Escola, a gestão do pedagógico e o trabalho de professores



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Transcrição:

Escola, a gestão do pedagógico e o trabalho de professores Resumo 101 O texto constitui-se na sistematização de uma pesquisa bibliográfica realizada com a intenção de aprofundar argumentos relativos à prática da gestão do pedagógico e sua relação com o trabalho de professoras e professores na escola. Argumenta-se a partir do pressuposto que a gestão da educação e da escola é, por excelência, gestão do pedagógico, porque inclui esforços coletivos e democratizantes que visam a garantir não só o planejamento e a realização do projeto pedagógico, mas as crenças, os fazeres, os estudos e todas as atividades que resultam na aula e na produção do conhecimento. Para defender esse argumento, caracterizo a escola como um espaço-tempo de participação e interações, os professores como trabalhadores da educação, a gestão do pedagógico como uma prática coletiva, cujo objetivo, em primeiro lugar, é organizar os esforços para a produção do conhecimento de estudantes e professores, no evento denominado aula, um espaço-tempo para a produção do conhecimento. Palavras-chave: Gestão; Pedagógico; Professores. Abstract Liliana Soares Ferreira The text consists in the systematization of a bibliographical research carried through with the intention to deepen relative arguments to practical of the management of pedagogical and its relation with the work of teachers and professors in the school. It argues from estimated that the management of the education and the school is, par excellence, management of pedagogical, because it includes collective and democratizantes efforts that they aim at to not only guarantee the planning and the accomplishment of the pedagogical project, but the beliefs to make, them, the studies and all the activities that result in the lesson and the production of the knowledge. To defend this argument, I characterize the school as a space-time of participation and interactions, the professors as diligent of the education, the management of the

102 pedagogical one as one practical collective one, whose objective, in first place, is to organize the efforts for the production of the knowledge of students and professors, in the called event lesson, a space-time for the production of the knowledge. Key-words: Management; Pedagogical; Teacher. INTRODUÇÃO Neste artigo procedo à sistematização de alguns argumentos com os quais venho organizando meu discurso em aula e em outras atividades, nas quais me proponho a refletir sobre as práticas pedagógicas na instituição escolar. Sistematização é entendida no sentido de produzir o conhecimento, utilizando a linguagem como meio. Sistematização crítica porque entendo ser possível, uma vez entendidas as situações, por processos hermenêuticos, elaborar significados, esses sentidos mais estáveis, sobre elas. Portanto, trata-se aqui de um artigo embasado em pesquisa bibliográfica, na prática como professora de futuros professores em cursos de graduação, pós-graduação em educação e em projetos de pesquisa que estou desenvolvendo, há muitos anos, sobre essas temáticas. A intenção inicial da pesquisa foi buscar maiores subsídios para dar continuidade ao entendimento do trabalho de professores na escola. A esse trabalho denomino gestão do pedagógico, um processo que envolve todos, mas consubstancia-se na aula, espaço-tempo do trabalho dos profissionais da educação. Utilizo a expressão espaço-tempo, porque entendo que as relações sociais são produzidas em um tempo e em um ambiente que são indissociáveis, interpenetram-se, de tal forma que alterações em um deles determinam, inexoravelmente, alterações no outro. Portanto, não estabeleço uma relação de dualidade ou indiferenciação entre o espaço e o tempo: todo espaço é um tempo, todo tempo implica um espaço, não se indissociam, antes, imbricam-se na busca de entenderem-se. Para encaminhar minha busca, escolhi a pesquisa bibliográfica, por entendê-la como uma ação intencional, motivada por um problema, realizada com base em uma perspectiva teóricometodológica. Entendo que coletar dados através de pesquisa bibliográfica, implica planejamento que inclui delimitação de autores,

