutura espiritual não se apresenta como objeto da ciência. Sendo o espírito a identidade reflexiva consigo mesmo, não se pode exercer sobre si a mediação abstrata própria da compreensão explicativa. Não é possível abstrair do sujeito, para tentar explicar a estrutura espiritual do ser humano. Não é possível uma análise explicativa do sentido, ele só é captável numa síntese compreensiva. Por isso, não se pode analisar o espírito com metodologia científica. Esse é o motivo porque muitos cientistas tentam negar o âmbito espiritual, pois não é possível captar pelos parâmetros científicos e critérios metodológicos. O problema é que a realidade não se reduz ao que é abarcável pela pura compreensão explicativa da ciência. O Espírito é atravessado por duas tensões: 1. Sua abertura ao infinito do sentido (dimensão transcendental). 2. Sua realização finita (dimensão categorial). Essas duas tensões definem o espírito como: 1. Finito. 2. Como humano, ou seja, o espírito é sempre situado. O objetivo da Bioética > é a vida humana como evento pessoal. Pessoa > é de natureza espiritual como um ser aberto ao sentido.

Vida > não se reduz ao somático e ao psíquico, porque o seu itinerário existencial encarna um significado que transcende a sua positividade. A bioética não pode desconhecer essa dinâmica. Beneficência > não se reduz ao bem estar somático-psíquico, engloba também dimensões espirituais. Autonomia > não se restringe a um ato psíquico exige um ato espiritual que dá sentido à tomada de posição. O respeito à dignidade humana impõe a atenção ao sentido que a pessoa vivencia no nível da estrutura do espírito. Relações Fundamentais do Ser Humano: As estruturas antropológicas compreendem o ser humano como sujeito, as relações, como sujeito, como sujeito situado. As estruturas > determinam a forma de expressão que o ser humano dá à sua realidade através das diferentes modalidades de experiência: o corpo, o psiquismo e o espírito. A passagem da estrutura para a relação significa a passagem da forma ao conteúdo, da expressão ou do significante ao significado. A unidade estrutural de corpo, psiquismo e espírito, assegura a identidade ontológica do ser humano, mas ele é ser em situação, um ser de presenças. A relação de presença responde a uma dialética que vai do exterior ao interior. O ser situado forma uma totalidade. O mundo exterior e do interior no espírito constituem uma unidade estrutural que define o ser humano como situado. Ele está situado de acordo com os três modos de presença: 1. Mundo. 2. Outro. 3. Absoluto. O corpo próprio > é a condição de possibilidade da presença face ao outro, ao mundo e face ao absoluto. Ser humano > é ser-em-relação, segundo a totalidade que o constitui como corpo, psiquismo e espírito. Ele é relacional como totalidade somático-psíquico-espiritual. A visão relacional > é indispensável para a Bioética, pois a vida humana é essencialmente tecida por uma trama de relações com o mundo, os outros e o absoluto. Não se pode compreender a vida pessoal sem levar em consideração essa trama. A defesa e a promoção da vida estão intimamente ligadas às relações que a sustentam.

Relação de objetividade: Mundo. p.8 Não se trata de uma objetividade científica, lógica ou moral, mas humana. É a propriedade que diferencia especificamente a relação do ser humano com as coisas como relação não recíproca. Relação de objetividade > acontece na experiência da constituição do mundo pelo ser humano com as coisas como relação não recíproca, ou seja, que nada mais é que a presença do ser humano no seu mundo, o exercício de compor o seu mundo e manifesta-se como ser-no-mundo. Mundo > não é a soma das coisas que compõem a realidade, mas o horizonte que configura essa realidade. Nesse sentido, ele não é, em primeiro lugar, um horizonte de especialidade, mas de temporalidade no qual os eventos acontecem e as realidades adquirem sentido. O horizonte é o âmbito intencional no qual o mundo vai sendo configurado; não é fixo, pois o mundo como horizonte é descrito como espaço intencional, no qual os limites estão em perpétuo movimento. Não é a soma, nem mesmo a moldura das coisas e eventos, mas horizonte móvel em cujo fundo desenha-se o perfil das coisas e o tempo transcorre como trama de acontecimentos. O mundo como horizonte tem: 1. Um caráter concreto > enquanto englobante último das coisas e dos acontecimentos. 2. Um caráter aberto > enquanto linha de horizonte em constante mobilidade. 3. Um caráter de fundamento de sentido > enquanto solo no qual se enraíza a vida do ser humano e assim se constitui em mundo da vida. 4. Um caráter sócio-cultural > enquanto configurador das visões de mundo e das construções sociais da realidade. A compreensão explicativa da ciência > assume o mundo como natureza a ser analisada pela ciência e transformada pela técnica. Interessase pela objetividade científica e epistemológica, não capta a objetividade humana da relação com o mundo, nem consegue explicar o mundo da vida. Não tem parâmetros para compreender o mundo como horizonte. A ciência abstrai dessa compreensão do mundo, essencial para a vida do ser humano.

