A Riqueza na Base da Pirâmide Por C.K. Prahalad e Stuart L. Hart



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Transcrição:

A Riqueza na Base da Pirâmide Por C.K. Prahalad e Stuart L. Hart Amana-Key Desenvolvimento & Educação

MERCADOS DE BAIXA RENDA OFERECEM UMA GRANDE OPORTUNIDADE PARA AS GRANDES ORGANIZAÇÕES MUNDIAIS: OBTER RIQUEZA E AO MESMO TEMPO LEVAR PROSPERIDADE AOS MAIS POBRES. Com o fim da Guerra Fria, a União Soviética e seus aliados, assim como a China, a Índia e a América Latina, resolveram abrir seus mercados aos investimentos estrangeiros quase que por impulso, seguindo uma grande tendência daquela época. Essa significativa mudança socioeconômica abriu um grande leque de oportunidades para as organizações multinacionais, que até hoje não passou de uma promessa que ainda está por se realizar. Isso ocorreu, em primeiro lugar, devido à falsa expectativa (precipitadamente superestimada) de que haveria milhões de consumidores de classe média nos países em desenvolvimento clamando por produtos das multinacionais. Para piorar, as crises financeiras da Ásia e da América Latina diminuíram amplamente a atratividade dos mercados emergentes. Como conseqüência, algumas organizações multinacionais retraíram seus investimentos e começaram a repensar a estrutura de riscos e ganhos nesses mercados. Essa retração pode se agravar devido à onda de ataques terroristas nos Estados Unidos em setembro de 2001. A falta de criatividade que esteve presente durante a última década na maioria das estratégias traçadas pelas multinacionais para os mercados emergentes não alterou a magnitude dessa oportunidade, que é realmente muito maior do que se imaginou. A verdadeira promessa do mercado não está na minoria rica do mundo desenvolvido ou nos consumidores emergentes da classe média: está nos bilhões de pessoas que estão participando da economia de mercado pela primeira vez. É hora das organizações multinacionais começarem a rever suas estratégias de globalização e a adotar a nova lente do capitalismo inclusivo. Para organizações que contam com os recursos e a persistência necessários para competir na base da pirâmide, os retornos esperados incluem crescimento, lucros e contribuições inestimáveis à humanidade. Países que ainda não possuem uma moderna infra-estrutura ou produtos para atender às necessidades mais básicas das pessoas são excelentes laboratórios para o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis e produtos para o mundo inteiro. Além disso, o investimento das multinacionais na base da pirâmide significa retirar bilhões de pessoas da pobreza e do desespero, prevenindo o declínio das condições sociais, o caos político, o terrorismo e a deterioração ambiental que certamente permanecerá se a lacuna entre países ricos e pobres continuar aumentando. Realizar negócios com os 4 bilhões de pessoas mais pobres do mundo 2/3 da população mundial A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 2

exigirá inovações radicais em tecnologia e no modelo de negócios. Para isso, as organizações multinacionais terão que reavaliar a relação preço-performance de seus produtos/serviços, além de buscar um novo nível de eficiência do capital e novos métodos para medir o sucesso financeiro. As organizações serão forçadas a rever seu entendimento de escala abandonar o mito de que quanto maior é melhor e passar a adotar um sistema altamente descentralizado, com operações em pequena escala, mas com capacidade de alcance mundial. Em resumo, a população de baixa renda criou um novo desafio para as grandes organizações mundiais: ajudar a população de baixa renda a melhorar sua qualidade de vida, produzindo e distribuindo produtos/serviços que estejam de acordo com os padrões culturais de cada local e que sejam, ao mesmo tempo, ecologicamente sustentáveis e economicamente rentáveis. QUATRO CAMADAS DE CONSUMIDORES Bem no topo da pirâmide econômica mundial estão os 75 a 100 milhões de consumidores mais ricos. (Veja figura 1) Esse é um grupo composto pelas pessoas de renda alta e média dos países desenvolvidos e pelas poucas elites do mundo em desenvolvimento. No meio da pirâmide, nas camadas 2 e 3, estão os consumidores pobres das nações desenvolvidas e a classe média emergente dos países em desenvolvimento, principais alvos das antigas estratégias para mercados emergentes. Agora considere os 4 bilhões de pessoas na camada 4, na base da pirâmide. A renda per capita anual - baseada na paridade do poder de compra em dólares americanos - é inferior a $1.500, valor considerado como mínimo necessário para sustentar uma vida decente. Para mais de um bilhão de pessoas - aproximadamente 1/6 da humanidade - a renda per capita é inferior a $ 1 por dia. Mais importante ainda é notar que a desigualdade de renda entre ricos e pobres está aumentando. De acordo com as Nações Unidas, os 20% mais ricos do mundo possuíam cerca de 70% da renda total em 1960. Em 2000, esse número aumentou para 85%. Considerando esse mesmo período, a fração Figura 1. A pirâmide econômica mundial Renda per capita anual em dólares (*) Camada População em milhões Mais de $20.000 1 75-100 $1.500 - $20.000 2 & 3 1.500-1750 Menos de $1.500 4 4.000 (*) Baseado na paridade do poder de compra nos EUA. Fonte: U.N. World Development Reports A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 3

de renda correspondente aos 20% mais pobres do mundo caiu de 2,3% para 1,1%. Essa extrema desigualdade na distribuição de riqueza acaba por reforçar o mito de que os pobres não podem participar da economia de mercado global, mesmo considerando que eles correspondem à maioria da população. De fato, dado ao grande tamanho, a camada 4 representa uma oportunidade multitrilhonária. De acordo com as projeções do Banco Mundial, a população da base da pirâmide poderá aumentar para mais de 6 bilhões de pessoas nos próximos 40 anos, devido ao crescimento da população mundial. A percepção de que a base da pirâmide não é um mercado viável também é equivocada por não valorizar a crescente importância da economia informal, que em algumas estimativas corresponde entre 40 e 60% de toda atividade econômica nos países em desenvolvimento. A maioria da população inserida na camada 4 mora em aldeias rurais, em bairros urbanos pobres ou em favelas e normalmente não possui títulos legais de seus ativos (por exemplo, escritura da casa ou de outra propriedade imóvel ). Essas pessoas têm pouca ou nenhuma educação formal e lutam por um maior acesso ao crédito e às comunicações. A qualidade e a quantidade dos produtos/serviços voltados para a camada 4 é geralmente baixa. Portanto, assim como apenas a ponta do iceberg permanece visível, esse volumoso segmento da população global e a expressiva oportunidade de mercado que ele representa tem permanecido invisível aos olhos do setor corporativo. Felizmente, o mercado da camada 4 está largamente aberto a inovações tecnológicas. Entre as diversas possibilidades de inovação, as organizações multinacionais podem ser líderes em desenvolver produtos que não repitam os mesmos erros do passado. As multinacionais de hoje nasceram em uma época em que os recursos naturais eram abundantes, contribuindo para que os produtos/serviços consumissem muitos recursos e fossem excessivamente poluentes. Os 270 milhões de americanos - somente 4% da população mundial - consomem mais de 25% dos recursos energéticos do planeta. Reproduzir esse padrão de consumo nos países em desenvolvimento pode ser desastroso. Nós vimos como os menos privilegiados da camada 4 podem desestruturar o estilo de vida e a segurança dos mais ricos da camada 1 a pobreza produz descontentamento e extremismos. Embora uma plena igualdade de renda nos pareça algo utópico, o uso do desenvolvimento comercial/econômico como ferramenta para tirar as pessoas da pobreza e dar a elas a chance de uma vida melhor é algo crítico para assegurar estabilidade e saúde da economia global e para dar continuidade ao sucesso das organizações multinacionais ocidentais. A OPORTUNIDADE INVISÍVEL A grande maioria das 200 maiores organizações multinacionais do mundo está sediada nos países desenvolvidos. Dessas duzentas, 82 são corporações americanas e 41 são japonesas, de acordo A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 4

