TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO: ASPECTOS LEGAIS E CONTROVERTIDOS DO PROJETO DE LEI 4330/04 Iohran Lucas Liebmam (E-mail:iohran@outlook.com) Lucas Euzébio de Carvalho (E-mail:lucaseuzebio98@yahoo.com.br) Orientador: Me.Vitor Hugo Bueno Fogaça Universidade Estadual de Ponta Grossa Resumo: O projeto de lei 4330/04, o qual dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, tem gerado grandes discussões no meio jurídico e político em virtude dos possíveis impactos que eventual aprovação poderia trazer para as relações de emprego existentes no país. Nesse sentido, a presente pesquisa tem por objetivo analisar os aspectos gerais do Projeto de Lei 4330/04, bem como a eventual precarização das condições de trabalho que tal normatização poderá proporcionar ao trabalhador terceirizado. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de cunho qualitativo. Para tanto, utilizou-se do método dedutivo. Como instrumentos de coleta de dados, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, com obras que se dedicam à análise do direito do trabalho, bem como pesquisa documental, por meio da análise da jurisprudência específica dos tribunais brasileiros e da legislação pertinente ao tema. Palavras-chave: Terceirização, precarização, atividade-meio, atividade-fim. Introdução: A terceirização, segundo a definição do professor Sergio Pinto Martins 1, deriva do latim tertius, que significa pessoa estranha à relação de outras duas, e consiste na possibilidade de contratar terceiro para realização de atividade que não constitui o objeto principal da empresa. Essa modalidade de trabalho surgiu no início do século XX e veio a ser firmada no começo da Segunda Guerra Mundial, sendo utilizada na indústria de armas. 2 na qual os países integrantes de um mesmo grupo se especializavam na produção para a obtenção dos armamentos constituintes de uma atividade principal e transferiam a realização de atividades acessórias a terceiros. Dessa forma, com a chegada da terceirização ao Brasil, na segunda metade do século XX, por meio das empresas multinacionais, consolidou-se a ideia de delegar as atividades que não integrassem o objetivo principal das empresas, como serviços de limpeza, fazendo assim com que houvesse a necessidade da criação de dispositivos legais para regular esse fenômeno devido ao seu crescente uso. Seguindo esse caminho, depois de várias regularizações, a prática da terceirização começou a ser discutida não mais apenas no âmbito da atividades-meio, mas também integrando os patamares da atividade-fim por meio do Projeto de Lei 1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho - 25 ed. 2 reimpr. São Paulo - SP : Atlas 2009.p.176 2 PADOAN, Adayl de Carvalho. A Terceirização e Seus Aspectos Legais.Revista do curso de Direto da Universidade Estácio de Sá. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista4/artigo12.htm>. Acesso em: 08 de jul 2015.
4330/04, entretanto a aprovação desse projeto faria com que houvesse uma maior precarização da relação laboral para o trabalhador sem que houvesse a resolução das questões maléficas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, devendo assim haver uma melhor análise dessa proposta. Objetivos: A presente pesquisa tem como objetivo analisar os aspectos gerais do Projeto de Lei 4330/04, bem como a eventual precarização das condições de trabalho que tal normatização poderá proporcionar ao trabalhador terceirizado. Especificamente, busca-se demonstrar a dificuldade histórica encontrada para regulamentação da temática da terceirização pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como conceituar os termos atividade-meio e atividade-fim à luz do Direito do Trabalho. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa exploratória, de cunho qualitativo. Para tanto, utilizou-se do método dedutivo. Como instrumentos de coleta de dados, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, com obras que se dedicam à análise do direito do trabalho, bem como pesquisa documental, por meio da análise da jurisprudência específica dos tribunais brasileiros e da legislação pertinente ao tema. Resultados: O modelo trilateral do trabalho, ou seja, a terceirização, é uma forma laboral recente no contexto histórico brasileiro. Na década de 40 surgiu nas práticas conhecidas por subcontratação de mão de obra, que englobava empreitada, subempreitada e pequena empreitada (Art. 652, a, III, CLT). Mas, somente a partir de 1970 a legislação passou a tratar especificamente deste fenômeno para algumas modalidades de trabalho, como a Lei 6.019/74 3, que regulamentou a modalidade para o exercício temporário. Posteriormente, em 1983, a Lei 7.102/83. 4 regularizou a terceirização do trabalho permanente para aquele exercido na qualidade de vigilância bancária. Em meados de 1980 o tema começa a ser regulamentado pela jurisprudência trabalhista, sobrevindo a súmula 256/86 do Tribunal Superior do Trabalho 5, estabelecendo a ilegalidade da terceirização, salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas leis nº. 6.019/74, e 7.102/83. 3 BRASIL. Lei ordinária (1974) 6.019/74. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm>. 4 BRASIL. Lei ordinária 7.102/83. Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências. disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7102compilado.htm>. 5 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 256/86 Contrato de prestação de serviço. Legalidade. disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas_com_indice/sumulas_ind_251_300.html#sum-256>.