A Bioética > não pode desconhecer o mundo das vivências ao acercar-se da vida humana. Uma visão abrangente da vida humana é condição para um discurso de Bioética Geral. Mundo > é essencialmente linguagem, e linguagem é comunicação recíproca. Por isso, o mundo como horizonte pressupõe a relação recíproca de sujeitos e suscita o aparecimento do outro como interlocutor. Relação de intersubjetividade: Outro. Na objetividade > temos a infinidade intencional do sujeito face à infinidade potencial do mundo. Na transcendência > teremos a infinitude intencional do sujeito face à infinidade real do absoluto. Na relação de intersubjetividade > estamos diante de duas infinitudes intencionais que se relacionam. E a reciprocidade de relação. O aparecimento do outro no horizonte da intencionalidade do eu tem lugar através da linguagem como estrutura significante que vai desde a postura corporal até a palavra e o discurso. Linguagem > é o médium em que se desdobra a relação de reciprocidade dual e plural. A estrutura do corpo próprio só se manifesta mediada pelo psiquismo e este pelo espírito. O eu como estrutura só é tal na medida em que se passa dialeticamente pela relação de objetividade e através dela é mediatizada pela relação de intersubjetividade. Ser humano > é um todo corpóreo-psíquico-espiritual, mas aberto para a relação que é constitutiva dessa totalidade. A intersubjetividade > rompe a relação de objetividade e instaura a relação dialógica com um outro eu; o eu é suprassumido na prioridade fundante da reciprocidade que institui o nós. O nós exige a constituição de sujeitos cujo ser é estruturalmente reflexivo e que são capazes de exprimirem-se a si mesmos como auto-afirmação do eu. Sem sujeitos não existe comunidade/sociedade. A reflexibilidade do sujeito acontece mediada pelo reconhecimento do outro. Sem reconhecimento não existe sujeito consciente de si. A consciência > precisa passar pelo reconhecimento de outra consciência de si para que ela se conheça no ser-para-o-outro. Cada uma

das consciências se reconhece como consciência de si. O sujeito é reconhecido como sujeito quando reconhece o outro como sujeito. O tema do outro pode ser tratado como relação dialógica de configuração dual (eutu) (enfoque ético), ou como relação sócio-política de configuração institucional do nós (enfoque histórico). A relação de intersubjetividade é central para o discurso bioético, porque os desafios e problemas, nos quais está presente a vida humana, implicam sempre uma relação ao menos dual e muitas vezes institucional. Os princípios de beneficência, autonomia e justiça querem apresentar critérios éticos para as relações intersubjetivas pessoais e sociais. Daí a necessidade de uma antropologia relacional, que possa equacionar as implicações de uma relação intersubjetiva. O aborto, a eutanásia, as técnicas procriativas não são questões puramente individuais, implicam sempre situações de reconhecimento, porque se está face a um outro. A compreensão explicativa da relação de intersubjetividade acontece através das ciências do espírito. No pensamento clássico, as relações intersubjetivas eram tratadas pela ética e pela política (gregos). No pensamento moderno, apareceu a ciência da sociedade com dois enfoques: 1. Um diacrônico > desenvolvido pela história. 2. Um sincrônico > desenvolvido pela sociologia. Ciências do espírito > tentam explicar as operações e os processos intersubjetivos do ser humano. A relação intersubjetiva, digo, recíproca não pode abdicar

