IMAGENS DE UM ELEFANTE INDIANO, NOS ANOS DE 1551 E 1552, EM PERCURSO EUROPEU (SARAMAGO).

Documentos relacionados
UNIFICAÇÃO Ã DA D ITÁLIA

As Grandes navegações: a conquista da América e do Brasil. Descobrimento ou Conquista?

APRESENTAÇÃO. Sobre Fernando Pessoa

1. Frei Luís de Sousa Almeida Garrett

GRUPO IV 2 o BIMESTRE PROVA A

Há que imaginar a Europa nos séculos XII e XIII como um imenso tabuleiro de

As portas do nosso passado estão no Museu de Évora Visite-nos!

A História dos Quadrados Mágicos

Bíblia para crianças. apresenta O ENGANADOR

AS VIAGENS ESPETACULARES DE PAULO

24 junho a.c Acontecimento 1641 Ano da proibição do uso de fogueiras e fogos de artifício.

Rota dos 3 Castelos. 2.ºAbrantes. 3.º Belver. 1.ºAlmourol. Monte da Várzea Almourol. 38 km. Almourol Abrantes. 20 Km. Abrantes Belver.

EXPANSÃO EUROPÉIA E CONQUISTA DA AMÉRICA

REFORMA PROTESTANTE E CONTRARREFORMA CATÓLICA. Professor: Eduardo C. Ferreira

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

História. Antigo regime, Estados nacionais e absolutismo

4ª FASE. Prof. Amaury Pio Prof. Eduardo Gomes

REFORMA E CONTRARREFORMA. Professor Sebastião Abiceu 7º ano Colégio Marista de Montes Claros

PROJETO DE LEITURA A PEDRA NO SAPATO DO HERÓI ORÍGENES LESSA INTENÇÃO: INSTIGAR A CURIOSIDADE E AMPLIAR O REPERTÓRIO DO ALUNO

Daniel fazia parte de uma grupo seleto de homens de Deus. Ele é citado pelo profeta Ezequiel e por Jesus.

O RISCO ESPREITA, MAIS VALE JOGAR PELO SEGURO

Estudo Dirigido - RECUPERAÇÃO FINAL

Atividade: Leitura e interpretação de texto. Português- 8º ano professora: Silvia Zanutto

7 DE SETEMBRO INDEPENDENCIA DO BRASIL

LISTA DE ARTE. Quais são os elementos construídos no quadro, pelo artista em questão, que enfatizam os acontecimentos em destaque?

Oficinas Pedagógicas: Mosteiro dos Jerónimos. Ateliê "Animais do Mundo" (Pré-escolar) - 48 alunos:

O NASCIMENTO DE JESUS

CADERNO DE ATIVIDADES. História

PROVA BIMESTRAL História

Atualidades. Prof Rodrigo Ocampo Barbati

Bíblia para crianças. apresenta O SÁBIO REI

Prefácio. Departamento de Publicação

Caridade quaresmal. Oração Avé Maria. Anjinho da Guarda. S. João Bosco Rogai por nós. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Bom dia a todos!

SEDUC SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO ESCOLA ESTADUAL DOMINGOS BRIANTE TÂNIA REGINA CAMPOS DA CONCEIÇÃO

A VIDA DO REI SALOMÃO

Sumário. Revisão 7. Quadro de revisão 267 Apêndices 269 Provas das lições 279

Reconhecimento: Resolução nº CEE /85 - D.O. 04/05/85 Ent. Mantenedora: Centro Evangélico de Recuperação Social de Paulo Afonso

1. Portugal no século XIV tempo de crise

Usos e Costumes. Nos Dias Atuais TIAGO SANTOS

APOSTILAS DO QUARTO BIMESTRE 8 ANO. TURMA 801 4º Bimestre. Aula 13

Torre de Belém Lisboa

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 10 de Junho de 2010

Existem duas teorias sobre a origem da cidade de Roma: Origem histórica Origem mitológica

Igreja!de! Nossa!Senhora!do!Carmo! Da!Antiga!Sé!

