Universidade Federal Fluminense Vol 1, Nº 1 Agosto, 2010. ESPECULADOR-IMIGRANTE EM RIO DAS PEDRAS, UMA COMUNIDADE CARIOCA

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Transcrição:

Revista GEO-DEMO Universidade Federal Fluminense Vol 1, Nº 1 Agosto, 2010. ESPECULADOR-IMIGRANTE EM RIO DAS PEDRAS, UMA COMUNIDADE CARIOCA Adão Osdayan [osdayan.castro@gmail.com] Geovanna Porto [porto.ge@gmail.com] Juliana Tavares [juliannatg@hotmail.com] Léa Costa [leinha_geo@hotmail.com] Ulises Rodrigo [ulisesbabu@hotmail.com] Resumo: Rio das Pedras, uma comunidade carioca que no decorrer do contexto histórico da cidade do Rio de Janeiro se destacou pelo seu processo de imigração e ocupação, em destaque a nordestina. Vinda para suprir a necessidade de mão-de-obra impulsionada pelo crescimento urbano dos bairros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, localizadas na zona oeste da cidade. Na qual possui sua dinâmica própria, aonde o especulador-imigrante atua de forma sócio-econômica e na morfologia da comunidade. Em sua ocupação, valorização do espaço e verticalização. Palavras-chaves: imigração, especulador-imigrante, valorização do espaço, verticalização. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 91

Abstract: Rio das Pedras, a community in Rio that during the historical context of Rio de Janeiro stands out for its occupation and immigration process mainly migrants from northeastern Brazil. Coming to meet the need for manpower led by growth of the urban neighborhoods of Barra da Tijuca and Jacarepaguá, located on the west side of town. In which has its own dynamics, where the speculator-immigrant acts to socioeconomic status and morphology of the community. In your occupation, exploitation of space and vertical housing. Key words: Immigration, speculator-immigrant, exploitation of space and vertical housing. 1. Introdução Compreender as complexidades espaciais dos centros urbanos na contemporaneidade exige esforços múltiplos da análise geográfica, toda essa questão somada aos diversos agentes histórico-social, relação homem x espaço e natureza proporciona ao meio uma vasta caracterização de lugares, bem como as populações que os habita. Dentre tanta diversidade, destacaremos nesse trabalho a relação de um personagem no contexto social e econômico de uma grande cidade e como o mesmo atua na transformação deste espaço, em específico na cidade do Rio de Janeiro, focando na forma sócio-espacial de uma favela, a de Rio das Pedras localizada na zona oeste da cidade. Portanto, o objetivo deste trabalho é demonstrar e apontar a ação do migrante no espaço e suas resultantes, sendo assim, a transformação da região inserida no contexto histórico, agregado ao processo migratório que iniciou e continua intensificando a densidade demográfica da região. Entretanto a valorização de certas áreas tanto habitacional, regida por um mercado imobiliário, quanto de serviços prestados à comunidade. Além disso, a ocorrência de especulação, verticalização e deslocamento interno. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 92

2. Valorização do Espaço Rio das Pedras Para entender o contexto do estudo sobre a comunidade Rio das Pedras devemos partir da sua localização no espaço/território demarcado como cidade do Rio de Janeiro. Logo sua posição, relações sociais e produção (trabalho) encontram-se inseridas num contexto histórico da cidade que é mediada e reproduzida constantemente pelo trabalho. A valorização e a especulação existente nesta comunidade requer uma análise sobre o lugar habitado, uma vez que este detém riscos como a sedimentação de morros, cheias de rio e lagoa. Partindo das discussões de Ana Fani A. Carlos no livro A (re)produção do espaço urbano entende- se que a terra não obtém valor por não ser um bem produzido pelo trabalho, todavia, a valorização se dá pela relação homem natureza mediada pelo trabalho que produz um espaço especifico, hierarquizado, diferenciado, dividido socialmente com características próprias estes resultados ocasionam ao lugar o status de espaço como mercadoria que tem seu valor variável através de sua localização, recursos (água, luz, transportes, lazer, etc) e inter relação com a cidade, já a sua autonomia no tipo de estabelecimento comercial, arquitetura e infra estrutura dependerá do poder aquisitivo da população local. Aprofundando-se nesta discussão, Antônio Carlos R. Moraes e Wanderley M. da Costa, expõe no livro A valorização do espaço, que a dinâmica do espaço divide-se em valor do espaço e valor no espaço onde a primeira compreende-se pela qualidade, quantidade e variedade de recursos naturais disponíveis num determinado local, além disso, o valor do espaço obtido pelo trabalho em forma de construções e produções materiais estaria numa gama de manifestações (localização, comércio, relações sociais e outros) onde seu valor seria agregado e cobrado no espaço urbano na forma de aluguel. O resultado da interação destas manifestações acaba gerando o valor no espaço, este de difícil compreensão esta relacionado com o fluxo/ distribuição de mercadoria, mão de obra, transação imobiliária, e outros sem obedecer a uma lógica do espaço físico. Diante das formas de manifestação do espaço, está evidente que a comunidade de Rio das Pedras obtém seu valor não pelo lugar e sim pelo espaço existente onde engloba localização, transportes, segurança, comércio, Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 93

