O DESENHO GEOMÉTRICO NAS DÉCADAS DE 60/70 NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFSC: EM BUSCA DE UMA ESCRITA HISTÓRICA Rosilene Beatriz Machado Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC rosibmachado@gmail.com Claudia Regina Flores Universidade Federal de Santa Catarina UFSC claureginaflores@gmail.com Resumo: Este artigo tem o objetivo de apresentar à comunidade da área de Educação Matemática uma proposta de pesquisa de mestrado iniciada em 2010. A problemática norteadora dessa pesquisa é: De que forma configurou-se o ensino da disciplina Desenho Geométrico durante as décadas de 60 e 70, no Colégio de Aplicação da UFSC? A discussão sobre o ensino de desenho geométrico, e ainda, de uma possível relação com o MMM, justifica-se no sentido de melhor compreender a história de uma disciplina escolar, e a representação construída na área a esse respeito. Palavras-chave: Disciplina Escolar; Desenho Geométrico; História da Educação; Matemática. Da Proposta de Pesquisa O objetivo desta pesquisa é investigar a disciplina chamada desenho geométrico que já se fez presente na história da educação brasileira, e hoje não encontra espaço na maior parte do sistema público do ensino fundamental e médio. É fato que atualmente a nova geração de engenheiros ou arquitetos, por exemplo, sabe muito bem usar as ferramentas eletrônicas de desenho e são inquestionáveis as potencialidades dos diversos softwares existentes. Mas até que ponto isto é válido se tal geração não souber usar o exercício cognitivo de compreender a solução geométrica da forma? Assim, o que fica evidente é que o abandono do ensino de desenho geométrico traz conseqüências drásticas não apenas para a educação, mas também para a sociedade, afinal, de acordo com Nascimento, 1999, como é possível almejar o desenvolvimento científico e 1
tecnológico de uma nação sem habilitar seus cidadãos a pensar e utilizar as suas capacidades disponíveis, principalmente quando as imagens visuais/espaciais tornam-se cada vez mais imprescindíveis? Que preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho nossa educação está oferecendo? Sob esse pano de fundo, o que pretendo é tecer uma escrita sobre a história de um saber, de uma disciplina escolar. Em outras palavras, busco escrever uma história sobre a implementação e o desenvolvimento do ensino de desenho geométrico. No entanto, Isto não significa pesquisar na história um ponto de partida, uma origem primeira, seu desenvolvimento linear e contínuo até um ponto de chegada. Mas inserir-se no terreno da emergência para compreender as implicações filosóficas, conceituais, técnicas e científicas que entram em jogo na formulação de novos saberes. (FLORES 2007, p. 37) Nesse sentido, nos remeteremos ao momento histórico em que se configurou o Movimento da Matemática Moderna (MMM) no Brasil. Tal proposta estava de acordo com a tendência internacional de modernização do ensino de matemática e dentre seus objetivos pode-se destacar a renovação pedagógica do ensino de matemática e a modernização dos programas. Visava assim diminuir as distâncias entre o saber dos matemáticos e aquele dos currículos escolares. (VALENTE, 2006, p. 27-28). De acordo com Aparecida Rodrigues Silva Duarte e Maria Célia Leme da Silva, em seu artigo Abaixo Euclides e Acima Quem?: A partir de 1950, surgem novas iniciativas em prol da melhoria do currículo e do ensino de matemática. Começam os primeiros congressos em nível nacional, cuja única temática versava sobre o ensino da Matemática escolar. Nesses congressos aparecem as primeiras manifestações das idéias defendidas pelo Movimento Internacional da Matemática Moderna, o qual ganharia expressão significativa na década de 1960. Segundo Valente, (DUARTE & LEMES DA SILVA, 2006, p. 2) Essa nova matemática, em síntese, consiste na entrada de novos tópicos no currículo da escola elementar, que estavam presentes em nível superior: geometria informal, probabilidades, álgebra e teoria dos números. Os 2
conjuntos aparecem como tema unificador, sendo dada grande ênfase nas estruturas algébricas. (VALENTE, 2006, p. 31) Percebe-se, portanto, que a partir do MMM o ensino de matemática sofreria profundas alterações, e conseqüentemente o ensino de Geometria também seria afetado. Sendo assim, dentro da análise histórica que pretendemos construir, umas das questões a ser discutida é se, de alguma forma, o discurso do MMM exerceu influência sobre o ensino de desenho geométrico. Segundo Arlete de Jesus Brito, Sabrina Susan Lucena Cruz e Josefa Poliana Clementino Ferreira, no artigo A Inserção do Movimento da Matemática Moderna na UFRN, não é possível determinar o momento exato em que o MMM chegou ao Brasil, porém podemos indicar alguns caminhos pelos quais o movimento foi inserido nas escolas brasileiras. Dessa forma, o Movimento da Matemática Moderna começou a despontar no país