DATAS COMEMORATIVAS. CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL 22 de abril

ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO

Uma leitura apressada dos Atos dos Apóstolos poderia nos dar a impressão de que todos os seguidores de Jesus o acompanharam da Galileia a Jerusalém,

Unidade I Produção, Circulação e Trabalho. Aula 3.2 Conteúdo Revolução Francesa II

"Aqui Também é Portugal"

O que Aconteceu Naquele Dia?

Idade dos Metais. Mariana Antunes Vieira. Este documento tem nível de compartilhamento de acordo com a licença 2.5 do Creative Commons.

AS QUESTÕES OBRIGATORIAMENTE DEVEM SER ENTREGUES EM UMA FOLHA À PARTE COM ESTA EM ANEXO.

SAUL, UM REI BONITO E TOLO

O trabalho escravo no Brasil Algumas imagens

Unidade II Poder, Estudo e Instituições Aula 10

Prova bimestral 4 o ANO 2 o BIMESTRE

A Literatura no Brasil está dividida em duas grandes eras: Que parâmetros foram utilizados para estabelecer tais era?

2ª Feira, 2 de novembro Rezar em silêncio

EXPANSÃO MARÍTIMA ESPANHOLA PORTUGAL ESPANHA POR QUÊ A ESPANHA DEMOROU PARA INICIAR A EXPANSÃO MARÍTIMA?

No princípio era aquele que é a Palavra... João 1.1 UMA IGREJA COM PROPÓSITOS. Pr. Cristiano Nickel Junior

Quem Foi Pablo Picasso?

OS QUATRO ALPES. Alpes, cadeias montanhosas, biodiversidade, erosão glacial.

A DOMINAÇÃO JESUÍTICA E O INÍCIO DA LITERATURA NACIONAL

POR VITOR SOUZA CONTEÚDO ORIGINAL DE:

Os encontros de Jesus. sede de Deus

UNIDADE LETIVA 2 ANEXO 1

Conteúdo para recuperação do I Semestre. 7º ANO Feudalismo; A crise do sistema feudal.

DAVI, O REI (PARTE 1)

Proposta para a apresentação ao aluno. Apresentação Comunidade 1

Biblioteca Escolar. Quem é quem? Nome: N.º: Ano/Turma: N.º Grupo:

SIMULADO 4 JORNAL EXTRA ESCOLAS TÉCNICAS HISTÓRIA

Colégio Senhora de Fátima

Edison Mendes. A realidade de uma vida

CURSO DE HISTÓRIA ANTIGA. Professor Sebastião Abiceu 7º ano Colégio Marista São José Montes Claros - MG

CADERNO DE ATIVIDADES DE RECUPERAÇÃO. Artes

1º VESTIBULAR BÍBLICO DA UMADUP. Livro de João

As reformas religiosas do século XVI

A pintura de natureza-morta (com temática de arranjos de frutas, legumes e utensílios domésticos) surgiu como um gênero mais simplório, no início do

A CRIAÇÃO DO MUNDO-PARTE II

Nome: nº. Recuperação Final de História Profª Patrícia

SAMUEL, O PROFETA Lição Objetivos: Ensinar que Deus quer que nós falemos a verdade, mesmo quando não é fácil.

Tyll, o mestre das artes

A Irlanda do Norte, ou Ulster, e a República da Irlanda, ou Eire, situam-se na Ilha da Irlanda. Na Irlanda do Norte, que integra o Reino Unido, vivem

CONSTELAÇÕES FAMILIARES: O CAMPO DOS RELACIONAMENTOS, SEUS ASPECTOS DIFERENCIADOS E SEUS EFEITOS

Fundador da Comunidade Judaica do Porto

Time Code. Sugestão (conexões externas)

O Setor Cultural da Embaixada do Brasil tem o prazer de convidá-lo. a participar em um projeto novo e interessante.

Circuito de Oficinas: Mediação de Leitura em Bibliotecas Públicas

Memórias de um Brasil holandês. 1. Responda: a) Qual é o período da história do Brasil retratado nesta canção?

