A Psicologia da Religião numa Perspectiva Global

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Português RESUMO ESTENDIDO A Psicologia da Religião numa Perspectiva Global PALOUTZIAN, Ray 1 Presente modestamente desde o início da própria Psicologia, a psicologia da religião desenvolveuse lentamente ao longo do século 20, e aumentou com passo rápido nos últimos 20 anos, e surpreendentemente nos últimos dez. Nesse processo, a pesquisa em religião se transformou de um pequeno sub-campo de interesse de alguns, em tópico de amplo interesse dentro da Psicologia como tal, incluindo as áreas neuro-cognitiva, desenvolvimento-personalidade-clínica e sociocultural. Ao mesmo tempo, ela se tornou cada vez mais internacionalizada, com a pesquisa vindo de muitas regiões e culturas. Exemplos de pesquisa criativa com alguns achados surpreendentes de vários países ilustram tópicos que vão muito além de seus humildes começos na Inglaterra e nos Estados Unidos, frequentemente criticados. A pesquisa tem muitos níveis (indo da neuro ao social dentro da Psicologia) e é interdisciplinar, e não só reconhece como tenta entender a importância do contexto cultural em interação com variáveis individuais na religiosidade. Aqui vamos tratar de como proceder com a pesquisa psicológica dentro das tradicionais fronteiras disciplinares, mas também das fronteiras internacionais e culturais. Quando eu era estudante nos anos de 1960, a psicologia da religião não existia. O tópico nunca era mencionado: era chamado de tópico tabu. Como psicólogo, minha preocupação nunca foi com o fato de serem as pessoas religiosas ou não; mas sim com a necessidade de se estudar esse tópico porque é um comportamento humano importante, como muitos outros. Agora, dada a 1 Westmont College paloutz@westmont.edu ISSN 0000-0000 1

importância dos fatores religiosos no mundo de hoje, não há dúvida de que esse é um dos tópicos mais importantes que podemos estudar. Isso acontece tanto do ponto de vista da disciplina da Psicologia como ciência (se realmente queremos uma ciência de todo comportamento humano), como em vista de nossa necessidade coletiva de resolver problemas sociais e internacionais. Eu não passei os últimos 40 anos estudando as raízes psicológicas da religiosidade meramente porque é um exercício interessante e elevado: pensava que isso era importante para as pessoas, as nações, as culturas e a paz mundial. Instantâneos de vários temas-chave em minha apresentação incluem os seguintes: 1. A pesquisa em Psicologia da Religião está se tornando global. Apresento cinco exemplos de habilidosa pesquisa em tópicos da psicologia da religião que vêm de várias partes do mundo. O alcance do tópico é amplo (algo que não podia ser afirmado antes), e aconteceu que tive o privilégio de ser o editor de seu periódico internacional [The International Journal for the Psychology of Religion]. As apresentações serão curtas mas ilustram as tendências mundiais. Primeiro, um psicólogo experimental pergunta como os ateus se sentem emocionalmente quando pedem a Deus que faça coisas terríveis. Segundo, o processo de desconversão de um grupo religioso é explorado comparativamente na Alemanha, Estados Unidos e Turquia. Terceiro, aprende-se muita coisa a respeito de questões envolvidas na tradução de escalas de psicologia da religião do inglês para outra língua (por exemplo, na Polônia e no Irã) e, hoje, de outra língua para o inglês (por exemplo, do alemão, com pesquisa feita na Austria). Quarto, os dados colhidos na Africa do Sul mostram que as pessoas podem acreditar ao mesmo tempo em processos médicos científicos e na feitiçaria no mesmo estado de saúde. Finalmente, pesquisa do bem-estar espiritual, feita no Brasil e em muitos outros países, está documentada no artigo de Esperandio e Marques (2015), intitulado A Psicologia da Religião no Brasil, publicado no The International Journal for the Psychology of Religion. ISSN 0000-0000 2

