Esvaziamento ganglionar Cervical após QT/RT no IPO FGL. Neck dissection after chemoradiotherapy at the IPO FGL



Documentos relacionados
João Barosa Francisco Branquinho Arnaldo Guimarães

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

Estado atual da quimioterapia de indução seguida de radioquimioterapianos tumores de cabeça e pescoço

Protocolo de Preservação de Orgão em Câncer de Cabeça e Pescoço

Gaudencio Barbosa R3CCP HUWC

Qualidade no registo de dados clínicos

Esvaziamento Cervical Seletivo em Pescoço Clinicamente Positivo

REACT PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO NO CANCRO DA PRÓSTATA

Qual a importância. definição do tipo histológico Carcinoma. vs Adenocarcinoma de

A QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES LOCALMENTE AVANÇADOS TRATADOS COM RADIOQUIMIOTERAPIA É MELHOR DO QUE NAQUELES SUBMETIDOS A LARINGECTOMIA TOTAL?

Tratamento Sistêmico Câncer Gástrico

Introdução à patologia. Profª. Thais de A. Almeida 06/05/13

O QUE É? O RETINOBLASTOMA

Comparação terapêutica entre radioterapia e cirurgia para câncer de laringe localmente avançado: experiência do Hospital Erasto Gaertner

CABEÇA E PESCOÇO. GILBERTO DE CASTRO JUNIOR Hospital Sírio-Libanês, São Paulo Serviço de Oncologia Clínica, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Departamento de Cirurgia Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

Sessão Educacional I Cancro de Pâncreas: A melhor decisão multidisciplinar. Enfª Joana Ferreira Unidade de Digestivo - Fundação Champalimaud

CONJUGAÇÃO DO EXAME DE PET/CT COM IMRT NO DELINEAMENTO E PLANEJAMENTO EM TUMORES DE CANAL ANAL. Lílian d Antonino Faroni Rio de Janeiro 2012

Resposta patológica completa ao tratamento neoadjuvante como fator prognóstico para pacientes com câncer de reto

SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS RELATÓRIO PARA A

O que é e qual a Testes sua importância e diagnóstico Factores de riscotratamento Sintomas

QT, RT e Protocolo de Preservação de Órgãos em Cirurgia de Cabeça e Pescoço CEC laringe e faringe. Humberto Brito R3 CCP

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA

Linfoepitelioma Nasofaringe

XXII WORSHOP UROLOGIA ONCOLÓGICA Março 2017 Hotel Solverde, Espinho

Faculdade de Medicina do ABC Disciplina de Ginecologia Serviço do Prof. Dr. César Eduardo Fernandes. Setor de Mastologia IVO CARELLI FILHO

Ecografia Axilar na Detecção de Metástases Ganglionares de Tumores Malignos Primários da Mama - correlação anatomo-patológica.

Benefício da radioterapia neoadjuvante na sobrevida de pacientes com câncer de mama localmente avançado

Papel da TC nas decisões terapêuticas nos carcinomas da laringe/hipofaringe Role of CT in treatment decisions in laryngeal/ hypopharyngeal carcinomas

Encontro Pós ASTRO 2011

Estadiamento do câncer de pulmão. Disciplina de Cirurgia Torácica UNIFESP +

SIGNIFICADO PROGNÓSTICO DO LINFONODO METASTÁTICO N3 EM CARCINOMAS EPIDERMÓIDES DE CABEÇA E PESCOÇO

Nódulo de Tireoide. Diagnóstico:

Carolina Durão João Pimentel Ana Hebe Ricardo Pacheco Pedro Montalvão Miguel Magalhães

Brazilian Journal of OTORHINOLARYNGOLOGY.