Diferença entre a Bíblia Católica e a Protestante

Carta de Paulo aos romanos:

Poderá interromper e dialogar com o grupo; montar perguntas durante a exibição; montar grupos de reflexão após a exibição, e assim por diante.

prodep ANTES DA MOEDA ÚNICA: Até 31 de Dezembro de 1998, cada país da UE tinha a sua moeda:

Era uma vez um príncipe que morava num castelo bem bonito e adorava

Colonização da América do Norte Formação dos Estados Unidos

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita Livro III Ensinos e Parábolas de Jesus Parte 2 Módulo VI Aprendendo com Fatos

Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires

A CIDADELA DE CASCAIS: O MONUMENTO, A ENVOLVENTE URBANA E O VALOR SOCIAL

PLANO DE AULA/ROTINA DIÁRIA

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

Transcrição:

IMAGENS DE UM ELEFANTE INDIANO, NOS ANOS DE 1551 E 1552, EM PERCURSO EUROPEU (SARAMAGO). Denise Rocha- Fundação Universidade do Tocantins- UNITINS, Palmas. Cintia de Vito Zollner- UNESP- UNITINS-Pibic. Resumo: O projeto hegemônico de D. Manuel, o Venturoso (1469-1521), por meio da expansão marítima, refletiu-se na exibição de poderio pelas terras conquistadas, cristalizado plasticamente, com a chegada de animais exóticos em solo português: um elefante branco, presente para o Papa Leão X, em 1514; e no ano seguinte, um rinoceronte, também, enviado para Roma. Tais paquidermes, entre outros animais considerados exóticos, causaram fascínio e temor. Em continuidade dessa propaganda política lusa, Dom João III, rei de Portugal e Algarves, esposo de dona Catarina d Áustria, ofereceu, no ano de 1551, ao arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos V, um elefante que viera de Goa, com seu tratador. De Lisboa, pela Espanha, desembarcando em Gênova, passando pelos Alpes do Tirol até a chegada triunfal em Viena, a passagem do elefante, denominado Salomão, causou admiração, e permaneceu na memória e em litografias. Serão apresentados os diversos momentos da chegada do animal em Lisboa, bem como o sucesso de sua aparição, como membro especial da comitiva de Maximiliano, em retorno ao seu país de origem. As diversas etapas desse percurso europeu estão presentes em documentos históricos, em obras de arte e no romance A viagem do elefante, de José Saramago, publicado em 2008. Palavras-chave: Elefante, imagem, literatura. IMAGES OF AN INDIAN ELEPHANT, IN 1551 AND 1552, IN EUROPEAN ROUTE BY SARAMAGO. Abstract : Dom Manuel o Venturoso s hegemonic project (1469-1521), by means of maritime expansion, became manifest in the ostentation of power caused by the conquered lands, plastically crystallized, with the arrival of exotic animals in Portugal: a white elephant, a gift offered by Pope Leo X, in 1514; and in the following year, a rhinoceros also sent to Rome. Such pachyderms, among other animals considered as exotic, caused enchantment and fear. Proceeding with that Portuguese policy propaganda, Dom João III, King of Portugal and Algarves, husband of Dona Catarina from Áustria, offered, in 1551, to the Austrian archduke Maximilian II, son-in-law of Emperor Charles V, an elephant which came from Goa, with its caretaker. On the way from Lisbon, through Spain, being landed in Genoa, crossing the Tyrol Alps until its triumphal arrival in Vienna, the parade of Solomon, the elephant s name, caused astonishment, and was kept in the memory and in lithographies. Several moments of the animal s arrival in Lisbon will be presented, as well as the success of its apparition, as a special member of Maximiliam s cortège, on its way back to its home country. Various phases of such a European trajectory are found out in historical documents, in works of art and in the novel A viagem do elephant, by José Saramago, published in 2008. Keywords: Elephant; image; narrative. 839

