EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: IMPLICAÇÕES NO ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO

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Transcrição:

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: IMPLICAÇÕES NO ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO Desde a década de 1960 que o ensino de Ciências tem como um de seus objetivos a formação para a cidadania. Considerando a realidade educacional atual, de expansão do acesso e permanência na escola, torna-se fundamental que esta disciplina também se adeque às exigências da Lei 10.639/2003, no sentido de relacionar os conteúdos abordados à temática da cultura africana e afrobrasileira, tornado a disciplina mais significativa para o público que frequenta a escola, principalmente a pública, que é majoritariamente negro, e também colaborar com o combate ao racismo. Neste estudo procuramos identificar se e como os professores de Ciências e Biologia estão abordando questões étnicoraciais em suas aulas. Os dados nos permitem dizer que os professores ainda possuem dificuldades para trabalhar com este tema, o que indica a necessidade de sua inclusão nos processos de formação inicial e continuada de professores, além de incremento das pesquisas na área. Palavras-chaves: Questões étnico-raciais; Educação em Ciências; Professores de Ciências. Bárbara Cristina Morelli Costa de Souza 1 Ana Cléa Moreira Ayres 2 Introdução O Brasil tem avançado enormemente em termos de acesso à escolarização, contando com mais de 50 milhões de estudantes nos variados sistemas, níveis e modalidades de ensino, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2013 (INEP, 2014). Porém, muito ainda tem para avançar em termos de qualidade e equidade da educação, principalmente quando focamos na questão da valorização das diferenças culturais e étnico-raciais que, ainda hoje são fatores fortemente relacionados com as desigualdades, não somente na escola, mas em vários outros âmbitos da sociedade. Conforme aponta o Plano Nacional de Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana, Uma das mais importantes marcas dessa desigualdade está expressa no aspecto racial. Estudos realizados no campo das relações raciais e educação explicitam em suas séries históricas que a população afro-descendente está entre aquelas que mais enfrentam cotidianamente as diferentes facetas do preconceito, do racismo e da discriminação que marcam, nem sempre silenciosamente, a sociedade brasileira. (BRASIL, 2009, p. 13). 1 Graduada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) barbara-uerj@hotmail.com 2 Professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ayres.ana@gmail.com 1

A Lei 10.639/2003 - que torna obrigatória a inclusão de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica - é considerada um ponto de partida para superar estes desafios, propiciando aos sistemas de ensino a possibilidade e obrigatoriedade de promover relações étnico-raciais positivas e, desta forma, contribuir para o combate ao racismo tão presente na sociedade brasileira. Apesar de a referida lei mencionar algumas disciplinas como especialmente propícias para enfocar essa temática - Educação Artística, Literatura e História, indica também que esta deve estar presente em todo o currículo. Assim, cabe refletir sobre o papel de cada um dos componentes curriculares no enfrentamento das questões étnico-raciais e buscarmos formas de abordá-las nas diferentes disciplinas escolares. As disciplinas do campo das Ciências Naturais devem ser questionadas e desafiadas a contribuir neste processo. Neste sentido, nosso trabalho se baseia no seguinte questionamento: os professores de Ciências têm trabalhado o respeito às diferenças e, com isso, as questões étnico-raciais em sala de aula? Partindo deste questionamento, colocamos como objetivos: investigar, a partir da Lei n. 10.639/2003, se os professores de ciências têm trabalhado as questões étnico-raciais em sala de aula; compreender como se dá a incorporação desta temática no currículo escolar e diagnosticar quais são as maiores dificuldades que estes enfrentam para trabalhar tais conteúdos. Contribuir com a formação para a cidadania é uma finalidade presente no ensino de Ciências desde a década de 1960 (KRASILCHIK, 1988). Compreender que a formação para a cidadania passa necessariamente pela construção de relações étnico-raciais éticas torna-se a cada dia mais urgente. Como aponta Silva (2007, p. 490): A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, ver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnicoraciais e sociais. Diante disso, reconhecer a importância da educação das relações étnicoraciais no ensino de Ciências, significa buscar a valorização da cultura negra e mudanças de atitudes, posturas e valores nas práticas educacionais deste campo. 2

Procedimentos metodológicos Realizamos um estudo exploratório, com uma abordagem quanti-qualitativa, pois assim conseguiríamos nos aproximar do objeto de estudo ainda pouco explorado no campo da Educação em Ciências. A pesquisa foi realizada com professores de Ciências, do ensino fundamental, e Biologia, do ensino médio, das redes pública e privada no Estado do Rio de Janeiro. A coleta de dados foi realizada através de questionário com um total de 17 questões, sendo 4 abertas, 5 de múltipla escolha e 8 fechadas. Os dados foram coletados entre os meses de junho de 2013 e janeiro de 2014. Foram enviados 65 questionários para os professores, via internet, porém apenas 13 os devolveram. Também foram visitadas 6 escolas, sendo 2 particulares e 4 públicas, nas quais obtivemos mais 7 questionários, totalizando, assim, 20 questionários respondidos. Resultados e Discussão Conhecimento sobre a Lei n 10.639/03 Entre os professores pesquisados, nove conheciam a Lei n 10.639/03, cinco já ouviram falar e seis a desconheciam. Pudemos constatar, então, que a maior parte dos docentes pesquisados tem algum conhecimento acerca da lei. Porém, apenas três deles afirmaram ter participado de cursos ou palestras que abordavam as questões étnico-raciais. Estas atividades, segundo eles, foram organizadas pelas secretarias de educação na qual trabalham, pela Vara da Infância da cidade onde atuam e também pela universidade. De acordo com Borges (2010), além da necessidade da existência de materiais que discutam a História e Cultura afro-brasileira e indígena, é de suma importância e extremamente urgente uma política de formação continuada que capacitem os professores para trabalharem com tais temáticas em sala de aula. Porém, sabemos que estas iniciativas ainda são restritas e, como visto acima, pouquíssimos professores puderam participar de atividades formativas relacionadas ao tema. Acreditamos que este fato possa vir a influenciar o modo como eles veem, 3