através dos grandes centros, principalmente São Paulo, onde foi constituído em 1961 o Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM), cujo principal representante, Osvaldo Sangiorgi, foi um dos grandes nomes do MMM no Brasil. Durante o VII Seminário Temático 1 : O Movimento da Matemática Moderna nas escolas do Brasil e Portugal, algumas discussões deram-se em torno da análise de como a Geometria foi ou não inserida no ensino durante as décadas em que o Movimento da Matemática Moderna instaurou-se no Brasil. Um dos artigos discutidos foi A Geometria Escolar e o Movimento da Matemática Moderna: em busca de uma nova representação, de Maria Célia Leme da Silva. Nele a autora infere que: O MMM, por propor um ensino de geometria segundo a abordagem das transformações geométricas, foi um dos responsáveis pelo abandono desse ensino a partir dos anos de 1960, assumindo desta forma o papel de culpado pelos problemas decorrentes do ensino de geometria nas últimas décadas do século XX. (LEMES DA SILVA, 2009, p. 3) 1 Este Seminário foi realizado nos dias 28, 29 e 30 de junho de 2009, no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a organização do Grupo de Estudos Culturais em Educação Matemática GECEM, da UFSC, apoio da CAPES/GRICES e intercâmbio entre Brasil e Portugal. 3
Isso se deu uma vez que as recomendações propostas pelo MMM para o ensino de geometria não ganharam espaço nas salas de aula de Matemática, pois não contemplaram as particularidades dos professores: A orientação de trabalhar a geometria sob o enfoque das transformações, assunto não dominado pela maioria dos professores secundários, acaba por fazer com que muitos deles deixem de ensinar geometria sob qualquer abordagem, passando a trabalhar predominantemente a álgebra mesmo porque, como a Matemática Moderna fora introduzida através desse conteúdo, enfatizara sua importância. A Lei 5692/71, por sua vez, facilita este procedimento ao permitir que cada professor adote seu próprio programa de acordo com as necessidades da clientela. (PAVANELLO, 1989, p. 164-165) É também a partir da década de 60, que se percebe um empobrecimento gradativo do desenho geométrico como disciplina escolar no ensino brasileiro, com a promulgação da 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB, a lei 4.024 de 1961. Esta lei propunha opções de currículo em que o desenho não se constituía como disciplina obrigatória. Uma das propostas era integrar o estudo das artes em uma única disciplina a ser então criada, educação artística, o que tornou exclusividade dos cursos colegiais e superiores o estudo das disciplinas Desenho Geométrico e Desenho Técnico. No artigo Traços de Modernidade nos artigos de Matemática da Revista Escola Secundária, de Maria Cristina Araújo de Oliveira e Ruy César Pietropaolo, os autores destacam que há pelo menos um artigo sobre desenho na Revista Escola Secundária 2, em todos os seus volumes. No entanto, o último artigo sobre desenho publicado nesta Revista em 1963, é um tanto quanto diferente dos demais: 2 A Revista Escola secundária foi publicada pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário CADES, ação governamental desenvolvida pelo Ministério da Educação e Cultura no período de 1953 a 1971. A Revista circulou durante o referido período e sua finalidade era a de orientar os professores nos aspectos curriculares, legais e didáticos. (OLIVEIRA & PIETROPAOLO, 2008) 4
Discute um conteúdo que, segundo o autor, era pouco trabalhado por ser planejado para o final do curso ginasial - a equivalência de áreas. O autor critica as aulas de desenho geométrico em que o conteúdo é trabalhado por meio de receitas e avalia que a falta de motivação dos alunos se deve ao fato de que não lhes são apresentados os porquês. Em seu texto ele justifica as construções realizadas nos problemas de equivalência, com base nos conceitos matemáticos sobre o cálculo de áreas. Os argumentos utilizados pelo autor se baseiam nas novas idéias que começavam a circular entre os professores de Matemática, com o denominado Movimento da Matemática Moderna. (OLIVEIRA & PIETROPAOLO, 2008, p. 722) Os currículos escolares do ensino fundamental no Brasil sofreram grandes mudanças em 1971 com a promulgação da Lei n. 5692 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir desta data ficou estabelecido um núcleo de disciplinas obrigatórias e outros núcleos de disciplinas optativas, as quais poderiam integrar a parte diversificada do currículo. Ficava a cargo das escolas construir a sua grade curricular apenas dentro da parte diversificada. As instituições escolares deveriam seguir as determinações da legislação escolar, que impunham a integração da educação artística, em todas as séries dos cursos de 1º e 2º graus do ensino básico. O desenho tornara-se uma disciplina optativa da parte diversificada do currículo. Deste modo, após a promulgação