A REGULAÇÃO FINANCEIRA EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS THE FINANCIAL REGULATION IN FACE OF THE FUNDAMENTAL RIGHTS



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Transcrição:

A REGULAÇÃO FINANCEIRA EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS THE FINANCIAL REGULATION IN FACE OF THE FUNDAMENTAL RIGHTS João Salvador dos Reis Neto 1 RESUMO: O presente artigo analisa a questão da regulação no mercado financeiro na atual realidade brasileira. À luz do paradigma jurídico-constitucional do Estado Democrático de Direito, busca-se identificar o motivo da necessidade dessa regulação e sua relação com os direitos fundamentais postos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como com aqueles não escritos. Abordando questões como as características do mercado financeiro atual, a divisão do sistema financeiro nacional, os órgãos de regulação, dentre outras, bem como as peculiaridades das negociações ocorridas naquele mercado, procura-se avaliar a legitimação alcançada pelos institutos pertinentes e mecanismos de regulação do mercado financeiro quando de sua adequação à sistemática constitucional relacionada aos direitos fundamentais postos e àqueles que se fizerem surgir da aclamação popular. Neste diapasão, este breve estudo propõe, com base nos discursos de diversos doutrinadores apresentados ao longo do trabalho, uma leitura constitucionalizante do mercado financeiro e de sua regulação, tendo como ponto de partida a teoria constitucional dos direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Mercado Financeiro; Regulação; Direitos Fundamentais; Estado Democrático de Direito. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem a pretensão de promover uma leitura constitucionalizante da regulação do mercado financeiro. Para tanto, partir-se-á do pressuposto de que essa regulação, bem como os diversos institutos desse mercado só serão adequados e legítimos se realizados sob a égide da proteção dos direitos fundamentais. Devido à inserção na Constituição Federal de 1988 da proteção à liberdade, pode-se inferir que grande parte das negociações realizadas no mercado financeiro encontrase eivada de desigualdade entre as partes, principalmente diante da assimetria de informações e do desequilíbrio no que tange ao poder econômico. Tais situações 1 Mestre em Direito Privado pela Universidade FUMEC. MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho/RJ. Professor de Direito Empresarial e Tributário da Faculdade de Ciências Jurídicas Prof. Alberto Deodato. Advogado.

podem, em vários momentos, permitir abusos e infrações a diversos ideais previstos na sistemática constitucional vigente. No sentido de vedar tais abusos e infrações no âmbito do mercado financeiro, em princípio um ramo eminentemente privado, o Supremo Tribunal Federal já asseverou que os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. 2 Motivado por este e outros julgados no mesmo sentido, optou-se por verificar como a questão dos direitos fundamentais tem sido tratada no Estado Democrático de Direito, tendo como objeto de análise a regulação do mercado financeiro. No item 2, serão tecidas algumas considerações sobre as características do mercado financeiro atual, identificando, principalmente, os atores nele inseridos e os destinatários dos direitos fundamentais pertinentes à matéria. No item 3, será abordado o mecanismo de regulação do mercado de financeiro, apresentando-se os órgãos reguladores do sistema financeiro nacional, bem como fazendo algumas considerações a respeito dele. O item 4 está reservado para a apresentação da teoria constitucional dos direitos fundamentais, atentando, principalmente, para aqueles cujos destinatários façam parte do mercado financeiro. Na oportunidade, serão investigadas algumas contribuições da doutrina e sua busca pela compreensão do papel desses direitos constitucionalmente protegidos. O item 5 se destina a traçar um paralelo entre a regulação do mercado financeiro e os direitos fundamentais, o que representa o cerne do presente trabalho, em que se verificará a legitimação da regulação e dos institutos do mercado financeiro através 2 BRASIL. STF. RE 201819/RJ. Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp?s1=(201819.nume.+ou+201819.acms.)+((gilmar+mendes).no RL.+OU+(GILMAR+MENDES).NORV.+OU+(GILMAR+MENDES).NORA.+OU+(GILMAR+MENDES).A CMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: out. 2010.

da observância dos direitos fundamentais postos na Constituição, e mesmo dos não inscritos. O item 6 encerra o presente trabalho, trazendo no seu bojo as conclusões obtidas ao longo da discussão. 2 O MERCADO FINANCEIRO No presente item, serão apresentados alguns elementos e definições acerca do mercado financeiro no intuito de se construir um cenário para o desenvolvimento da presente discussão. A expressão mercado, segundo o Professor Otávio Yazbek, pode ser utilizada em diversos contextos, com os mais variados sentidos. 3 Porém, neste trabalho será adotada a definição que o referido professor toma de Einaudi, a qual tem o mercado como um local em que compradores e vendedores de bens, tomadores e prestadores de serviços se encontram para negociar tais bens e serviços. 4 Ditas negociações, expressas através de relações jurídico-econômicas e sociais, 5 necessitam de promoção, observável através da análise das funções do mercado financeiro, e proteção, verificável quando da análise do mecanismo regulatório desse mercado. Em relação às funções do mercado financeiro, colaciona-se o entendimento do professor Otávio Yazbek no que diz respeito à definição e função do mercado financeiro: [...] seria aquele em que são negociados instrumentos financeiros ou em que se estabelecem relações de conteúdo financeiro visando, fundamental mas não exclusivamente, dois fins nem sempre concomitantes, a repartição de riscos e o financiamento das atividades econômicas. [...] tal mercado cumpre as suas funções a partir de uma progressiva financeirização das relações econômicas, ou seja, de um processo pelo qual essas relações 3 YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de janeiro: Elsevier, 2009. p. 53. 4 Idem, ibidem, p. 54. 5 O mercado financeiro possui não só relações econômicas, mas também sociais, como é o caso daquelas concernentes às sociedades empresárias e simples que atuam neste mercado; as quais serão abordadas adiante.

