HALLUX VALGUS PÓS-TRAUMÁTICO UMA CAUSA INFREQUENTE DE HALLUX VALGUS TRATADA POR UMA ASSOCIAÇÃO INFREQUENTE DE TÉCNICAS CIRÚRGICAS

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Transcrição:

112 SOCIEDADE PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA Rev Port Ortop Traum 23(1): 112-118, 2015 CASO CLÍNICO HALLUX VALGUS PÓS-TRAUMÁTICO UMA CAUSA INFREQUENTE DE HALLUX VALGUS TRATADA POR UMA ASSOCIAÇÃO INFREQUENTE DE TÉCNICAS CIRÚRGICAS Miguel Flora, Paulo Carvalho, Pedro Diniz, Rui Domingos Unidade de Cirurgia do Pé e Tornozelo. Serviço de Ortopedia II. Hospital Ortopédico de Santana. Parede. Portugal. Miguel Flora Assistente Hospitalar Eventual de Ortopedia Paulo Carvalho Assistente Hospitalar Graduado de Ortopedia Coordenador da Unidade de Cirurgia do Pé e Tornozelo Pedro Diniz Rui Domingos Internos Complementar de Ortopedia Submetido em 20 fevereiro 2015 Revisto em 15 março 2015 Aceite em 15 março 2015 Publicação eletrónica a 27 julho 2015 Tipo de Estudo: Terapêutico Nível de Evidência: V Declaração de conflito de interesses Nada a declarar. Correspondência Miguel Flora Calçada da Boa-Hora, nº82, 3º andar 1300-096 Lisboa Portugal miguelflora100@gmail.com

113 RESUMO O hallux valgus é uma das patologias mais frequentes do antepé, tendo uma prevalência maior no sexo feminino quando comparada com o sexo masculino e que aumenta com a idade. O aparecimento desta deformidade é fortemente condicionado por factores extrínsecos e intrínsecos. O hallux valgus pós-traumático é raro e desenvolve-se habitualmente de uma forma gradual após traumatismo directo do primeiro raio, embora possa também decorrer do traumatismo de outras regiões do pé. Os autores descrevem o caso de uma doente de 68 anos que recorreu à consulta externa por dor e hallux valgus progressivo no pé esquerdo após traumatismo directo (queda de objecto pesado) do primeiro cuneiforme e da primeira articulação cuneo-metatársica. A doente foi tratada por uma associação pouco frequente de técnicas, que incluíram uma abordagem cirúrgica proximal do primeiro raio por via aberta e uma abordagem distal por via percutânea. Pretende-se com este caso clínico lembrar que o trauma pode ser uma causa de hallux valgus bem como realçar a importância da primeira articulação cuneometatársica na génese desta patologia. Os autores referem também a associação de técnicas cirúrgicas com abordagens mais clássicas, por via aberta com outras que preconizam uma abordagem por via percutânea, como uma mais-valia no tratamento desta patologia. Palavras chave: Hallux valgus, trauma, artrodese primeira articulação cuneo-metatarsica, cirurgia percutânea pé http://www.rpot.pt Volume 23 Fascículo I 2015

114 ABSTRACT Hallux valgus is one of the most common forefoot pathologies, with a higher prevalence in females compared to males and also an increasing prevalence with age. The development of this deformity is strongly influenced by extrinsic and intrinsic factors. Posttraumatic hallux valgus is rare and usually develops gradually after direct trauma of the first ray, although it can also arise from trauma in other regions of the foot. The authors describe the case of a 68 years old female who came to our outpatient clinic for pain and progressive hallux valgus after direct trauma (heavy object falling on the midfoot) of the first cuneiform and first metatarsocuneiform joint in the left foot. The patient was treated with a rare combination of techniques, which included a proximal surgical approach to the first ray through open surgery and a distal approach through percutaneous surgery. The aim of this case report is to remember that trauma can be a cause of hallux valgus and highlight the importance of the first metatarsocuneiform joint in the genesis of this deformity. The authors also report the association of percutaneous surgical techniques with more traditional surgical approaches through open surgery as an asset in the treatment of this pathology. Key words: Hallux valgus, trauma, first metatarsocuneiform joint arthrodesis, percutaneous foot surgery

