Perfil de adolescentes com risco cardiovascular e metabólico atendidos em um serviço público especializado em atenção ao adolescente



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6 ARTIGO ORIGINAL Sofia Ennes 1 ; Vinicius Domingues 1 ; Tamy Sequeira 1 ; Robson Medeiros 1 ; Fernando Juncá 1 ; Rúbia Salles 1 ; Eduardo Luiz Fernandes 1 ; Raphael Boechat 1 ; Rodrigo Freitas 1 ; Samir Ahmed 1 ; Maria Cristina Pereira de Sá 2 ; Myrna Rocha2 ; Maria Cristina Caetano Kuschnir 2 Perfil de adolescentes com risco cardiovascular e metabólico atendidos em um serviço público especializado em atenção ao adolescente Profile of adolescents at increased cardiovascular and metabolic risk seen at a government center specializing in adolescent healthcare RESUMO Objetivo: Traçar o perfil de adolescentes com risco cardiovascular e metabólico que chegam a um serviço especializado. Métodos: Através da análise de 102 prontuários de adolescentes atendidos no Núcleo de Estudos e Saúde do Adolescente (NESA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no período entre 2000 e 2008, foram avaliadas as características relacionadas a IMC, perfil lipídico, glicemia e PA. As possíveis associações das variáveis categóricas foram observadas através do teste do qui quadrado, e o comportamento das variáveis contínuas, através do teste t de Student. Resultados: Foram observadas significativas associações do IMC com idade, perfil lipídico (índices elevados de LDL e reduzidos de HDL) e taxas de triglicerídeos nos adolescentes avaliados. Conclusão: Os adolescentes que procuram serviços de saúde especializados em tratamento da obesidade já costumam apresentar comorbidades importantes relacionadas à mesma, tornando a sua prevenção altamente necessária. Profissionais de saúde, professores e familiares devem ter o excesso de peso como uma de suas principais preocupações. PALAVRAS-CHAVE Adolescentes, obesidade, risco cardiovascular. ABSTRACT Objective: To identify the profile of adolescents at cardiovascular and metabolic risk seen at a specialized clinic. Methods: Retrospective analysis of 102 medical records of adolescents seen at the Adolescent Health and Study Center (NESA) at the Rio de Janeiro State University (UERJ) between 2000 and 2008, evaluating characteristics related to: Body Mass Index (BMI), lipid panel, glycemia and blood pressure. The possible associations among the categorical variables were observed through the chi-square test, and the behavior of the continuous variables through the Student-t test. Results: Significant associations were noted between the BMI and age, lipid panel (high LDL and low HDL) and triglyceride levels of the adolescents studied. Conclusion: Adolescents treated at healthcare facilities specializing in obesity usually present significant co-morbidities related to this condition, making prevention vital. Healthcare practitioners, teachers and family members must focus on overweight as a matter of major concern. KEY WORDS Adolescents, obesity, cardiovascular risk. 1 Alunos de Graduação em Medicina Universidade Estácio de Sá. 2 Professora de Saúde da Criança e do Adolescente Universidade Estácio de Sá. Sofia Ennes (sofiaennes@yahoo.com.br) - Rua Barão da Torre, 100/102 - Ipanema Recebido em 18/01/2011 - Aprovado em 23/03/2011