são, em certa medida, monetizadas e incorporadas a instrumentos negociáveis, para os quais se provê uma certa liquidez. 6 Já os professores Andréa Andrezo e Iran Lima conceituam e apresentam a função do mercado financeiro nos seguintes termos: O mercado financeiro consiste no conjunto de instituições e instrumentos destinados a oferecer alternativas de aplicação e captação de recursos financeiros. Basicamente, é o mercado destinado ao fluxo de recursos financeiros entre poupadores e tomadores. Dessa forma, o mercado financeiro pode exercer as importantes funções de otimizar a utilização dos recursos financeiros e de criar condições de liquidez e administração de riscos. 7 Sobre o mercado em comento, o professor Ricardo Quiroga Mosquera discorre: O mercado financeiro e o mercado de capitais surgiram em decorrência do fluxo de capitais que é inerente a todas as comunidades sociais. Com efeito, os homens desde os primórdios da civilização começaram a relacionar-se e dentre as diferentes espécies de relacionamento temos as relações financeiras e de troca. Para suprir suas necessidades pessoais e familiares, o ser humano acaba por prestar serviços em troca de uma remuneração. Tal contrapartida se dava ou mediante o pagamento em bens de consumo ou, quando do surgimento da moeda, por intermédio de pagamento em pecúnia. Desse dado social, começa a emergir na sociedade um conjunto de relações de cunho comercial e financeiro que revelaram a circulação da riqueza entre os homens. Alguns em situações privilegiadas conseguiam poupar riquezas, enquanto outros eram necessitados delas. O excesso e a carência de capitais passaram a ser o verso e o anverso da mesma realidade econômica, qual seja, o fluxo de capitais. A poupança passou a mobilizar-se entre os doadores e os tomadores de recursos, fazendo desse transito de recursos uma atividade financeira rentável para alguns e onerosa para outros. 8 Não obstante a importância da contribuição de Ricardo Quiroga Mosquera, não se coaduna com sua afirmação quando elenca o mercado financeiro e o mercado de capitais como mercados autônomos. Acredita-se ser o mercado de capitais integrante de um conceito maior, o mercado financeiro, o qual também possui no seu bojo o mercado de crédito, dentre outros. 6 YAZBEK, ob. cit., p. 125. 7 ANDREZO, Andréia Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado financeiro: aspectos históricos e conceituais. São Paulo: Thomson Learning, 2002. p. 5. 8 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: (coord). Aspectos atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. São Paulo: Dialética, 1999. p. 258.

Nesse sentido, este trabalho foi sistematizado de forma a abordar o mercado financeiro de forma geral, porém, enfocando com maior atenção o que concerne ao mercado de crédito e mercado de capitais. Ressalte-se que os demais mercados poderão ser objeto de outra pesquisa. 3 O SISTEMA REGULATÓRIO DO MERCADO FINANCEIRO 3.1 A necessidade da regulação O Professor Otávio Yazbek exemplifica bem a necessidade de regulação do mercado financeiro: Esse emaranhado de instituições é integrado também por uma dimensão jurídica, destinada a prover mecanismos garantidores do funcionamento dos mercados, seja sob a forma de uma infra-estrutura permissiva e protetiva dos processos alocativos, seja pelo ordenamento do todo e de sua dinâmica. 9 Não há que se falar em uma nação desenvolvida sem esta possuir um bom sistema financeiro 10 e um mercado atrativo e eficiente. 11 Para que este sistema seja bom e seu mercado tenha as características mencionadas, faz-se necessária uma regulação por parte dos Poderes Judiciário e Legislativo e, principalmente, das agências reguladoras, de modo a garantir seus institutos frente aos ideais do ordenamento jurídico-constitucional do país pertinente. Na realidade brasileira, entende-se que esta adequação será alcançada pela verificação dos direitos fundamentais postos e dos que ainda estão para serem escritos. De fato, o mercado financeiro e seu sistema demandam atenção. De acordo com Armando Castellar Pinheiro e Jairo Saddi, o mercado financeiro requer uma base jurídica sólida, pois, ao contrário da maioria das atividades comerciais: As 9 YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de janeiro: Elsevier, 2009. p. 55. 10 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 448. 11 Eficiente talvez seja a palavra que melhor defina como um mercado deve ser. Nas palavras de Raquel Sztajn, a eficiência é a aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais produtiva. SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel (org.). Direito & Economia: análise econômica do Direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 81.

