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ARTIGO FISIOLOGIA DA MEMBRANA E SUAS IMPLICAÇOES RELACIONADAS COM A HIDRATAÇÃO João Carlos Bouzas ~arins* I RESUMO Este artigo de revisão pretende trazer informações básicas em nível celular, para que o professor de Educação Física possa compreender o mecanismo hidroeletrolítico e, dessa forma, selecionar o tipo de solução líquida ideal a ser oferecida a seus atletas ou alunos. UNITERMOS: Fisiologia da membrana, hidratação, desidratação. A prática de exercícios físicos em locais onde são características as condições desfavoráveis, como temperatura ambiente e umidade relativa do ar elevadas, frequentemente induz um quadro de desidratação. Para o professor de Educação Física, a compreensão dos mecanismos em nível celular do equilíbrio hidroeletrolítico representa um aspecto importante no selecionamento da estratégia correta de hidratação. TRANSPORTE DE ÍONS E DE MOLÉCULAS ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR Existem dois processos básicos para que ocorra o transporte de íons através da membrana celular: diretamente, pela dupla camada lipídica, ou por meio de proteínas, que são conhecidas como transporte por difusão (transporte passivo), e através do transporte ativo. O primeiro implica um movimento molecular aleatório da molécula da substância pelos espaços intermoleculares da membrana ou em combinação com uma proteína carreadora. O segundo implica um movimento de íons ou outras substâncias, em combinação com uma proteína carreadora, contando ainda principalmente com a ação de um gradiente de energia, por exemplo, de um estado de baixa concentração para outro de alta concentração, processo que exige outra fonte de energia além da cinética para que ocorra movimento. Para maior entendimento dos componentes físicos e físico-químicos envolvidos nos dois tipos de transporte, será feita uma descrição mais detalhada destes processos. * Professor do Departamento de Educação Fisica da Universidade Federal de Viçosa. Rev. min. Educ. Fls., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995 5

1 Transporte Passivo (Difusão) FRANCONE et alii (1980) definem difusão como sendo: "transferência de substância de uma região de maior para outra de menor concentração, como resultado do movimento aleatório das partículas". Este fenômeno ocorre porque existe uma tendência do movimento aleatório das partículas em igualar as concentrações de partículas em um sistema fechado. Este processo contínuo ocorre entre os líquidos, os gases e os íons, com este último apresentando uma velocidade reduzida, em razão das suas grandes dimensões moleculares. 1.1 Difusão Através da Membrana Celular Há dois tipos de processos de difusão: (1) difusão simples e (2) difusão facilitada. O mecanismo característico da difusão simples inclui o movimento cinético de moléculas ou íons através de pertuito da membrana ou dos espaços intermoleculares, sem que ocorra a necessidade de fixação das proteínas carreadoras da membrana; a velocidade desta difusão é controlada pelo número de pertuitos da membrana através dos quais a molécula ou íon poderão passar, sendo dependentes da quantidade existente de substância e da velocidade do movimento cinético. Já no segundo mecanismo, a difusão facilitada caracteriza-se pela interação das moléculas ou íons com uma proteína carreadora que facilita sua passagem através da membrana, provavelmente por se fixar quimicamente a ela e se deslocar, através da membrana, nesta forma fixada. 1.1.1 Difusão simples O processo de transporte de difusão simples através da membrana pode ocorrer de duas formas, segundo GUYTON (1991): primeiro, pelos canais aquosos de algumas proteínas de transporte, e, segundo, pelos interstícios da dupla camada lipídica, como ilustrado na Figura 1. do canal DMislo simples Dlhi.lo hcilll~ds ENERGIA DIFUSAO 2- TRANSPORTE ATIVO FIGURA 1 - Vias de transporte através da membrana celular e os mecanismos básicos de transporte (GUYTON, 1991) 6 Rev. min. Educ. Fis., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995

1.1.1.1 Difusão simples através dos canais das proteínas e as comportas desses canais Nesta forma de transporte as substâncias podein difundir-se diretamente, por canais das proteínas, de uma das faces da membrana até outra. Entretanto, pode haver uma diferenciação destes canais protéicos, por duas características importantes: ( I) canais abertos ou fechados por meio de comportas e (2) seletivamente permeáveis a determinadas substâncias. As comportas dos canais protéicos representam o meio de controle da permeabi lidade desses canais (GUYTON, 1991 ). Estas comportas são projeções em forma de comporta da molécula da proteína de transporte que podem ocluir a abertura do canal ou que podem ser afastadas dessa abertura, como resultado de alteração da forma da própria molécula protéica. No caso dos canais de sódio essa comporta funcionaria abrindo e fechando na face externa da membrana celular, enquanto no canal de potássio seu funcionamento ocorreria na face interna da membrana celular. Este ' mecanismo é ilustrado na Figura 2. Exterior Interior Exterior f tompom I fichada K+ Interior I K+ FIGURA 2 - Transporte dos íons de sódio e potássio pelos canais protéicos (GUY TON, 1 99 1 ) A permeabilidade seletiva dos diferentes canais protéicos representa uma forma de controle especial. A grande maioria dos canais protéicos é seletiva para o transporte de um ou mais íons ou moléculas; isto provoca uma especialização do próprio canal, conforme a natureza das cargas elétricas e o seu diâmetro. Um exemplo desta especialização é o canal de Rev. min. Educ. Fis., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995 7