RECIDIVAS REGIONAIS NOS PACIENTES COM CARCINOMA EPIDERMÓIDE DAS VIAS AERODIGESTIVAS SUPERIORES SUBMETIDOS À ESVAZIAMENTO CERVICAL

Câncer de Ovário (Epitelial)

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Radioterapia para câncer de testículo (seminoma) Quando indicar? ANDREIA CARVALHO R3 Radioterapia Hospital do Servidor Público Estadual São Paulo

Artigo Original. Prevalência e caracterização do trismo no câncer de cabeça e pescoço

Algoritmo de condutas para tratamento de câncer de pâncreas

Declaro não haver nenhum conflito de interesse.

Faculdade de Odontologia Mestrado em Odontologia - Ortodontia. Projeto de Pesquisa. Titulo. Pesquisador:

Ygor Vieira de Oliveira. Declaração de conflito de interesse

Evolução no tratamento do carcinoma avançado da laringe: Estaremos a melhorar?

CAPÍTULO 2. CÂnCER DE MAMA: AVALIAÇÃO InICIAL E ACOMPAnHAMEnTO. 1. INTRODUçãO

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

Mielografia. Técnica em Radiologia: Antonia Ariadne

Melhorias de Processos segundo o PDCA Parte IV

Lídia Roque Ramos, Pedro Pinto-Marques, João de Freitas SERVIÇO DE GASTROENTEROLOGIA

Qual a melhor combinação de quimioterapia quando associada à radioterapia para tumores localmente avançados (pulmão)?

MELANOMAS MALIGNOS DAS MUCOSAS DA CABEÇA E PESCOÇO: EXPERIÊNCIA DO IPO-FG DE COIMBRA

QuímioRadioterapia nos tumores de cabeça e pescoço. Guy Pedro Vieira

Screening no Câncer de Próstata: deve ser recomendado de rotina para os homens entre 50 e 70 anos? Aguinaldo Nardi São Paulo Março 2012

Estudos Oncológicos por Tomografia Computorizada Siemens AG 2013 All rights reserved. Answers for life.

Doença de base 2. CARACTERIZAÇÃO DAS LESÕES

Introdução. Ou seja, de certo modo esperamos que haja uma certa

Monitorização ambulatória da pressão arterial na idade pediátrica

ECONOMIA FLORESTAL. Análise Custo-Benefício

Acesso às Consultas Externas do Serviço de Estomatologia do Hospital de Santa Maria do Centro Hospitalar Lisboa Norte

Avaliação dos fatores prognósticos e sobrevida de pacientes com Osteossarcoma atendidos em um Hospital Filantrópico de Teresina (PI), Brasil

Desvio Padrão ou Erro Padrão

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DEPARTAMENTO DE EPIDEMIOLOGIA DISCIPLINA - EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS 2006

Radioterapia no tratamento do Cancro do pulmão. Normas de orientação prática - CPO

INSTITUTO LADO A LADO PELA VIDA

II Simpósio Internacional Câncer de Cabeça e Pescoço 2 de agosto de 2013

Padrão TISS - Componente de Conteúdo e Estrutura - Novembro

IMAGIOLOGIA NOS TUMORES DE CÉLULAS RENAIS

Up to date da radiologia no câncer de pulmão

Residência de Cirurgia Cabeça e Pescoço H.U.W.C. Apresentador: Dr. Wendell Leite. Fevereiro/2006

Melanoma de mucosa oral

SEXTA-FEIRA 04/03. 8h30 - RECONSTRUÇÃO MAMÁRIA APÓS RECIDIVA LOCAL EM CIRURGIA CONSERVADORA. Fabrício Brenelli SP

Qual o papel da Braquiterapia nos tumores de pele?

Análise epidemiológica de portadores de câncer diferenciado de tireóide tratados com iodoterapia

PROCEDIMENTO INTERNO

Avaliação e Tratamento da Recidiva Loco-regional do Câncer de Próstata

As sete ferramentas da qualidade (Seven Tools)

irurgia Revista Portuguesa de Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Cirurgia II Série N. 16 Março 2011

Revista Portuguesa de

Cancro de Pâncreas Tumores localmente avançados /Borderline ressecáveis

Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS) O contributo dos Diagnósticos In Vitro

PARTE C SAÚDE (2) Diário da República, 2.ª série N.º de julho de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde

ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS

Aspectos ultrassonográficos das recidivas pós tireoidectomia total por tumores malignos da tireoide.