transações realizadas no mercado financeiro são estruturadas contratualmente e tem nas suas duas pontas, agentes que raramente se conhecem. 12 Os referidos autores atentam para a importância da fidúcia no mercado financeiro frente ao descompasso temporal do cumprimento das obrigações das partes que realizam o negócio no mercado financeiro, como inclusive já havia sido tratado acima. Discorrendo ainda sobre a importância da regulação, os autores aduzem que: A regulação das instituições financeiras se justifica tanto por objetivos macro como microeconômicos. Os primeiros estão relacionados à capacidade de os bancos criarem moeda (escritural) e ao papel que desempenham como canais de transmissão da política monetária. Como as instituições captadoras de depósitos mantêm apenas uma fração desses depósitos como dinheiro vivo e reservas no Banco Central (BC), emprestando o resto, o total de moeda na economia e um múltiplo da base monetária - soma de papel moeda com as reservas bancarias no BC -, que é o agregado monetário cuja oferta e diretamente controlada pelo BC. À razão entre a oferta total de moeda e a base monetária dá-se o nome de multiplicador monetário. A política monetária, administrada pelas autoridades monetárias, objetiva, em grande medida, influenciar esse multiplicador, de forma a controlar a inflação. Os principais instrumentos regulatórios utilizados com esse fim são a proporção de depósitos compulsórios sobre depósitos a vista e a prazo e a taxa de redesconto, que é a taxa de juros à qual o Banco Central empresta recursos a bancos com problemas de liquidez. O Banco Central também pode influenciar o tamanho da base monetária por meio de operações de mercado aberto. A justificativa microeconômica para regular o mercado financeiro é dual: por um lado, buscar a eficiência, a equidade do sistema; par outro lado, evitar crises, ou seja, atingir certo equilíbrio. Para tanto, são estabelecidas normas indicativas, baseadas em três objetivos de política legislativa: estabilidade, eficiência e equidade. Assim, todo o sistema financeiro é afetado de forma igual por esses três objetivos. 13 Roberto Quiroga Mosquera 14 apresenta uma sistemática dos princípios que informam o Direito referente ao mercado financeiro. Demonstra-se interessante observá-la, haja vista poder sedimentar a importância que possui o mercado financeiro e, consequentemente, sua regulação. O mercado financeiro tem como princípio a mobilização da poupança nacional, possibilitando ao homem atuar no fluxo de capitais. A atuação do Direito no mercado 12 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 448. 13 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 449-450. 14 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. In: (coord). Aspectos atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. São Paulo: Dialética, 1999. p. 263-270.

financeiro deve alcançar a finalidade de, por meio de normas jurídicas, movimentar a poupança nacional, sendo as normas impeditivas desse fim consideradas uma afronta à própria Constituição da República de 1988. De acordo com o artigo 192, caput, mais adiante tratado, o texto constitucional impõe que o Sistema Financeiro Nacional deve estar estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, devendo o legislador infraconstitucional editar normas jurídicas obedecendo aos ditames constitucionais de a) promover o desenvolvimento equilibrado do País e b) servir aos interesses da coletividade. Estas são as bases que a Constituição garante ao Direito para a proteção da mobilização da poupança nacional. O mercado financeiro reflete-se na poupança nacional, logo possui como princípio a proteção da economia popular, haja vista seus recursos advirem dessa economia. Fato é que, em se tratando de relações financeiras, pode acontecer de uma das partes tornar-se inadimplente. No mercado financeiro, as instituições financeiras ocupam um lugar na dupla relação creditícia, ora captando recursos dos poupadores, ora oportunizando recursos aos tomadores. Havendo inadimplência em qualquer uma das relações, o sistema poderá sofrer colapsos pecuniários, trazendo grandes prejuízos ao mercado e aos participantes. Da mesma forma, pode acontecer que o mercado de capitais tenha o fluxo prejudicado pelo descumprimento de obrigações. Se for caso, por exemplo, de uma participação societária, a consequência de uma eventual inadimplência seria a falência. Com efeito, os mercados financeiros e de capital estão intimamente ligados à poupança nacional de tal forma, que é sensível ao sucesso ou fracasso de operações, agentes e participantes. O princípio da proteção da estabilidade da entidade financeira está intimamente ligado ao princípio da proteção da economia popular. Não basta proteger a economia popular sem proteger as instituições financeiras que exercem função fundamental no mercado financeiro e de capitais, seja como intermediadoras, seja como prestadoras de serviço que viabilizam operações de crédito. Para tanto, o