com a lista feita em dezembro de 2002 pelo Instituto de Estudos de Políticas Públicas (Institute for Policy Studies), sediado em Washington, D.C. Não chega a ser surpresa o fato das multinacionais estarem focadas nos consumidores da camada 1, devido aos seus conhecimentos e familiaridade em relação a essa categoria. A competência para perceber oportunidades de mercado está relacionada à maneira como os gestores estão acostumados a pensar e às ferramentas analíticas que eles utilizam. A maioria das multinacionais automaticamente desconsidera a base da pirâmide porque julga o mercado de acordo com a renda, priorizando produtos/serviços apropriados aos países desenvolvidos. Para aproveitar o potencial de mercado da camada 4, as organizações multinacionais devem analisar uma série de premissas e práticas que exercem grande influência na visão que temos dos países em desenvolvimento. Nós identificamos alguns mitos como ortodoxias largamente compartilhadas que devem ser reexaminadas: Mito 1: Os mais pobres não são nosso alvo de consumidores porque não temos como competir rentavelmente no mercado, respeitando nossa atual estrutura de custos. Mito 2: Os mais pobres não possuem recursos e não têm necessidade de produtos/serviços vendidos nos países desenvolvidos. Mito 3: Somente desejos e necessidades dos mercados desenvolvidos justificam investimentos em novas tecnologias. Os mais pobres podem utilizar uma geração mais antiga de tecnologia. Mito 4: A base da pirâmide não é importante para a viabilidade de longo prazo do negócio. Nós podemos deixar a camada 4 para os governantes e para as organizações do terceiro setor. Mito 5: Os executivos não ficam entusiasmados com desafios de negócio que envolvam uma dimensão humanitária. Mito 6: Intelectuais querem trabalhar nos mercados desenvolvidos. É raro encontrar executivos de talento que queiram trabalhar na base da pirâmide. Figura 2. Inovações e as implicações para as organizações multinacionais na camada 4 Forças de inovação Maior acesso à TV e a informações entre pessoas de baixa renda. Diminuição do papel dos governos e do auxílio internacional. Excesso de capacidade e intensa competição nas camadas 1, 2 e 3. A necessidade de desestimular a migração para os super povoados centros urbanos. Implicações para as multinacionais A camada 4 começa a tomar conhecimento de produtos e serviços e com isso passa a buscar usufruir dos seus benefícios. Maior atratividade para investimentos das organizações multinacionais em países em desenvolvimento e maior cooperação das ONGs. A camada 4 representa um mercado praticamente intocado para o crescimento dos lucros. Multinacionais devem criar produtos e serviços para as populações rurais. A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 5

Cada um desses mitos ignora o valor que existe na base da pirâmide. É como a história da pessoa que encontra uma nota de $20 na calçada. A sabedoria econômica convencional sugere que se essa nota realmente existir, alguém a pegará! Assim como a nota de $20, a base da pirâmide também é uma grande oportunidade para o crescimento dos lucros. Considere as ondas de inovação e as oportunidades para as organizações na camada 4. (Veja a figura 2) As organizações multinacionais devem reconhecer que esse mercado corresponde a um grande desafio: como combinar baixo custo, boa qualidade, sustentabilidade e rentabilidade?além disso, as multinacionais não podem explorar essa nova oportunidade sem repensar de forma radical como irão atuar no mercado. A figura 3 sugere algumas áreas em que uma nova perspectiva é necessária para criar mercados rentáveis na camada 4. PIONEIRISMO NA BASE DA PIRÂMIDE A Hindustan Lever (HLL), subsidiária da gigante Unilever e amplamente reconhecida como a mais bem administrada companhia da Índia, foi a pioneira entre as organizações multinacionais a explorar mercados na base da pirâmide. Por mais de 50 anos, a HLL serviu à pequena elite indiana que tinha condições de comprar seus produtos. Em 1990, uma firma local chamada Nirma começou a oferecer detergentes para consumidores das classes C e D, a maioria habitantes da área rural. De fato, a Nirma criou um novo sistema de negócio que incluía nova formulação do produto, processo produtivo de baixo custo, ampla rede de distribuição, embalagens voltadas para compras menores (feitas diariamente) e preços bem mais acessíveis. A HLL, num comportamento típico das multinacionais, inicialmente ignorou a estratégia da Nirma. Contudo, como a Nirma cresceu muito rapidamente, a HLL começou a ver sua concorrente local ocupando um espaço que estava vazio no mercado. Foi então que a HLL percebeu que estava perdendo uma grande oportunidade: em 1995, a empresa respondeu com um novo produto para esse mercado, alterando drasticamente sua estrutura de modelo de negócio. O novo sabão em pó da HLL, chamado Wheel, foi formulado para reduzir a proporção de óleo em água quando da utilização do produto, considerando o fato de que os mais pobres freqüentemente lavam suas roupas nos rios ou em outros sistemas públicos de água. A HLL descentralizou a produção, o marketing e a distribuição do produto, contribuindo para alavancar o desenvolvimento do pólo rural da Índia. Rapidamente foram criados novos canais de venda para chegar aos milhares de pontos de venda onde os consumidores da base da pirâmide costumam comprar. A HLL também alterou a estrutura de custo do produto, fazendo com que o Wheel pudesse ser introduzido a um preço baixo. Hoje, a Nirma e a HLL são competidoras muito próximas no mercado de sabão em pó. De acordo A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 6