115 INTRODUÇÃO O hallux valgus é uma das patologias mais frequentes do antepé e tem como origem um desvio em varo do 1º metatarsico e o valgo do hallux, que determinam o aparecimento duma exostose dolorosa medial com maior ou menor compromisso local das partes moles (bunion). O hallux valgus condiciona limitação funcional traduzida por dor, alterações do padrão de marcha, equilíbrio e quedas nos mais idosos 1-6. Tem uma prevalência maior no sexo feminino (30%) quando comparada com o sexo masculino (13%) e aumenta com a idade 1. Os factores etiológicos intrínsecos mais importantes para o desenvolvimento desta patologia parecem ser uma história familiar de hallux valgus e as alterações estruturais do primeiro raio, nomeadamente um primeiro metatarso longo, alterações da superfície articular distal, metatarsus adductus e hipermobilidade da articulação cuneometatarsica 7. O calçado moderno, com caixa de dedos muito estreita e salto alto, assume-se como o factor extrínseco mais importante, particularmente no sexo feminino 8,9. O hallux valgus pós-traumático é raro e desenvolvese habitualmente de uma forma gradual após traumatismo directo do primeiro raio a vários níveis, nomeadamente na articulação cuneo-metatársica, metatarso e articulação metatarso-falângica 10-13. Figura 1. Aspecto inicial do pé A) AP e B) perfil. Figura 2. Radiografias iniciais A) AP e B) perfil. Quebra ligeira da linha de Meary. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino com 68 anos, muito activa, que há cerca de três anos sofreu um acidente numa das suas frequentes viagens, traduzido pela queda de um objecto pesado sobre o mediopé esquerdo. Não recorreu na altura a nenhum hospital. Após uma melhoria inicial nas primeiras semanas, referiu posteriormente persistência de dor e alteração gradual da anatomia do pé com agravamento progressivo das queixas o que a levou a recorrer à consulta externa do nosso hospital. Ao exame objectivo (Figura 1) era independente na marcha com carga total e tinha dor à palpação dorsal proximal do primeiro raio à esquerda, hallux valgus bilateral (++ à esquerda), pé cavo bilateral (+ à esquerda), sem hipermobilidade cuneo-metatarsica (CMT), com Teste de Root e Hicks negativo. A radiografia inicial (Figura 2) mostrava alterações degenerativas Figura 3. Ângulos radiográficos medidos [ângulo intermetatársico (IMT), ângulo articular distal do primeiro metatársico (DMAA), ângulo metatarso-falângico do primeiro raio ou ângulo do hallux valgus (HV) e ângulo interfalângico do primeiro dedo (IF)]. marcadas, com deformidade da primeira articulação cuneo-metatarsica e do primeiro cuneiforme, hallux valgus severo e ligeira quebra da linha de Meary (Pé Cavo). Mediram-se os ângulos intermetatársico http://www.rpot.pt Volume 23 Fascículo I 2015

116 Figura 4. Radiografias 2 meses após cirurgia A) AP e B) Perfil Reposição da linha de Meary. Figura 7. Ângulos radiográficos medidos 12 meses após cirurgia [ângulo intermetatársico (IMT) e ângulo metatarso-falângico do primeiro raio ou ângulo do hallux valgus (HV)]. Figura 5. Ângulos radiográficos medidos 2 meses após cirurgia [ângulo intermetatársico (IMT), ângulo metatarso-falângico do primeiro raio ou ângulo do hallux valgus (HV) e ângulo interfalângico do primeiro dedo (IF)]. Figura 6. Radiografias 12 meses após cirurgia A) AP e A) perfil. Figura 8. Aspecto do pé 12 meses após cirurgia a) AP e B) perfil. (IMT), ângulo articular distal do primeiro metatársico (DMAA), ângulo metatarso-falângico do primeiro raio ou ângulo do hallux valgus (HV) e ângulo interfalângico do primeiro dedo (IF), tendo sido obtidos os valores de 16º para o IMT, 10º para o DMAA, 45º para o HV e 15º para o IF (Figura 3). Foram efectuadas artrodese da articulação CMT por via aberta e buniectomia, osteotomia de Akin e tenotomia do aductor do hallux por via percutânea. Dois meses após a cirurgia, a doente estava contente

117 com o resultado, sem dor e independente na marcha com carga total. Em termos radiológicos a melhoria foi grande com reposição da linha de Meary (Figura 4) e redução do IMT para 7º, HV para 14º, e IF para 10º (Figura 5). O DMAA, que estava dentro da normalidade no início não sofreu alterações. Os bons resultados clínicos e radiológicos mantiveramse aos 12 meses (Figuras 6-8), com nova diminuição ligeira do IMT e do HV para 6º e 12º, respectivamente (Figura 7). DISCUSSÃO O tratamento conservador do hallux valgus tem geralmente maus resultados 14 e existem vários algoritmos de tratamento cirúrgico, de acordo com os ângulos medidos (IMT, DMAA, HV e IF) que conjugam procedimentos de partes moles com osteotomias a vários níveis que habitualmente vão sendo mais proximais à medida que a deformidade aumenta, actuando-se assim mais perto do apex da deformidade. A articulação CMT está frequentemente implicada na génese do hallux valgus juvenil, mas também é importante no adulto. A artrodese CMT não está reservada apenas para os casos de hipermobilidade desta articulação, sendo uma arma terapêutica muito eficaz no tratamento das formas mais graves de hallux valgus, particularmente quando acompanhada de alterações degenerativas importantes (artrose) a este nível 15,16. O traumatismo directo do primeiro raio pode ser causa de hallux valgus, embora pouco frequente. Os traumatismos de outras regiões do pé, particularmente as formas menos graves de lesão da articulação de Lisfranc 12 e fracturas dos raios menores 10 podem igualmente condicionar o aparecimento desta patologia, embora tal seja ainda menos frequente. A cirurgia do pé por via percutânea não é uma técnica, é uma via de abordagem através da qual podem ser executadas várias técnicas 17,18 e que podem ser combinadas com vias cirúrgicas clássicas abertas. Na opinião dos autores, a execução paralela de técnicas por via percutânea permite diminuir o tempo de garrote, bem como a dimensão e o número de incisões na pele de uma região que por si já tem uma vascularização difícil. CONCLUSÕES O trauma do primeiro raio é uma causa de hallux valgus que, embora infrequente, não deve ser esquecida. A avaliação inicial do doente com hallux valgus deve incluir a primeira articulação cuneometatarsica, mesmo no adulto. A artrodese da primeira articulação cuneo-metatarsica é uma opção válida de tratamento, particularmente nos casos mais severos, mesmo na ausência de hipermobilidade. A cirurgia por via percutânea do pé é, na opinião dos autores, uma opção terapêutica que pode ser conjugada com abordagens cirúrgicas mais clássicas com claro benefício para os doentes. http://www.rpot.pt Volume 23 Fascículo I 2015

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