Direito tratou de exigir requisitos específicos rígidos para que determinada entidade se habilite como instituição financeira. O princípio da proteção do sigilo bancário prevê o segredo bancário nas relações do mercado financeiro, sendo inclusive uma definição positivada constitucionalmente, no artigo 5, incisos X 15 e XII. 16 Trata-se da defesa de um direito personalíssimo, em proteção da ética moral. Não obstante, tal ocultação não pode ocorrer de forma a dar guarida a atos criminosos, sendo certo, portanto, que o sigilo bancário no Brasil é relativo e não absoluto. O princípio da proteção da transparência de informações assegura igualdade de informações oportunizadas aos participantes do mercado financeiro e de capitais, no intuito de se relativizar ao máximo a assimetria de informações. O primeiro protege a informação íntima; o segundo, a informação pública. As normas que regulam o mercado financeiro e de capitais penalizam a denominada informação privilegiada (insider information), sendo certo que a norma advinda deste princípio se aplica a todos, mas mais especificamente às entidades financeiras, sociedades anônimas abertas e entidades governamentais, como o Banco Central do Brasil BACEN e a Comissão de Valores Mobiliários CVM. Com efeito, todos esses princípios se relacionam com a regulação do mercado financeiro, de tal forma que se apresentam como normas jurídicas de caráter genérico, conferindo identidade e norte a este sistema jurídico na busca pela efetivação de valores previstos na própria Constituição da República, os quais giram em torno, principalmente, da poupança popular e de seu papel no desenvolvimento da economia. 15 Art. 5º, inc. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 16 Art. 5º, inc. XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Nesse diapasão, o Professor Yazbek lembra ainda que os mercados estão, na realidade, imersos no conjunto de relações sociais, sobre eles incluindo um amplo leque de regras, procedimentos e padrões, formais ou informais. 17 Explicitada a necessidade de regulação do mercado, cumpre observar como se compõe o Sistema Financeiro Nacional, o qual possui os mecanismos de fomento e regulação do mercado financeiro. 3.2 Função e composição do sistema financeiro e suas instituições reguladoras Primeiramente, saliente-se que se tratará da composição do Sistema Financeiro Nacional tal como é apresentada pelo próprio Banco Central. Não serão abordados outros segmentos especializados do referido sistema, como o Sistema Financeiro de Habitação SFH 18 e o Sistema de Pagamentos Brasileiro SPB, 19 dentre outros, ao quais poderão ser investigados em trabalho específico. 17 YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 55. 18 Sistema Financeiro da Habitação (SFH) é um segmento especializado do Sistema Financeiro Nacional, criado pela Lei 4380/64, no contexto das reformas bancária e de mercado de capitais. Por essa Lei foi instituída correção monetária e o Banco Nacional da Habitação, que se tornou o órgão central orientando e disciplinando a habitação no País. Em seguida, a Lei 5107/66 criou o FGTS. O sistema previa desde a arrecadação de recursos, o empréstimo para a compra de imóveis, o retorno desse empréstimo, até a reaplicação desse dinheiro. Tudo com atualização monetária por índices idênticos. Na montagem do SFH, observou-se ainda que havia necessidade de subsídios às famílias de renda mais baixa, o que foi realizado de maneira a não recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Foi estabelecido então um subsidio cruzado, interno ao sistema, que consistia em cobrar taxas de juros diferenciadas e crescentes, de acordo com o valor do financiamento, formando uma combinação que, mesmo utilizando taxas inferiores ao custo de captação de recursos nos financiamento menores, produzia uma taxa média capaz de remunerar os recursos e os agentes que atuavam no sistema. [...] Da criação do SFH até os dias de hoje, o sistema foi responsável por uma oferta de cerca de seis milhões de financiamentos e pela captação de uma quarta parte dos ativos financeiros. O sistema passou a apresentar queda nos financiamentos concedidos a partir de uma sucessão de políticas de subsídios que reduziram substancialmente os recursos disponíveis. O SFH possui, desde a sua criação, como fonte de recursos principais, a poupança voluntária proveniente dos depósitos de poupança do denominado Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), constituído pelas instituições que captam essa modalidade de aplicação financeira, com diretrizes de direcionamento de recursos estabelecidas pelo CMN e acompanhados pelo Bacen, bem como a poupança compulsória proveniente dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), regidos segundo normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, com gestão da aplicação efetuada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão(MPOG), cabendo a CEF o papel de agente operador. (BRASIL. Banco Central do Brasil. Legislação básica do sistema de consórcio. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?sfhhist> Acesso em: 17 nov. 2010.) 19 Até meados dos anos 90, as mudanças no Sistema de Pagamentos Brasileiro SPB foram motivadas pela necessidade de se lidar com altas taxas de inflação e, por isso, o progresso tecnológico então alcançado visou principalmente o aumento da velocidade de processamento das transações financeiras. Na reforma conduzida pelo Banco Central do Brasil em 2001 e 2002, o foco foi redirecionado para a administração de riscos. Nessa linha, a entrada em funcionamento do Sistema de Transferência de Reservas - STR, em 22 de abril daquele ano, marca o início de uma nova fase do SPB. Com esse sistema, operado pelo Banco Central do Brasil, o País ingressou no grupo de países em que transferências de fundos interbancárias podem ser liquidadas em tempo