Audiência Pública. CAE/CAS Senado Federal

ANOVA. (Analysis of Variance) Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

NUTRIÇÃO NO PLANO NACIONAL DE SAÚDE Contributo da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP)

Cirurgia da mama em casos de câncer de mama metastático: entendendo os dados atuais

Artigo original/original Article

Número: 01 Dezembro/2015

Carcinoma Laríngeo/Hipofaringe localmente avançado: Protocolo de preservação de órgão!

MINISTERIO DA SAÚDE INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA RESIDÊNCIA MÉDICA EM CANCEROLOGIA CIRÚRGICA JADIVAN LEITE DE OLIVEIRA

Análise dos dados

AVALIAÇÃO CRÍTICA DAS TÉCNICAS CIRÚRGICAS PARA CORREÇÃO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO. ELIZABETE ROMANO R3 Orientadora: REBECCA SOTELO

Gustavo Nader Marta, Rachel Riera, Cristiane Rufino Macedo, Gilberto de Castro Junior, André Lopes Carvalho, Luiz Paulo Kowalski

PREVENÇÃO DE QUEDAS NO ATENDIMENTO DOMICILIAR UNIMED LIMEIRA FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL.

PROGRAMA DE MELHORIA CONTINUA DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM

Conferências 8:25-8:40 Biologia molecular em esôfago e estômago : qual impacto na prática? qual o futuro?

INTRODUÇÃO OBJETIVO MÉTODOS

5.1 Processo de Avaliação de Organizações Prestadoras de Serviços Hospitalares O processo de avaliação e visita deve ser orientado pela aplicação do

Transcrição:

Esvaziamento ganglionar Cervical após QT/RT no IPO FGL Neck dissection after chemoradiotherapy at the IPO FGL Sara Ramalho Luís Correia Oliveira Pedro Montalvão Hugo Estibeiro Ana Hebe Miguel Magalhães RESUMO: Introdução: A Radioterapia (RT), associada a Quimioterapia (QT) são tratamentos propostos para muitos doentes oncológicos da área da cabeça e pescoço, sendo muitas vezes a escolha inicial, particularmente em tumores localmente avançados. A dissecção cervical seria realizada, caso necessário, se persistisse doença regional após QT/RT. A controvérsia é gerada principalmente na doença N2/N3 com resposta completa dada a difícil avaliação clínica, imagiologica e anatomo-patológica. Os defensores do esvaziamento ganglionar cervical sistemático pós QT/RT argumentam uma maior eficácia no controlo da doença regional e que uma resposta clínica não prediz necessariamente uma remissão anatomo-patológica. Por outro lado, os defensores do esvaziamento cervical apenas para doentes com evidência de doença, argumentam a baixa probabilidade de recorrência regional isolada após resposta clínica completa. A dissecção cervical sistemática apresentaria uma elevada taxa de dissecções cervicais desnecessárias, associadas a uma maior morbilidade. A abordagem da doença regional no IPO FGL é o esvaziamento ganglionar cervical após QT/RT se existir evidência clínica ou imagiológica de persistência de doença cervical. A evidência imagiológica é avaliada com recurso a TC cervical e/ou ecografia habitualmente após 6 semanas do término do tratamento de QT/RT. Mais recentemente, tem-se recorrido à PET para avaliação da resposta terapêutica. Objetivo: O objetivo deste trabalho é a caracterização dos doentes com tumores da cabeça e pescoço, cuja persistência clinica da doença regional após QT/RT levou a decisão cirúrgica de realização de esvaziamento ganglionar cervical para controlo da doença regional. Material e métodos: Foram analisados 71 processos de doentes submetidos a dissecção cervical nos anos de 2001-2010, tendo sido excluídos os doentes cuja terapêutica inicial ou salvage envolveu cirurgia da doença local. Desta forma foram selecionados 23 doentes que realizaram QT/RT como terapêutica inicial tendo sido posteriormente submetidos a esvaziamento cervical por persistência da doença regional. Resultados: Dos doentes selecionados, 7 apresentaram-se com tumor primário da nasofaringe, 7 com tumor primário da amígdala, 7 da base da língua/hipofaringe e 1 com tumor primário do palato. A doença cervical foi maioritariamente avançada, nomeadamente N2/N3 em 74% dos casos. Em todos foi realizada TC para avaliação cervical após QT/RT tendo sido efetuada PET em 2 dos doentes operados. O resultado histológico dos gânglios excisados foi positivo para células neoplásicas em 83% dos doentes operados. Conclusão: O esvaziamento ganglionar cervical é importante no controlo da doença regional e consequente sobrevida em doentes submetidos a QT/RT por tumores da cabeça e pescoço. Os resultados obtidos são satisfatórios quanto à eficácia do follow-up pós QT/RT, resultando em cirurgia nos doentes com persistência da doença e evitando associação de morbilidade a doentes que não beneficiem de terapêutica cirúrgica. Palavras Chave: Esvaziamento Ganglionar Cervical, oncologia, tumores da cabeça e pescoço Sara Ramalho Interna do Internato Complementar de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho Luís Correia Oliveira Pedro Montalvão Hugo Estibeiro Ana Hebe Assistente Hospitalar do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Lisboa Miguel Magalhães Diretor de Serviço do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Lisboa Correspondência: Sara Ramalho, Serviço de Otorrinolaringologia, Hospital Vila Nova de Gaia Rua Conceição Fernandes, 4434-502 Vila Nova de Gaia Email: sararamalho@gmail.com Tel: 911196992 ABSTRACT Introduction: Radiotherapy and chemotherapy are treatment strategies for head and neck oncologic patients. In many cases they are the first line treatment, especially in locally advanced disease. Neck dissection would be done if the disease persisted after chemoradiotherapy. Controversy lies on the N2/N3 cases with total response due to difficult clinical, imagiological and histological evaluation. The sistematic pos chemoradiotherapy neck dissection defensors talk about a better regional disease control, and say that a clinical response doesn t mean a remission. On the other side, the nech dissection on patients with residual disease defensors claim that after a complete clinical response the probability of a single regional recorrence is very small; for that, the systematic neck dissection would be an unnecessary cause of morbility. In IPO FGL neck dissection after chemoradiotherapy is performed VOL 52. Nº3. SETEMBRO 2014 127