Introdução No ano de 2009, a Fundação José Saramago reconstituiu o caminho do elefante Salomão, em homenagem ao percurso do paquiderme indiano, que de Goa, junto com seu tratador, foi para Lisboa e seguiu até Viena, nos anos de 1551 e 1552: fato histórico tematizado na obra A viagem do elefante, de Saramago, publicada em 2008. Como não existe registro português da jornada do paquiderme em direção a terras espanholas, Saramago optou por não mencionar lugares, pelos quais teriam passado o animal e cortejo, citando somente a cidade de Figueira de Castelo Rodrigo, na fronteira com a Espanha. Durante essa viagem geográfica e sentimental, da qual participaram Saramago, sua esposa Pilar, duas amigas do casal, funcionários da Fundação, uma equipe de documentaristas e cinco jornalistas, o escritor explica, que foi por causa do desrespeito manifestado ao elefante Salomão após sua morte, que decidiu contar a história verídica dele: Depois de morrer, cortaram-lhe as patas para fazer delas bengaleiros. Isso não podia ter sido feito a um elefante que foi de Lisboa andando, atravessando os Alpes. (LOPES, 2009: p. 28). O tema da fugacidade da vida, do sucesso e do esquecimento permeia a obra. A história do elefante conhecido como Salomão para os portugueses, e Soliman para os austríacos, iniciou-se em 1549, em Goa, na Índia, com permanência dele e de seu tratador, por cerca de dois anos, no Terreiro do Paço, próximo a Torre de Belém, em Lisboa, com partida para a Espanha até a Áustria. Essa viagem, que durou cerca de dezenove meses, em meio a calor escaldante, poeira, tempestade, neve; em trajetória a pé ou a pata (Saramago); e por meio de navio, teve a seguinte rota: Lisboa, Figueira de Castelo Rodrigo, Valladolid, Gênova, Pádua, Trento, Alpes do Tirol (Dolomites), até Viena. Nos anos 1551 e 1552, a Inquisição atuava para suprimir a heresia dentro do catolicismo, e o Concílio de Trento (1545-1563) estava reunido na época da passagem do cortejo de Maximiliano e seu elefante. Em Portugal, o Santo Ofício havia sido criado no ano de 1536. Na obra de Saramago, Salomão é o personagem principal, e seu tratador, o conarca Subhro, é o protagonista, o qual manteve contato com D. João III, de Portugal; com o comandante do Exército luso; com o chefe austríaco dos couraceiros; com o arquiduque Maximiliano de Habsburg e membros da comitiva real, entre outros membros do imenso séquito. Das crônicas, poesias, pinturas, gravuras, medalha e estátua feitas a Áustria, nos séculos XVII e XVIII, que são testemunhas oculares da história (Burke), o elefante e seu tratador ressurgem no ano de 2008 na obra de Saramago. O tratador indiano aparece como o ex-cêntrico, na terminologia de Hutcheon, que aborda a tendência revisionista do novo romance histórico, no qual os esquecidos da historiografia oficial ganham projeção. 1- Narrativas e História: registros verbais e visuais. O autor inglês Peter Burke em sua obra Testemunha ocular: história e imagem, esclarece que [...] as imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular. (Burke, 2004: p. 17). A partir dos anos 1980, surgiram textos denominados de novo romance histórico, que por meio da ironia, e da paródia enfatizam o discurso do oprimido, do ex-cêntrico, que enfrentam os mecanismos do poder ( metaficção historiográfica ). (Hutcheon, 1991: p. 13-14; 250). 840