7 INTRODUÇÃO O excesso de peso na infância e na adolescência constitui um grave problema de saúde pública em nosso País. De acordo com relatos da Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência de obesidade infantil tem crescido em torno de 10 a 40% na maioria dos países europeus nos últimos dez anos 1. Preocupa o fato de que adolescentes obesos serão adultos obesos. O estudo de Serdula et al. 2 mostrou que 8 em cada 10 adolescentes continuam obesos na fase adulta. A obesidade é considerada uma doença multifatorial, sendo relacionada a fatores socioeconômicos, herança genética, hábitos de vida sedentários, dieta alimentar equivocada, distúrbios psicológicos, problemas na convivência familiar entre outros. Atualmente, observamos como fator de grande preocupação a agregação de fatores de risco, tais como aumento de gorduras e glicose, sempre precedido pela resistência insulínica dentre outros aos desfechos indesejáveis da obesidade, como hipertensão arterial, doenças coronarianas, acidentes vasculares isquêmicos e nefropatias. A alta prevalência do excesso de peso entre adolescentes justifica a pesquisa que visa caracterizar como estes adolescentes chegam aos serviços de saúde, buscando algum tipo de ajuda. Devemos, portanto, observar quais fatores de mal prognóstico já estão presentes nesta faixa etária a fim de que serviços ou tipos de atenção diferenciada possam ser prestados a estes adolescentes. MÉTODOS Trata-se de um estudo de casos, a partir de uma amostra de conveniência de adolescentes atendidos no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA/UERJ), em um programa de atenção ao adolescente com excesso de peso e/ ou hipertensão arterial primária. Foram avaliados os prontuários de 102 adolescentes de 12 a 19 anos, atendidos no período de 2000 a 2008. Os dados da primeira consulta e da primeira avaliação laboratorial foram coletados. Foram observadas as seguintes variáveis: sexo, idade, motivo da consulta, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), calculado a partir do peso, dividido pelo quadrado da altura e classificado de acordo com Cole et al. 3, em 2000. Consideramos com sobrepeso aqueles adolescentes com IMC entre o percentil 85 e 95 e obesos aqueles com percentil acima de 95. A pressão arterial foi aferida por método auscultatório, utilizando-se o esfigmanômetro de coluna de mercúrio com adequação do manguito à circunferência braquial, após 5 minutos de repouso na posição sentada. Foram consideradas elevadas as pressões sistólica (PAS) e diastólica (PAD) maiores ou iguais ao percentil 90 para os adolescentes do sexo masculino e feminino com idade até 17 anos. Aqueles com 18 e 19 anos foram qualificados com índices de adultos (PAS maior que 140mmHg e PAD maior que 90mmHg) 4. Glicose, colesterol, HDL e triglicerídeos séricos também foram avaliados, bem como o hemograma, segundo padrões de qualidade estabelecidos pelo laboratório do Hospital Universitário. Os dados foram inseridos e analisados no aplicativo Epi-Info. Observamos a frequência das variáveis. Possíveis associações das variáveis categóricas foram observadas através do teste do qui quadrado, e o comportamento das variáveis contínuas, através do teste t de Student. RESULTADOS Foram analisados os prontuários de 102 adolescentes, de 12 a 19 anos, no período entre 2000 e 2008, referenciados por apresentarem excesso de peso e/ou hipertensão arterial. Observamos que 44 indivíduos (43,1%) eram do sexo masculino e 58 indivíduos (56,9%), do sexo feminino. A média de idade do grupo era de 15,4 anos. Os motivos para a consulta consistiam em (1) problemas relacionados à prevenção à saúde em 45% dos casos, (2) estética em 28% Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 6-10, abr/jun 2011

8 dos casos, (3) tratamento de complicações da obesidade em 23% dos casos e (4) outros 4%. A Tabela 1 mostra as características desta população. Pode-se observar a prevalência da obesidade em ambos os sexos, sendo que 66,1% da população são do sexo masculino e 79,5% do sexo feminino. Avaliando-se o perfil lipídico do grupo em questão, pode-se notar que, no sexo feminino, apenas 20% possuem níveis normais de colesterol total. Já no sexo masculino, essa distribuição é mais homogênea, posto que 50% têm seus níveis de colesterol total dentro da normalidade enquanto os outros 50% têm níveis elevados. Em relação aos triglicerídeos, a maioria dos indivíduos analisados não apresentou