if clinical or imagiological signs of persistente of disease are noticed. The imagiological evidence is evaluated with a cervical CT and/ or ecography 6 weeks after the chemoradiotherapy treatment; nowadays a PET scan is usually performed. Objective: to caracterize the head and neck oncologic patients with persistent disease after chemoradiotherapy leading to neck dissection for regional disease control. Material and methods: revision of 71 clinical records of patients who underwent neck dissection in 2001-2010; the patients who had local disease surgery, as inicial therapy or salvage therapy, were excluded. Twenty three patients who had chemoradiotherapy as first line treatment, and a posterior neck dissection because of persistent local disease, were selected. Results: From the selected group, 7 had a primary nasophraynx neoplasm, 7 a primary amígdala neoplasm, 7 a hypopharynx/ tongue base neoplasm and 1 a primary palatal tumor. The neck disease was N2/N3 in 74% of the cases. All of them had a cervical CT scan after chemoradiotherapy, 2 of them also had a PET scan. The histological exam of the ganglia dissected was positive for neoplasic cell in 83% of the patients. Conclusion: Neck dissection is importante in regional disease control and in the survival rates in head and neck cancer patients who have chemoradiotherapy as first line treatment. The results are satisfactory regarding the follow up eficacy, resulting in surgery in patients with persistent disease anf avoiding morbility in patients who wouldn t have any benefict with surgical therapy. Keywords: Neck dissectiom, Oncology, Head and Neck Cancer INTRODUÇÃO A Radioterapia (RT) e a Quimioterapia (QT) são tratamentos propostos para muitos doentes oncológicos da área da cabeça e pescoço, sendo muitas vezes a escolha inicial, particularmente em tumores localmente avançados. Os primeiros protocolos de preservação de órgão surgiram nos anos 90 e sugeriam um pior controlo da doença cervical comparativamente ao local primário 6. A estratégia original para tratamento da doença regional era o esvaziamento cervical planeado para os doentes após QT/RT, particularmente para os estadiamentos N2- N3, independentemente da resposta clinica no pescoço, para melhorar o controlo regional da doença. A hipótese de que o esvaziamento ganglionar cervical poderia ser evitado em doentes com resposta completa local e regional à QT/RT é consequência da melhor avaliação diagnóstica e follow-up imagiológico e da eficácia dos regimes de QT/RT. No entanto, a doença residual cervical pode estar presente numa elevada percentagem de doentes após QT/RT. Não há dúvida quanto à realização de esvaziamento cervical no contexto de uma resposta completa no local primário, sem metastização à distância mas com evidência clínica e radiológica de persistência da doença ganglionar cervical após QT/RT. A controvérsia foca-se principalmente nos estádios N2-N3 com resposta local e regional completa após QT/RT baseada em critérios clínicos e imagiológicos dada a difícil correlação entre estes critérios e a efetiva ausência de células neoplásicas viáveis nas peças de dissecção cirúrgicas. Assim, geram-se duas correntes de opinião: os defensores do esvaziamento ganglionar cervical sistemático após QT/RT e os defensores de uma atitude expectante em doentes com resposta completa a QT/RT. Segundo os critério WHO 2 e RECIST 3, a resposta completa no pescoço é definida como a ausência de evidência de doença clínica ou radiológica. Os proponentes da dissecção cervical sistemática argumentam que melhora o controlo regional e consequentemente a sobrevida. Referem que a resposta clínica não se relaciona totalmente com a resposta anatomo-patológica e que, no caso de recorrência de doença regional, uma cirurgia salvage não tem os mesmos resultados que a cirurgia de esvaziamento cervical antes da evidência da doença 7. Recentemente, Ferlito et al 1 reviram um elevado número de estudos reportados na literatura recente tendo verificado um benefício no controlo da doença regional obtido por dissecção sistemática após QT/RT quando comparado com a atitude wait and see em doentes com doença avançada. Os defensores de atitude expectante aquando da resposta completa a QT/RT argumentam que a cirurgia de dissecção cervical aumenta a morbilidade em doentes que não necessitam de ser submetidos a cirurgia dada a baixa probabilidade de recorrência de acordo com critérios clínicos e imagiológicos de follow-up. Ferlito et al 1, na mesma revisão acima referida verificaram ainda que os estudos reportados na literatura apontam para uma elevada correlação entre os achados clínicos e imagiológicos e a anatomia patológica. Estes resultados são consequência de regimes de QT/RT mais eficazes, melhoria das técnicas imagiológicas para follow-up dos doentes e melhor definição de viabilidade de células neoplásicas em peças de dissecção cervical. A melhor definição imagiológica de persistência ou recorrência da doença torna-se uma peça fundamental para a correlação com o resultado anatomo-patológico e consequente defesa de uma atitude expectante. Desta forma, têm sido analisadas as várias técnicas imagiológicas no sentido de encontrar a mais sensível, específica e de melhor relação custo-benefício. A Tomografia Computorizada (TC) é uma das técnicas de diagnóstico e follow-up mais utilizadas, no entanto os resultados são contraditórios. Há estudos que revelam um baixo valor preditivo positivo (VPP): 40% ou negativo (VPN): 75% 8. Os critérios patológicos de avaliação ganglionar cervical usados para follow-up apos QT/ RT devem incluir: forma do gânglio linfático, diâmetro do gânglio cervical após QT/RT, presença ou ausência de atenuação interna focal ou calcificações, presença ou ausência de imagem de evidência de invasão extracapsular. O timing ideal para esta avaliação diagnóstica é 8 semanas após término da QT/RT. A ecografia cervical com citologia aspirativa é altamente 128 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