2-Elefantes na Europa e a diplomacia portuguesa. Animais considerados exóticos, como o elefante, o rinoceronte, o símio, o papagaio, entre outros, foram enviados pelo rei português D. Manuel, o Venturoso (1469-1521) a outros soberanos, como testemunho concreto da chegada lusa na África e na Índia. A presença do elefante na Europa não era nenhuma novidade: o primeiro exemplar domesticado, denominado como Aboul-Abbas, foi ofertado como presente de Haroun Al- Rahid, califa abássida de Bagdá, ao Imperador Carlos Magno. Quatro séculos mais tarde, um elefante foi trazido da Terra Santa para o imperador Frederico II; outro, presenteado para Luís IX da França, foi oferecido a Henrique III, seu cunhado inglês. No ano de 1477, Afonso V, o Africano, rei português, enviou um animal para o rei de Nápoles, René d Anjou. No ano de 1507, Hans Burgkmair faz uma gravura Um homem de Calecute montado num elefante, que se encontra no Fine Arts Museum, em São Francisco- E. U. A.. Em 1511, surgem dois elefantes em Portugal: um presente do rei de Cochim ao rei D. Manuel, e o outro adquirido por Afonso de Albuquerque, um exemplar branco, que foi presenteado ao Papa Leão X, juntamente com quarenta e três outros animais exóticos, que chegaram no dia 20 de março de 1514, em Roma. Para agradar ao mesmo pontífice, o rei luso enviou um rinoceronte, que morreu afogado, pois o número intenso de visitantes ao animal sobrecarregou a embarcação, que afundou. Em 20 de maio de 1515, chegou em Lisboa, outro elefante, proveniente de Champanel- Diu, com Ocem, seu tratador, para viver na menagerie de D. Manuel, no Palácio da Ribeira: era uma das prendas do Sultão Muzafar II ofertada ao Vice-rei português, na Índia. (BEDINI, Silvio. The Pope s Elephant, 1997. apud BARBAS, wiki, p. 5 e 6). O elefante Salomão ou Soliman, 1 nascido em 1540, na India, foi um presente para o arquiduque austríaco Maximiliamo (1527-1576), casado com sua prima, a infanta Maria da Espanha (1528-1603), e sobrinho do Imperador Carlos V. Existem duas possibilidades sobre a pessoa que ofertou o animal asiático a Maximiliano: em Portugal, supõe-se que o bicho tenha sido um mimo do rei D. João III; na Áustria, diz-se que o arquiduque conheceu o paquiderme em Madri, que tinha sido um presente do Príncipe João do Brasil, filho de D. João III, a sua noiva Joana, filha mais nova de Carlos V e de Isabela de Portugal. (Wiki- Soliman _Elefant). O jovem austríaco Maximiliano, que tinha sido enviado, aos 16 anos, para a corte católica de seu tio na Espanha, por demonstrar interesse nos textos do reformador Martin Luther (WAJDA, 1980: 258), era regente em Valadolid, no ano de 1551, e tinha um grande amor por animais exóticos. O elefante, presenteado a ele, era macho, e tinha 12 anos, quando saiu de Madri rumo a Viena, no ano de 1521. ( Wiki- Soliman _Elefant). Nessa época ocorriam vários conflitos religiosos: a reforma protestante, iniciada na Alemanha, com Martin Luther, em 1517; e que foi expandida na Suíça com Ulrich Zwingli, e Johann Calvin. O movimento de renovação católica foi intensificado com a criação da Companhia de Jesus (1534) por Ignatius de Loyola, e com o Concílio de Triento (1545-1563), que estava reunido na época da passagem do cortejo de Maximiliano e seu elefante. A Inquisição, como instituição complexa criada para suprimir a heresia dentro do catolicismo, surgiu em Portugal, no ano de 1536. A comitiva de Maximiliano, sua esposa Maria e dois filhinhos -Ana da Áustria (1549-1580), que tinha cerca de um ano e dois meses; e Fernando da Áustria (1551-1552), com cinco meses- saiu de Madrid, para Barcelona, com embarque em navio para Gênova, passando por Milão, Cremona, Mantua, indo em direção ao norte, via Etschtal, chegando, no dia 13 de dezembro, em Triento, onde o Concílio se reunia; e causando profunda curiosidade. Nessa cidade foi construída uma estátua de madeira do elefante, que continha saídas para 1 Conforme a bibliografia austríaca, a informação sobre a existência de uma carta de D. João III de Portugal a Maximiliano, na qual explica a origem do nome do elefante Soliman- em referência ao sultão Süleyman I, seria a invenção de um cronista austríaco em uma época de zombaria ao monarca osmano (OPLL, 2004: 242). 841