elevação das taxas, sendo que 65,9% eram do sexo feminino e 80,8% do sexo masculino. Pode-se notar, ainda, associação entre idade e IMC, isto é, os mais velhos apresentam IMC mais elevados, p < 0,001. Relacionando o perfil lipídico ao IMC, per- cebemos que 77,2% dos pacientes com elevação do colesterol total são obesos, 10,5% têm sobrepeso e 12,3% estão dentro da normalidade. Observamos, também, que 8,3% dos pacientes com taxas de triglicerídeos elevadas eram eutróficos, 4,2% tinham sobrepeso e 87,5% eram obesos. Em relação à pressão arterial: 55,4% dos pacientes do sexo masculino possuem pressão arterial sistólica elevada, enquanto que no sexo feminino esse valor foi um pouco maior, totalizando 60,5% das pacientes. Pudemos observar que, em relação à pressão arterial diastólica, 53,5% das pacientes do sexo feminino têm níveis pressóricos elevados. Já no sexo masculino, notamos uma significativa diferença, uma vez que o percentual de hipertensos é de 35,7%. Comentamos, ainda, que foram encontrados somente dois indivíduos portadores de anemia ferropriva. Tabela 1. FREQUÊNCIA DAS VARIÁVEIS OBSERVADAS MASCULINO FEMININO N % N % Obesos 37 66,1 35 79,5 Com sobrepeso 4 7,1 5 11,4 Eutróficos 14 25 4 9,1 Desnutrido 1 1,8 Pressão arterial sistólica elevada 31 55,4 26 60,5 Pressão arterial sistólica normal 25 44,6 17 39,5 Pressão arterial diastólica elevada 20 35,7 23 53,3 Pressão arterial diastólica normal 36 64,3 20 46,5 Colesterol elevado 26 50 32 80 Colesterol normal 26 50 8 20 HDL baixo 19 52,8 14 50 HDL normal 17 47,2 14 50 TGL elevado 10 19,2 14 34,1 TGL normal 42 80,8 27 65,9

9 DISCUSSÃO Em nosso estudo, foram analisados os dados da primeira consulta dos adolescentes atendidos. Observamos alta prevalência de obesidade em ambos os sexos, resultado semelhante ao de Buff et al. 5 em seu estudo no ambulatório de obesidade do Serviço de Crescimento e Desenvolvimento e Terapia Nutricional do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC. No entanto, encontramos um maior número de pacientes obesos do sexo masculino, bem como um maior número de alterações nesse gênero, o que se assemelha aos resultados encontrados por Godoy-Matos et al. 6, Fonseca et al. 7 e Korsten- Reck et al. 8 em seus respectivos estudos. Encontramos, ainda, uma forte associação entre IMC, colesterol e triglicerídeos, ao passo que aqueles indivíduos com IMC acima dos valores considerados normais também apresentavam, em sua maioria, um perfil lipídico preocupantemente alterado, com valores de colesterol total e triglicerídeos acima do requerido. Já França et al. 9, em seu estudo sobre dislipidemia entre crianças e adolescentes, demonstraram uma maior prevalência de alterações do colesterol total em meninas, achado este também encontrado em nosso estudo, onde foi evidenciado que 76,2% dos indivíduos do sexo feminino possuíam níveis alterados de colesterol total. Nos indivíduos do sexo masculino esse número caiu para 47,3%. A glicemia mostrou-se abaixo de 126 mg/dl em ambos os sexos, no entanto quatro amostras apresentaram glicemia maior que 100 mg/dl, o que se traduz de maneira geral por uma resistência aumentada à insulina. Esta característica pode ter se estabelecido frente ao fato de que a glicemia costuma ser um dos últimos componentes da síndrome metabólica (SM) a se alterar, no entanto, faz-se necessária a avaliação da insulinemia, visto que poderíamos encontrar um aumento da insulina nestes pacientes. Infelizmente não foi possível avaliar os níveis de insulina em nosso estudo. Vale lembrar que as famílias dos pacientes avaliados pertenciam a classes sociais menos favorecidas. É comum a associação entre nível econômico desfavorável e aparecimento de distúrbios nutricionais, incluindo a obesidade, com risco aumentado para o desenvolvimento de comorbidades. A anemia é o resultado do desequilíbrio entre a quantidade do