2. Religião, Religiosidade, Espiritualidade: Os problemas envolvidos na definição da religião e de termos correlatos nunca satisfez aos estudiosos, e essa definição não pode ser feita como um constructo psicológico. As religiões são complexos conceitos culturais que devem ser estudados psicologicamente nos elementos que os compõem. Qualquer definição de religião provavelmente é satisfatória somente para seu autor (Yinger, 1967). Para o entendimento psicológico não precisamos nos incomodar com o que a religião realmente é como uma abstração; estamos focados no estudo dos processos que medeiam a religiosidade em todas as formas, como um comportamento humano importante e difuso. 3. Os níveis cultural e individual de análise. O acima mencionado significa que não tem sentido perguntar à psicologia o que é religião. Os fenômenos que se combinam no que chamamos religião ou religiosidade, têm de ser examinados nos níveis de análise apropriados, do micro ao macro, dos processos cerebrais aos processos culturais, incluindo qualquer coisa de psicológico no intervalo. E o conhecimento colhido aí, tem de ser integrado numa teoria coerente. 4. O Sagrado Vamos além dessa fraseologia à procura de um entendimento psicológico. Qualquer coisa pode ser denominada sagrada; a sacralidade é uma atribuição feita acerca de coisas aparentemente sem fim. Isso significa que não há singularidade, no o [sagrado] das coisas que as pessoas julgam sagradas. As frases turvam, não ajudam, um entendimento ou uma definição da religiosidade para o entendimento psicológico. 5. Crer e Saber A diferença é crucial. Crer é um processo, e o resultado final não está fixado, mas em fluxo constante. Uma crença é a consequência do processo de fazer sentido. Como a memória, a estereotipia, e processos mentais semelhantes, ela é feita, reconstruída quando ISSN 0000-0000 3

usada, e então refeita e armazenada de novo. O processo de crer se aplica muito além do domínio da religiosidade. 6. Fazer e Refazer o Sentido. - A linguagem para ligar ideias e conhecimento a partir de diferentes níveis de análise. O entendimento de religião o exige. Os motivos humanos que alguns vêem como puxando a religião (p.ex., a necessidade de transcendência ou espiritualidade, ou a necessidade de sentido ), podem ser mais bem entendidos com a noção de que as pessoas precisam fazer sentido. Os processos são quase sempre automáticos e não conscientes, embora às vezes estejamos conscientes deles. Não se confunda a necessidade de fazer sentido com uma necessidade de sentido, como referência a um sentimento ou estado especial da consciência. Devido a seu papel essencial em acorrer a numerosas demandas específicas, inclusive as de coerência, domínio e controle, redução da incerteza, identidade, questões existenciais e orientação do comportamento, é necessário, para o sadio funcionamento humano, um sistema de sentido que funcione bem. De um ponto de vista evolucionário ele tem um valor final de sobrevivência. O processo de crer contém ao menos três facetas, cada uma das quais se refere às demais, bem como aos outros elementos dentro da dinâmica do fazer sentido. Essas três facetas são (1) construção de uma crença começo da feitura de sentido, (2) manutenção e reconstrução da crença continuidade, manutenção do sentido (sustentado por meio de toda a atividade na avaliação dinâmica e nos recíprocos feedbacks entre os elementos do fazer sentido), e (3) mudança da crença - modificação do sentido (mudado ou abandonado por meio de toda a dinâmica na avaliação e nos feedbacks recíprocos). O que importa não é se a atividade dentro do sistema é disparada por estressores ou por alguma outra espécie de input no sistema (p.ex., propaganda, comunicação persuasiva, relações interpessoais, sucesso ou fracasso pessoal); os processos envolvidos no crer que são postos em movimento funcionam ISSN 0000-0000 4

para construir, sustentar ou modificar a crença. Os princípios que operam nesses processos são derivações de processos cognitivos que se sabe operam no contexto do estresse e enfrentamento [coping], estudados na psicologia clínica, bem como dos processos envolvidos na formação e mudança de atitude, da psicologia social. 7. Paradigma Interdisciplinar Multi-nível O paradigma interdisciplinar multi-nível (MIP. Emmons e Paloutzian, 2003) foi chamado assim porque a Psicologia da Religião precisava de uma ideia para encorajar os pesquisadores a operacionalizar seus conceitos em diferentes níveis de análise dentro da psicologia e para comparar seus achados com os de outros campos. Se essas comparações são feitas e os achados são consistentes, então os princípios que os conectam podem ser considerados mais robustos e o resultado que se segue tem maior probabilidade de ser um teoria válida e abrangente da religiosidade. Os antropólogos, historiadores, neurocientistas, biólogos evolucionários, sociólogos, linguistas e estudiosos das ciências da religião, todos eles estudam a religiosidade e a espiritualidade de maneiras diversas, e todos eles têm um conhecimento especializado que podem compartilhar por meio da colaboração. Assim, eu penso que expandir nosso alcance debaixo do guarda-chuva do MIP é essencial, não opcional, se quisermos fazer progresso em direção de um genuíno entendimento. O campo cresceu e amadureceu de maneira além da mais ousada imaginação há apenas uma geração. Uma importante, de alguma forma óbvia demonstração desse progresso, é este Seminário no Brasil. Isso não aconteceria se o campo já não tivesse uma posição sólida. E agora, o que fazer? Visão ampla, passos pequenos. A Psicologia da Religião está em sua plataforma, pronta para começar. ISSN 0000-0000 5

Palavras-chave: Psicologia da Religião em perspectiva global; (Re)fazer o Sentido; Paradigma Interdisciplinar Multi-nível ISSN 0000-0000 6