103 obras e procedimentos de leitura e registro de argumentos, os quais não somente possibilitam maior adentramento no tema como poderão validar, posteriormente, os argumentos elaborados, sob a forma de argumento de autoridade. No caso deste trabalho, elaborei um problema inicial utilizado como base para o planejamento, o estudo e a sistematização: como são entendidos o trabalho de professores e a gestão do pedagógico no espaço-tempo das escolas? Prefiro utilizar a expressão gestão do pedagógico pela complexidade com que tenho caracterizado o pedagógico, não se restringindo a apenas uma ação de gestores quando se permitem envidar esforços para a elaboração, por exemplo, do projeto pedagógico da escola. Não entendo, assim, ser possível usar gestão pedagógica como sinônimo de gestão do pedagógico. Nessa, estou implicitando o trabalho dos professores como componente relativo à complexidade que faz a escola ser escola, a qual tenho chamado de pedagógico. Aquela, a meu ver, assenta-se na ação dos gestores ao dedicaremse a atividades pedagógicas. Meu pressuposto básico é que toda a escola, por mais assistemáticas que sejam as relações em seu ambiente, produz a gestão do pedagógico, mesmo que o processo de gestão da escola em suas intencionalidades não esteja claro, ou mesmo, não seja de caráter democratizante. Quero dizer: muitas vezes, na escola, não há explicitação das intencionalidades que orientam o projeto de gestão, entretanto, ainda assim, mesmo de modo irrefletido há uma gestão do pedagógico, porque os professores estão produzindo um trabalho (ou uma resistência ao trabalho), estão produzindo aula e produzindo ou não conhecimento. Refiro-me sempre à gestão, entendendo-a democrática e democratizante, pois necessita propiciar a participação efetiva, a autonomia, a prática cidadã de todos, de modo educativo, visando a uma maior inserção em outras esferas sociais. Para aprofundar essas concepções, considero importante destacar a interessante diferenciação que Luce e Medeiros, 2006, apresentam entre gestão democrática da educação e a democratização da educação. Afirmam que a gestão democrática da educação: (...) está associada ao estabelecimento de mecanismos institucionais e à organização de ações que desencadeiem processos de participação social: na formulação de políticas educacionais; na determinação de objetivos e fins da educação; no planejamento; nas tomadas de decisão; na definição sobre alocação de recursos e necessidades de investimento; na execução

104 das deliberações; nos momentos de avaliação. (2006, p.18) São processos participativos e envolvem o mais possível os sujeitos, tanto no âmbito do sistema de ensino quanto no âmbito escolar (LUCE, MEDEIROS, 2006, p. 19). Esta é em si a tônica predominante nos discursos em prol da gestão democrática: como efetivo processo de participação, de envolvimento e conseqüente compromisso com a educação. A democratização da educação está mais associada à democratização do acesso e a estratégias globais que garantam a continuidade dos estudos, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a população (LUCE, MEDEIROS, 2006, p. 19), considerando também a qualidade social da educação. Os dois processos são representativos do que vem sendo bandeira de lutas nos espaços educacionais: a participação e a descentralização. Esta última é entendida pelo Estado, com características neoliberais, como isenção de provimento, apoio à educação, enquanto para a comunidade, de um modo geral, significa não estar demasiadamente fixado a ditames em âmbito nacional que não considerem as culturas, fazeres, saberes e características locais. Desse modo, acirra-se a evidência de um estado que se desresponsabiliza, como provedor da educação pública, que deveria ser gratuita e produtiva, além de obstaculizar os processos de democratização de processos e mesmo do acesso e permanência de todos na escola. Tanto a gestão democrática da escola, como a democratização da educação e do pedagógico, implica sempre no trabalho dos professores, entendidos como sujeitos da ação pedagógica, sobretudo, na aula, evento onde se dá a produção do conhecimento dos sujeitos, objetivo do trabalho realizado pelos professores. Entendo por produção do conhecimento, a apropriação individual de um saber. De certo modo, recorro a Vigotski (1996) ao fazer esta afirmação. Todas as pessoas denotam saberes, oriundos de sua historicidade, de sua cultura, de sua vida, enfim. Ao interagirem em aula, através da linguagem, apropriam-se dos saberes, tornandoos, por complexos processos cognitivos, conhecimentos, porque, de alguma forma, havia uma demanda de conhecer. Produzir, então, não quer dizer, nesta perspectiva, inventar o conhecimento, mas tornálo seu, conhecer. Do mesmo modo, utilizo a palavra professores sem fazer distinção de gênero, embora acredite que as relações de gêneros são fundamentais na compreensão do trabalho dos professores, pois ser mulher ou ser homem em si já atribui um lugar social, historicamente constituído aos profissionais.