fogos de artifício, como homenagem à passagem de Maximiliam, o futuro imperador do Sacro-Império Romano de Nação Germânica. O cortejo seguiu para o Tirol, pela rota de Brenner, por Bozen, onde o príncipe herdeiro se reuniu, por longo tempo, com diplomatas, e o elefante seguiu para Brixen, com chegada em 2 de janeiro de 1552, e estadia de 14 dias, que foi celebrada por meio de uma pintura na parede o elefante, o tratador e um homem-, que até hoje pode ser contemplada no Hotel Elephant, anteriormente, chamado de Herberg Zum Hellephant. O séquito seguiu pelo Eisacktal, por Brenner, e no dia 6 de janeiro chegou a Innsbruck; de Hall, a comitiva seguiu em navio pelo rio Inn até Wasserburg (24 de janeiro), onde uma enfermidade de Maximiliam exigiu uma permanência mais prolongada, e o artista Michael Minck fez uma imagem do animal em gravura retangular de madeira (1552), e outra circular (1554) para a medalha comemorativa da passagem do colosso na cidade. Figura 1- Medalha comemorativa do elefante Soliman e do tratador, com traje indiano, turbante e bastão, de Michael Minck, Wasseburg, 1554. Fonte: <http://de.wikipedia.org/wiki/soliman_(elefant)> Essa imagem, como símbolo do poderio expansionista luso na Índia, e da diplomacia portuguesa na Europa, eternizou, em metal, o elefante Soliman e seu anônimo tratador. Na metade de fevereiro, o cortejo seguiu para Mühldorf am Inn, e a viagem foi interrompida pelo início da gravidez de D. Maria 2. No final do mês, o séquito chegou em Passau na nascente do Inn no rio Donau (Danúbio), atingindo Linz, cidade-residência da dinastia dos Habsburg, na qual o prefeito Jörg Hutter -o pai- encomendou uma pintura para a fachada de sua casa, como forma de celebração da passagem do elefante, a qual pode ser contemplada nos dias atuais, na praça Hauptplatz, 21. 2 Maria da Espanha chegou, em Viena, com cinco meses de gravidez, e deu à luz, no dia 18 de julho de 1522, a Rudolf (1522-1612) que se tornou imperador como Rudolf II. O pequeno Fernando, nascido na Espanha, morreu dia 25 de junho de 1552, em Viena, com um ano e quatro meses, depois de ter sobrevivido a longa e cansativa viagem da Espanha a Áustria. 842

No dia 6 de março de 1552, o séquito de Maximiliam e D. Maria teve uma entrada triunfal em Viena, com entrada pela porta medieval Kärtner Tor até a moradia inicial do elefante na Wasserglacis. Em uma residência localizada ao lado de Am Graben, próxima da Praça Stockim-Eisen- Platz, uma imagem do elefante Soliman, com o seu tratador sentado na sua nuca, empunhando o bastão (1552), que comemorava um feito extraordinário: o salvamento da filhinha do proprietário, Anton Gienger, a qual na confusão da passagem do elefante caiu no meio da rua, e foi amparada pelo animal, que a pegou com a tromba e devolveu à mãe Maria Ginger ((www.sagen). Infelizmente, no século XIX, a casa foi demolida. Existe uma imagem, em gravura de metal, da praça Am Graben, que mostra uma parte da moradia citada, já chamada de Elefantenhaus. Figura 2- A Casa do elefante (Das Elefantenhaus), em Viena (detalhe), gravura em metal, ca. 1720, de imagem da fachada da residência (detalhe), elefante e tratador, com traje e chapéu de estilo austríaco. Fonte: <http://de.wikipedia.org/wiki/soliman_(elefant)> A beleza imponente do paquiderme e a habilidade de seu cuidador foram imortalizadas em fachada de residência e em gravura de metal, na Áustria. Surgiram vários estabelecimentos comerciais em Viena, e outras localidades, que tinham nomes relacionados ao elefante Soliman e ao seu tratador: Zum schwarzen, weissen ou goldenen Elefanten. (ACKERL, 1988: 72). O nome Zum wilden Mann- Ao homem selvagem- surgiu em alusão ao tratador indiano de Soliman, que tinha pele escura. Soliman foi colocado em local para visitação, e depois foi conduzido para a Menagerie, em Eberdorsdorf, onde permaneceu cerca de um ano e meio, e faleceu por causa de alimentação inadequada, ou por um descuido do tratador. O corpo do animal foi dividido: com parte de seus ossos foi feito um tamborete espécie de poltrona- que contém uma inscrição gravada no assento com informações sobre a origem do elefante, peso, e o caminho para Viena. O móvel, que trocou de proprietários, e por isso, tem gravuras com as heráldicas deles (OPLL, 2004: 843

