O INCONSCIENTE NOSSO DE TODOS OS DIAS

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Transcrição:

CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS O INCONSCIENTE NOSSO DE TODOS OS DIAS CLAUDIA CRISTINA RODRIGUES SCARMAGNANI JUNHO 2010

O Inconsciente nosso de todos os dias Claudia Scarmagnani Sinto presente os velhos sonhos cultivados Tudo em vão... São Lembranças, são memórias E o que resta é solidão Por mais que eu lute, por mais que eu cale Por mais que eu queira me iludir Não há nada, nada, nada, nada Que me faça reagir Por mais que eu sinta, sinto uma falta Que não tem pra onde ir Que não sai, que não se desfaz Que destrói a minha paz Destrói a minha paz Claudia Gomes / Marcos Kleine Introdução A ciência fez milhares de descobertas importantíssimas nos últimos séculos. Diariamente, mundo a fora, surgem novas pesquisas, avanços tecnológicos, teorias e mais teorias sobre a constituição do universo e dos seres humanos. Mas, como seu revelador previa, a descrição do Inconsciente feita por Freud causou mudanças profundas no nosso modo de vida. Mudanças essas que são difíceis de mensurar. Como o próprio Freud (Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1916-1917 [1915-1917])), relatou, essa se tornaria mais uma ferida ao narcisismo humano, juntamente com a descoberta de Copérnico de que a Terra não é o Centro do Universo e a Teoria da Evolução de Darwin: Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar o ego que ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente.. Nós, seres humanos, nos entendemos (ainda hoje) tão donos de nós mesmos, tão possuidores de nossos desejos. Quando nos vemos com a revelação da existência do inconsciente, temos que aceitar a idéia de sermos como marionetes de um ser maior: NOSSO PRÓPRIO INCOSCIENTE.

O inconsciente age regido por suas regras próprias, confusas (a nosso ver), ilógicas e atemporais. Ele não revela nem se quer sua localização e impõe suas vontades de uma forma ou de outra, ou seja, se não pode fazer o que deseja (satisfazer-se) cria um meio de extravasar suas necessidades. Desse modo dando origem aos sintomas, atos falhos e sonhos incompreensíveis. Sem nos darmos conta, acaba por direcionar nossos atos, pensamentos, idéias e tudo o mais que faz parte de nossa vida cotidiana. As sutilezas de um Ato Falho Lembro-me bem a cena: Estou com um grupo de amigos, todos estudantes de psicologia, voltado de uma festa, todos muito animados e já afetados por alguns drinks. Eis que alguém faz algum comentário o qual definitivamente não consigo recordar, outro diz: Ato Fálico, com a maior seriedade do mundo. Todos ficamos abismados, olhamos para a pessoa: Ato Fálico? Sim, o ato fálico do Freud Logo me vem: Mais um!, ou seja, mais um ato falho. Na caverna com Freud O Mito da Caverna Platão Extraído do livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chaui Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, (...). A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas.(...).

Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado?(...) Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciálo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Área da Ilusão Área da Crença Área da Razão Área da Filosofia No livro VII de A República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da Paidéia platônicas (Chaui). Quando Platão escreveu, por volta de 380 anos antes de Cristo (AC), o Mito da Caverna, ele não pensava a questão do inconsciente, mas pretendia representar que os seres humanos vivem de certo modo na escuridão, pois, segundo Platão acreditava, não era possível conhecermos a verdade absoluta das coisas se não através do trabalho mental feito pela filosofia. Segundo ele as verdades encontravam-se no mundo das idéias, ou seja, além daquilo que podemos captar através do nosso aparato perceptível. Chauí fala a respeito: A caverna, diz Platão, é o mundo sensível onde vivemos. A réstia de luz que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (as idéias)

sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos e opiniões. O instrumento que quebra os grilhões e faz a escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo Platão na realidade buscava o conhecimento que vai além do senso comum, além daquilo que Freud chamou, no termo em alemão, de weltanschauung (CONFERENCIA XXXV- A QUESTÃO DE UMA WELTANSCHAUUNG- VOL 22), ou seja, dos dogmas estabelecidos, verdades impostas como irrefutáveis. Contudo, é possível que façamos uma analogia entre o mito platônico e a idéia de inconsciente proposta por Freud. Para Freud (1915): (...) nossa suposição a respeito do inconsciente é necessária e legítima, (...)Ela é necessária porque os dados da consciência apresentam um número muito grande de lacunas; tanto nas pessoas sadias como nas doentes ocorrem com freqüência atos psíquicos que só podem ser explicados pela pressuposição de outros atos, para os quais, não obstante, a consciência não oferece qualquer prova. (...). Todos esses atos conscientes permanecerão desligados e ininteligíveis, se insistirmos em sustentar que todo ato mental que ocorre conosco, necessariamente deve também ser experimentado por nós através da consciência; por outro lado, esses atos se enquadrarão numa ligação demonstrável, se interpolarmos entre eles os atos inconscientes sobre os quais estamos conjeturando. Uma apreensão maior do significado das coisas constitui motivo perfeitamente justificável para ir além dos limites da experiência direta.. Na psicanálise o inconsciente (ICS) existe como uma instancia do aparelho psíquico a qual não temos acesso, mas que está lá, pronto para ser desvendado. O que nos separa dele não é um longo caminho a ser transposto, mas encontramo-nos, sem notarmos, presos. Nossas pernas e pescoços parecem estar algemados, tal qual as das pessoas do mito, desse modo vemos apenas aquilo que passa pela fresta, ou seja, que nos chega a consciência, após distorcido e deformado pelo caminho que leva a consciência. Freud diz: (...) podemos dizer que, em geral, um ato psíquico passa por duas fases quanto a seu estado, entre as quais se interpõe uma espécie de teste

(censura). Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema Ics; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase (...). Se, porém, passar por esse teste, entrará na segunda fase e, subseqüentemente, pertencerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema Cs. Mas o fato de pertencer a esse sistema ainda não determina de modo inequívoco sua relação com a consciência. Ainda não é consciente, embora, certamente, seja capaz de se tornar consciente (...) Em vista dessa capacidade de se tornar consciente, também denominamos o sistema Cs. de pré-consciente (...) Não nos vemos amarrados, não enxergamos as cordas, algemas, correntes e cadeados (que é a censura). Não nos damos conta de que vivemos dentro da caverna e que o que enxergamos é apenas uma parcela do que existe, o que enxergamos (o que nos chega a consciência) é apenas o reflexo daquilo que está em outro lugar (apenas o que sobrou após passar pelo crivo da censura). Contudo, em nossa vivencia podemos perceber, ou pelo menos sentir, as amarras. Elas são notadas em nossas angustias, em nossos medos, frente ao que nos paralisa, frente nossa insatisfação, nossa agitação, nossa ansiedade, nosso sentimento de busca que nunca se satisfaz, etc.. CONSCIENTE I N C O N S C I E N T E... Consciente Inconsciente

A busca pelo inconsciente consiste em uma superação daquilo que nos foi a vida inteira imposto, consiste em nos livrarmos de nossas amarras e caminharmos ao encontro da entrada da caverna. Esse caminho em busca do inconsciente não é fácil. Assim como o homem que supostamente retorna do exterior da caverna é agredido e caçoado, o caminho à consciência sofre recalques, repressões atrás de repressões a fim de calar aquilo que está além do limite de nossa visão e nos aparece em forma de agressões (atos falhos e sintomas- o retorno do recalcado ). As idéias inconscientes são o que Platão chamaria de mundo das idéias, ou o mundo fora da caverna. Permanecem lá e mostram apenas suas sombras ao nosso consciente. Nunca conseguiremos a proeza de nos libertarmos totalmente de nossas amarras, assim como supostamente conseguiria o herói do mito platônico, nunca conseguiremos caminhar até a entrada da caverna, pois sempre que chegamos muito perto, a luz externa é forte e temos que retornar e nos contentarmos com as sombras projetadas na parede da consciência. Ou seja, a aproximação à nossas idéias inconscientes mais profundas gera a ativação dos mecanismos de defesa (das censuras) que promovem o recalque e consequentemente o esquecimento. Por isso deve ser sempre um processo lento e trabalhoso, a fim de tentar minimizar a atuação dos mecanismos que causam a cegueira ou embaçam a visão. O Inconsciente na analise O setting analítico pode ser descrito como um lugar mágico, lá acontece o inimaginável e apenas quem passa ou já passou pela experiência analítica pode compreender o sentido disso que acabo de relatar. Nele o invisível pode fazer-se parcialmente perceptível dentro da relação que se estabelece. O ambiente da analise proporciona o aparecimento do inconsciente, nele analista e analisando formam um elo especial o qual permite o florescimento dos sentidos perdidos dentro de nossas almas.

