FRANCISCO LOUÇÃ JOSÉ LUÍS ALBUQUERQUE VÍTOR JUNQUEIRA JOÃO RAMOS DE ALMEIDA (COORDENADORES) MANUEL PIRES MARIA CLARA MURTEIRA NUNO SERRA RICARDO ANTUNES SEGURANÇA SOCIAL DEFENDER A DEMOCRACIA
INTRODUÇÃO Este livro nasceu dos trabalhos das Oficinas sobre Políticas Alternativas*, desenvolvidas durante os anos da troika no âmbito do Observatório sobre Crises e Alternativas (do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra). Nessas Oficinas cruzaram-se diversos investigadores em políticas sociais, e um dos seus temas foi o futuro da Segurança Social. Para todos esses investigadores, o conceito de Estado Social corresponde a algum nível de política redistributiva que define regras de proteção do rendimento pessoal dos trabalhadores. Temos consciência da ambiguidade do termo, ou do carácter vago da noção de redistribuição, mas entendemo-lo como a conjugação de pelo menos quatro políticas: o pagamento de pensões depois de uma vida de trabalho, mas também formas de proteção social com o apoio ao rendimento no desemprego, na doença ou na velhice, o serviço nacional de saúde, a escola pública e a política de habitação. Algumas destas políticas baseiam-se explicitamente na necessidade de descentralização do poder democrático por via da participação popular. No livro, fazemos perguntas (e sugerimos algumas respostas, com os dados que obtivemos) sobre a Segurança Social. Grande parte destas questões são as mais correntes, muitas delas as mais difíceis. E, mesmo quando se discutem * http://www.ces.uc.pt/observations/crisalt/index.php?id=6522&id_lingua=1&pag=9487 13
respostas diferentes (veja-se no capítulo 6 um debate sobre as pensões mínimas), os autores partem de uma preocupação comum e definida: os sistemas de proteção social são formas essenciais da democracia. Procura-se, por isso, responder com cuidado, com informação estatística, com os documentos de referência e com grande inquietação. Os últimos anos, em particular o período da troika, acentuaram essa inquietação. O futuro da Segurança Social tornou-se um dos temas mais importantes das pressões internacionais sobre o Estado português e um dos debates nacionais mais intensos. Respondemos a esse debate com este livro. Nas páginas que seguem, os leitores encontrarão 35 questões respondidas, ou pelo menos discutidas, com a informação de que dispomos e que é pública. Desde a descrição do sistema e das suas dificuldades até às comparações internacionais, das contas e das alternativas, este livro percorre muitos dos debates atuais. Procuramos olhar para a realidade sem preconceitos, porque é assim que podemos reconhecer e enfrentar os problemas. Por isso, partimos de constatações óbvias. Primeira: há um problema de envelhecimento na sociedade portuguesa, pelo efeito conjugado de um progresso (vive-se mais tempo e melhor) e um retrocesso (a taxa de natalidade é muito baixa). Assim, temos, nos dados de 2012, 131 idosos para 100 jovens (as projeções para 2060, mesmo que sejam muito falíveis, apontam para 307 idosos para 100 jovens). Segunda constatação: os reformados foram muito maltratados no período da austeridade da troika e, sobretudo os mais pobres, foram muito atingidos. O mesmo aconteceu na população em geral, pois o rendimento médio dos 10% mais pobres baixou 24%, pelo que os pobres ficaram ainda mais pobres. Esta política atingiu os reformados de modo particularmente agressivo: fizemos as contas ao que perderam os que recebiam 500 e 1000 euros de pensão, comparado com o que teriam sem cortes e com a subida da pensão pela inflação, e verificamos que entre 2009 e 2015 perderam respetivamente 2935 e 10 202 euros. A austeridade agravou as dificuldades e a injustiça. 14