com a IndiaInfoline.com, um serviço de inteligência e pesquisa de mercado, cada uma possui 38% de market share. A análise da própria Unilever a respeito da competição entre as duas empresas no negócio de sabão em pó revelou algo além do potencial lucrativo do mercado localizado na base da pirâmide. (Veja figura 4) Contrariando os mitos populares, os mais pobres podem ser um mercado bastante rentável - especialmente se as multinacionais estiverem dispostas a alterar seu modelo de negócios. A camada 4 não é um mercado que suporta altas margens; assim, os lucros serão gerados pelo volume e pela eficiência do capital. As margens devem ser baixas, mas a venda de unidades deve ser extremamente alta. Executivos que focam o lucro bruto operacional irão perder a oportunidade na base da pirâmide; executivos que inovam e focam o lucro líquido serão recompensados. A Nirma se tornou uma das maiores marcas de sabão em pó do mundo. Já a HLL foi estimulada pela sua concorrente e mudou seu modelo de negócio, registrando um crescimento de 20% nas receitas anuais e 25% de crescimento anual nos lucros entre 1995 e 2000. Dentro do mesmo período, a capitalização de mercado da HLL cresceu para $12 bilhões - uma taxa de 40% de crescimento ao ano. A Unilever também se beneficiou da experiência de sua subsidiária na Índia. A empresa transportou os princípios do novo modelo de negócio da HLL (não o produto ou a marca) para criar um novo mercado de sabão em pó entre os mais pobres no Brasil, onde a marca Ala teve um grande sucesso. Mais importante ainda foi o fato da Unilever adotar a base da pirâmide como uma estratégia corporativa prioritária. Como pudemos observar no exemplo da Unilever, deve-se partir da seguinte premissa: servir à camada 4 implica combinar o melhor em tecnologia com uma base de recursos global para se adaptar às condições do mercado local. Produtos baratos e de baixa qualidade não são o objetivo. O potencial da camada 4 não pode ser realizado sem uma atitude empreendedora: o desafio estratégico para os executivos é visualizar um mercado ativo onde hoje só existem pessoas com baixíssima renda. Isso exige tremenda imaginação e criatividade para criar uma infra-estrutura de mercado num setor completamente desorganizado. Servir ao mercado da camada 4 não é a mesma coisa que servir aos atuais mercados de forma mais eficiente. Primeiramente, os gestores precisam desenvolver uma estrutura comercial voltada aos desafios e necessidades da camada 4. Criar uma nova infra-estrutura para esse mercado deve ser visto como um investimento tão importante quanto os investimentos em fábricas, processos, produtos e P&D. Além disso, contrariamente às estratégias de investimento convencionais, nenhuma empresa pode fazer isso sozinha. Muitos outros agentes devem ser envolvidos, incluindo autoridades governamentais locais, organizações não-governamentais (ONGs), comunidades, instituições financeiras e A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 7

outras organizações. Os quatro elementos-chave para obter sucesso no mercado da camada 4 são: criar poder de compra, formatar aspirações, ampliar o acesso e construir soluções locais. (Veja figura 5) Cada um desses quatro elementos exige inovações radicais em tecnologia, modelo de negócio e gestão de processos. As lideranças dos negócios devem estar dispostas a experimentar, colaborar e empoderar os agentes locais, criando novas fontes de vantagem competitiva e riqueza. CRIANDO PODER DE COMPRA De acordo com o relatório de 2001 da Organização Internacional do Trabalho, quase um bilhão de pessoas - aproximadamente 1/3 da força de trabalho mundial - está desempregada ou subempregada, não tendo condições de sustentar a si nem à sua família. Auxiliar o mundo dos países subdesenvolvidos a ultrapassar essa linha de miséria é uma oportunidade para ter sucesso fazendo o bem. Para isso duas intervenções são cruciais: prover acesso ao crédito e aumentar o potencial de ganho dos mais pobres. Algumas organizações já perceberam isso e começaram essa jornada, obtendo resultados positivos. O crédito comercial historicamente tem sido negado àqueles que são muito pobres. Mesmo as pessoas de baixa renda que têm acesso aos bancos, como não possuem garantias para oferecer, dificilmente conseguem obter crédito do sistema bancário tradicional. Como o economista peruano Hernando de Soto demonstrou em seu trabalho O Mistério do Capital, o crédito comercial está voltado para construir uma economia de mercado. O acesso ao crédito nos Estados Unidos permitiu às pessoas mais humildes conquistar pouco a pouco sua igualdade e realizar mais aquisições como casas, carros e educação. A grande maioria dos pobres nos países em desenvolvimento opera em uma economia informal ou paralegal em função do alto tempo e custo necessários para a regularização de seus ativos ou registro de seus microempreendimentos. Países em desenvolvimento vêm tentando, sem muito sucesso, obter subsídios governamentais para livrar os cidadãos mais pobres do ciclo da pobreza. Mesmo que os mais pobres recebam benefícios do governo para iniciarem seus pró- Figura 3. Novas estratégias para a base da pirâmide Percepção de Valor (Relação Preço-Performance) Desenvolvimento de produtos Produção Distribuição Sustentabilidade Redução na intensidade de uso dos recursos Reciclagem Energias renováveis Percepção de Qualidade Novos formatos de distribuição Criação de produtos resistentes a condições adversas (aquecimento, pó etc) Rentabilidade Intensidade do investimento Margens Volume A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 8