mineral biologicamente disponível e a necessidade orgânica. A alta prevalência dessa deficiência nutricional na criança e no adolescente pode ser o reflexo do baixo consumo de alimentos com fonte de ferro biodisponível e do aumento da demanda orgânica do mineral, ocasionado pela expansão dos tecidos e da massa celular vermelha. Essa característica, entretanto, não foi importante em nosso estudo, já que somente dois indivíduos apresentavam anemia ferropriva. Deparamo-nos, também, com outro importante dado: a pressão arterial sistólica encontrava-se elevada em 50% dos indivíduos do sexo masculino e em 60% dos indivíduos do sexo feminino, nos levando a deduzir que há estreita correlação entre o excesso de peso apresentado pelos adolescentes avaliados e o aumento nos valores de pressão arterial sistêmica. Esmiuçandose ainda mais essa dedução, observamos que a pressão arterial diastólica encontrava-se elevada em 50% dos indivíduos do sexo feminino e apenas em 36% dos indivíduos do sexo masculino. Devido ao fato de o aumento da pressão arterial diastólica denotar maior gravidade nas doenças cardiovasculares, podemos inferir que as meninas são mais propensas aos riscos e complicações cardiovasculares quando comparadas aos meninos. CONCLUSÃO Já sabemos que obesidade, alterações no perfil lipídico e hipertensão em adolescentes contribuem diretamente para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e alterações metabólicas na idade adulta. No presente estudo, observamos a alta prevalência desses fatores na população de adolescentes em questão, ou seja, aqueles indivíduos que chegaram ao serviço de saúde e já se encontravam com seu estado de saúde bastante comprometido, indicando a necessidade premente de uma identificação mais Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 6-10, abr/jun 2011

10 precoce do problema, seja pelas famílias, pela escola, pelo pediatra ou pela equipe de saúde da família. Vale ressaltar que, como analisado no estudo, há uma significativa diferença entre os resultados obtidos nos pacientes do sexo feminino e masculino, sendo este, portanto, um dado sugestivo de que provavelmente tais grupos devem ser analisados de forma diferenciada. REFERÊNCIAS 1. Giannini D, Kuschnir MC, Szklo M. Diagnóstico e prevalência da síndrome metabólica na adolescência. Revista Oficial do Núcleo de Estudos do Adolescente/UERJ: vol.2; 2010. 2. Serdula MK, Ivery D, Coates JR, Feedman DS, Williamson DF, Byers T. Do obese children become obese adults? A review of the literature. Prev Med. 1993; 22: 167-77. 3. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM & Dietz WH. Establishing a standard defi nition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320(7244):1240-3. 4. National High Blood Pressure Education Program Working Group on Hypertension Control in Children and Adolescents. Update on the 1987 Task Force Report on High Blood Pressure in Children and Adolescents: a working group report from the National High Blood Pressure Education Program. Pediatrics 1996; 98:69-658. 5. Buff, C, Ramos E, Souza F, Sarni R. Frequência de síndrome metabólica em crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Rev Paulista de Pediatria vol.25 no.3. São Paulo, Setembro de 2007. 6. Godoy-Matos, A, Guedes E, de Souza L, Martins M. Controle da obesidade em adolescentes: atualização. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia Metabólica 2009; 53/2. 7. Fonseca VM, Sichieri R & Veiga GV. Fatores associados à obesidade em adolescentes. Revista de Saúde Pública 1998; 32(6):541-9. 8. Korsten-Reck U, Kromeyer-Hauschild K, Korsten K, Baumstark MW, Dickhuth H & Berg A. Frequency of secundary dyslipidemia in obese children. Vascular Health and Risk Management. 2008;4(5):1089-94. 9. França E, Alves JGB. Dislipidemia entre crianças e adolescentes de Pernambuco. Arq Bras Cardiol 2006;87(6):722-27.