105 Em termos de opções teórico-metodológicas, proponho pensar o trabalho como uma atividade sócio-histórica, na qual os seres humanos produzem não somente suas condições materiais de vida, mas estabelecem relações sociais e dimensionam sua trajetória. Assim, utilizarei como suporte teórico-metodológico a obra de Marx (1968), tendo-a como base para configurar a prática de trabalho dos professores, elaborando outros sentidos, conforme leitura, ampliando argumentos, contrapondo-os ou até mesmo refutando-os. Deste modo, organizei a pesquisa em estudos preliminares, procedi à elaboração das categorias com as quais imaginava trabalhar inicialmente: escola, trabalho, gestão do pedagógico, escrevi a primeira versão do texto, retomei as referências, aprofundei argumentos considerados frágeis e procedi à re-escrita. Por isso, como afirmei, os aportes teórico-metodológico os estudos da obra de Marx apresentam-se neste artigo como pano de fundo, gerando movimentos de sentidos e interlocuções com autores que partilham um entendimento (entre os muitos existentes e, considerando-se que nenhum entendimento da obra marxista foi autorizado por seu autor, portanto, são leituras possíveis) da obra marxista como [...] filosofia crítica, uma filosofia de práxis, mais virada para a construção de uma visão libertadora e emancipadora do mundo[...] (SOUSA E SANTOS, 1996, p. 26). Destaco ainda, em caráter de introdução, que os argumentos estão organizando o texto em dois momentos (interligados e interdependentes), a partir dos quais passo a articular as considerações finais: a) a escola, como espaço-tempo da produção do conhecimento e do trabalho de professoras e professores; b) a gestão do pedagógico, como atividade protagonizada por todos na escola, desde que haja condições de democratização dos processos, incluindo desafios e possibilidades para a gestão do pedagógico como prática emancipadora dos sujeitos da escola, entre eles, os professores. A emancipação acontecerá em face da retomada dos sentidos das práticas pedagógicas pelos sujeitos, desvelando os sentidos atribuídos a essas práticas pelas políticas públicas, entendendo que o pedagógico é próprio espaço-tempo de relações de poderes cotidianamente vividas na escola, portanto, perpassado por intencionalidades e sem neutralidade, posto que exige dos sujeitos decisões e imbricamento nos discursos, nas atividades, estes também políticos sempre porque resultado de intencionalidades. Assim, no texto, segue estas duas etapas a proposição de considerações finais que talvez devessem ser entendidas como o começo de novas indagações. Vale ratificar que acredito ser impossibilitada a evidência

106 de neutralidade no espaço pedagógico, pois, como já destaquei, considero-o eminentemente político, pois considero que a Pedagogia é a ciência do conhecimento e, nessa perspectiva, concordo com Marques, quando afirma haver três planos constitutivos da unidade da educação entendida como objeto da ciência Pedagogia: [...] o plano da racionalidade cognitivo-instrumental que permite uma intervenção praxeológica nos fenômenos da educação; b) o plano hermenêutico da interpretação dos sentidos de um determinado contexto sociocultural; c) o plano crítico do sentido radical da emancipação humana, como horizonte de potencialidades abertas à transcendência exigida pela historicidade da liberdade. (1996, p. 57) Segundo Marques (1996), cada uma dessas dimensões tem suas próprias peculiaridades que, longe de serem excludentes, interpenetram-se. A dimensão hermenêutica diz respeito à possibilidade de desvendar diacrônica e sincronicamente a educação, buscando a compreensão das práticas pedagógicas e dos conhecimentos, bem como das intenções que os geraram. Procura definir o espaço da aula, as relações que o constituem, tendo como base a dialogicidade, a interação. Enfim, é vislumbrar o que acontece com vistas à reconstrução capaz de atender às propostas necessárias ao presente, surgidas a partir da análise da ação. Ao mesmo tempo, a dimensão crítico-reflexiva é a possibilidade, através da interação, da crença na liberdade dos sujeitos para manifestarem-se e decidirem sobre si próprios, poderem optar pelo argumento mais coerente em uma discussão. É o apostar no sujeito como capaz de decidir a respeito do encaminhamento do processo pedagógico. A dimensão instrumental refere-se à prática pedagógica, o seu caráter de pressupor interação, associando métodos, procedimentos, conhecimentos técnicos-profissionais à consecução do processo de educação. Porém, reitero que é necessária democratização da gestão da educação em todos os níveis do sistema de ensino, de forma a garantir inter-relação e possibilidade de crescimento evidenciada nos espaços da aula, cuja finalidade será a educação para a prática cidadã. É com base nesses supostos a argumentação apresentada a seguir.