sódio com diâmetro de apenas 0,3 por 0,5 NM, tendo nas superfícies internas fortes cargas negativas, o que atrairia os íons de sódio, com mais intensidade do que em relação a outros íons, para o interior dos canais. O mesmo fenômeno ocorre com o transporte do potássio, onde há canais protéicos especializados para este íon, cujas dimensões corresponderiam a 0,3 por 0,3 NM, não contendo carga negativa (GUYTON, 1991). 1.1.1.2 Difusão simples através da dupla camada lipídica A lipossolubilidade de uma substância constitui um dos fatores mais importantes que determinam a velocidade com que uma substância irá atravessar a dupla camada lipídica. A água, apesar de ser insolúvel nos lipídios da membrana, atravessa facilmente a membrana celular, em sua maior parte pelos poros ou canais da membrana e pelas proteínas de canal. Este mecanismo pode ser explicado pelo fato de as moléculas de água apresentarem um tamanho pequeno (0,3 NM) e pelo fato de sua energia cinética ser elevada o suficiente para penetrar na parte lipídica como projéteis (GUYTON, 1991). Os íons são incapazes de se difundirem através da dupla camada lipídica, sendo sua única forma de transporte os canais protéicos, como visto anteriormente. A principal razão para a impermeabilidade do transporte dos íons pela membrana é sua carga elétrica, que propicia a união de várias moléculas de água junto ao íon, aumentando assim suas dimensões (GUYTON, 1991). 1.1.2 Difusão facilitada A difusão facilitada ocorre devido a interferência de um carreador específico para que a substância possa atravessar a membrana. Entre as substâncias que atravessam a membrana por este processo estão a glicose e a maioria dos aminoácidos. A concentração da substância carreadora interfere diretamente na velocidade de difusão simples, porém esta velocidade apresenta um limite máximo. A velocidade de difusão facilitada seria controlada, como se observa ca Figura 3. GUYTON (1991) descreve este fenômeno da seguinte forma: "Existe uma proteína carreadora com canal suficiente largo para transportar uma molécula específica até certo ponto, mas não através de toda membrana. Ela também mostra um receptor com capacidade fixadora nessa proteína carreadora. A molécula que vai ser transportada entra no canal e é fixada. Em seguida, dentro de fração de segundo, ocorre alteração na conformação da proteína carreadora, de modo que o canal passe a ficar aberto para o lado oposto da membrana. Porque a força do receptor é fraca, o movimento térmico da molécula fixada provoca a sua conseqüente liberação para o lado oposto. Obviamente, a velocidade com que as moléculas podem ser transportadas por esse mecanismo nunca pode ser maior que a velocidade 8 Rev. min. Educ. Fis., Viçosa, 3(1): 5-14. 1995

com que a molécula da proteína carreadora pode alternar-se, em seus dois estados, por meio de alterações na conformação." 1.2 Fatores que Influenciam na Velocidade da Difusão A velocidade efetiva da difusão pode ser controlada por quatro fatores, segundo GUYTON (1991): (1) a diferença de concentração da substância difusora entre as duas faces da membrana, (2) a diferença de pressão através da membrana, (3) no caso dos íons, a diferença do potencial elétrico entre as duas faces da membrana e (4) a permeabilidade da membrana. A permeabilidade da membrana sofre influência direta de cinco fatores: (1) a espessura da membrana; (2) a lipossolubilidade; (3) o número de canais protéicos pelos quais a substância pode passar; (4) a temperatura; e (5) o peso molecular da substância difusora. FIGURA 3 - Efeito da concentração de uma substância sobre a intensidade de difusão, através da membrana onde ocorre difusão simples e através da membrana onde ocorre difusão facilitada (GUY TON, 1 99 1 ) 1.3 Osmose A osmose é um processo especial de difusão, definida como: "Passagem de água de uma concentração menor para outra maior, quando duas soluções estão separadas por uma membrana que impede seletivamente a passagem de moléculas de soluto, mas permeável a água." (FRANCONE et alii, 1980). Devido ao mecanismo de osmose, é possível identificar três tipos de comportamento diferenciado em relação ao volume celular. Quando o volume celular sofre uma expansão, é sinal que ele está envolvido em uma solução hipotônica. Em caso de uma solução isotônica não ocorre modificação do volume celular. Entretanto, uma solução hipertônica irá interferir no volume celular, reduzindo-o. Rev. min. Educ. Fis., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995 9