Olhamos também para alternativas. O plafonamento é a mais exuberante das propostas dos setores liberais, com o argumento, muito popular, de que se deve cortar as pensões a quem recebe mais. Pois é, mas se os trabalhadores atuais descontam menos, porque vão receber menos, o sistema entra em graves dificuldades: se não se descontar a partir dos 2500 euros de salário, a perda de contribuições para a Segurança Social será de 560 a 725 milhões de euros por ano (se se cortar a partir dos 1000 euros a perda será de 3 a 3,8 mil milhões). Para aplicar esta medida, que favorece as seguradoras privadas para onde passa a ser descontada a diferença, é preciso fazer alguma coisa quanto às pensões atualmente em pagamento: ou se cortam, ou há outro financiamento. Não são boas notícias. Mas o sistema de Segurança Social pode ser corrigido com outras alternativas mais realistas. Todas têm um custo e um efeito. Por exemplo, podem ser aumentadas as pensões mínimas até alcançarem o valor do salário mínimo (mas o custo é de 3206 milhões de euros por ano). Ou podemos escolher medidas mais discricionárias e dirigidas a uma parte dos pensionistas (ou fazer as duas coisas, em modalidades diferentes). Essa escolha estratégica é importante. Em todo o caso, exploramos também os caminhos de outras formas de financiamento, porque vai ser ou já é necessário ter esses recursos. E colocamos a pergunta que nos parece essencial: se houvesse menos desemprego e menos emigração, ou seja, se mais gente estivesse a trabalhar, como estariam as contas da Segurança Social? A nossa resposta é esta: se houvesse emprego para metade das pessoas que saíram do país de forma permanente nos anos da troika e para um em cada cinco dos desempregados, o aumento das receitas da Segurança Social seria de 2300 a 2700 milhões e a redução do pagamento em subsídios de desemprego seria de 1500 milhões o défice de 2016 estaria reduzido a zero. E a Segurança Social estaria muito sólida. Estes são alguns dos pontos que discutimos nas páginas que se seguem. Nelas, os leitores encontrarão textos que são assinados por: 15
FL, Francisco Louçã, economista e professor na Universidade de Lisboa; JLA, José Luís Albuquerque, economista, desempenha funções dirigentes no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social; JRA, João Ramos de Almeida, economista e jornalista; NS, Nuno Serra, geógrafo e investigador no Centro de Estudos Sociais; MCM, Maria Clara Murteira, economista e professora na Universidade de Coimbra (uma versão preliminar do texto incluído no capítulo 5 foi publicada no Le Monde Diplomatique, edição portuguesa); OCA, Observatório sobre Crises e Alternativas (trata- -se de textos cuja versão inicial foi publicada pelo Observatório); MP, Manuel Pires, ex-presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade (entre 2001 e 2011); RA, Ricardo Antunes, Mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto com uma tese sobre modelização e previsão das irregularidades perante a Segurança Social; VJ, Vítor Junqueira, economista, exerce funções de assessor no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (textos publicados no blogue Buracos na Estrada em 2014-2105 e editados para este livro). Todos os textos dos diversos autores neste livro são escritos a título individual e não representam a instituição a que pertencem. FL, JLA, VJ e JRA 16
CAPÍTULO 1 OS PROBLEMAS 1. Se a população envelhece, o que pode a Segurança Social fazer? 2. A pobreza é relevante para a Segurança Social? As pensões devem combater a pobreza? 3. A emigração é um problema? 4. A ideologia e a política austeritária podem destruir a sustentabilidade do Estado Social? Neste capítulo, vamos considerar quatro problemas que se colocam às políticas públicas, ou ao Estado Social. O primeiro é o envelhecimento: como se verá, há efetivamente um problema demográfico. O segundo é a pobreza, que tem um grande peso na sociedade portuguesa e é um sintoma de um dos nossos défices essenciais. O terceiro problema é a emigração, que reduz a força de trabalho e agrava o problema orçamental, entre outros. Finalmente, verificar-se-á que o quarto problema é a política austeritária, que reduz a sustentabilidade do Estado Social. Adiante tratar-se-á de outros problemas, como a desigualdade e o desemprego. Como se verificará, todos têm um grande efeito no presente e no futuro da Segurança Social. 17