ESCOLA: ESPAÇO-TEMPO DO TRABALHO DE PROFESSORES 107 Refiro-me à escola, pensada em acordo com os tempos atuais. Sabe-se que é uma época de transformações contínuas, ocasionadas pelos avanços tecnológicos, pela busca de uma economia globalizada e pelas mudanças culturais. Resultam desta configuração, sobretudo após o neoliberalismo, orientações sociais que apontam o capital como elemento central e centralizador na determinação os rumos educacionais. Embasada em Antunes, considero o capitalismo e o capital diferenciados. Este, segundo o autor, antecede o capitalismo e é a ele também posterior. O capitalismo é uma das formas possíveis da realização do capital, uma de suas variantes históricas, presente na fase caracterizada pela generalização da subsunção real do trabalho ao capital (ANTUNES, 2005, p. 23, nota de rodapé). A educação passa a ser instrumento para auxiliar, de um lado, na maior exploração do trabalhador, de outro, para qualificar as relações entre tecnologia e desenvolvimento social contínuo. Quanto ao primeiro aspecto, a Educação Básica e, sobretudo, os cursos do chamado Ensino Técnico-profissionalizante (que, em sua forma mais apolítica, está cada vez mais em voga no país) são os meios para garantir que o trabalhador se constitua trabalhador de forma obrigatória, superficial e competente, como serão os produtos por ele fabricados, na esteira do processo de qualidade (inclusive ainda qualidade total, concepção que predominou nas décadas de 1980 e 1990, nas empresas e em alguns espaços educacionais). Há uma espécie de superfluidade a gerenciar esse processo, pois sempre se poderá recorrer a processos contínuos de educação. Corrobora para a efetividade destas características os processos de gestão da educação centrados na excelência, qualidade e rapidez, além de vários processos de educação à distância, vistos por muitos como uma maneira barata, rápida e abrangente de educação. Quanto à educação à distância, especificamente, esperase, em maior escala, haja a alfabetização tecnológica que garantirá acesso e ampliação da tecnologia, entendida como um bem, um valor capaz de qualificar social e culturalmente um povo. Reitero este aspecto por saber que nem toda tecnologia é salutar. A maior parte dos avanços tecnológicos incidiu sobre perdas ambientais ou mesmo perda de potencialidades de vida humana, hoje tidas como irrecuperáveis. Obviamente, quando crio possibilidades, aqui me refiro a projetos conseqüentes e muito bem planejados de

108 educação à distância, desenvolvidos em locais com infra-estrutura e atendimento adequados e primando pela qualidade do aprender. Em um tempo assim, faz-se necessária uma escola capaz de acompanhar as transformações e propor uma vida emancipada e em acordo com valores e princípios que privilegiam a ética e prática cidadã. Para Mészáros, o grande objetivo da escola seria contribuir para o rompimento da lógica do capital no interesse da sobrevivência humana (2005, p. 45). Neste rumo de argumentação, superando a sujeição ao habitus, o autor aponta o papel da educação: (...) tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente. (MÉSZÁROS, 2005, p. 65) Penso ser prudente não entender a concepção de habitus 1 como elemento de uma estrutura fixa ou imutável. Se as instituições se modificam, devido ao processo de gestão, a historicidade se produz diferenciadamente, também o habitus sofre alterações. Os professores, que, em uma perspectiva democrática de gestão, participam das decisões, embora reproduzam um habitus, podem ser sujeitos de um novo sentido dele, pois produzem conhecimento. Este, o conhecimento, na história da humanidade, foi visto como um bem escasso, raro, capaz de transformar o natural e o social, levar ao progresso. Também o conhecimento dos professores foi visto como diferente, incluso no habitus, determinando a identidade 2 e o lugar do profissional da educação. É o trabalho dos professores a produção do conhecimento, seu e dos estudantes. Ao realizá-lo, transforma-se e atribui renovados e novos sentidos à sua cultura profissional. Por esses motivos, optei por não utilizar concepções paradigmáticas clássicas que atrelam a instituição escolar à teoria deste ou daquele autor. Trabalho com uma apresentação genérica de escola, independentemente de estar classificada como escola pública, comunitária, privada. Procuro pensar na escola real, na qual vivo e convivo. Uma escola com suas contradições, com suas crenças, ainda que nem sempre resultantes de reflexões coletivas, para a qual os professores contribuem com seu trabalho, diariamente, ou seja, pensar na escola em sua dinâmica de relações e ações, produto das opções da comunidade escolar e dos processos de gestão. É uma forma de fazer leitura do real, com base nas percepções elaboradas

