- FACCAT - FACULDADES INTEGRADAS DE TAQUARA Disciplina: Antropologia Professor: Dr. Pe. Ari Antônio da Silva (Síntese das obras de Antropologia Filosófica de Carlos Lima Vaz SJ e José Roque Jungues SJ)
1. Apresentar a finalidade da bioética História 2. Elementos constitutivos antropológicos corpo psiquismo espírito, que possibilitem a formação de uma consciência moral e do respectivo agir moral. Significado da Vida Humana: - Não se pode reduzi-la a um puro fato biológico, mas antes, um evento pessoal. Trata-se da vida de um ser pessoal. Pessoa > É uma categoria fundamental para a bioética. Conceito convincente, porque se funda em dados constatáveis que impedem uma interpretação. Conceito de Pessoa > Está ligado a teorias morais que fornecem critérios para decisões éticas referentes à vida humana e fundamenta tais teorias. Aponta para uma antropologia específica que o sustenta e é explicita. Essa pode ser chamada de personalista. Essa oferece uma interpretação dos ser humano com pessoa e serve de plano de fundo para qualquer decisão sobre a vida humana. A toda ética subjaz uma antropologia que é necessária explicitar. Bioética > Tem como ponto de referência a vida humana. Vejamos agora o modelo personalista: Sem essa visão unitária da pessoa, não é possível resolver os conflitos entre direitos e deveres face à vida humana e a aplicação dos princípios bioéticos que podem levar a impasses. Antropologia Personalista: Para, Lima Vaz, o objetivo do discurso antropológico é o ser humano enquanto sujeito. Antropologia > É sempre uma autocompreensão; não é um saber sobre o sujeito, mas um saber do sujeito. A experiência de tornar-se sujeito é sempre inusitada, e é interpenetrada de presença; presença a si mesmo (eu), aos outros (sociedade) e ao mundo (natureza).
Trata-se de elevar o que o ser humano é com dado (natureza humana) à sua expressão (à sua forma através do sujeito). O ser humano manifesta-se essencialmente como um movimento dialético de passagem do dado à expressão ou da natureza à forma cujo momento mediador é o sujeito. O Problema Central da Antropologia > É elucidar essa mediação subjetiva. A constituição do sujeito acontece na passagem do dado ao significado. A mediação subjetiva manifesta-se de três formas: 1. Mediação empírica constitui o mundo vivenciado do sujeito. 2. Mediação abstrata que dá origem ao universal abstrato e está na base de toda ciência. 3. Mediação transcendental que é o próprio manifestar-se do sujeito como detentor do sentido e condição de possibilidade de acesso à realidade. O dado são as estruturas fundamentais do ser humano: Corpo, psiquismo e espírito. As estruturas são elevadas à expressão, quando o ser humano apropriar-se delas como sujeito através de relações fundamentais: 1. Com o mundo (relação de objetividade). 2. Com os outros (relação de intersubjetividade). 3. Com o absoluto (relação de transcendência). O ser humano tem: Uma visão espontânea e natural de si mesmo que não passa pelo âmbito do discurso, pois compreende o seu mundo vivencial. É o domínio: 1. Da pré-compreensão. 2. Da compreensão explicativa fornecida pelas diferentes ciências. 3. Da compreensão filosófica que é transcendental enquanto aberto ao horizonte de sentido (perspectiva de sentido) e enquanto condição de possibilidade (perspectiva do sujeito). A antropologia filosófica insere-se nesse terceiro modo de compreensão.