prios negócios, sua dependência de agiotas locais, cobrando altas taxas de juros, torna a continuidade do negócio inviável. Agiotas indianos em Mumbai (ex-bombaim), Índia, cobram taxas de juros de 20% ao dia. Isso significa que um vendedor de legumes, que toma emprestado 100 rúpias indiana (equivalente a R$6) na parte da manhã, deve retornar 120 rúpias indiana (R$7,20) à noite. Estender o crédito aos mais pobres para que possam melhorar seu padrão de vida não é uma idéia recente. A I.M Singer & Company, fundada em 1851, forneceu crédito para milhões de mulheres comprarem máquinas de costura. Pouquíssimas dessas mulheres poderiam pagar o elevado valor de R$ 300, correspondente ao preço à vista da máquina, mas a maioria poderia arcar com um pagamento de R$15 por mês. O mesmo raciocínio se aplica em maior escala na camada 4. Considere a experiência do Grameen Bank, em Bangladesh, um dos primeiros no mundo a aplicar o conceito de microcrédito num banco comercial. Criado há apenas 20 anos por Muhammad Yunus, um professor do departamento de economia na Universidade de Chittagong em Bangladesh, o Grameen Bank foi pioneiro em oferecer um serviço de empréstimos aos mais pobres e inspirou milhares de outros microemprestadores, atendendo 25 milhões de clientes pelo mundo, em países em desenvolvimento e nações ricas, incluindo Estados Unidos e Inglaterra. O Grameen Bank surgiu para solucionar os problemas do acesso ao crédito pela população de baixa renda: sem garantias, com alto índice de risco e facilmente sujeita à coação contratual. Dos 2,3 milhões de clientes, 95% são mulheres, as quais tradicionalmente sustentam as famílias nas comunidades rurais e oferecem menos riscos do que os homens. Os candidatos aos empréstimos devem apresentar propostas, que serão analisadas e avaliadas por cinco membros integrantes da comunidade. Os colaboradores do banco visitam as comunidades freqüentemente, conhecendo pessoalmente as mulheres que fizeram empréstimos e os projetos nos quais pretendem investir. Seguindo esse processo, o empréstimo é realizado sem a tradicional burocracia e linguagem enigmática do Ocidente. Com 1.170 agências, o Grameen Bank hoje provê serviço de microcrédito em mais de 40.000 comunidades, mais da metade delas em Bangladesh. Em 1996, o Grameen Bank alcançou uma taxa de 95% de adimplência, Figura 4. Nirma versus HLL no mercado indiano de sabão em pó (1999) Total de vendas ($ milhões de dólares) Margem Bruta (%) Retorno sobre Investimentos (ROI) (%) Fonte: Apresentação feita por John Ripley, vice presidente da Unilever, no encontro da Academy of Management em Agosto/1999. Nirma HLL (Wheel) HLL (outros produtos) 150 18 121 100 18 93 180 25 22 A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 9

mais alta do que a de qualquer outro banco no continente indiano. Contudo, a popularidade desse serviço fez com que surgissem outras iniciativas parecidas, diminuindo os lucros da atividade. Além disso, a taxa de retorno do Grameen Bank não é fácil de ser calculada. Historicamente, o banco era completamente manual, operando por meio de instalações físicas, uma estrutura que diminuía a sua eficiência. Atualmente, empresas ligadas ao Grameen Bank como o Grameen Telecom (provedor de serviços telefônicos locais) e o Grameen Shakti (criador de fontes de energia renovável) estão ajudando o Grameen Bank a construir uma infra-estrutura tecnológica para automatizar seus processos. Assim que o banco desenvolver seu modelo de negócio virtual, a lucratividade deverá aumentar radicalmente, deixando clara a importância da tecnologia de informação na revolução acelerada do microcrédito. Talvez a mais pertinente medida do sucesso do Grameen Bank seja a expansão global do interesse institucional pelo microcrédito, que foi estimulado em todo o mundo. No sul da África, onde 73% da população ganha menos de 5.000 rands (equivalente a R$1.380 reais) por mês, de acordo com um estudo de 2001 do Banco Mundial, os serviços bancários de varejo destinados à população de baixa renda estão se tornando a atividade mais competitiva e de maior crescimento. Em 1994, o Standard Bank da África do Sul, líder dentre os bancos comerciais na África, montou um negócio eletrônico de baixo custo, específico para grande volume de operações, chamado AutoBank E, aumentando suas receitas por meio da prestação de serviços bancários aos mais pobres. Com 2.500 máquinas automáticas e 98 centros de auto-atendimento, o Standard tem agora maior presença nas cidades e outras áreas de serviço do que qualquer outro banco doméstico. Até abril de 2001, o Standard atendeu quase 3 milhões de consumidores de baixa renda e está adicionando aproximadamente 60.000 clientes por mês, de acordo com o Sundays Times da África do Sul. Para abrir uma conta no Standard não se exige renda mínima do cliente, embora seja necessário que ele possua uma renda regular. Pessoas que nunca haviam usado um banco podem abrir uma conta com um depósito de 8 dólares (equivalente a 24 reais, utilizando uma taxa de conversão de 3,00 reais/dólar). Os clientes são atendidos por pessoas que falam uma variedade de dialetos africanos e recebem um cartão eletrônico e informações de como utilizá-lo. Uma pequena taxa fixa é cobrada para cada transação eletrônica efetuada. Uma conta de poupança é automaticamente vinculada a cada conta corrente visando a incentivar os mais pobres a pouparem. As taxas de juros pagas são baixas, mas já é melhor do que guardar o dinheiro debaixo do colchão. Segundo o The Sunday Times, o Standard Bank está considerando a possibilidade de lançar um programa de empréstimo para clientes de baixa renda. Os serviços computadorizados de microcrédito não apenas tornam as operações mais eficientes, mas também possibilitam alcançar várias pessoas, emprestando dinheiro a quem não possui nenhuma garantia para oferecer e nem endereço formal. Por ter menos despesas gerais e menos burocracia, os custos do AutoBank são de 30 a 40% A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 10

menores do que os custos das agências tradicionais. Figura 5. A infra-estrutura comercial na base da pirâmide Na Conferência sobre Microcrédito de 1999, as Nações Unidas, em conjunto com as maiores organizações multinacionais, como o Citigroup e a Monsanto, estabeleceram como objetivo oferecer o serviço de microcrédito a 100 milhões de famílias pobres no mundo até 2005. Infelizmente, o sucesso dessa meta está comprometido devido a altos custos de transação, falta de automatização e carência de informações e infra-estrutura de comunicação nas áreas rurais. Ampliando o acesso: sistemas de distribuição; links de comunicação. Criando poder de compra: acesso ao crédito; geração de renda Construindo soluções locais: desenvolvimento de produtos sob medida; inovação na base da pirâmide. Formatando aspirações: educação do consumidor; desenvolvimento sustentável. Para lidar com essas questões e acelerar o processo de desenvolvimento do microcrédito, o banqueiro francês Jacques Attali, presidente fundador do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e ex-conselheiro do presidente francês François Mitterand durante a década de 80, criou o PlaNet Finance. Esse website, www.planetfinance.org, interliga milhares de grupos de microcrédito numa rede para ajudá-los a compartilhar soluções e diminuir custos. O desenvolvimento de uma solução automatizada para localizar e processar milhões de pequenos empréstimos associados ao microcrédito é possível. Se os custos de processamento e das transações foram bastante reduzidos, eles podem ser agrupados e vendidos no mercado secundário para instituições multinacionais financeiras como o Citigroup. Isso deverá aumentar o capital disponível para o microcrédito, indo além dos atuais doadores e do governo. Nos Estados Unidos, o microcrédito também se enraizou durante a década passada em comunidades pobres. Por exemplo, o ShoreBank Corporation, inicialmente South Shore Bank, demonstrou a lucratividade de um banco para os mais pobres na região problemática do sul de Chicago. O projeto Enterprise, um programa localizado em Nova York ao estilo do Grameen, tem como público alvo os empreendedores pertencentes às minorias. Vários bancos multinacionais estão começando a oferecer serviços em países em desenvolvimento. O Citigroup, por enquanto, está fazendo uma experiência em Bangalore, Índia, com serviços 24 horas para clientes com depósitos de 25 dólares (R$75). Os resultados iniciais são muito positivos. A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 11