A categoria da pessoa O discurso antropológico, até agora, partiu do simples estar-no-mundo para chegar à unidade final expressa pela categoria de pessoa. Como pessoa > é o que o ser humano exprime a inteligibilidade radical do seu ser na passagem do dado a forma mediado pelo sujeito. Pessoa > é a expressão adequada do eu que se exprime a si mesmo ou, em outras palavras, o ser humano é sujeito enquanto pessoa. Designa a singularidade que suprassume a universalidade da essência previamente dada pela mediação da particularidade da existência que se realiza na história de cada um. Portanto, a categoria de pessoa designa a existência particular do sujeito e não a universalidade da natureza comum a todos os seres humanos. A categoria de pessoa > é o princípio e o termo do discurso dialético sobre o ser humano. Pessoa > é, antes de mais nada, princípio de compreensão do ser humano, enquanto raiz inteligível da sua identidade pela qual unifica os diversos aspectos do seu ser. Pessoa > não se reduz ao seu corpo, nem ao seu psiquismo, manifesta sua máxima expressão no espírito; também não se confina à sua relação de objetividade, nem de intersubjetividade, só encontra seu sentido último no absoluto. Pessoa > explicita a configuração das estruturas e relações mediadas pelo sujeito. As estruturas e relações são instancias da pessoa. O sujeito exprime a si mesmo nas estruturas e relações como pessoa. Só no fim do processo da mediação subjetiva das estruturas através das relações, é possível por uma existência situada e particular. Neste sentido, pessoa exprime-se na estrutura do espírito e, essencialmente, na relação de transcendência. No âmbito do espírito, a pessoa é abertura à infinitude do horizonte de sentido. Pessoa > é o sujeito dos atos correlatos à constelação da transcendência; a busca e o conhecimento da verdade; a realização e o consentimento do bem.

A pré-compreensão da experiência de pessoa. Manifesta-se como experiência da própria existência humana distendida entre o fluir das coisas para as quais o sujeito se volta através da relação de objetividade; a interpelação do outro, face ao qual o sujeito se capta na relação de intersubjetividade; o apelo da transcendência que eleva todo o ser e o lança a abrir-se ao sentido, ou perder-se no absoluto. A experiência da pessoa é uma experiência integradora e tem lugar quando se experimenta na unidade do mesmo ato, como inaliável interioridade e como imperativo de abrir-se para a exterioridade do outro. Podemos distinguir entre indivíduos e pessoa. Indivíduo > é o membro da espécie na sua multiplicidade e temporalidade do mundo material. Manifesta-se como exterioridade temporal. É tema de compreensão explicativa. Pessoa > é o indivíduo na sua unidade profunda, na sua originalidade e irredutibilidade. Expressa-se como interioridade espiritual. E objeto da compreensão filosófica. Nesse sentido, não existe uma ciência da pessoa; ela não consegue submeter à pessoa a compreensão explicativa. O que caracteriza o ser humano é o movimento dialético de passagem do dado natural à forma propriamente humana através da recriação desse dado como expressão do seu ser. Assim, o ser humano é artífice de si mesmo. Para muitos, a única obra de arte que realizam é a sua própria pessoa. O ser humano não existe como dado, mas como expressão. Pessoa é a forma última e totalizante da expressão do eu singular. Assim, a pessoa é o princípio e o autoconstituição, pelo qual o ser humano assume sua tarefa fundamental de exprimir-se a si mesmo. Características fundamentais do ser humano como pessoa. Pessoa > não pode ser um conjunto abstrato de propriedade como consciência, autonomia, comunicação. Do contrário, se poderia perguntar se é preciso respeitar o ser humano, porque é consciente, autônomo, relacional, ou porque é pessoa. Se é o segundo, então a obrigação primeira é de respeitar o ser humano, enquanto ser humano. Se é o primeiro, deve-se respeitar a consciência e não precisamos respeitar quem não tem consciência. Esta pequena reflexão

mostra a importância de esclarecer a questão das características que tornam alguém pessoa e, portanto, possuidor de dignidade humana.