A compreensão filosófica se expressa em categorias, pois nelas que reconstitui o saber do sujeito sobre si mesmo num nível mais fundamental, não mais empírico como é o caso da pré-compreensão, nem abstrato como na compreensão explicativa, mas na sua concepção conceitual. Estruturas fundamentais do ser humano: Estrutura somática (corpo-próprio), que é uma das primeiras percepções do ser humano e o seu corpo. A criança começa a tocar partes do corpo e perceber o corpo como lugar de prazer, inicialmente através da boca. Assim, vai, paulatinamente, tendo uma percepção do corpo tornandose expressão de si mesmo, apropriando-se do corpo como corpo próprio. Essa apropriação desemboca na formação do esquema esquema corporal que integra as diferentes partes do corpo num todo harmônico, possibilitando que o corpo seja a própria manifestação da pessoa e não um puro instrumento ou acessório dispensável. O Esquematismo Corporal > Revela a apropriação do corpo e a sua integração no todo pessoal. É a experiência do corpo próprio, essencial para situar-se no espaço e no tempo, relacionar-se com os outros e agir sobre a realidade. Existem três significados para a palavra corpo : 1. Como substância material (totalidade física). Esse sentido referese à pura materialidade do corpo, ou seja, do cadáver. 2. Como organismo vivo (totalidade biológica). Esse sentido vê como uma estrutura de tecidos, órgãos e funções responsáveis pela vida biológica que vivifica o corpo e o preserva da decomposição. 3. Como corpo próprio (totalidade intencional ou pessoal). Considera o corpo como evento pessoal. Somente neste último caso, podemos falar de corpo como autoexpressão do sujeito e de um eu corporal, o que não é o caso do corpo físico e do corpo biológico. O Ser Humano identifica-se como seu corpo físico e biológico e, nesse sentido, ele é seu corpo. A pré-compreensão do corpo acontece na percepção do corpo próprio. O Ser Humano é também seu corpo próprio, mas não existe uma identidade total, e nesse sentido, ele tem seu corpo, porque pode dar-lhe intencionalidade e sentido que transcende o corpo físico e biológico.
A distinção do ser e do ter corpo significa que o corpo é corpo vivido, não no sentido biológico, mas intencional. Pelo corpo o ser humano: 1. Está presente no mundo. 2. E aos outros, principalmente. Como totalidade físico-orgânica > Tem mais uma presença natural (o estar no tempo e no espaço naturais). Como corpo próprio > Tem uma presença intencional. Pela primeira situação > Está no mundo de uma maneira passiva (estar no mundo). Pela segunda situação > Está no mundo de maneira ativa, como serno-mundo. As presenças natural e intencional constituem duas modalidades de referência com respeito ao espaço e ao tempo: 1. Na presença natural > O corpo experimenta o espaço e o tempo de maneira física e biológica (trata-se da postura e do ritmo corporal). 2. Na presença intencional > O corpo próprio enquanto corpo vivido experimenta o espaço e o tempo como humanos, isto é, na sua dimensão psicológica, social e cultural. Assim, o corpo próprio é o lugar fundamental da compreensão espaço-temporal humana e das relações humanas. Na pré-compreensão do corpo próprio o ser humano organiza o seu estar no mundo, supra-assumido o corpo físico-biológico e significando-o a partir de níveis espaço temporais não mais biológicos, mas intencionais. Trata-se: 1. Do espaço e do tempo psicológicos (âmbito da efetividade que se manifesta por sentimentos e emoções). 2. Sociais (âmbito da comunicação que se expressa por sinais e gestos corporais). 3. Culturais (âmbito da tradição cultural que detem a modelagem da figura corporal).