109 em todos estes anos de trajetória como professora e ampliadas através das leituras e estudos feitos. Assim, apresento uma concepção de escola: espaço para o encontro, a socialização de saberes e a produção de conhecimentos. Neste espaço-tempo, cotidianamente, encontramse pessoas, trazendo consigo seus saberes, alegrias, subjetividades e interagindo, partilhando e ressignificando saberes e produzindo conhecimentos com outras pessoas, que também têm seus modos de agir e pensar. A escola é, portanto, vida, encontro entre cidadãos advindos de culturas plurais tendo, como se supõe, em comum uma intencionalidade: produzir conhecimentos. Em suma, é o espaço da convivência e da produção da cultura. Nessa perspectiva, o desafio ético da escola é tornar-se compreensível por todos, o que revela (e acaba por exigir) uma opção política que está na constituição dos espaços de aula. Somamse, no espaço escolar, os saberes trazidos pelos sujeitos, a prática da linguagem 3, o desejo de aprender. É por isso que a escola precisa superar seus limites: deixar de ser um espaço restritivo e tornar-se um espaço libertador, possibilitando, assim, condições de partilhar saberes, produzir conhecimentos e história. Reitero que é nesse espaço-tempo que acontece o trabalho de professoras e professores: a produção da aula e a produção de conhecimentos. O trabalho é, com efeito, uma das ações dos seres humanos, caracterizando-o como tal e propiciando a interação humana com o ambiente. Trabalhar é uma atividade através da qual o ser humano encontra um lugar social e, nele, se sente pertencendo. O trabalho como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem qualquer que sejam as formas de sociedade, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre homem e natureza e, portanto, de manter a vida humana. (MARX, 1968, p. 50) Penso que o que faz a importância do trabalho na vida humana não é somente o fato de ser a maneira de interferir na natureza, gerando o necessário para sua existência. Inclui também a possibilidade de, através do trabalho, o ser humano se autoproduzir, tornar-se cada vez mais humano, entender-se e ampliar suas possibilidades. No trabalho cotidiano, os professores vão aprendendo a ser professores. Neste contexto, os aprenderes são variados, incluindo aprender a pensar a profissão, o que implica