FORMATANDO ASPIRAÇÕES Inovações de produto iniciadas na camada 4 e promovidas pela educação dos consumidores irão não apenas influenciar positivamente a escolha das pessoas na base da pirâmide, mas remodelar o estilo de vida das pessoas da camada 1. De fato, em 20 anos é possível que olhemos para trás e percebamos que a camada 4 proveu o impulso de mercado a tecnologias revolucionárias que terão substituído as tecnologias não-sustentáveis dos países desenvolvidos e promovido o sucesso das empresas multinacionais mais visionárias. Por exemplo, a HLL (subsidiária da Unilever) desafiou-se a solucionar a carência, na Índia, de uma refrigeração que fosse prática, barata e de baixo consumo de energia. O laboratório da HLL desenvolveu um método radicalmente diferente de refrigeração, que possibilitou transportar os sorvetes pelo país em caminhões não-refrigerados padronizados. O novo sistema gerou uma grande redução no consumo de eletricidade e tornou desnecessário o uso de fluidos refrigeradores perigosos e poluidores. Como um bônus, o novo sistema é mais barato na construção e no uso. Eletricidade, água, refrigeração e muitos outros serviços essenciais são grandes oportunidades em países em desenvolvimento. Uma ONG americana, a Solar Electric Light Fund (SELF), adaptou criativamente a tecnologia e aplicou o microcrédito para levar serviços de eletricidade para comunidades remotas da Ásia e da África que, de outra maneira, gastariam dinheiro queimando querosene, vela, madeira ou esterco para obter luz e comida. O sistema de eletrificação rural da SELF está baseado na pequena escala e no poder da geração local de energia utilizando recursos renováveis. Um fundo de empréstimos fornece aos habitantes da comunidade o apoio financeiro para que eles mesmos possam operar o sistema, também criando empregos. Desde que foi fundada em 1990, a SELF lançou projetos na China, Índia, Sri Lanka, Nepal, Vietnã, Indonésia, Brasil, Uganda, Tanzânia, África do Sul e Ilhas Salomão. TRAZER EQUIPAMENTOS MODERNOS DE TI PARA AS COMUNIDADES DA CAMADA 4 VIABILIZA APLICAÇÕES COMO TELEDUCAÇÃO, TELEMEDICINA, BANCO DE MICROCRÉDITO E SERVIÇOS AGRÍCOLAS DE EXTENSÃO. O sucesso da SELF e de outras ONGs especializadas em soluções de distribuição de energia em pequena escala chamou a atenção de empresas ocidentais como a norte-americana Plug Power (células de combustível) e a Honeywell (microturbinas). Elas conseguiram enxergar a lógica de entrar no mercado inexplorado da camada 4 em vez de tentar forçar prematuramente sua tecnologia em aplicações para mercados desenvolvidos, onde instituições e pessoas obstruem seu caminho. Com alguns bilhões de consumidores potenciais ao redor do mundo, investimentos em tais inovações deveriam ser mais valorizados. A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 12

AMPLIANDO O ACESSO Como as comunidades da camada 4 são normalmente isoladas (física e economicamente), melhores sistemas de distribuição e conexões providas pela comunicação são essenciais para o desenvolvimento da base da pirâmide. Poucos dos países com grande mercado emergente possuem sistemas de distribuição que alcançam mais da metade da população. Isso justifica a contínua dependência dos consumidores mais pobres em relação aos produtos/serviços locais e aos agiotas. Conseqüentemente, poucas organizações multinacionais projetaram seus sistemas de distribuição para atender as necessidades dos consumidores pobres na área rural. Empresas locais criativas, no entanto, são líderes em distribuição rural eficaz. Na Índia, por exemplo, a Arvind Mills introduziu um novo sistema de entregas para blue jeans. A Arvind, o quinto maior produtor mundial de denim, considerava limitadas as vendas domésticas desse tecido na Índia. Custando entre 40 e 60 dólares cada calça, o jeans não era acessível às massas e o sistema de distribuição existente alcançava apenas algumas cidades e comunidades. Foi então que a Arvind introduziu a Ruff & Tuf jeans - um kit com os componentes do jeans (denim, zíper, rebite e remendo) do tipo faça você mesmo e com preço em torno de 6 dólares. Os kits foram distribuídos por meio de uma rede de milhares de costureiros(as) locais, muitos em pequenas cidades e comunidades rurais, cujo interesse próprio os motivou a vender os kits amplamente. O jeans Ruf & Tuf atualmente lidera as vendas de jeans na Índia, superando facilmente a Levi s e outras marcas dos Estados Unidos e Europa. As multinacionais também podem atuar na distribuição do que é produzido na camada 4 para os mercados da camada 1, possibilitando aos empreendimentos da base da pirâmide seus primeiros contatos com os mercados internacionais. De fato, é possível alavancar as tradicionais bases de conhecimento por meio de parcerias, a fim de que sejam feitos produtos mais sustentáveis e até melhores (em alguns casos) para os consumidores da camada 1. Anita Roddick, CEO da The Body Shop, demonstrou o poder dessa estratégia no começo dos anos 90 por meio de um programa de sua empresa chamado trade not aid (ou seja, um programa de comércio, não de ajuda ou auxílio), que buscava matérias-primas e produtos dos povos indígenas. Mais recentemente, a Starbucks, cooperando com a organização ecologista Conservation International, foi pioneira em um programa para buscar café diretamente dos fazendeiros na região de Chiapas, no México. Essas fazendas cultivam grãos de café de forma orgânica, utilizando sombreamento, que preserva o hábitat dos pássaros. A Starbucks comercializa o produto para os consumidores norte-americanos como um café premium, de alta qualidade; os produtores mexicanos se beneficiam economicamente do acordo de fornecimento, que elimina intermediários do modelo de negócios. Essa relação direta também melhora a compreensão e o conhecimento dos A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 13