Todos esses âmbitos determinam o modo intencional de estar no mundo, característico da percepção do corpo próprio. Se a précompreensão capta o corpo como expressão do sujeito, como próprio, à compreensão explicativa da ciência reduz o corpo à sua referência físicobiológica. Existe uma objetivação do corpo que esquece o seu significado humano; não leva em consideração a presença intencional do corpo. Realiza uma abstração formal típica do conhecimento científico que estabelece uma distância entre o sujeito e o corpo e chega a um saber empírico-formal. Essa mediação formal abstrata, usada pela ciência biológica não consegue perceber o corpo em sujeito, como próprio e, portanto, não capta o corpo em sua dimensão humana como expressão da pessoa. A ciência médica é um exemplo paradigmático, pois reduz o corpo a um objeto de pesquisa. Do outro lado, o exercício da medicina não pode abstrair do sujeito ao tratar do corpo. As exigências de Beneficência, autonomia e justiça não podem ser cumpridas sem a perspectiva do corpo próprio. Esse aspecto é importante para a Bioética, pois a maneira de conceber a vida vai depender do modo de encarar o corpo como suporte da vida. A pessoa se expressa, torna-se presente, exterioriza-se pelo corpo. É a dimensão de exterioridade do corpo humano. Entretanto, o ser humano não é seu corpo, porque pode projetar-se para além de sua presença imediata ao mundo. Essa possibilidade de distanciamento do corpo quando está doente e sente dor. Por isso, é essencial que ela possa dar outros significados ao corpo ultrapassem a sua identidade físico-biológica e encontrar um sentido para o sofrimento. A pessoa pode dar à sua identidade corporal, significados que ultrapassem a sua imediatidade expressiva e mundana. Estrutura Psíquica: Psiquismo. Psiquismo > É uma estrutura intermediária entre a somática e a espiritual e desempenha uma função mediadora entre as duas. A esfera psíquica não é imediata, mas mediata, ou seja, mediada através das percepções (ou percepiente) e do desejo (eu apetente). Pelo corpo próprio, o ser humano exterioriza-se e constitui a sua figura corporal exterior. Pelo psiquismo > o ser humano plasma sua figura interior e constitui o seu eu psíquico.
No domínio (interior) psíquico, começa o homem interior e delineia-se: 1. A interioridade. 2. A consciência. 3. A reflexibilidade. Pela presença intencional existe uma interiorização do mundo e a constituição do mundo interior. A reconstrução do mundo exterior num mundo interior organiza-se através: 1. Do imaginário (eixo da percepção da representação). 2. Do afetivo (eixo do desejo, da pulsão). Ao falar do corpo próprio, vimos a passagem do espaço e tempo humanos através da presença intencional. No mundo psíquico, a dimensão espaço-temporal é interiorizada. O espaço e o tempo são configurados segundo o fluxo da vida psíquica. Existem espaços e tempos psicoafetivos. Na experiência da vida psíquica, existe uma reflexividade dos atos psíquicos, radicalmente diferentes dos processos orgânicos. Contudo, o eu consciente afunda-se também no inconsciente, isto é, existem elementos não alcançados pela unificação consciente, como é o caso dos estados oníricos e paranormais. A compreensão do psiquismo > mostra que o ser humano não pode reduzir-se à estrutura somática. É necessária chegar a unidade consciencial pela qual o sujeito define-se como sentimento de si através das duas vertentes do psiquismo: 1. O imaginário. 2. O afetivo. A compreensão explicativa do psiquismo é dada pela psicologia que vai desde a neuropsicologia até a psicanálise. O conceito central da compreensão explicativa é a noção de consciência contraposta ao consciente. Psiquismo > não é presença imediata face aos outros e à realidade, mas mediatizada pela presença somática; necessita da linguagem do corpo para expressar-se. Representa a posição mediadora entre a presença imediata ao mundo pelo corpo próprio e a presença interior absoluta pelo espírito. Por isso, não se pode reduzir o psíquico e o somático como acontece no materialismo, nem tampouco reduzi-lo à dimensão intelectual e espiritual como faz o intelectualismo e o espiritualismo.