Tendo como função precípua a intermediação e transferência de titularidade dos recursos financeiros entre os agentes econômicos, 20 o Sistema Financeiro Nacional pode ser dividido de acordo com o QUADRO 1 a seguir: QUADRO 1 Estrutura atual do Sistema Financeiro Nacional Órgãos normativos Conselho Monetário Nacional - CMN Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC Entidades supervisoras Banco Central do Brasil BACEN Comissão de Valores Mobiliários CVM Superintendência de Seguros Privados - Susep Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC FONTE - Banco Central do Brasil Instituições financeiras captadoras de depósitos à vista Bolsas de mercadorias e futuros Resseguradore s Operadores Demais instituições financeiras Bancos Câmbio Bolsas valores Sociedad es segurado ras de de Sociedade s de capitalizaç ão Outros intermediários financeiros e administradores de recursos de terceiros Entidades abertas de previdência complement ar Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) Ultrapassada esta fase, passa-se a analisar brevemente os órgãos reguladores instituídos no mercado financeiro. É mister salientar que os órgãos em si não são objetos da presente pesquisa, mas sim a adequação destes à ordem constitucional através da promoção dos direitos fundamentais. real, em caráter irrevogável e incondicional. Esse fato, por si só, possibilita redução dos riscos de liquidação nas operações interbancárias, com conseqüente redução também do risco sistêmico, isto é, o risco de que a quebra de um banco provoque a quebra em cadeia de outros bancos, no chamado "efeito dominó" Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?sfhhist> Acesso em 17 de novembro de 2010. 20 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro Elsevier, 2005 p. 434.

3.2.1 Banco Central do Brasil BACEN: regulação prudencial e o risco sistêmico O Banco Central do Brasil BACEN exerce função primordial na regulação do mercado financeiro, notadamente no mercado de crédito e setor bancário, personificando efetivamente a mão visível do Estado. 21 A função regulatória do BACEN corresponde à regulação e supervisão da atividade bancária e financeira e, em tempos de crise, constitui modulador das externalidades negativas. É a chamada regulação prudencial, responsável por assegurar as condições de acesso ao mercado e as condições ao exercício da atividade bancária. Marcelo de Oliveira Milagres, citando o Professor João Bosco Leopoldino da Fonseca, lembra: Para o Professor João Bosco Leopoldino da Fonseca: "[...] O Banco Central do Brasil, surgido da transformação da Superintendência da Moeda e do Crédito, por determinação do art. 2 da Lei n 4.595, de 1964, inserido no contexto do sistema financeiro nacional, sempre teve funções de regulação e controle, como se depreende dos arts. 8 a 16 da citada lei." 22 Diante de sua importância, o BACEN, como agência reguladora do sistema financeiro, deve ser autônomo, não vinculado a programas de governo, mas sim ter suas regras limitadas no artigo 192 da Constituição da República, o qual será tratado em seguida. O Professor Kildare Gonçalves, atentando para a importância do tema referente à atuação e autonomia do Banco Central, apresenta: Tema constante do sistema financeiro nacional, a ser disciplinado por lei complementar, diz respeito ao banco central e a sua autonomia, pois quando forte e independente desempenha papel relevante no processo político. As variáveis que devem ser consideradas para medir o índice de independência dos bancos centrais, são a autonomia legal, a formulação da 21 MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Banco Central e regulação: a mão vísivel do Estado. In: OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Direito Econômico. Evolução e institutos. Obra em homenagem ao prof. João Bosco Leopoldino da Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2009,. p. 381. 22 Idem, ibidem, p. 382.

política monetária, os objetivos do banco e limitações aos empréstimos, e a indicação e permanência no cargo do presidente do banco [...] 23 23 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 14 ed. rev. atual. amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 1.246.

3.2.2 Comissão de Valores Mobiliários - CVM - e a regulação do mercado de capitais A Comissão de Valores Mobiliários CVM foi criada pela Lei Federal nº 6.385/76, pela qual teve conferida competência para regular do mercado de capitais, atribuição anteriormente conferida ao BACEN através da Lei Federal nº 4.595/64. Desta forma, a regulação do sistema financeiro no Brasil ficou dividida, cabendo ao BACEN a regulação pelo sistema bancário, de crédito e monetário, enquanto à CVM coube a competência para regular o mercado de capitais. Tendo sua criação inspirada na Securities and Exchange Comission - SEC - dos Estados Unidos, a CVM é autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, dotada de autoridade administrativa independente e ausência de subordinação hierárquica, funcionando como um órgão de deliberação colegiado. A CVM se diferencia da SEC no sentido de que surgiu como forma de fomentar o mercado de capitais na economia nacional, enquanto a SEC foi criada para por fim às práticas indevidas em um mercado já desenvolvido. De qualquer forma, ambas possuem como fundamento o da defesa do processo de prestação de informações pelos emissores de valores mobiliários, o chamado disclosure. 24 3.2.3 Superintendência de Seguros Privados SUSEP Conforme informações do BACEN, a Superintendência de Seguros Privados SUSEP é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, sendo responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta e capitalização. Dentre suas atribuições, destaca-se a de fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência Privada Aberta e Resseguradores, na qualidade de 24 A política do disclosure, presente no art. 4º, inc. VI, e art. 22, 1º, da Lei nº 6.385/76, consiste no processo de divulgação de informações amplas e completas pelas empresas a respeito delas próprias e dos valores mobiliários por ela ofertados, de forma equitativa para todo o mercado.