específica no diagnóstico inicial, no entanto, Van der Putten et al registaram uma sensibilidade e especificidade de 80% e 42% respectivamente na avaliação após QT/ RT 10. As biopsias realizadas nas semanas subsequentes ao término da QT/RT podem ser falsamente positivas sendo maior a probabilidade de verdadeiros positivos 12 semanas após conclusão do referido tratamento. A Tomografia Computorizada/Tomografia de Emissão de Positrões (PET/TC) tem sido utilizada nos últimos anos, dado o seu VPN elevado, próximo de 100%. No entanto, o timing para realização deste exame é de 12 semanas após conclusão de QT/RT dado o número elevado de falsos positivos nas semanas imediatamente seguintes ao término da terapêutica 11. Este timing é referido como prolongado pelos defensores da dissecção cervical sistemática, sendo que argumentam uma maior taxa de complicações cirúrgicas associadas dada a maior fibrose e infiltração tumoral, quando comparado à dissecção cervical planeada realizada 4-12 semanas após conclusão de QT/RT 12. No entanto, Goguen et al demonstraram ausência de maior taxa de complicações cirúrgicas ou diminuição de controlo da doença e consequente sobrevida quando a dissecção cervical foi realizada 12 semanas após QT/RT 13. Referem que as complicações cirúrgicas estão relacionadas com a extensão da dissecção e não com o timing da mesma 13. A avaliação anátomo-patológica é também discutível relativamente a células neoplásicas viáveis nas peças de dissecção cervical. As células viáveis são identificadas morfologicamente ou usando imunofixação com Ki-67. A viabilidade de tumor residual é definida como a presença de células malignas individuais ou agrupadas em gânglios linfáticos fibróticos ou necróticos 14. No entanto, não é fácil a distinção entre células apoptóticas de células viáveis. Sugere-se que a presença de células viáveis no pescoço pode ser usado para identificar doentes com elevado risco de insucesso terapêutico loco-regional que poderiam beneficiar de terapias adjuvantes, nomeadamente agentes biológicos. Por fim e não desprezível, está a relação custo-benefício da realização dos exames complementares de diagnóstico e/ou o esvaziamento ganglionar cervical salvage ou sistemático. Desta forma, há consenso relativamente a uma atitude expectante para os estadiamentos N1 com resposta completa a QT/RT embora se mantenha a discussão relativamente aos doentes N2 e N3. Recentemente foi realizado um estudo de avaliação custo-benefício comparando 3 estratégias: 1) dissecção cervical sistemática pós QT/RT; 2) dissecção cervical em doentes com doença residual em TC e 3) dissecção cervical em doentes com doença residual em PET/TC. A análise estatística concluiu um benefício económico para o terceiro grupo, que incluía dissecção cervical em doentes com doença residual evidenciada em PET/TC 15. A extensão da dissecção cervical é também um parâmetro importante a ter em consideração na avaliação pós QT/ RT. No contexto pós QT/RT pode considerar-se que o tratamento foi eficaz na eliminação dos níveis em risco de infiltração microscópica e que apenas os níveis em que a doença residual se mantém suspeita requerem remoção cirúrgica. Publicações recentes defendem a realização de dissecção cervical seletiva após QT/RT nos doentes com doença ganglionar persistente. A taxa de complicações pós-operatórias nos casos de realização de dissecção cervical seletiva foi de 10% e comparável à taxa de complicações observadas após cirurgia primária 16. OBJECTIVO O objectivo deste trabalho é a caracterização dos doentes com tumores da cabeça e pescoço do IPO FGL, cuja presumível persistência da doença regional por critérios clínicos e imagiológicos após QT/RT levou à decisão cirúrgica de realização de dissecção cervical para controlo da doença regional. MATERIAL E MÉTODOS Foram analisados 71 processos de doentes submetidos a dissecção cervical nos anos de 2001-2010, tendo sido excluídos os doentes cuja terapêutica inicial ou pós QT/RT envolveu cirurgia da doença local. Foram também excluídos os doentes operados em que se tenha constatado doença regional irressecável intraoperatóriamente. Desta forma foram selecionados 23 doentes que realizaram QT/RT como terapêutica inicial tendo sido posteriormente submetidos a dissecção cervical por persistência ou recorrência da doença regional. RESULTADOS Os doentes selecionados apresentavam os seguintes locais primários de doença: TABELA 1 Localização do tumor primário Nasofaringe 7 Amigdala 7 Língua/Hipofaringe 7 Palato 2 A doença cervical foi maioritariamente avançada, nomeadamente N2/N3 em 74% dos casos. Foi sempre realizada TC cervical para avaliação após QT/ RT tendo sido efectuada PET em 2 dos doentes, com resultado negativo. A punção com citologia foi realizada em 4 dos doentes tendo sido positiva em 3/4 e negativa em 1/4. A anatomia patológica da peça de dissecção cervical confirmou as 3 citologias positivas tendo o resultado histológico da peça de dissecção do doente com citologia negativa apresentado ausência de células neoplásicas. O resultado histológico foi positivo para células neoplásicas em 83% dos doentes operados. VOL 52. Nº3. SETEMBRO 2014 129