1. SE A POPULAÇÃO ENVELHECE, O QUE PODE A SEGURANÇA SOCIAL FAZER? O INE publica com regularidade exercícios de projeções demográficas para as próximas décadas. Tais projeções não são nada animadoras. A tendência para o envelhecimento tem vindo a agravar-se. Se nas projeções demográficas apresentadas em 2009 se estimava que, em 2060, viessem a residir em Portugal cerca de 271 idosos por cada 100 jovens (o chamado Índice de Envelhecimento), os últimos resultados trazidos a público apontam para que, no mesmo ano, haja 307 idosos por cada 100 jovens. Em 2012, havia 131 idosos por cada 100 jovens, o que mostra bem o ritmo de envelhecimento pelo qual passará a população residente em Portugal nas próximas décadas, na hipótese de se e só se confirmarem os pressupostos do cenário central desse exercício do INE. Ainda assim, nesse exercício do INE é considerada alguma esperança quanto ao crescimento do Índice Sintético de Fecundidade (número médio de crianças vivas nascidas por mulher em idade fértil). Admite-se que o índice possa subir de 1,22 para 1,55, entre 2012 e 2060. Ou seja, a sociedade portuguesa envelhecerá ainda mais se a fecundidade não crescer como o esperado neste exercício. Se a fecundidade cresce, embora não o suficiente, também se espera um aumento da longevidade. E ainda mais do que se esperava no mesmo exercício realizado cinco anos antes. De acordo com as últimas previsões do INE, a projeção da Esperança Média de Vida à Nascença (EMV) poderá atingir, em 2060 e no cenário central os 84,21 anos para os homens e os 89,88 anos para as mulheres. Uma progressão acentuada quando os mais recentes dados, relativos ao triénio 2012-2014, davam conta de EMV de 77,16 e 83,03 anos, respetivamente. Este envelhecimento tem um impacto abalador em qualquer sistema de proteção social, tanto no ramo de velhice 18
(quanto mais idosos, maiores os gastos em pensões e em outras áreas de apoio à velhice), como no financiamento (menos ativos, menos contribuições sociais, receitas inferiores). Mas este envelhecimento tem também um impacto direto na evolução de parâmetros que de acordo a legislação em vigor definem o sistema de pensões, designadamente o Fator de Sustentabilidade e a Idade Normal de Reforma. Veja-se agora de que modo esta evolução é tratada nas projeções europeias. The Ageing Report os cenários A Comissão Europeia publica com regularidade um relatório sobre o envelhecimento, The Ageing Report. Este relatório, que resulta de um trabalho realizado conjuntamente pelos serviços da própria Comissão, o Ageing Working Group (AWG) e pelas tutelas nacionais, fornece bases fundamentais para o debate da sustentabilidade e adequabilidade dos diferentes sistemas de proteção social, em particular no que diz respeito à proteção na velhice, e de saúde. Estes cenários demográficos e macroeconómicos podem, contudo, ser tão importantes quanto as próprias conclusões elaboradas sobre esses cenários. As projeções costumam resultar de modelos incrivelmente simples, legítimos e universais. Mas não raras vezes o enviesamento surge dos otimismos, dos pessimismos, das profissões de fé ou sistemas de crenças que, por vezes, inquinam as cenarizações que lhes estão na base. Ora, quais são os principais pressupostos que sustentam este trabalho? Cenário Demográfico A cenarização demográfica assenta nas projeções da população EUROPOP2013, do Eurostat. Deste cenário, resulta por exemplo uma projeção da Esperança Média de Vida aos 65 anos que evidencia as fortes pressões demográficas sobre sustentabilidade financeira da Segurança Social e os serviços de saúde: 19
Gráfico 1 ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA AOS 65 ANOS F: Eurostat A este respeito, ainda, Portugal ocupa posições medianas, por comparação com outros Estados-membros: Gráfico 2 PROJEÇÕES PARA A ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA AOS 65 ANOS F: Eurostat 20
Segundo este Relatório, a população vai diminuir de forma muito significativa, (mais de um quinto até 2060!), muito mais do que o previsto no EUROPOP2010, o cenário usado no relatório anterior The 2012 Ageing Report. Gráfico 3 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE EM PORTUGAL, 2013-2060 F: Idem A composição etária da população portuguesa vai sofrer, de acordo com estes cenários, alterações drásticas: Gráfico 4 GRUPOS ETÁRIOS NA POPULAÇÃO PORTUGUESA (PROJEÇÃO) F: Idem 21