fazendeiros locais a respeito do mercado e das expectativas dos consumidores na camada 1. O maior obstáculo para o desenvolvimento sustentável pode ser a pobreza de informação. Mais da metade da humanidade nunca fez uma simples ligação telefônica. Contudo, nos lugares em que já existem telefones e conexões de Internet, pela primeira vez na história é possível imaginar um único mercado, interconectado, ligando os mais ricos aos mais pobres de todo o mundo na busca por um verdadeiro desenvolvimento econômico sustentável. Esse processo poderia transformar o apartheid digital em uma integração digital. Dez anos atrás, Sam Pitroda, atual presidente do conselho e CEO da Worldtel (Londres), empresa resultante de uma união na área de telecomunicações para difundir o desenvolvimento da telecomunicação nos mercados emergentes, veio para a Índia com a idéia de telefones rurais. Sua concepção original era criar um telefone comunitário, operado por um empreendedor (de preferência mulher), que cobraria uma taxa pelo uso do telefone e reteria uma porcentagem como remuneração para manter o telefone. Hoje é possível ligar para qualquer parte do mundo das mais diferentes partes da Índia. Outros empreendedores introduziram serviços de fax e alguns estão testando o e-mail/acesso à Internet de baixo custo. Essas conexões providas pela comunicação alteraram dramaticamente a forma como as comunidades funcionam e a maneira como estão conectadas ao resto do país e do mundo. Com a emergência de conexões de banda larga mundiais, as oportunidades na camada 4 para os negócios baseados na informação se expandirão significativamente. Novos negócios como a CorDECT (Índia) e a Celnicos Communications (América Latina) estão desenvolvendo tecnologia de informação e modelos de negócio adequados às necessidades específicas da base da pirâmide. Por meio de modelos de acesso compartilhado (por exemplo, os quiosques de Internet), infra-estrutura sem fio e desenvolvimento de tecnologia sob medida, as empresas estão reduzindo dramaticamente o custo do estar conectado. Por exemplo, a conexão de voz e informação custa normalmente para as empresas entre 850 e 2.800 dólares por linha nos países desenvolvidos; a CorDECT reduziu esse custo para menos de 400 dólares por linha, com o objetivo de chegar a 100 dólares cada linha, o que levaria as telecomunicações a alcançar qualquer um nos países em desenvolvimento. Reconhecendo uma enorme oportunidade de negócio e desenvolvimento, a Hewlett-Packard concebeu a visão de world e-inclusion (inclusão mundial por meio da Internet), com foco em prover tecnologia, produtos e serviços apropriados às necessidades dos mais pobres no mundo. Como parte dessa estratégia, a HP entrou em um projeto com o MIT Media Lab e com a Foundation for Sustainable Development of Costa Rica - liderada pelo presidente José Maria Figueres Olsen - para desenvolver e implementar tele-centros em comunidades de áreas remotas. Esses centros urbanos digitais fornecem equipamento moderno de TI, com conexão rápida de Internet, a um preço A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 14

acessível, por meio de instrumentos de crédito, no nível local. Trazer essa tecnologia para as comunidades da camada 4 viabiliza uma série de aplicações, dentre elas a teleducação, a telemedicina, os bancos de microcrédito, os serviços agrícolas de extensão e o monitoramento ambiental. Todas elas ajudam a estimular microempreendimentos, desenvolvimento econômico e acesso a mercados mundiais. Espera-se que esse projeto, chamado Lincos, espalhe-se amplamente a partir dos pilotos atuais, localizados na América Central e Caribe, para a Ásia, África e Europa Central. CONSTRUINDO SOLUÇÕES LOCAIS Nesse começo de século, as vendas em conjunto das 200 maiores organizações multinacionais equivalem a aproximadamente 30% do PIB mundial. Contudo, essas mesmas organizações empregam menos de 1% da força de trabalho mundial. Das 100 maiores economias mundiais, 51 são economias internas de empresas. No entanto, os indicadores do Terceiro Mundo sofreram, em termos absolutos, estagnação ou declínio. Se as multinacionais pretendem prosperar no século 21, elas precisam expandir sua base econômica e dividi-la com um maior número de agentes. Elas precisam desempenhar um papel mais ativo no preenchimento da lacuna entre ricos e pobres. Isso não será alcançado se essas empresas produzirem apenas os chamados produtos globais de consumo, principalmente para consumidores da camada 1. Elas precisam cultivar mercados e culturas locais, alavancar as soluções locais e gerar riqueza nos níveis mais baixos da pirâmide. Essas organizações se tornarão referência quando passarem a produzir riqueza dentro da BdP (localmente) em vez de extrair riqueza da BdP. Para isso, as multinacionais precisam combinar sua tecnologia de ponta com profundos insights locais. Considere a questão da embalagem, por exemplo. Os consumidores de países que estão na camada 1 possuem renda e espaço disponível para comprar a granel (por exemplo, caixas de vinte quilos de detergente de grandes lojas como a Sam s Club) e ir às compras menos freqüentemente. Eles utilizam o dinheiro que dedicam a consumo para assegurar a conveniência de estoque. Já os consumidores da camada 4, com pouco dinheiro para gastar e espaço habitacional limitado, compram todo dia, mas em menor quantidade. Eles não podem armazenar itens na dispensa de casa nem ser altamente seletivos em relação ao que compram; eles buscam embalagens avulsas (unitárias). Por outro lado, os consumidores com poucos recursos dispõem do benefício da experimentação. Expostos a uma grande quantidade de produtos, podem trocar de marca a cada nova compra. Na Índia, 30% dos produtos de higiene pessoal e outros bens de consumo duráveis, como xampu, chá e medicamentos para gripe já são vendidos em embalagens unitárias. A maioria custa em torno A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 15