tratam e trabalham a discriminação racial e as questões étnico-raciais em sala de aula. Reconhecimento da existência de discriminação racial nas escolas e tratamento dessas ocorrências Dos professores consultados, 12 não reconheceram a existência de discriminação racial em sua escola e 8 reconheceram esta ocorrência. Quatorze professores relataram que as ocorrências de discriminação racial são tratadas pela escola, geralmente através de conversas com os alunos e seus responsáveis ou através de discussões em sala de aula sobre essas questões. Seis professores afirmam que as ocorrências de discriminação racial não são abordadas pela escola. Apesar de apenas 8 professores reconhecerem a ocorrência de discriminação racial nas escolas, 14 deles indicaram formas de atuação das mesmas quando estes casos ocorrem. Isto nos leva a pensar que a existência de racismo é maior do que a indicada pelos professores, já que 70% dos professores pesquisados afirmaram que as ocorrências de discriminação racial são tratadas pela escola, das formas citadas acima. Corroborando com nossa interpretação, Oliveira (2007, p. 258-9) afirma que Não raro, na formação docente, quer seja inicial ou continuada, nos deparamos com profissionais e licenciandos aos quais os referidos conhecimentos foram negados ao longo de sua trajetória escolar o que traz dificuldades para que percebam as evidências do racismo que se prolongam até os nossos dias, provocando a existência das desigualdades raciais. Questões raciais e interesse dos alunos pelo tema Em relação ao interesse dos alunos pelos temas étnico-raciais, 11 professores disseram que não sabiam relatar se havia interesse dos alunos; 7 afirmaram que os alunos não demonstravam interesse pelo tema e apenas 2 responderam que os alunos se interessavam por esta temática. É importante ressaltar que trabalhar as questões étnico-raciais dentro do currículo de Ciências de forma atrativa e interessante para os alunos requer dos professores conhecimento, criatividade, engajamento, tempo disponível e muita 4

pesquisa. Como expomos acima, os professores de Ciências pesquisados ainda não possuem preparação para lidar de forma positiva com a diversidade e com isso desempenhar um trabalho reflexivo em sala de aula, pois faltam oportunidades de formação continuada, materiais apropriados e reconhecimento por parte destes sobre a importância de abordar estas questões com os alunos. Estes fatores talvez expliquem o aparente desinteresse pela temática. Ensino de Ciências e questões étnico-raciais No questionário respondido pelos professores havia uma questão na qual deviam apontar se existem conteúdos de Ciências que permitem trabalhar as questões étnico-raciais, havendo também espaço para exemplificarem tais conteúdos. Todos os professores responderam positivamente à questão e apenas três deles não deram exemplos. Os conteúdos apontados pelos professores estão expostos no Quadro 1. Quadro 1 Resposta dos docentes de Ciências sobre os conteúdos de CiênciasNaturais que permitem trabalhar as questões étnico-raciais Conteúdos N de respostas Genética e Evolução 15 Taxonomia e Biodiversidade 11 Ecologia 10 Sociobiologia e Educação Ambiental 6 Corpo Humano, Fisiologia 5 Ética, Qualidade de vida e Ecossistemas Africanos 3 Não conseguiram identificar conteúdos, mas acreditam que existem possibilidades de abordar o tema 3 De acordo com as respostas obtidas podemos constatar que mesmo o professor não trabalhando as questões étnico-raciais ou a história e cultura africana e afro-brasileira, grande parte deles consegue visualizar conteúdos dentro das Ciências Naturais que podem abordar tais temáticas. Sob esse aspecto Verrangia e Silva (2010) reuniram em cinco grupos as possíveis temáticas e questões que podem ser abordadas em aulas de Ciências e 5