110 transcender ao dado, ao pronto, sem ater-se à reprodução tãosomente. Assim, vai elaborando a aula, sua efetiva criação. A aula é uma ação por meio da linguagem, em relação aos outros, implicando em aspectos decisivos: o tom de voz, a seleção das palavras, das linguagens, a lógica, a argumentação, o olhar, entre tantos outros aspectos. Principia e evolui em torno de saberes organizados em discurso, amalgamando historicidade e subjetividade para produzir conhecimentos. Enfim, a aula é um espaço tempo para diálogo entre seres, entre saberes, oportunizando a superação da transmissão, buscando a criticidade, a criação, em processos individuais e coletivos, dialeticamente possibilitados. Desse modo, estabeleço uma primeira configuração do trabalho dos professores: uma ação humana em relação à natureza humana, ao desejo humano de aprender, de descobrir, de interferir no meio onde vive. Esses profissionais da educação são sujeitos que avaliam, planejam, produzem, participam nesse processo, promovendo espaços e oportunidades para que os estudantes possam produzir conhecimentos, tendo como ambiente a linguagem. É uma ação, cuja centralidade, a produção de conhecimentos, o distingue dos demais trabalhos, pois lhe atribui uma subjetividade maior. A subjetividade é o elemento desestabilizador e exige dos trabalhadores saberem quem são, como são, como trabalham e como chegam a um resultado. Questões diárias, nem sempre geradoras de respostas e, muitas vezes, geradoras de novas questões. O fato de a reflexão ser um fator determinante faz com que os professores sintam-se compelidos a não somente realizar seu trabalho, mas refletir sobre ele e renová-lo cotidianamente. Por isto, o pensar e o agir em si são itens imprescindíveis ao vislumbrar o trabalho em educação. A GESTÃO DO PEDAGÓGICO NA ESCOLA Ao refletir-se sobre a concepção de escola, acaba-se, inevitavelmente, definindo conhecimento, aula, prática pedagógica. Estes elementos, imbricados, constituem a gestão do pedagógico na escola e são reveladores das crenças pedagógicas da instituição. Estas crenças são inúmeras e filiam-se a estes ou àqueles teóricos, muitas vezes, até, apresentando-se híbridas. Constituem-se no ambiente cultural daquela instituição, em acordo com aqueles sujeitos e suas práticas. Reitero que entendo a gestão pedagógica como a gestão por excelência da escola. Ao pensar sobre as práticas pedagógicas,

111 o Projeto Pedagógico da escola, os sujeitos da comunidade escolar estão sintetizando suas crenças, projetando seu futuro em consonância com a avaliação do passado e presente. Embora seja corrente o uso da expressão Projeto Político-Pedagógico, tenho utilizado somente Projeto Pedagógico por acreditar que a Pedagogia, ciência da educação, é essencialmente política e toda opção pedagógica é, em si, política. Por isto concordo com Veiga, 1995: todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sócio político com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação de cidadão para um tipo de sociedade. Nessa perspectiva, o Projeto Pedagógico constituise em atividade coletiva, porque considera as características socioeconômicas e culturais daquela comunidade. Portanto, inserese em uma característica gestão democrática da educação e da escola. A gestão pedagógica é apresentada, por alguns autores (LIBÂNEO & OLIVEIRA & TOSCHI, 2006, p. 369), como uma das dimensões da gestão da educação e da escola. Entretanto, entendo-a como a gestão da educação e da escola por excelência, pois incide sobre a característica peculiar da instituição escolar: a prática pedagógica. A gestão do pedagógico é mais do que o planejamento, a elaboração do Projeto Pedagógico da instituição. Inclui todas as práticas pedagógicas, as crenças, os estudos, os planejamentos, enfim, todas as ações que resultam na atividade central da escola: a aula e na atividade básica dos professores: a produção do conhecimento sua e dos estudantes. Não é, portanto, atividade individual. Ao contrário, é coletiva, pois exige diálogo, participação, implicação, atitude, comprometimento, ação. Essas exigências contribuem para que os professores estejam em processos de referência e auto-referência, entendendo-se como coletividade, porque uma ação implicará nas ações dos outros e isso vale até mesmo para as resistências, serão sempre implicadas nas resistências dos demais integrantes da escola. Observando as escolas no entorno da Universidade onde trabalho, conversando os professores nas escolas e com futuras professoras, futuros professores nos cursos de graduação e pósgraduação, passei a pensar que, de modo geral, os professores, os gestores e os demais sujeitos da escola estão em contínua busca de uma escola diferente, em acordo com um projeto de efetiva gestão do pedagógico, no modo como a descrevi. Que escola seria esta? Entendo em seus discursos um apelo por uma construção coletiva, um espaço para a participação de todos, onde professores e