da referida lei, muitas escolas aboliram o ensino das construções geométricas, ensinadas na disciplina desenho geométrico. Dessa forma, durante a vigência da lei 5.692/71, observou-se um período de abandono do ensino do Desenho. De acordo com Nascimento (1999): (...) Ao desenho coube, mais uma vez, fazer parte de uma lista de disciplinas optativas e que poderiam ser escolhidas pelos estabelecimentos de ensino, completando a parte diversificada do currículo (...) A vasta legislação que se seguiu à promulgação da Lei das Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus praticamente ignorou o desenho, presente, apenas, em breves citações. (NASCIMENTO, 1999, p. 28). A partir das discussões que se travaram durante o VII Seminário Temático: O Movimento da Matemática Moderna nas escolas do Brasil e Portugal, apontando o 5
abandono do ensino de geometria durante o MMM, e do fato de que tais discussões revelaram serem ainda insuficientes os estudos sobre essa problemática, resolvemos centrar nossa pesquisa nas décadas de 60 e 70. Soma-se a isso o fato que, paralelamente à trajetória de abandono do ensino do desenho geométrico, evidenciada durante tal período no Brasil, alguns cursos superiores exigiam que os candidatos prestassem um curso de habilitação. Na Universidade do Rio Grande do Norte, por exemplo, Nos anos de 1966 e 1967, o exame para admissão da Escola de Engenharia denominado Concurso de Habilitação era composto pelas provas de Matemática I (álgebra e geometria analítica), Matemática II (geometria e trigonometria), Física, Química e Desenho Geométrico. (BRITO, CRUZ, & FERREIRA, 2006, p. 93) Na Universidade Federal de Santa Catarina as condições de admissão nos cursos de Engenharia eram reguladas por três artigos, sendo um deles destacado abaixo: Art. 39 O concurso de habilitação para ingresso na Escola de Engenharia (...) constará de exames sobre as seguintes matérias: 1 Matemática 2 Física 3 Química 4 Desenho Parágrafo Único Além dessas matérias poderá a Escola, à juízo da Congregação, exigir exame de outras disciplinas do curso secundário. (UFSC, 1967-1968, p. 19) Motivados por essas questões, nosso objetivo é então, investigar como se deu o ensino da disciplina de desenho geométrico no Colégio de Aplicação da UFSC, durante as décadas de 60 e 70, e ainda, procurar compreender se o discurso do Movimento da Matemática Moderna influenciou ou não seu ensino. Dessa forma, procuraremos trazer a tona elementos, práticas e saberes que foram ou não suprimidos e que possam ajudar a compreender a atual situação do ensino de desenho geométrico no país. Por conseguinte, fornecer reflexões para o ensino desta disciplina 6
enquanto área de conhecimento que possibilita a educação do olhar para a atual sociedade, fazendo com que o desenho geométrico não seja, simplesmente, um auxiliar da Matemática, mas que passe a ser um auxiliar das ciências, ou mais, um instrumento artístico, científico e tecnológico, e assim, de desenvolvimento do próprio homem. Referências Bibliográficas [1] BRITO, Arlete de J.; CRUZ, Sabrina S. L.; FERREIRA, Josefa P. C. A Inserção do Movimento da Matemática Moderna na UFRN. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 18, maio. /ago. 2006. [2] DUARTE, Aparecida R. S.; LEMES DA SILVA, M. C. ABAIXO EUCLIDES E ACIMA QUEM? Uma análise do ensino de Geometria nas teses e dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. Práxis Educativas, Ponta Grossa, PR, v. 1, n. 1, jan. /jun. 2006. [3] FLORES, Cláudia. Olhar, Saber, Representar: sobre a representação em perspectiva. São Paulo. Editora Musa, 2007. [4] LEME DA SILVA, M. C. A geometria escolar e o Movimento da Matemática Moderna: em busca de uma nova representação. In: VII Seminário Temático A Matemática Moderna nas escolas do Brasil e de Portugal: estudos históricos comparativos, 2009, Florianópolis. Anais do VII Seminário Temático A matemática moderna nas escolas do Brasil e de Portugal: estudos históricos comparativos, 2009. [5] NASCIMENTO, Roberto Alcarria do. A função do desenho na educação. Marília, 1999. 214 p. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual Paulista, Marília, 1999. 7
[6] OLIVEIRA, Maria Cristina A. de; PIETROPAOLO, Ruy César. Traços de Modernidade nos artigos de Matemática da Revista Escola Secundária. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 8, n. 25, set./dez. 2008. [7] PAVANELLO, Regina M. O abandono do ensino de geometria: uma abordagem histórica. 1989. 195f. Dissertação (Mestrado em Educação) UNICAMP, Campinas. [8] UFSC. Revista Institucional UFSC 45 anos. Disponível em: HTTP://www.ufsc.br/páginas/downloads/revista_ufsc_45anos_2005.pdf. Acesso em 12 de jul. 2009. [9] VALENTE, Wagner Rodrigues. A matemática moderna nas escolas do Brasil: um tema para estudos históricos comparativos. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 18, maio /ago. 2006. 8