O Psiquismo > tem a dinâmica própria como mundo interior, formado pela suprassunção do dado psíquico da natureza (mundo da representação e do desejo) e pela mediação do sujeito > apropria-se do seu psiquismo através da constituição da sua interioridade. O psiquismo > é essencial e constitutivo do ser humano. O psíquico > exprime-se estruturalmente pelo eu psicológico e relacionalmente como linguagem. A constituição de um mundo interior através do psiquismo é outro aspecto do ser humano que a bioética não pode desconhecer. Não existe respeito à dignidade humana sem atenção ao mundo interior da pessoa. A beneficência e a autonomia serão puro formalismo, desconhecendo as representações e os desejos interiores do enfermo. A compreensão filosófica do psiquismo reduz-se a duas afirmações básicas: 1. A irredutibilidade do psíquico ao somático, pois o ser humano transcende o seu corpo e se abre para a sua realidade interior que não é somática (oposição entre a forma psíquica e a forma somática). 2. A irredutibilidade do ser humano ao psiquismo, pois ele não pode ser reduzido a sua interioridade, já que se confronta com um horizonte de sentido para sua existência que transcende o seu mundo psíquico (oposição entre a forma psíquica e a amplitude transcendental do sujeito). Assim a amplidão transcendental do sentido manifesta a infinitude do espírito e no espírito manifesta-se a dimensão infinita do ser humano. Na história da humanidade o espírito: 1. Foi experimentado como dinamismo ou princípio vital. 2. Como anseio de liberdade. 3. Como visão em profundidade da realidade. 4. Como linguagem e comunicação com os outros. 5. Como reflexividade de si. 6. Como encontro místico com o absoluto. Expressou-se: - Na religião. - Na filosofia. - Na arte. - Na política. (Que são todas elas, obras do engenho humano em busca de sentido. São as formas pelas quais o ser humano se autocompreende como sujeito).
Espírito > é a estrutura antropológica do sentido que se manifesta essencialmente como pensamento e como ação. O sentido expressa-se: - Como pensar (conhecimento). - Como agir (liberdade). São as duas grandes manifestações do espírito humano. Pelo conhecimento > o ser humano descobre e revela o sentido da realidade. Pela liberdade > realiza o sentido da sua existência. O sentido configura-se: - No pensamento como verdade. - Na ação como bem. A busca da verdade > é o sentimento do pensamento e a realização do bem é o sentido da ação. Enquanto inteligência, o espírito, ao pensar, abre-se à amplidão transcendental do bem. O Espírito > revela-se como pensamento, ou melhor, como conhecimento que busca a verdade, como ação que realiza o bem. A verdade e o bem são realidades transcendentais que nenhum conhecimento e ação conseguem exaurir. A experiência espiritual de sentido é a experiência mais fundamental e abarcadora do ser humano. As estruturas somáticas e psíquicas são suprassumidas pelo sujeito através da estrutura de sentido, que busca a verdade e o bem. As pré-compreensões do somático e do psíquico são passos prévios da compreensão do espírito. A suprassunção dialética no espírito não é a superação do somático e do psíquico, mas sua conservação na unidade. Com pensamento e como ação > o espírito capta a verdade e o bem como idealidade objetiva e como perfeição subjetiva. A verdade e o bem se manifestam tanto como ideal diante do qual o sujeito se confronta, quanto na perfeição que o sujeito realiza em si. Por um lado, a verdade e o bem intencionados como ideal objetivo ou norma necessária e objetiva do pensamento e da ação; por outro, captados como perfeição realizada do sujeito pensante e agente. Na ordem do conhecimento > a idealidade objetiva da verdade nega a sua realização como perfeição subjetiva, pois o conhecimento precisa
confrontar continuamente suas aquisições com a verdade para expressar o sentido da realidade. Conhecimento > é a busca incessante da verdade. Na ordem da ação > a realidade subjetiva do bem, nega a sua idealidade objetiva, pois através da configuração histórica do bem, o sujeito constitui sua existência como liberdade (realização histórica do bem). Na sua dimensão teorética > o espírito como inteligência acolhe a verdade na forma da universalidade. A verdade se impõe como universal. Na sua dimensão prática > o espírito como inteligência, acolhe, ou melhor, o espírito como liberdade, consente ao bem na forma de ordenação ao fim. O bem se impõe como fim. Em outras palavras: a verdade é o bem da inteligência; o bem é a verdade da liberdade. A estrutura espiritual não se apresenta como objeto da ciência. Sendo o espírito a identidade reflexiva consigo mesmo, não se pode exercer sobre si a mediação abstrata própria da compreensão explicativa. Não é possível abstrair do sujeito, para tentar explicar a estrutura espiritual do ser humano. Não é possível uma análise explicativa do sentido, ele só é captável numa síntese compreensiva. Por isso, não se pode analisar o espírito com metodologia científica. Esse é o motivo porque muitos cientistas tentam negar o âmbito espiritual, pois não é possível captar pelos parâmetros científicos e critérios metodológicos. O problema é que a realidade não se reduz ao que é abarcável pela pura compreensão explicativa da ciência. O Espírito é atravessado por duas tensões: 1. Sua abertura ao infinito do sentido (dimensão transcendental). 2. Sua realização finita (dimensão categorial). Essas duas tensões definem o espírito como: 1. Finito. 2. Como humano, ou seja, o espírito é sempre situado. O objetivo da Bioética > é a vida humana como evento pessoal. Pessoa > é de natureza espiritual como um ser aberto ao sentido.