112 estudantes constituam-se sujeitos, eternos aprendizes, produzindo conhecimentos provisórios, fruto do consenso, do diálogo, das diferenças. Uma escola inclusiva por excelência, onde se pratique a cidadania como ação contínua, a liberdade, a autonomia, a crítica, o respeito às diversidades como valor, com práticas sistematizadas, porém criativas. Uma escola que priorize a constituição contínua do sujeito, seja espaço para o encontro entre diferentes historicidades e propicie o confronto comunicativo, permitindo a ressignificação dos saberes, inclusive o científico. Um espaço que não privilegie o mero repasse de informação, que perceba a linguagem como fator de reconhecimento e valorização dos indivíduos em sua singularidade, comunicando e consensando saberes. Uma escola voltada para o desenvolvimento humano, o que exige educação centrada na produção do conhecimento em diferentes situações e possibilidade de o sujeito se fazer sujeito e, assim, produzir, coletivamente, historicidades). Essas aspirações encerram uma proposta em acordo com uma época exigente de funções especializadas, agilidade nas ações e nos pensamentos, crítica e iniciativa em relação às estruturas. A essa escola cabe a crítica e o questionamento do conhecer. Ressaltase que, em um ambiente assim, não pode haver estranhamentos, elisões. O processo de singularização dos sujeitos dá-se a partir, sobretudo, das diferenças significadas, permitindo a liberdade de querer e de decidir aonde ir, o que pensar, pesquisar. Em suma, as escolhas das possibilidades na infinidade de caminhos que ora se apresentam. Um dos elementos mais difíceis nesta perspectiva é significar a cultura no tempo e no espaço da escola, tornando-a não um conteúdo, mas uma vivência. O tempo é uma categoria abstrata, subjetiva e atém-se às relações e às percepções, embora seja medível. Associado ao espaço, constitui-se, produz-se a partir das demandas das relações sociais, é instituinte 4 na comunidade escolar. Pensando assim, elimina-se a idéia de que há um só tempo, um só espaço para todas as escolas. Ao contrário, a escola precisa ser vista como um espaço de produção de saberes, cuja eficiência está justamente no tempo disponibilizado. Um ano letivo assim concebido deixa de ser duzentos dias e oitocentas horas e passa a ser tempo e espaço para a discussão, a interlocução, a produção, para ações solidárias e comunitárias, para a prática da cidadania, objetivo final de uma escola em acordo com as demandas destes tempos. Por fim, uma escola assim dispõe-se à constante avaliação, verificação das práticas docentes e discentes, verificação da práxis, percepção do social criticamente, prevendo o engajamento em

113 ações sociais, produção de saberes e mudanças. Estes quesitos parecem ser indicativos de uma aspiração e, quem sabe, do encaminhamento da gestão do pedagógico nestes espaços-tempos. Para tanto, confluem não só as aspirações, mas diversos elementos constituintes do cotidiano histórico-cultural onde se encontram estas instituições e seus sujeitos. Esses sujeitos são muitos, mas na aula, espaço escolar cuja atividade básica é a produção do conhecimento, representam-se sob a forma de professores e estudantes. Os professores são sujeitos, assim como os estudantes, e produzem conhecimento também na aula, onde praticam a pesquisa, tematizando, problematizando. Por isso, se afirma que os professores são passagem, o que exige haver um imaginário, o simbólico que os sustentem: simbólico do conhecimento, do componente curricular que trabalham para, assim fortalecidos poderem promover o resgate do amor, pois mesmo que se propicie algum amor pela aula, ainda permanece o árduo: o trabalho intelectual. Então, constituir-se professora, professor é viver a práxis pedagógica, re-elaborando em contínuo, sendo a pedagoga, o pedagogo da aula; considerando em todo o seu trabalho os interesses articulados à vida social, cultural e às formas de produção da existência, alimentado por teorias que os pensamentos sobre educação associados à época e à forma de conceber o social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho necessita continuar e ser aprofundado, pois até aqui, percebi o quão imbricados estão os pressupostos que orientam o trabalho dos professores na escola e a gestão do pedagógico. Ratifico que penso que o pedagógico na escola é, em suma, resultante do trabalho dos sujeitos da comunidade e consolida-se na aula, na produção do conhecimento. Desse modo, pensar a escola com base na perspectiva da gestão do pedagógico conforme venho defendendo significa iniciar um processo de recomposição da natureza da educação: a produção de conhecimentos com vistas à emancipação. Para tanto, faz-se necessário um amplo projeto de gestão do pedagógico, implicando desde essa compreensão aqui apresentada, em uma perspectiva democrática, passando pela elaboração em processos compartilhados do projeto pedagógico até uma ação pedagógica sob a forma de aula como espaço tempo da socialização de saberes e produção de conhecimentos até as organizações no entorno da