de 1 rúpia indiana (equivalente a 0,06 reais). Sem a inovação na embalagem, entretanto, essa tendência poderia resultar em um grande volume de lixo sólido. A Dow Chemical e a Cargill estão testando um plástico orgânico que seria totalmente biodegradável. Esse tipo de embalagem certamente trará muitos benefícios para a camada 4, mas poderá também revolucionar os mercados nas quatro camadas da pirâmide global. Para as organizações multinacionais, a melhor abordagem é somar as capacidades e o conhecimento de mercados locais às melhores práticas globais. Ainda que a iniciativa envolva a entrada de uma multinacional na camada 4 ou de um único empreendedor da camada 4, os princípios de desenvolvimento permanecem os mesmos: novos modelos de negócio devem preservar a cultura e o estilo de vida da comunidade local. É preciso uma combinação efetiva de conhecimento local e global em vez de uma mera reprodução do sistema ocidental. O desenvolvimento da indústria de leite na Índia traz muitas lições para as organizações multinacionais. A transformação começou por volta de 1946, quando a Cooperativa de Leite do Distrito de Khira, localizada no estado de Gujarat, estabeleceu sua própria unidade de processamento sob a liderança de Verghese Kurien e criou a marca Amul, uma das mais reconhecidas no país atualmente. Ao contrário das grandes fazendas produtoras de leite no Ocidente (fortemente industrializadas), na Índia o leite procede de muitas pequenas comunidades. Os produtores locais possuem, cada um, apenas dois ou três búfalos ou vacas e trazem seu leite duas vezes ao dia para o centro de coleta comunitário. Eles são pagos todo dia pelo leite que entregam, levando-se em conta o índice de gordura e o volume. Veículos utilitários refrigerados transportam o leite para unidades de processamento centrais, nas quais ele é pasteurizado. Em seguida, transportam o leite para os principais centros urbanos. Toda a cadeia de valor é cuidadosamente gerida, desde a produção local de leite até as instalações de processamento em grande escala. A Cooperativa do Distrito de Khira provê serviços para os produtores como assistência veterinária e ração para o gado. Ela também gerencia a distribuição do leite pasteurizado, leite em pó, manteiga, queijo, comida para bebês e outros produtos. O diferencial dessa cooperativa é que ela combina produção descentralizada com as eficiências de um processamento e infra-estrutura de distribuição modernos. Como resultado, produtores locais de leite que antes estavam excluídos (à margem da economia local), hoje recebem uma renda regular e estão sendo transformados em participantes ativos do mercado. Há vinte anos, havia pouca oferta de leite na Índia. Hoje, a Índia é o maior produtor mundial de leite. De acordo com o India s National Dairy Development Board, a rede nacional de cooperativas de leite possui atualmente 10 milhões e 700 mil membros (pequenos produtores), atinge 96 mil comunidades, inclui 170 associações de produtores de leite e atua em mais de 285 distritos. A produção A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 16

de leite aumentou 4,7% ao ano desde 1974. A disponibilidade de leite per capita na Índia aumentou, em 20 anos, de 107 gramas para 213 gramas ao dia. COLOCANDO TUDO JUNTO Os quatro elementos da infra-estrutura empresarial para atender à base da pirâmide estão interrelacionados. São eles: criar poder de compra, formatar as aspirações, ampliar o acesso e construir soluções locais. Inovações em um deles alavancam inovações nos demais. As empresas são apenas um dos atores; as organizações multinacionais precisam trabalhar junto com ONGs, governos locais/estaduais e comunidades. Ainda assim, alguém tem que assumir o desafio de fazer essa revolução acontecer. A pergunta é: por que esse alguém deve ser a organização multinacional? Mesmo que os gestores das multinacionais estejam emocionalmente convencidos, nada garante que as grandes empresas tenham reais vantagens sobre as pequenas organizações locais. As multinacionais talvez nunca sejam capazes de superar o custo ou a capacidade de resposta rápida dos empreendedores locais. De fato, empoderar os empreendedores e incentivar os empreendimentos locais é fundamental para desenvolver os mercados da camada 4. Ainda assim, há várias razões convincentes para as organizações multinacionais adotarem essa direção: Recursos: Construir uma infra-estrutura empresarial complexa para a base da pirâmide é uma tarefa que exige bastante em termos de recurso e gestão. Desenvolver produtos e serviços ambientalmente sustentáveis requer pesquisas significativas. É caro desenvolver e manter canais de distribuição e redes de comunicação. Poucos empreendedores locais possuem os recursos gerenciais e tecnológicos para criar esta infra-estrutura. Alavancagem: As multinacionais podem transferir conhecimento de um mercado para outro - da China para o Brasil ou Índia - como a Avon, a Unilever, o Citigroup e outras fizeram. Embora as práticas e os produtos devam ser customizados para atender às necessidades locais, as organizações multinacionais, com sua notável base de conhecimento global, apresentam uma vantagem que não é facilmente acessível para os empreendedores locais. Intermediação: As multinacionais podem ser os nós na construção da infra-estrutura empresarial, provendo acesso ao conhecimento, imaginação gerencial e recursos financeiros. Sem as multinacionais como catalisadoras, as ONGs, comunidades, governos locais, empreendedores e até mesmo agências de desenvolvimento multilaterais, embora bem intencionadas, continuarão a fracassar em seus esforços de levar desenvolvimento à base. As organizações multinacionais estão melhor posicionadas para unir os vários atores necessários para desenvolver o mercado da camada 4. A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 17

Transferência: Não apenas as organizações multinacionais podem alavancar a aprendizagem sobre a base da pirâmide, como também possuem a capacidade de transferir inovações por todo o mercado, incluindo a camada 1. Como vimos, a camada 4 é uma base de testes para a vida sustentável. Muitas das inovações feitas para a base podem ser adaptadas para uso nos países desenvolvidos (mercados intensivos em recurso e energia). É imprescindível, contudo, que os gestores reconheçam a natureza da liderança empresarial exigida no âmbito da camada 4. Criatividade, imaginação, tolerância à ambigüidade, perseverança, paixão, empatia e coragem podem ser tão importantes quanto a capacidade analítica, a inteligência e o conhecimento. Os líderes precisam de uma compreensão profunda das complexidades e sutilezas do desenvolvimento sustentável no contexto da camada 4. Por último, os gestores devem possuir competências interpessoais e interculturais para trabalhar com uma variedade grande de organizações e pessoas. As multinacionais precisam construir uma infra-estrutura organizacional para lidar com as oportunidades na base da pirâmide. Isso significa construir uma base local de suporte, reorientar a área de P&D para focar as necessidades dos mais pobres, formar novas alianças, aumentar a intensidade de emprego e reinventar as estruturas de custo. Estes cinco elementos organizacionais estão claramente inter-relacionados e se reforçam mutuamente. Construir uma base local de suporte: Empoderar os mais pobres constitui uma ameaça à estrutura de poder existente. A oposição local pode emergir muito rápido, como no caso da Cargil, que fez da semente de girassol um negócio na Índia. O escritório da Cargill foi duas vezes incendiado e os políticos locais acusaram a organização de destruir os negócios locais relacionados à semente. Mas a Cargill persistiu. Através de investimentos realizados pela organização na educação dos fazendeiros, em treinamento e fornecimento de suplementos agrícolas, os produtores melhoraram significativamente sua produtividade por acre de terra. Atualmente, a Cargill é vista como organização amiga do produtor. A oposição política desapareceu. Para superar problemas similares, as organizações multinacionais precisam construir uma base local de suporte político. Como a Monsanto e a General Electric podem atestar, é essencial o estabelecimento de uma coalizão entre ONGs, líderes comunitários e autoridades locais que possa fortalecer interesses. Formar esse tipo de coalizão pode ser um processo muito lento. Cada ator tem uma agenda diferente; as organizações multinacionais precisam compreender essas agendas e gerar aspirações compartilhadas. Na China, esse problema é menos grave: os burocratas locais são também os empreendedores locais, fazendo com que enxerguem mais facilmente os benefícios para seus empreendimentos e, simultaneamente, para suas comunidades, cidades ou províncias. Em países como a Índia e o Brasil esse tipo de alinhamento não existe. É necessário haver discussão A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 18