O espaço potencial (WINNICOTT) presente dentro da sala do analista (seja esse um espaço físico qualquer que ganha um significado especial), serve como espadas ao inconsciente em sua luta contra as resistências. Ele ganha força e lentamente, através da atitude de atenção flutuante do analista e do convite feito ao analisando à associação livre, mostra-se, revela-se. Como a dupla (analista e analisando) pudesse então ver além daquilo que sua visão dantes alcançava. Um Inconsciente escancarado A paciente deita-se no divã: Paciente: Estou muito cansada, minhas pernas estão pesadas e inchadas, sinto enjôos e tonturas passageiras de vez em quando, marquei com um clínico geral Analista: E a casa nova? Paciente: Minhas amigas estão marcando um chá de bebê. Ignore, um chá de cozinha. Ato falho, vamos mudar de assunto. Os aspectos que no decorrer da analise aparecem na associação livre do paciente, permitem através da relação que se estabelece, que o inconsciente seja pinçado e lentamente desvendado. O trabalho analítico, portanto pode ser comparado a lenta escalada ao exterior da caverna. Nessa escalada podemos pensar que a medida que nos aproximamos da fresta que da acesso ao exterior, as sombras projetadas nas paredes tornam-se mais nítidas e alguns detalhes dos objetos surgem, possibilitando uma melhor percepção do objeto que se encontra do lado de fora, mas que nunca poderá ser visto em sua totalidade. Saindo da caverna Platão nos colocou dentro da caverna, pois ele acredita que é no mundo das idéias que está a luz. A luz expressa a idéia de clareza, algo que permite a visão e, portanto, gera sabedoria, mas como não a temos e não a podemos alcançar estamos presos na escuridão. O mundo do lado de fora é muito maior, maior do que o explorador seria capaz de percorrer, caso conseguisse livrar-se das amarras.

Se pensarmos no senso comum, tendemos a imaginar o inconsciente como sendo uma caverna, pois ele é obscuro, encoberto e apenas caminhos tortuosos nos levam a ele. Mas quanta luz conseguimos ao aceitá-lo em nós mesmos e ao percebê-lo em nós mesmos? Será que ao colocarmos o inconsciente dentro da caverna e acreditarmos que estamos fora dela não estamos subestimando sua importância em nossa vida? Ou será que o inconsciente ganhou esse lugar em algum momento da história do desenvolvimento humano? De fato a muito que se discutir e pensar a respeito. Devemos refletir se estamos dentro ou fora da caverna, ou quem sabe, se oscilamos entre dentro e fora da caverna. Talvez o que Platão pensou sobre a área da filosofia estar fora da caverna esteja relacionado a forma que Gerber percebe o inconsciente freudiano, ou seja, como sendo um outro nível de realidade, talvez o termo que melhor explicite a intenção freudiana seja A-consciente, onde o prefixo A, alfaprivativo, conota um sentido de além, de transcendência.

CHAUI, M. Convite a filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1999. p. 41 Freud, S. Obras Completas: Conferências Introdutórias sobre Psicanálise 1916-1917 [1915-1917] volume 16 Freud, S. Obras Completas: O Inconsciente (1915)- volume 14 Freud, S. Obras Completas: Conferencia XXXV- A questão de uma weltanschauung- VOL 22 1932-1936 GERBER. I. O jogo do Inconsciente- Falando o que me vem a cabeça. 2010 WINNICOTT, D.W. O Brincar & a Realidade. Rio de Janeiro Imago, 1975