Vida > não se reduz ao somático e ao psíquico, porque o seu itinerário existencial encarna um significado que transcende a sua positividade. A bioética não pode desconhecer essa dinâmica. Beneficência > não se reduz ao bem estar somático-psíquico, engloba também dimensões espirituais. Autonomia > não se restringe a um ato psíquico exige um ato espiritual que dá sentido à tomada de posição. O respeito à dignidade humana impõe a atenção ao sentido que a pessoa vivencia no nível da estrutura do espírito. Relações Fundamentais do Ser Humano: As estruturas antropológicas compreendem o ser humano como sujeito, as relações, como sujeito, como sujeito situado. As estruturas > determinam a forma de expressão que o ser humano dá à sua realidade através das diferentes modalidades de experiência: o corpo, o psiquismo e o espírito. A passagem da estrutura para a relação significa a passagem da forma ao conteúdo, da expressão ou do significante ao significado. A unidade estrutural de corpo, psiquismo e espírito, assegura a identidade ontológica do ser humano, mas ele é ser em situação, um ser de presenças. A relação de presença responde a uma dialética que vai do exterior ao interior. O ser situado forma uma totalidade. O mundo exterior e do interior no espírito constituem uma unidade estrutural que define o ser humano como situado. Ele está situado de acordo com os três modos de presença: 1. Mundo. 2. Outro. 3. Absoluto. O corpo próprio > é a condição de possibilidade da presença face ao outro, ao mundo e face ao absoluto. Ser humano > é ser-em-relação, segundo a totalidade que o constitui como corpo, psiquismo e espírito. Ele é relacional como totalidade somático-psíquico-espiritual. A visão relacional > é indispensável para a Bioética, pois a vida humana é essencialmente tecida por uma trama de relações com o mundo, os outros e o absoluto. Não se pode compreender a vida pessoal sem levar em consideração essa trama. A defesa e a promoção da vida estão intimamente ligadas às relações que a sustentam.
Relação de objetividade: Mundo. p.8 Não se trata de uma objetividade científica, lógica ou moral, mas humana. É a propriedade que diferencia especificamente a relação do ser humano com as coisas como relação não recíproca. Relação de objetividade > acontece na experiência da constituição do mundo pelo ser humano com as coisas como relação não recíproca, ou seja, que nada mais é que a presença do ser humano no seu mundo, o exercício de compor o seu mundo e manifesta-se como ser-no-mundo. Mundo > não é a soma das coisas que compõem a realidade, mas o horizonte que configura essa realidade. Nesse sentido, ele não é, em primeiro lugar, um horizonte de especialidade, mas de temporalidade no qual os eventos acontecem e as realidades adquirem sentido. O horizonte é o âmbito intencional no qual o mundo vai sendo configurado; não é fixo, pois o mundo como horizonte é descrito como espaço intencional, no qual os limites estão em perpétuo movimento. Não é a soma, nem mesmo a moldura das coisas e eventos, mas horizonte móvel em cujo fundo desenha-se o perfil das coisas e o tempo transcorre como trama de acontecimentos. O mundo como horizonte tem: 1. Um caráter concreto > enquanto englobante último das coisas e dos acontecimentos. 2. Um caráter aberto > enquanto linha de horizonte em constante mobilidade. 3. Um caráter de fundamento de sentido > enquanto solo no qual se enraíza a vida do ser humano e assim se constitui em mundo da vida. 4. Um caráter sócio-cultural > enquanto configurador das visões de mundo e das construções sociais da realidade. A compreensão explicativa da ciência > assume o mundo como natureza a ser analisada pela ciência e transformada pela técnica. Interessase pela objetividade científica e epistemológica, não capta a objetividade humana da relação com o mundo, nem consegue explicar o mundo da vida. Não tem parâmetros para compreender o mundo como horizonte. A ciência abstrai dessa compreensão do mundo, essencial para a vida do ser humano.