GRÁFICO 1 Resultado histológico para presença de células neoplásicas nas peças de dissecção cervical 2 doentes realizaram PET na avaliação pós QT/RT tendo o SUV sido considerado negativo em ambos. O resultado histológico foi negativo para células neoplásicas após dissecção cervical. O timing da dissecção cervical após término da QT/RT variou entre as 4 semanas e os 9 meses tendo a média sido 20 semanas entre o fim do tratamento e a data da cirurgia. A dissecção cervical realizada foi radical ou radical modificada em 35% dos casos e selectiva em 65%. A recidiva regional contra lateral após dissecção cervical verificou-se em 35% dos doentes operados, não havendo relação entre os doentes com recidiva e o timing da dissecção cervical. que quando comparada a cirurgia de dissecção cervical como tratamento inicial ou sistemática após QT/RT. A elevada percentagem de positividade de resultados para células neoplásicas nas peças de dissecção cirúrgicas pós QT/RT (83%) demonstram a boa seleção de doentes para cirurgia. No entanto não apura na totalidade a taxa de recidivas regionais após QT/RT dada a existência de doentes cuja cirurgia de dissecção cervical após QT/ RT não foi realizada por várias razões, nomeadamente metastização à distância. Para estabelecer definitivamente a fiabilidade destes exames, devem ser estudados estatisticamente as taxas de recidiva dos doentes submetidos a dissecção cervical após QT/RT bem como dos doente não operados. Desta forma, o estudo da evolução dos doentes após QT/RT com os exames complementares diagnostico referidos, deve ser feito sistematicamente em todos os doentes, para diagnóstico de persistência ou recidiva cervical. CONCLUSÃO O esvaziamento cervical é importante no controlo da doença regional e consequente sobrevida em doentes submetidos a QT/RT por tumores da cabeça e pescoço. Os resultados obtidos são satisfatórios quanto à eficácia do follow-up pós QT/RT, resultando em cirurgia nos doentes com persistência da doença e evitando associação de morbilidade a doentes que não beneficiem de terapêutica cirúrgica. DISCUSSÃO A localização dos tumores primários verificados corresponde a maior probabilidade de metastização, nomeadamente regional. O exame complementar de diagnóstico mais utilizado para diagnóstico e follow-up foi a TC, sendo que a PET foi usada apenas em 2 dos doentes analisados. Este resultado poderá estar relacionado com a introdução mais recente da PET com a finalidade descrita, custos associados e maior facilidade de acesso a TC. Os resultados obtidos (correspondência do resultado negativo da PET com a negatividade da anatomia patológica da peça cirúrgica) evidenciam o elevado VPN associado ao exame em questão. O esvaziamento ganglionar cervical salvage é uma terapêutica que resulta do insucesso do controlo regional inicial da doença com QT/RT. Conduz a maiores desafios cirúrgicos dadas as complicações tecidulares pós QT/ RT, nomeadamente fibrose ou fragilidade vascular. Desta forma, é expectável que esteja associada a maior morbilidade e ainda maior probabilidade de recidiva do 130 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