Em 1993, revendo a sua jurisprudência sumulada, o (TST) editou a súmula 331/93. 6 a qual legalizou a terceirização da atividade-meio da empresa que, segundo o Professor Mauricio Godinho Delgado são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. São ilustrativamente, as atividades referidas pela Lei n. 5645, de 1970 em seu parágrafo único: transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza, e outras assemelhadas.são também outras atividades meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento ( serviço de alimentação aos empregados do estabelecimento, etc.). 7 Contudo, com a possível entrada em vigor do PL 4330/04. 8 esse conceito mudaria drasticamente, na medida em que uma das disposições desse projeto sugere que a terceirização não seja aplicada somente para atividade-meio, mas para toda e qualquer atividade empresarial, inclusive as relacionadas à sua atividade-fim. Sobre a atividade-fim da empresa, leciona Maurício Godinho Delgado que podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial e do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. 9 Nesse sentido, o parágrafo 2º, do artigo 4º, do mencionado projeto de lei, autoriza a terceirização da mão de obra para qualquer atividade empresária, como se observa pelo texto proposto: 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante. Essa autorização se dá com a justificativa de que a proposta dinamizaria a produção da empresa e a tornaria mais competitiva, proporcionando, assim, uma maior formalização dos trabalhadores. Por outro lado, esse programa pode trazer, segundo o posicionamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do estado da Bahia, na palavra de seu presidente Cedro Silva, mais malefícios do que benefícios para os 6 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Súmula 311/93 Contrato de prestação de serviço. Legalidade. (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas_com_indice/sumulas_ind_301_350.html#sum-331>. 7 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª Edição - Editora: LTr. São Paulo, SP 2010..p.425 8 BRASIL. Câmara dos Deputados (2004). Projeto de Lei 4430/04. Altera Súmula 331/93 do TST no que se refere à Terceirização. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/prop_mostrarintegra?codteor=246979>. Acesso em: 08 jul 2015 9 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª Edição - Editora: LTr. São Paulo, SP 2010..p.425
empregados, pois haveria uma precarização da relação laboral observando-se que antes mesmo da aprovação da proposta já há a falta de pagamento das verbas trabalhistas e casos de empresas que fecham sem quitar esses débitos. 10 Como ilustração dos impactos que a terceirização indiscriminada da prestação do trabalho pode trazer, citam-se os dados fornecidos pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), os quais demonstram que a cada 10 acidentes que ocorrem no âmbito laboral dos trabalhadores, 8 têm empregados terceirizados como vítimas. 11 Segundo pesquisas da CUT, comparando-se um trabalhador contratado diretamente com um trabalhador terceirizado, esse recebe salários aproximadamente 27% menores e tem uma jornada de trabalho aproximadamente 7% maior em relação àquele que trabalha de maneira convencional. 12 Assim, é possível inferir que a aprovação da terceirização da atividade-fim da empresa, como proposto pelo projeto de lei, acabaria por precarizar as relações de emprego existentes, visto que tal normatização não assegura de maneira contundente os direitos mínimos de tais trabalhadores. Discussão: Com base nos dados levantados, é perceptível que a terceirização da atividade-fim não tornará a condição de trabalho do empregado melhor, visto que essa relação tende a proporcionar salários menores, jornadas de trabalho mais prolongadas e o não pagamento das verbas devidas por parte das empresas a ele vinculadas. Um evento que ilustrou o posicionamento do TST no que diz respeito à ilegalidade na terceirização da atividade-fim foi um processo, divulgado em seu Portal de notícias 13, envolvendo Claro S/A e a TMKT Serviços de Telemarketing Ltda, no qual a empresa TMKT prestava serviço de telemarketing à empresa Claro. Com base na legislação ( 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95). 14 e no (artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97). 15 caracterizou-se como ilícita a terceirização desta atividade, por estar vinculada ao núcleo da atividade empresarial, ou seja, à atividade-fim da empresa de Telefonia/TV por assinatura. Pelo entendimento do Ministro José Roberto Freire Pimenta, autor da divergência vencedora, se a terceirização neste caso fosse 10 PRESIDENTE da e o deputado rthur aia protagonizam de ate acirrado so re 4330 (CUT BAHIA ) Disponível em: <http://www.cutbahia.org.br/destaques/2012/presidente-da-cut-e-odeputado-arthur-maia-protagonizam-debate-acirrado-sobre-pl-4330>. 11 CRÍTICAS ao Projeto de Lei da Terceirização ANAMATRA Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/criticas-ao-projeto-de-lei-da-terceirizacao-pl-4-330- 2004>. 12 TERCEIRIZAÇÃO e Desenvolvimento Uma Conta que Não Fecha. - (CUT) Disponível em: http://2013.cut.org.br/sistema/ck/files/terceirizacao.pdf>. 13 TST decide que terceirização de call center da Claro é ilegal. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias/-/asset_publisher/89dk/content/tst-decide-que-terceirizacaode-call-center-na-claro-e-ilegal>. 14 BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei ordinária. Lei nº 8.987/95. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm>. 15 BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei ordinária 9.472/97. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm>.