Um melhor esclarecimento do mecanismo osmótico pode ser evidenciado na Figura 4 (VANDER et alii, 1981). NiCI 0.3 oimolai NiCI 0.4 oimotai FIGURA 4 - Alterações no volume celular resultantes da difusão de água quando uma célula é colocada em soluções hipotônica, isotônica ou hipertônica de cloreto de sódio (VANDER et alii, 1991) 2 Transporte Ativo Na difusão e na osmose as forças que atuam nessas formas de transporte não são originárias da membrana (sem gasto energético), mas do gradiente de concentração, fato que ocasiona um completo movimento de substâncias de regiões de alta para as de baixa concentração. Enquanto isso, no transporte ativo, a célula usa energia para transportar substâncias contra um gradiente eletroquímico, resultante das forças geradas pela diferença de concentração, de potencial elétrico e de pressão. Dentre as substâncias que são transportadas ativamente através das membranas celulares estão os íons de sódio, potássio, cálcio, ferro, hidrogênio, cloreto, iodeto, a maioria dos aminoácidos e os diversos tipos de açúcares. O transporte ativo pode ser dividido em transporte ativo primário e transporte ativo secundário, de acordo com a fonte de energia utilizada. No transporte ativo primário, a energia é oriunda diretamente da degradação do ATP (trifosfato de adenosina) ou de qualquer outro composto de fosfato rico em energia. Já no transporte ativo secundário a energia é originária secundariamente de grgdientes iônicos que foram criados, em primeiro lugar, por transporte ativo primário. Nos dois tipos de transporte 1 O Rev. min. Educ. Fís., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995

existe a necessidade da presença de proteínas carreadoras, que atravessam toda espessura da membrana, como acontece na difusão facilitada, com a função de transferir energia para a substância transportada, a fim de que possa movimentar-se contra o gradiente eletroquímico. 2.1 Transporte Ativo Primário Serão estudados com mais detalhes o transporte ativo primário e os princípios de funcionamento da "bomba" de sódio-potássio, por serem considerados da maior importância dentro de todo processo de hidratação e desidratação. A bomba de sódio-potássio corresponde ao processo de transporte que bombeia os íons de sódio para fora, através da membrana celular, enquanto, ao mesmo tempo, bombeia os íons de potássio de fora para dentro. Pelo fato de esta bomba estar presente em quase todas as células do corpo, estabelecendo um potencial elétrico negativo no interior das células, nela se baseia o funcionamento da transmissão nervosa. O mecanismo de funcionamento da bomba de sódio-potássio é descrito por DANTAS (1983) da seguinte forma: "O transporte ativo (bomba de sódio-potássio) inicia com a combinação do anion Na+ com carreador Y existente na membrana celular, dando origem ao composto NaY, que se dirige para a parede exterior da membrana. Em lá chegando, o sódio se desprende e o carreador Y muda ligeiramente sua composição química, transformando-se em carreador X que, por sua afinidade, atrai um anion K+ do exterior da célula, transformando-se no composto KX. Este composto migra para o interior da célula. Ao atingir a parte interna da membrana celular, o íon K+ é liberado no LIC, graças a energia derivada do MgATP sob ação da ATPase, e novamente o carreador X modifica-se para carreador Y." Este mecanismo descrito acima é ilustrado nas Figuras 5A e 5B. 1 6 FXTFRIOP MEYBRIHII INFERIOR 1 FIGURA 5A - Esquema de funcionamento da bomba de sódio-potássio (DANTAS, 1983) Rev. min. Educ. Fís., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995 11

FIGURA 5B - Mecanismo de funcionamento da bomba de sódiopotássio (DANTAS, 1983) A importância da existência da bomba de sódio-potássio para o organismo se processa pelo controle do volume das células, sem o qual elas inchariam até estourar. De acordo com GUYTON (1991, p. 42), este mecanismo é descrito da seguinte forma: "No interior da célula existe grande número de proteínas e de outros compostos orgânicos que não podem sair dela. A maior parte desses compostos tem carga negativa e, como conseqüência, eles agregam ao seu redor grande número de íons positivos. Todas essas substâncias atuam, então, no sentido de povocar osmose de água para o interior da célula. A membrana é bem mais permeável ao sódio que ao potássio, de modo que, quando os íons de sódio estão no exterior, eles têm forte tendência a permanecer aí. Assim, isso representa perda contínua e efetiva de substâncias iônicas para fora da célula, o que produz tendência osmótica oposta para deslocar a água para fora da célula. Ainda mais quando a célula começa a inchar, isto ativa, automaticamente, a bomba Na+ K+, o que transfere mais íons para o exterior, levando água com eles. Por conseguinte, a bomba Na+ K+ exerce papel permanente de vigilância para a manutenção do volume normal da célula." 2.2 Transporte Ativo Secundário Uma concentração muito elevada de sódio no exterior da célula, em relação a seu interior, pode ocorrer devido ao transporte ativo primário, criando um reservatório de energia, já que o excesso de sódio no exterior da célula tende a se difundir para o interior, fazendo com que outras substâncias, como a glicose, atravessem a membrana. Este fenômeno é conhecido como co-transporte. 12 Rev. min. Educ. Fís., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995