229 ff.), encontra-se na coleção do Stifts Kremsmünster, desde o final do século XVII. Maximiliam mandou empalhar a pele do paquiderme, que foi adornada com dentes de gesso, e foi presenteada a Albrecht V von Bayern (1528-1579), que a remeteu para a Kunstkammer em Munique, Baviera. Em 1928, Soliman foi para o Bayerische Nationalmuseum, na mesma cidade, e durante a Segunda Guerra Mundial, parte do animal empalhado embolorou. Das sobras foram feitas solas de sapato, no dia 28 de novembro de 1950. (OPLL, 2004: 255.). Figura 3- Tamborete de Soliman, gravado com o escudo das armas de Maximiliano II, 1552, Stifts Kremsmünster, Kremsmünster, Áustria. (Ossos de elefante). Fonte:<http://queridobestiario.blogspot.com/2009/09/ otamborete-de-salomao.html> O estranho assento reflete o interesse europeu da época em expor peças de bestiário exótico em gabinetes de curiosidades. 3-A viagem do elefante (2008), de José Saramago. Em estadia em Salzburg, cidade austríaca, conhecida como a pátria do pianista Mozart, Saramago (1922-2010) 3 estava no Restaurant Der Elefant, no qual viu pequenas figuras de madeira de representações de localidades e monumentos, que indicavam um itinerário, a partir da Torre de Belém, em Lisboa. A docente e leitora da universidade local, Gilda Lopes Encarnação, que estava presente, contou ao escritor sobre a história da viagem do elefante indiano, fato que o motivou a escrever sua narrativa, estruturada em dezoito capítulos nãonumerados. Catarina da Áustria, esposa de D. João III de Portugal, decide presentear o elefante Salomão, celebrado e esquecido, em Lisboa, a seu primo Maximiliano, que tencionava regressar a sua pátria, com a esposa Maria e dois filhinhos. Acompanhados de soldados, boeiros, e artesãos, bem como de um carro de intendência dos militares, e outro de boi, que transportava alimentos e água para o animal, o conarca Subhro (Branco) e o elefante se põem a caminho da Espanha, atravessando descampados, aldeias, cidades, montanhas, geleiras, 3 José de Sousa Saramago, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2008, escreveu outros romances de fundo histórico: Memorial do convento (1982); O ano da morte de Ricardo Reis (1984), e História do cerco de Lisboa (1989). 844