A Bioética > não pode desconhecer o mundo das vivências ao acercar-se da vida humana. Uma visão abrangente da vida humana é condição para um discurso de Bioética Geral. Mundo > é essencialmente linguagem, e linguagem é comunicação recíproca. Por isso, o mundo como horizonte pressupõe a relação recíproca de sujeitos e suscita o aparecimento do outro como interlocutor. Relação de intersubjetividade: Outro. Na objetividade > temos a infinidade intencional do sujeito face à infinidade potencial do mundo. Na transcendência > teremos a infinitude intencional do sujeito face à infinidade real do absoluto. Na relação de intersubjetividade > estamos diante de duas infinitudes intencionais que se relacionam. E a reciprocidade de relação. O aparecimento do outro no horizonte da intencionalidade do eu tem lugar através da linguagem como estrutura significante que vai desde a postura corporal até a palavra e o discurso. Linguagem > é o médium em que se desdobra a relação de reciprocidade dual e plural. A estrutura do corpo próprio só se manifesta mediada pelo psiquismo e este pelo espírito. O eu como estrutura só é tal na medida em que se passa dialeticamente pela relação de objetividade e através dela é mediatizada pela relação de intersubjetividade. Ser humano > é um todo corpóreo-psíquico-espiritual, mas aberto para a relação que é constitutiva dessa totalidade. A intersubjetividade > rompe a relação de objetividade e instaura a relação dialógica com um outro eu; o eu é suprassumido na prioridade fundante da reciprocidade que institui o nós. O nós exige a constituição de sujeitos cujo ser é estruturalmente reflexivo e que são capazes de exprimirem-se a si mesmos como auto-afirmação do eu. Sem sujeitos não existe comunidade/sociedade. A reflexibilidade do sujeito acontece mediada pelo reconhecimento do outro. Sem reconhecimento não existe sujeito consciente de si. A consciência > precisa passar pelo reconhecimento de outra consciência de si para que ela se conheça no ser-para-o-outro. Cada uma
das consciências se reconhece como consciência de si. O sujeito é reconhecido como sujeito quando reconhece o outro como sujeito. O tema do outro pode ser tratado como relação dialógica de configuração dual (eutu) (enfoque ético), ou como relação sócio-política de configuração institucional do nós (enfoque histórico). A relação de intersubjetividade é central para o discurso bioético, porque os desafios e problemas, nos quais está presente a vida humana, implicam sempre uma relação ao menos dual e muitas vezes institucional. Os princípios de beneficência, autonomia e justiça querem apresentar critérios éticos para as relações intersubjetivas pessoais e sociais. Daí a necessidade de uma antropologia relacional, que possa equacionar as implicações de uma relação intersubjetiva. O aborto, a eutanásia, as técnicas procriativas não são questões puramente individuais, implicam sempre situações de reconhecimento, porque se está face a um outro. A compreensão explicativa da relação de intersubjetividade acontece através das ciências do espírito. No pensamento clássico, as relações intersubjetivas eram tratadas pela ética e pela política (gregos). No pensamento moderno, apareceu a ciência da sociedade com dois enfoques: 1. Um diacrônico > desenvolvido pela história. 2. Um sincrônico > desenvolvido pela sociologia. Ciências do espírito > tentam explicar as operações e os processos intersubjetivos do ser humano. A relação intersubjetiva, digo, recíproca não pode abdicar