sugerem procedimentos de trabalho e também leituras para aprofundamento do professor. São eles: Impacto das Ciências Naturais na vida social e racismo; Superação de estereótipos, valorização da diversidade e Ciências Naturais; África e seus descendentes e o desenvolvimento científico mundial; Ciências, mídia e relações étnico-raciais; Conhecimentos tradicionais de matriz africana e afrobrasileira e Ciências. Podemos considerar que alguns temas propostos pelos professores do nosso estudo podem se relacionar com o proposto por esses autores, principalmente os que se referem à Genética e Evolução, à Sociobiologia e à ética. Dificuldades para trabalhar as questões étnico-raciais e sugestões para superar os obstáculos Todos os docentes apontaram mais de uma dificuldade para trabalhar as questões étnico-raciais em sala de aula. O quadro 2 sistematiza as respostas: Quadro 2 Dificuldades encontradas pelos docentes de Ciências para trabalhar as questões étnico-raciais Dificuldades N de respostas Falta de informação sobre a história e cultura africana e afrobrasileira 17 Falta de tempo para tratar de temas que estão fora do 17 currículo prescrito Falta de integração entre os professores 16 Falta de interesse por parte da equipe pedagógica da escola e 16 dos alunos Falta de material de apoio 16 Problemas de ordem religiosa 10 Obrigatoriedade em utilizar os livros didáticos 9 Acreditam que as questões étnico-raciais estão mais ligadas à área das Ciências Humanas 3 Todos os profissionais de Ciências também deram mais de uma sugestão para superar as dificuldades, conforme exposto no Quadro 3, a seguir: 6

Quadro 3 - Sugestões para superar as dificuldades em trabalhar as questões étnico-raciais em sala de aula Sugestões N de respostas Planejamento das aulas e tempo mais flexível 18 Projetos pedagógicos interdisciplinares 16 Desenvolvimento de material didático 16 Formação continuada 14 Projetos especiais de conscientização 8 Sair da zona de conforto realizando trabalhos interdisciplinares 3 e que levem os alunos à uma visão mais crítica sobre a ciência O tema é melhor desenvolvido na área de Ciências Humanas 3 Projetos que trabalhem com os alunos as formas de preconceitos existentes na sociedade 2 Os docentes colocam que uma grande dificuldade é a falta de liberdade para ministrar os conteúdos em sala de aula por possuírem um planejamento prescrito com grande quantidade de conteúdo e pouco tempo para desenvolvê-lo. Porém, talvez se estes reconhecessem de fato a importância de trabalhar as questões étnico-raciais em suas aulas e tivessem acesso a cursos e materiais didáticos relacionados ao tema, conseguiriam realizar trabalhos em conjunto com a escola, seja propondo conteúdos novos ou incorporando-as nos conteúdos já tradicionalmente abordados. Considerações finais Nossos dados parecem indicar que ainda não existe um trabalho significativo dos professores de Ciências e Biologia que aborde as questões étnico-raciais. Indicam também que muitos destes professores têm dificuldades para reconhecer o racismo presente no interior da escola, reproduzindo o silenciamento desta questão, que muitas vezes ocorre na sociedade. Sendo assim, podemos perceber que a implementação da Lei 10.639/03 e a preocupação do sistema educacional brasileiro com o Ensino de Ciências voltado para a formação de cidadãos, no que tange a promoção das relações étnico-raciais, ainda estão muito longe das salas de aula e da vida dos nossos alunos. 7

Os professores entrevistados demonstram reconhecer que existem diversos conteúdos presentes nas disciplinas Ciências e Biologia que permitem relacionar seu ensino com questões étnico-raciais e cultura afro-brasileira, tal como indicam os trabalhos de Silva (2009) e Verrangia e Silva (2010). Porém, fatores como volume de conteúdo a ser trabalhado em pouco tempo destinado à disciplina; dificuldades para realização de trabalhos interdisciplinares no interior das escolas; falta de material didático enfocando esta temática e de cursos de capacitação, são apontados como elementos que imponham dificuldade para que esta articulação seja realizada. Isso indica que é muito importante que tanto a formação inicial, quanto a formação continuada dos professores de Ciências problematizem estas questões, procurando despertar o interesse dos professores para que promovam ações em suas práticas que abordem as questões étnico-raciais. Assim talvez possamos avançar no enfrentamento do desafio de promover um ensino de Ciências crítico e antirracista. Referências BORGES, E. M. de. F. A Inclusão da História e da Cultura Afro-brasileira e Indígena nos Currículos da Educação Básica. R. Mest. Hist.,Vassouras, v. 12, n. 1, p. 71-84, jan./jun., 2010. BRASIL.Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e africana. Brasília, 2009. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo Escolar da Educação Básica 2013: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2014. KRASILCHIK, M. Ensino de Ciências e Formação do Cidadão. Em Aberto. Brasília, ano 7, n. 40, out./dez. 1988. OLIVEIRA, I. de. A construção social e histórica do racismo e suas repercussões na educação contemporânea. In:. (Org.). Cadernos PENESB Educação e população negra: contribuições para a educação das relações étnico-raciais. Niterói, Editora da UFF, n. 9, 2007. p. 257-281. 8

SILVA, P. B. G. e. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p. 489-506, set./dez. 2007. SILVA, D. V. C. da.a educação das relações étnico-raciais no ensino de Ciências: diálogos possíveis entre Brasil e Estados Unidos. 322f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação e Ciências Humanas da UFSCAR, São Carlos, 2009. VERRANGIA, D.; SILVA, P. B. G. e. Cidadania, relações étnico-raciais e educação: desafios e potencialidades do ensino de ciências. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 3, dez. 2010. 9