114 escola e envolvendo a comunidade. Estar-se-ia, nesse movimento, iniciando a reconstituição do social, a partir da escola, com o objetivo de reconfigurar as instituições. Somente assim chegar-se-ia a uma efetiva condição social do projeto educativo: educação para todos com qualidade e visando à emancipação. Entendo por emancipação as capacidades que cada sujeito, mediante suas relações sóciohistóricas, pode dispor para qualificar sua vida, produzir trabalho e escolher, inserindo-se paulatinamente, como cidadão, em seu meio e em sua cultura. Nesse sentido, também, trabalhar-se-á com vistas à produção de conhecimentos que são mais que o simples domínio de saberes da área de trabalho, implicam na análise, reflexão, síntese de conhecimentos dos mundos da experiência e da ciência. Em decorrência, estarão se desenvolvendo as condições técnicoinstrumentais, hermenêuticas e crítico-reflexivas de ação nos processos de educação dos professores (já referendadas, segundo Marques, 1996), tendo a linguagem como meio. Penso, ainda, que é necessário continuar refletindo sobre a gestão do pedagógico, não como uma das dimensões da gestão escolar ou da educação, mas como a própria gestão, pois é o pedagógico que articula este complexo processo. Isto demanda pensar-se diferentemente sobre a ação dos gestores, suas características e, principalmente, pensar-se sobre o lugar que é dado e que as próprias professoras e professores se dão no processo de gestão do pedagógico. Talvez este seja o viés para se pensar mais sobre gestão democrática e democratizante da educação e da escola, nos espaços escolares e com os sujeitos que lá trabalham, e não fora deles e nem os excluindo. Notas 1. Expressão utilizada a partir da obra de Bourdieu e Passeron (1982). Nela, os autores designaram habitus como a soma das percepções, das concepções, das ações que estruturam as pessoas, alterandose conforme acontece a acomodação diante dos desafios impostos cotidianamente. 2.Apresento, neste texto, a identidade como uma espécie de superposição de papéis que se acaba reproduzindo ou porque é exigido, ou porque se escolhe, pelo desejo de assim ser, de tal forma que se passa a incorporá-los. Entretanto, temo o entendimento de identidade como prontidão, estágio de não mais se preocupar com o vir-a-ser. 3. Utilizo, em todo o texto, a concepção de linguagem como ambiente onde se dá a prática hermenêutica, com base em Gadamer, 1988.

Referências Bibliográficas 115 4. Em referência a Castoriadis que afirmou existirem duas dimensões da sociedade: o instituído e o instituinte. A sociedade só é como instituinte e instituída e que a instituição é inconcebível sem significação. (...) A instituição da sociedade é instituição do fazer social e do representar / dizer social. (1982, p. 405) ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 7ª reimpressão. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. (Coleção Mundo do Trabalho) BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A. 1982. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. GADAMER, Hans-Georg. Verdad Y Método Fundamentos de una hermenéutica filosófica. 3ª edición. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1988. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, José Ferreira de; TOSCHI Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 3ª ed., São Paulo: Cortez Editora, 2006. LUCE, Maria Beatriz; MEDEIROS, Isabel L. P. de. Gestão escolar democrática: concepções e vivências. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2006. MARQUES, Mario O. Educação / interlocução, aprendizagem / reconstrução de saberes. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1996. MARX, Karl. O capital. O processo de produção capitalista. Rio de Janeiro: Editora Civilização 99 Brasileira, 1968. Vol. 1. Tomo 1. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. SANTOS, Boaventura Sousa e. Pela mão de Alice o social e o político na pós-modernidade. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora. 1996. VEIGA, Ilma Passos A. Projeto Político-Pedagógico da Escola uma

116 construção possível. São Paulo: Papirus, 1995 (Coleção Formação e Trabalho Pedagógico). VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Sobre a autora Recebido em: 14/10/2008 Aceito em: 10/01/2009 Liliana Soares Ferreira Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). e-mail: anaililferreira@yahoo.com.br