despertando grande curiosidade nas pessoas, e marcando o triunfante retorno de Maximiliano e família, membros da nobreza, serviçais, entre outros, para a Áustria. O arquiduque rebatizou o tratador e o elefante, com palavras no idioma alemão, como sinal de pertencimento ao reino de Maximiliano: Já decidi, e ficas avisado de que me enfadarei contigo se voltares a pedir-mo, mete na tua cabeça que o teu nome é fritz e nenhum outro. O conarca desabafa com o elefante: Éramos subhro e salomão, agora seremos fritz e solimão. (SARAMAGO, 2008: 158). A parte mais difícil da viagem é a da travessia dos Alpes no inverno, local que guarda as recordações da passagem de Aníbal e de outros elefantes. O narrador critica o exército luso, despreparado para conduzir o elefante para a Espanha, e elogia o preparo austríaco militar, estratégico e administrativo na empreitada transnacional; bem como destila seu desprezo pela nobreza parasita e pelo catolicismo. A chegada triunfal de Maximiliano e comitiva, em Viena, foi intensivada, principalmente, pela presença do elefante, que salvou uma criança, a qual tinha caído a seus pés. O arquiduque agradeceu ao conarca Fritz por ter evitado uma tragédia, e desejou: Que sejas bem-vindo a viena e que viena te mereça, a ti e a solimão, aqui sereis felizes. (SARAMAGO, 2008: 218). O elefante morreu quase dois anos depois, foi esfolado, e suas patas dianteiras foram transformadas em recipiente para bengalas, bastões, guarda-chuvas e sombrinhas, o qual foi colocado na entrada do palácio. O narrador conclui: Como se vê, a Salomão não lhe serviu de nada ter-se ajoelhado. (SARAMAGO, 2008: 255). O conarca recebeu vultuoso pagamento pelos seus serviços prestados à coroa austríaca, comprou uma mula e um burro, e anunciou que regressaria a Lisboa, no entanto nada mais se soube dele. Conclusão. O conarca indiano anônimo, que acompanhou nos anos 1520 a 1552, o elefante da Índia, para Portugal, passando pela Espanha, Itália, até a Áustria, foi reverenciado em pinturas, gravuras, medalha, crônicas e poemas. Tais imagens verbais e visuais são testemunhas oculares (Burke), de um feito histórico, de tradição portuguesa, desde o reinado de D. Manuel, o Venturoso (1469-1521): o envio de presentes para soberanos, e inclusive, a um papa, de animais exóticos da África e da Índia, como forma de demonstração do poderio em além-mar. O feito internacional do tratador indiano foi cristalizado, mas o seu nome ficou oculto, imerso na biografia do Arquiduque Maximiliano, Imperador do Sacro- Império Romano de Nação Germânica, e do rei D. João III, de Portugal. Do limbo do esquecimento, Saramago resgatou o conarca, que teve glória momentânea, e lhe deu voz na narrativa de cunho histórico, A viagem do elefante: publicada no ano de 2008, com características de metaficção historiográfica (Hutcheon), que por meio de ironia e paródia, permite a um ex-cêntrico a tomar a palavra e a criticar, principalmente, o catolicismo apostólico romano e seu sistema de indulgências, no século XVI. Indicações bibliográficas ACKERL, Isabella. Die Chronik Wiens. Wien: Chronik Verlag, 1988. BARBAS, Helena. Monstros: O rinoceronte e o elefante- Da ficção dos Bestiários à realidade testemunhal. Actas do V Encontro Luso-Alemão- Akten der V. Deutsch Portuguiesischen Arbeitsgespräche (Köln- Lisboa, 2000). P. 102-122, revisto e acutalizado em 7. Fev. 2007. Disponível em: http://issuu.com/hbarbas/docs/2000_monstros_h_barbas.acesso em: março 2011. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos e revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru, São Paulo: Edusc, 2004. 845

DER ERSTE ELEFANT IN WIEN. Disponível em: <http://www.sagen.at/texte/sagen/oesterreich/wien/allgemein/derersteelefant.htm >.Acesso em: março 2011. HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo: história, teoria, ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. LOPES, Isabel. A viagem, o elefante e o escritor. Revista Única, 1. ago, p. 22-30, 2009. OETTERMANN, Stephan. Die Schaulust am Elefanten: Eine Elephantographia Curiosa. Frankfurt am Main: Verlag Syndikat, 1982. OPLL, Ferdinand. ein(e) vorhin in Wien nie gesehene rarität von jedermann bewundert. Zum leben, Tod und nachleben des ersten Wiener Elefantes. Studien zur Wiener Geschichte, Jahbuch des Vereins für Geschichte der Stadt Wien: Wien, 2004, S. 229-273. Band 60. SOLIMAN (Elefant). Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/soliman_(elefant)> Acesso em: março 2011. WAJDA, Stephan. Der Weg der Kompromisse: Maximilian II e Rudolf II. In:. Felix Austria: Eine Geschichte Österreichs. Wien: Verlag Carl Ueberreuter, 1980. S. 255-281. 846