Referências bibliográficas 1.Ferlito A, Corry J, Silver CE, Shaha AR, et al. Planned neck disseccion for patients with complete response to chemoradiotherapy: a concept approaching obsolescence. Head Neck 2010; 32: 253-61 2.WHO. Handbook for reporting results of cancer treatment. Geneva, Suiça: World Health Organisation; 1979. P 48 3.Therasse P, Arbuck SG, Eisenhauer EA, et al. New guidelines to evaluate the response to treatment in solid tumors. European Organization for Research and Treatment of Cancer, National Cancer Institute of the United States, National Cancer Institute of Canada. J Natl Cancer Inst 2000; 92: 205-216 4.Miriam N, Lango MD, Jeffrey N, Myers MD, et al. Controversies in Surgical Management of the Node-Positive Neck after Chemoradiation. Seminars in Radiation Oncology, 2009 Jan 19(1): 24-28 5.Thariat J, Hamoir M, Janot F, De Mones E, et al. Place du curage ganglionnaire après chimioradiotherapie dans les carcinomes epidermoides des voies aerodigestives superieures avec atteinte ganglionnaire initiale (nasopharynx exclu). Cancer Radiothérapie 13 (2009) 758-770 6.The Departments of Veterans Affairs Laryngeal Cancer Study Group. Induction chemotherapy plus radiation compared with surgery plus radiation in patients with advanced laryngeal cancer. N Engl J Med 1991; 324: 1685-90 7.Mendenhall WM, Villaret DB, Amdur RJ, Hinerman RW, et al. Planned neck dissection after definitive radiotherapy for squamous cell carcinoma of the head and neck. Head Neck 2002; 24: 1012-1018 8.Velazquez RA, McGuff Hs, Sycamore D, Miller FR. The role of computed tomographic scans in the management of the N-positive neck in head and neck squamous cell carcinoma after chemotherapy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2004; 30: 70-74 9.Roy S, Tibesar RJ, Daly K, et al.role of planned neck dissection for advanced metastatic disease in tongue base or tonsil squamous cell carcinoma treated with radiotherapy. Head Neck 2002; 24: 474-481 10.Van der Putten L, Van der Broek GB, de Bree, et al. Effectiveness of salvage selective and modified radical neck dissection for regional pathologic lymphadenopaty after chemoradiation. Head Neck 2009; 31: 593-603 11.Porceddu SV, Jarmolowski E, Hicks RJ, et al. Utility of positron emission tomography for the detection of disease in residual neck nodes after chemoradiotherapy in head and neck cancer. Head Neck 2005; 27: 175-181 12.Stenson KM, Haraf DJ, Pelzer H, et al. The role of cervical lymphadenectomy after aggressive concomitant chemoradiotherapy: the feasibility of selective neck dissection. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2000; 126:950-956 13.Goguen LA, Chapuy CI, Li Y, Zhao SD, et al. Neck dissection after chemoradiotherapy: timing and complications. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2010; 36: 1071-1077 14.Ganly I, Bocker J, Carlson DL, et al. Viable tumor in postchemoradiation neck dissection specimens as an indicator of poor outcome. Head Neck 2011; 33: 1387-1393 15.Sher DJ, Tishler RB, Annino D, Punglia RS. Coast-effectiveness of CT and PET/CT for determining the need of adjuvant neck dissection in locally advanced head and neck cancer. Ann Oncol 2009; 21:1072-1077 16.Hillel AT, Fakhry C, Pai SI, et al. Selective versus comprehensive neck dissection after chemoradiation for advanced oropharyngeal squamous cell carcinoma. Otolaryngol Head Neck Surg 2009; 141: 737-742 VOL 52. Nº3. SETEMBRO 2014 131