executora da política traçada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP; atuar no sentido de proteger a captação de poupança popular que se efetua através das operações de seguro, previdência privada aberta, de capitalização e resseguro; zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados supervisionados; promover o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos operacionais a eles vinculados; promover a estabilidade dos mercados sob sua jurisdição; zelar pela liquidez e solvência das sociedades que integram o mercado; disciplinar e acompanhar os investimentos daquelas entidades, em especial os efetuados em bens garantidores de provisões técnicas; cumprir e fazer cumprir as deliberações do CNSP e exercer as atividades que por este forem delegadas; prover os serviços de Secretaria Executiva do CNSP. 3.2.4 Superintendência Nacional de Previdência Complementar PREVIC Novamente recorrendo a informações do BACEN, tem-se que a Superintendência Nacional de Previdência Complementar PREVIC é uma autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social, responsável por fiscalizar as atividades das entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão). A PREVIC atua como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, observando, inclusive, as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar. 4 TEORIA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 4.1 Breve análise da constatação de leituras constitucionalizantes do Direito Privado Historicamente, sempre que se suscitava o Direito Privado, relacionava-se automaticamente sua fonte primária ao Código Civil, ao passo que, sendo o Direito

Público a disciplina analisada, a fonte primária pertinente seria a Constituição da República Federativa de 1988 e leis correlatas. O Direito Privado é demonstrado como o sistema de normas jurídicas, tendo como principais disciplinas as que tratam das relações existentes entre os particulares no Direito Civil, no Direito Empresarial e no Direito do Consumidor. Pode-se incluir nesta lista o direito referente ao mercado financeiro, atentando para o fato que, diante de suas especificidades, possui elementos também presentes nas disciplinas de Direito Público. Fato é que, através do sistema privatístico, o particular integrante de uma relação horizontal 25 é livre para manifestar sua vontade, podendo, inclusive, eleger livremente os efeitos da negociação da qual é parte para a sua vida privada. Ou seja, é faculdade do particular estabelecer para a sua vida normas privadas. Neste sentido, tem-se que o Direito Privado, através de seu regramento, demonstrase como a seara viável à existência de normas nascidas da manifestação da autonomia privada, sendo este tratado como um princípio constitucional basilar das relações privadas. De outra sorte, o Direito Público constitui o sistema de normas jurídicas em que a relação dos participantes é desigual, haja vista ser ao menos um deles o Estado. Neste sentido, será a relação vertical, se tiver como participantes o Estado e o particular. Fato é que se viu surgir nos últimos anos esforços no sentido de se promoverem leituras constitucionalizantes do Direito Privado, inicialmente do Direito Civil, no intuito de se demonstrar que as normas deste ramo devem ser lidas à luz dos princípios e valores protegidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 25 Horizontal no sentido de se tratar de uma relação privada, na qual as partes, particulares, teoricamente, estariam no mesmo patamar. De forma diversa, como se verá à frente, seria vertical se uma das partes fosse o Estado. Atente-se para o fato de o status de igualdade na relação privada ser apenas teórico, diante da constatação da assimetria de informações.

1988, sob pena de não ser alcançada a adequação de seus institutos à atualidade e ao Estado Democrático de Direito. 26 É certo que não só o Direito Civil deve ser objeto de uma leitura constitucionalizada, mas o Direito Privado como um todo. Na verdade, não se está falando de uma constitucionalização do Direito Civil, como aduzem os Professores Paulo Luiz Netto Lôbo 27 e Gustavo Tepedino, 28 ou mesmo do Direito Privado, termo este que dá margem ao questionamento da constitucionalidade de um ramo do Direito. Mas sim, de uma leitura dos institutos e mecanismos do Direito sob a ótica dos valores protegidos constitucionalmente. 4.2 Proposta de leitura constitucional do Direito do mercado financeiro Uma leitura constitucionalizante também deve ser dirigida ao Direito pertinente ao mercado financeiro e à regulação deste mercado, buscando-se a adequação dos institutos, que será encontrada nos moldes do paradigma do Estado Democrático de Direito. Interpretar o mercado financeiro sob o enfoque da teoria dos direitos fundamentais deve ser uma temática a ser buscada pela doutrina contemporânea. O processo de leitura com viés público dos diversos ramos do Direito, no caso presente daquele pertinente ao mercado financeiro, possibilitaria uma mudança necessária do pensamento dos agentes econômicos, até então caracterizado pelo pragmatismo, 29 os quais passariam a atentar, de forma voluntária ou posta pelo Estado, para situações antes não observadas. Como visto anteriormente, institutos clássicos de Direito Público e Direito Privado estão sendo misturados como se fossem ingredientes de uma solução. E de fato, não poderia ser diferente, afinal, o Direito é uno, e o estudo individualizado de seus ramos decorre tão-somente da melhor sistematização da matéria. 26 FIÚZA, César. Direito Civil: curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 118. 27 LÔBO, Paulo Luiz Netto, Constitucionalização do Direito Civil. In: FIÚZA, César (coord.) Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 200. 28 TEPEDINO, Gustavo. A constitucionalização do Direito Civil: perspectivas interpretativas diante do novo código. In: FIÚZA, César (coord.) Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 115. 29 Cf BOTREL, Sérgio. Direito Societário Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009.