declarada lícita, a empresa Claro desenvolveria sua atividade empresarial sem ter em seus quadros nenhum empregado, e sim apenas trabalhadores terceirizados. Neste contexto, a eventual terceirização dos Call Centers da empresa Claro, demonstrou-se presumidamente como uma tentativa de desvincular-se das obrigações na relação laboral e, por conseguinte, tornar seus prestadores de serviço reféns de salários menores e maiores jornadas de trabalho, pois o real efeito da terceirização é a criação de vantagens não para o trabalhador, mas sim para o empregador que visa o lucro. Considerações finais: A terceirização é uma forma de labor que necessita de atenção pelo ordenamento jurídico pátrio, visto que ela pode ser um artifício para amparar legalmente trabalhos precários. Deste modo, a ampliação de legalidade para a atividade-fim, proposto pelo PL 4.330/04, não esgotaria as diferenças expostas na pesquisa da (CUT) que apontou dados que evidenciaram diferenças significativas entre os salários e as horas trabalhadas, comparando os trabalhadores bilaterais aos trilaterais, abrindo, assim, uma nova possibilidade para o eventual distanciamento do Direito do Trabalho em relação aos trabalhadores. Por conseguinte, a terceirização necessariamente precisa ser análoga ao trabalho bilateral no que tange aos direitos, no entanto, não pode ser tomada como uma ferramenta não essencial para as relações de trabalho, pois ela ainda se mostra como um elemento constituinte das modalidades de trabalho, necessitando apenas de uma regulamentação que minimize os malefícios atualmente causados ao trabalhador terceirizado, em especial quando comparado ao trabalhador bilateral. Referências: MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho - 25 ed. 2 reimpr. São Paulo - SP : Atlas 2009. PADOAN, Adayl de Carvalho. A Terceirização e Seus Aspectos Legais.Revista do curso de Direto da Universidade Estácio de Sá. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista4/artigo12.htm>. Acesso em: 08 jul 2015. BRASIL. Lei ordinária (1974) 6.019/74. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm>. BRASIL. Lei ordinária 7.102/83 Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências. disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7102compilado.htm>. Acesso em: 08 jul 2015 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 256/86 Contrato de prestação de serviço. Legalidade. disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas_com_indice/sumulas_ind_251_300.h tml#sum-256>.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Súmula 311/93 Contrato de prestação de serviço. Legalidade. (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas_com_indice/sumulas_ind_301_350.h tml#sum-331>. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª Edição - Editora: LTr. São Paulo, SP 2010. BRASIL. Câmara dos Deputados (2004). Projeto de Lei 4430/04. Altera Súmula 331/93 do TST no que se refere à Terceirização. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/prop_mostrarintegra?codteor=246979>. PRESIDENTE da e o deputado rthur aia protagonizam de ate acirrado so re 4330 (CUT BAHIA ) Disponível em: <http://www.cutbahia.org.br/destaques/2012/presidente-da-cut-e-o-deputado-arthurmaia-protagonizam-debate-acirrado-sobre-pl-4330>. CRÍTICAS ao Projeto de Lei da Terceirização ANAMATRA Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/criticas-ao-projeto-de-lei-daterceirizacao-pl-4-330-2004>. TERCEIRIZAÇÃO e Desenvolvimento Uma Conta que Não Fecha. - (CUT) Disponível em: http://2013.cut.org.br/sistema/ck/files/terceirizacao.pdf>. Acesso em: 08 jul 2015 TST decide que terceirização de call center da Claro é ilegal. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias/-/asset_publisher/89dk/content/tst-decideque-terceirizacao-de-call-center-na-claro-e-ilegal>. BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei ordinária. Lei nº 8.987/95. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm>. BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei ordinária 9.472/97. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm>.