~ ~ Quando ocorre o co-transporte envolvendo o sódio e a glicose, existe a necessidade da presença de uma proteína carreadora, que é responsável pela transferência do sódio junto a uma molécula de glicose, para o interior da célula, ocorrendo de forma automática e simultânea, como ilustrado na Figura 6. De acordo com GUYTON (1991), este mecanismo ocorre de forma especial nas células epiteliais do tubo intestinal e dos túbulos renais, agindo na absorção dessas substâncias para o sangue, como já descrito anteriormente. Ainda existem vários outros mecanismos de co-transporte, porém, para o presente estudo, os mecanismos de co-transporte relacionados~com o potássio merecem maior aprofundamento. Dentre eles, têm-se: (1) Cotransporte potássio-cloreto e (2) co-transporte de sódio-potássio-dois cloretos, em que o primeiro possibilita a passagem de íons de potássio e cloreto, acoplados, do interior para o exterior da célula, e o segundo possibilita a transferência de dois íons de cloreto, junto com um íon de sódio e um íon de potássio, do exterior para o interior da célula. Ainda há um segundo tipo de mecanismo de transporte ativo secundário. conhecido como contratrans~orte. envolvendo os íons de sódio e uma substância a ser transportada que está lócalizada no interior da célula. Nesta forma de transporte destaca-se o contratransporte sódio-cálcio, que existe em quase todas as membranas celulares, no qual o íon de sódio se desloca para o interior e os íons de cálcio para o exterior, ambos fixados a uma mesma proteína transportadora. Sitio tlxador Sltlo fixador ae giicose FIGURA 6 - Mecanismo proposto para o co-transporte sódio-glicose (GUYTON, 1991) IMPLICAÇÕES HIDROELETROLITICAS DURANTE O EXERCICIO Frequentemente têm-se registrado vários casos de acidentes termorregulativos oriundos de uma inadequada hidratação (FOX et alii, 1 99 1). É comum se observar em atletas uma ausência completa de reposição hídrica durante a realização de competições. Este procedimento induz um quadro de desidratação sério, visto que todo equilíbrio osmótico celular é alterado, causando uma significativa redução do potencial de performance, provocado por uma desidratação hipertônica (ALTEZ, 1990). Outra forma de hidratação realizada no meio esportivo inclui o Rev. min. Educ. Fis., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995 13

fornecimento ao atleta de soluções hipertônicas, tendo como principal elemento o Na. Este procedimento é totalmente contra-indicado, pois gera uma maior velocidade na desidratação do atleta, podendo em alguns casos induzi-lo a morte (FOX et alii, 199 1). A solução líquida fomecida ao atleta deverá ser hipotônica ou isotônica, a fim de favorecer o equilíbrio osmótico celular, diminuindo sensivelmente os problemas originários da desidratação. O não-fomecimento de líquidos durante a realização de competições atléticas representa um erro grave, pondo em risco a saúde dos participantes. Com o estudo do funcionamento hidroeletrolitico em nível celular, é possível compreender a necessidade de manter o atleta hidratado, com o intuito de sustentar o equilíbrio iônico celular o mais estável possível, sem o qual o atleta terá seu potencial competitivo reduzido. Dentre as soluções a serem oferecidas aos atletas, deve-se dar prioridade a soluções isotônicas ou hipotônicas, pois elas facilitam a absorção de Iíquidos pelo organismo. II. v. ALTEZ, C. C. Çons ideracões de Ia hidratacion oral de1 deportista. 1991. (no prelo). DANTAS, E. M. Equilíbrio hidro-eletrolítico e ácido base: Influência na atividade fisica. -. v. 2, n. 6, p. 16-27, 1983. FOX, E. L., BOWERS, R. W., FOS, M. L. Bases fisiológicas da educação fisica e desportos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991. FRANCONE, C. A., STANLEY, J.,, LOSSOW. humana. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. Anatomia e fisiob GUYTON, A. C. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991. VANDER, A. J., SHERMAN, J. H., LUCIANO, D. S. Fisiolçgja h u m Os mecanismos da função de orgãos e sistemas. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill do Brasil, 1981. 14 Rev. rnin. Educ. Fís., Viçosa, 3(1): 5-14, 1995