O Direito Privado deve ser lido também como um mecanismo de alcance dos ideais democráticos. Direitos fundamentais, como o da livre iniciativa, têm sua aplicação evidente em todas as situações, balizados por diversos princípios constitucionais que os protegem. O princípio da dignidade de pessoa humana 30 é um destes. É certo que a leitura constitucionalizante dos ramos do Direito não é algo novo, na medida em que o Direito, como um todo, é fundamentado e regulado inicialmente na nossa Constituição da República de 1988, sendo, por si só, constitucional por nascimento. As relações no mercado financeiro, talvez o exemplo mais claro de liberalidade econômica, têm seu fundamento principal na própria Carta Magna, no art. 192, sendo relevante a análise de seus institutos e sua regulação sob a égide da sistemática constitucional. Explicitada a justificativa sobre a proposta de uma leitura constitucionalizante, colaciona-se a contribuição de Konrad Hesse ao tecer um paralelo entre as relações no mercado financeiro e os direitos fundamentais: 30 Não obstante o reconhecimento da importância do princípio da dignidade da pessoa humana na construção da democracia, receia-se a forma como ele pode ser utilizado. O mesmo mecanismo de vedação a abusos presente no bojo desse princípio pode ser utilizado para cometer abusos, se ele não for interpretado sob a égide dos ideais democráticos. Como exemplo cita-se o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio basilar e dos mais importantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito no qual se funda o Brasil. Suponha-se a seguinte situação, numa relação locatícia fictícia. O locador, diante da inadimplência latente do locatário, promove contra este a cobrança dos aluguéis atrasados, sob pena de ser proposta a necessária ação de despejo nos termos da Lei Nº 8.245/91, para ver resguardados seus direitos enquanto proprietário do imóvel locado. O locatário, não só se mantém inadimplente face à cobrança do locador, como propõe ação de reparação por danos morais com base no princípio da dignidade da pessoa humana por entender ter sido violada sua dignidade quando da cobrança intentada pelo locador. Diante do litígio que lhe é apresentado, o magistrado de primeiro grau responsável dá ganho de causa ao locatário, concordando com a ofensa ao princípio da dignidade humana, sendo que tal decisão gerará consequências, inclusive, na pretensa ação de despejo do locador. Em segunda instância, uma colenda turma de desembargadores mantém a sentença. Neste sentido, o locador, proprietário de imóvel, resta prejudicado no que tange ao valor dos aluguéis que lhe são devidos, resta prejudicado no que tange ao imóvel que se mantém em posse do locatário inadimplente e resta prejudicado principalmente no que tange à indenização que deverá pagar a este. Fato é que esta situação em que o princípio da dignidade da pessoa humana é tomado de forma absoluta - não está tão longe de acontecer. Ora, a relação locatícia é da regência do Direito Privado, notadamente do Direito Civil, sendo a cobrança de alugueis e a ação de despejo institutos legais e devidos nas relações entre locadores e locatários. Proteger o locatário de forma irrestrita, sob a pretensa motivação de se defender o princípio da dignidade da pessoa humana, traz ao exemplo supramencionado insegurança e prejuízos inominados à relação locatícia e aos institutos de Direito Privado. Será que os efeitos da decisão que deu procedência ao pedido de indenização por parte do locatário foram observados pelo magistrado? Será que as consequências foram levadas em consideração, ou apenas buscou-se atender a este fetichismo jurídico que se demonstra a constitucionalização do Direito Privado? Será que este locador voltará a locar este imóvel novamente? Acredita-se que não.