A categoria da pessoa O discurso antropológico, até agora, partiu do simples estar-no-mundo para chegar à unidade final expressa pela categoria de pessoa. Como pessoa > é o que o ser humano exprime a inteligibilidade radical do seu ser na passagem do dado a forma mediado pelo sujeito. Pessoa > é a expressão adequada do eu que se exprime a si mesmo ou, em outras palavras, o ser humano é sujeito enquanto pessoa. Designa a singularidade que suprassume a universalidade da essência previamente dada pela mediação da particularidade da existência que se realiza na história de cada um. Portanto, a categoria de pessoa designa a existência particular do sujeito e não a universalidade da natureza comum a todos os seres humanos. A categoria de pessoa > é o princípio e o termo do discurso dialético sobre o ser humano. Pessoa > é, antes de mais nada, princípio de compreensão do ser humano, enquanto raiz inteligível da sua identidade pela qual unifica os diversos aspectos do seu ser. Pessoa > não se reduz ao seu corpo, nem ao seu psiquismo, manifesta sua máxima expressão no espírito; também não se confina à sua relação de objetividade, nem de intersubjetividade, só encontra seu sentido último no absoluto. Pessoa > explicita a configuração das estruturas e relações mediadas pelo sujeito. As estruturas e relações são instancias da pessoa. O sujeito exprime a si mesmo nas estruturas e relações como pessoa. Só no fim do processo da mediação subjetiva das estruturas através das relações, é possível por uma existência situada e particular. Neste sentido, pessoa exprime-se na estrutura do espírito e, essencialmente, na relação de transcendência. No âmbito do espírito, a pessoa é abertura à infinitude do horizonte de sentido. Pessoa > é o sujeito dos atos correlatos à constelação da transcendência; a busca e o conhecimento da verdade; a realização e o consentimento do bem.
A pré-compreensão da experiência de pessoa. Manifesta-se como experiência da própria existência humana distendida entre o fluir das coisas para as quais o sujeito se volta através da relação de objetividade; a interpelação do outro, face ao qual o sujeito se capta na relação de intersubjetividade; o apelo da transcendência que eleva todo o ser e o lança a abrir-se ao sentido, ou perder-se no absoluto. A experiência da pessoa é uma experiência integradora e tem lugar quando se experimenta na unidade do mesmo ato, como inaliável interioridade e como imperativo de abrir-se para a exterioridade do outro. Podemos distinguir entre indivíduos e pessoa. Indivíduo > é o membro da espécie na sua multiplicidade e temporalidade do mundo material. Manifesta-se como exterioridade temporal. É tema de compreensão explicativa. Pessoa > é o indivíduo na sua unidade profunda, na sua originalidade e irredutibilidade. Expressa-se como interioridade espiritual. E objeto da compreensão filosófica. Nesse sentido, não existe uma ciência da pessoa; ela não consegue submeter à pessoa a compreensão explicativa. O que caracteriza o ser humano é o movimento dialético de passagem do dado natural à forma propriamente humana através da recriação desse dado como expressão do seu ser. Assim, o ser humano é artífice de si mesmo. Para muitos, a única obra de arte que realizam é a sua própria pessoa. O ser humano não existe como dado, mas como expressão. Pessoa é a forma última e totalizante da expressão do eu singular. Assim, a pessoa é o princípio e o autoconstituição, pelo qual o ser humano assume sua tarefa fundamental de exprimir-se a si mesmo. Características fundamentais do ser humano como pessoa. Pessoa > não pode ser um conjunto abstrato de propriedade como consciência, autonomia, comunicação. Do contrário, se poderia perguntar se é preciso respeitar o ser humano, porque é consciente, autônomo, relacional, ou porque é pessoa. Se é o segundo, então a obrigação primeira é de respeitar o ser humano, enquanto ser humano. Se é o primeiro, deve-se respeitar a consciência e não precisamos respeitar quem não tem consciência. Esta pequena reflexão
mostra a importância de esclarecer a questão das características que tornam alguém pessoa e, portanto, possuidor de dignidade humana.