significativa, compartilhamento de informações, definição dos benefícios para cada ator e proximidade com debates locais. Conduzir P&D voltada para os mais pobres. É necessário haver P&D e pesquisa de mercado com foco nas necessidades específicas dos mais pobres, segmentados por região e por país. Na Índia, na China e no norte da África, por exemplo, pesquisas sobre como prover água de qualidade para beber, cozinhar, lavar e limpar são uma grande prioridade. A pesquisa também deve procurar adaptar as soluções de fora para as necessidades locais. Por exemplo, uma dosagem diária de vitaminas pode ser adicionada a uma grande variedade de produtos alimentícios. Para empresas que têm distribuição e presença de marca nos países em desenvolvimento, como a Coca-Cola, a base da pirâmide oferece um vasto mercado, não aproveitado, para produtos como água e nutrientes. Por último, a pesquisa deve identificar princípios úteis e aplicações em potencial a partir de práticas locais. Na camada 4, o conhecimento relevante é transmitido oralmente de geração para geração. Respeitar as tradições, buscando analisá-las cientificamente pode levar a novos conhecimentos. A criativa CEO da The Body Shop, Anita Roddick, construiu um negócio baseado em entender o porquê de práticas e rituais locais. Ela observou, por exemplo, que algumas mulheres africanas utilizam fatias de abacaxi para limpar sua pele. À primeira vista, essa prática parece ser um ritual inexpressivo. Entretanto, as pesquisas mostraram ingredientes ativos no abacaxi que removiam células mortas da pele de forma mais eficaz do que as formulações químicas. As organizações multinacionais precisam desenvolver unidades de pesquisa em mercados emergentes tais como China, Índia, Brasil, México e África, embora poucas tenham se empenhado fortemente nisso até agora. A Unilever é uma exceção; ela opera centros de pesquisa fortemente reconhecidos na Índia, empregando mais de 400 pesquisadores dedicados aos problemas dos mercados tipo Índia. Formar novas alianças. As multinacionais tradicionalmente formaram alianças apenas com o objetivo de penetrar em novos mercados; mas agora elas precisam expandir essas estratégias de aliança Quando formam alianças visando crescer em mercados da camada 4, as organizações multinacionais se beneficiam dos insights provenientes da cultura e do conhecimento local dos países em desenvolvimento. Simultaneamente, as multinacionais melhoram sua própria credibilidade. Elas também podem garantir acesso preferencial ou exclusivo para determinado mercado ou matéria-prima. Nós antevemos três tipos de relacionamentos importantes: alianças com empresas e cooperativas locais (como a Cooperativa de Leite do Distrito de Khira); alianças com ONGs locais e internacionais (como a aliança da Starbucks com a Conservation International no setor cafeeiro); e alianças com governos (por exemplo, a recente aliança da Merck & Company na Costa Rica para fomentar a preservação das florestas tropicais em troca dos direitos de bioprospecção). A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 19

Dada a dificuldade e a complexidade de se construir modelos de negócios dependentes de relacionamentos com governos nacionais ou centrais (por exemplo, no desenvolvimento de infra-estrutura de grande porte), nós prevemos mais alianças no nível local e regional. Para ser bem-sucedido em tais alianças, os gestores das organizações multinacionais precisam aprender a trabalhar com pessoas que podem não ter a mesma agenda ou o mesmo referencial econômico e educacional. O desafio e o resultado estão em gerir e aprender com a diversidade - econômica, intelectual, racial e lingüística. Aumentar a intensidade de emprego. As organizações multinacionais acostumadas aos mercados da camada 1 pensam em termos de intensidade de capital e produtividade da mão-de-obra. Na camada 4, aplica-se exatamente a lógica oposta. Dado o grande número de pessoas na base da pirâmide, o método de produção e distribuição deve gerar empregos para muitos, como no caso do jeans Ruf&Tuf de Arvind Mills: ele empregou um exército de costureiras(os) locais como armazenadores, promotores, distribuidores e provedores de serviço, embora o custo do jeans fosse 80% menor do que o da Levi s. Como Arvind demonstrou, as organizações multinacionais não precisam empregar muita gente de forma direta em sua folha de pagamento, mas o modelo organizacional na camada 4 deve aumentar a intensidade de emprego (e renda) entre os mais pobres e fazer com que se tornem novos consumidores. Reinventar as estruturas de custo. Os gestores devem reduzir dramaticamente os níveis de custo em relação aos da camada 1. Para criar produtos/serviços acessíveis aos mais pobres, as multinacionais precisam reduzir seus custos significativamente para chegar a, por exemplo, 10% dos custos atuais. No entanto, mudanças incrementais, ou seja, aperfeiçoamentos nos atuais métodos de geração de desenvolvimento, produção e logística não alcançarão tal objetivo. Será preciso reinventar, isto é, repensar o processo inteiro do negócio com foco na funcionalidade, não no produto em si. Por exemplo, os serviços financeiros não precisam ser distribuídos apenas por meio de filiais que funcionam das 9 da manhã às 5 da tarde. Tais serviços podem ser providos em horário e local convenientes para os consumidores mais pobres - depois das 8 da noite em suas casas. Máquinas de sacar dinheiro podem ser implantadas em áreas seguras - delegacias e correios. O reconhecimento da íris como medida de segurança poderia substituir os nada práticos números de identificação pessoal e cartões de identificação. Diminuir as estruturas de custo provoca um debate sobre formas de também reduzir os custos de investimento. Isso inevitavelmente levará a um maior uso de tecnologia de informação (TI) para desenvolver sistemas de produção e distribuição. Como dito anteriormente, os telefones instalados nas comunidades já estão transformando o modelo das comunicações nos países em desenvolvimento. Com a adição da Internet o impacto é ainda maior: temos toda uma nova forma de comunicar e criar desenvolvimento econômico nas áreas pobres, rurais. O uso criativo de TI emer- A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE 20