Liberdade humana é posta em perigo não só pelo Estado, mas também por poderes não-estatais, que na atualidade podem ficar mais ameaçadores do que as ameaças pelo Estado. Liberdade deixa-se, todavia, garantir eficazmente só com liberdade uniforme: contanto que ela não deve ser somente uma liberdade dos poderosos, carece ela de proteção, também contra prejuízos sociais. Essa tarefa foi antigamente entendida exclusivamente como objeto do direito legislado, especialmente do Direito Civil, do Direito Penal e do Direito Procedimental pertinente. Em época recente, a validez dos direitos fundamentais é estendida, em uma medida, em certos pontos, ainda aberta, também a este âmbito, ao neste aspecto ser aceito um dever do Estado para a proteção dos direitos fundamentais e, conexo com isso, um certo efeito diante de terceiro de direitos fundamentais. 31 Partindo-se do estabelecimento da teoria constitucional dos direitos fundamentais como marco teórico do presente artigo, passa-se à sistemática constitucional pertinente. 4.3 Teoria constitucional dos direitos fundamentais Inicialmente, uma observação se faz necessária. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz no seu bojo um extenso rol de direitos fundamentais, característica esta inerente à maioria das Constituições de cunho democrático. Contudo, o presente artigo será sistematizado de forma a abordar somente aqueles direitos fundamentais que se entende tangenciam de forma mais evidente as relações no mercado financeiro e, portanto, passiveis de proteção através dos mecanismos de regulação. Não se tem a pretensão de afirmar que apenas os direitos fundamentais ora elencados são os pertinentes, esgotando a possibilidade de outros incidirem sobre a matéria. Ademais se entende que o referido rol de direitos é extenso, porém não exaustivo, ao passo que se reconhece a possibilidade de outros não escritos se fazerem pertinentes. Saliente-se, portanto, que os direitos fundamentais aqui elencados decorrem do critério deste Autor, que entende serem os mais tangentes sobre a matéria, sob pena de, despretensiosamente, ser cometido um equívoco. A ideia de democracia apresentada pelo atual paradigma constitucional possui como característica fundamental o governo pelo povo, o qual escolhe seus representantes, 31 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federativa da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 278.

que, agindo como mandatários, decidem os rumos da nação. Contudo, este poder delegado não é absoluto, sendo certo que está indissoluvelmente combinado à ideia da necessidade de limitação. 32 Dentre as várias limitações, a previsão de direitos fundamentais é a que mais interessa neste momento. Positivados no ordenamento jurídico como expressão dos anseios da sociedade, os direitos fundamentais trazem no seu bojo um ideal de democracia que permite avanços sociais e econômicos. Sobre a função limitadora dos direitos fundamentais, cabe observar o entendimento do Professor J. J. Gomes Canotilho: [...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). 33 Na mesma linha, o Professor José Afonso da Silva esclarece a amplitude de aplicação dos direitos fundamentais, sendo que: A expressão direitos fundamentais do homem, como também já deixamos delineado com base em Pérez Luño, não significa esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação ao Estado ou autolimitação deste, mas limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem. Ao situarmos sua fonte na soberania popular, estamos implicitamente definindo sua historicidade, que é precisamente o que lhes enriquece o conteúdo e os deve pôr em consonância com as relações econômicas e sociais de cada momento histórico. A Constituição, ao adotá-los na abrangência com que o fez, traduziu um desdobramento necessário da concepção de Estado acolhida no art. 1 : Estado Democrático de Direito. O fato de o direito positivo não lhes reconhecer toda dimensão e amplitude popular em dado ordenamento (restou dar na Constituição, conseqüências coerentes na ordem econômica) não lhes retira aquela perspectiva, porquanto, como dissemos acima, na expressão também se contêm princípios que resumem uma concepção do mundo que orienta e informa a luta popular para conquista definitiva da efetividade destes direitos. 34 32 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 56. 33 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 541. 34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 182-183.

Neste diapasão, é de se consignar a primordial importância dos direitos fundamentais e sua função inegável na legitimação do Direito e na viabilização da democracia prometida pela Constituição. Mas será que a Carta Magna traz no seu bojo todos os direitos fundamentais existentes em nossa sociedade? Reconhece-se que não, haja vista que os anseios da sociedade podem surgir em toda sorte de situações possíveis, inclusive naquelas ainda não previstas pelo ordenamento jurídico. Estamos falando, neste último caso, como doutrina José Adércio Leite Sampaio, de direitos não escritos. 35 4.4 O rol de direitos fundamentais expressos e os direitos não escritos A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prima por trazer uma extensa lista de previsão de direitos fundamentais, característica esta inerente à maioria das Constituições de Estados com paradigmas democráticos. Uma lista extensa, porém, como aduzido, não exaustiva. 36 O Professor José Adércio, fazendo referência a René Capitant, adverte que novas regras não produtos da atividade do legislador podem surgir no direito positivo através do reconhecimento que a própria nação faz de sua autoridade. Neste caso, deve-se conferir a esta nova regra a qualidade de direito não escrito. 37 Tais direitos, introduzidos na ordem jurídico-constitucional através da consciência social, e não da atividade do legislador, devem ser, também, objeto de proteção pelos juízes constitucionais, alcançando o que o Professor José Adércio denomina lista aberta de direitos fundamentais. 38 De fato, o entendimento do referido professor parece correto e pontual. Com efeito, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz em seu art. 5, 2, a afirmação que o rol de direitos fundamentais previstos em seu bojo não é exaustivo, 35 SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 705 36 Idem, ibidem, p. 706-717. 37 SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 705. 38 Idem, ibidem, p. 705.