etc. Já que a mão de obra existente no local atende a região de Barra da Tijuca e Jacarepaguá (Taquara, Pechincha, Freguesia) e a via de acesso é de fácil locomoção devido a rede de transporte existente (imagem 1), a segurança da comunidade é fator de destaque em relação as outras e acaba sendo ponto chave de valorização devido a ausência do tráfico de drogas; o seu comércio apresenta-se denso e variável a tal ponto que as necessidades de consumo são supridas sem precisar se locomover para outras regiões. Apesar de ter seus benefícios a comunidade sofre com a falta de poder público em algumas áreas, com isso é evidente a presença de gatos na rede elétrica, hídrica, telefônica ou a falta de saneamento básico. Estes fatores desenvolvem no espaço da comunidade uma divisão de classes e lugares, além disso, a saturação do local devido à migração e o deslocamento interno proporcionam a invasão ilegal de terrenos em áreas de reserva florestal e pântano e a verticalização em uma engenharia perigosa, uma vez que, os limites são regidos pela lagoa da Barra, Parque Nacional da Tijuca e o rio que dá nome a comunidade (foto 1 e imagem 2). A complexidade da comunidade através das relações do espaço, onde casos ilegais (apropriação de terra, moradia, gatos ) interagem com objetos legais (Transporte, escola, saúde pública e etc) e a questão habitação próximo ao trabalho ocasiona na comunidade Rio das Pedras o surgimento de um mercado imobiliário mediado por um especulador diferenciado, o migrante, que no decorrer de sua história inverteu sua ação neste espaço de locatário a proprietário, habitando as partes mais desfavorecidas e adquirindo terreno pela invasão e mudança de trabalho, hoje este especulador em pauta levanta a questão de sua atuação e os resultados deste mercado. 3. Rio das Pedras e sua história Falar da história dessa comunidade carioca, localizada na zona oeste do Rio, é reconhecer um pouco da história de nosso país, mas essa seria longa de mais para abordarmos nesse trabalho. Por isso, iniciaremos falando do processo histórico de formação das primeiras favelas na cidade do Rio de Janeiro, e como esse movimento junto ao crescimento e modernização da cidade alterou e continua modificando o espaço da mesma. Posteriormente Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 94

iremos falar das especificidades da formação de Rio das Pedras em um processo contínuo até os dias atuais. Pois o objetivo do nosso trabalho é compreender o panorama atual, o porquê da escolha da comunidade para viver, sua dinâmica populacional, a vida dos moradores, o valor gerado sobre esse espaço, a especulação imobiliária e por fim o imigrante que vive dessa prática. 3.1. A cidade (Final do Séc. XIX e início do Séc. XX) O início do processo de industrialização que a região sudeste do Brasil vivia no final do Séc. XIX e a forte demanda por mão-de-obra intensificou a imigração, principalmente de europeus. Junto a isso a massa de trabalhadores oriundos da economia decadente do café, a abolição da escravatura e a migração campo-cidade favoreceram o inchaço da região do núcleo central da cidade do Rio de Janeiro. Essa população vivia principalmente em cortiços, casas de cômodo e estalagem com alto grau de adensamento, insalubridade e insegurança. Durante o administração do prefeito Pereira Passos (1902 à 1906)e a o governo de Rodrigues Alves, a capital da república passou por importantes alterações, principalmente no centro da cidade. A remodelação desta área incluía a abertura de várias ruas, áreas de convivência, bulevares, a construção de museus, teatros, cinemas e o ordenamento urbano na região com a demolição de boa parte dos cortiços existentes. Todo esse esforço visava deixar a imagem do Rio, que era vista como uma cidade suja e propícia a doenças com os moldes de Paris. Todo esse movimento de civilidade teve um papel relevante na configuração urbana do Rio de Janeiro durante todo século XX até os dias atuais. Uma parte dessa população desabrigada por conta das remoções irá habitar os subúrbios a outra parte mais pobre irá fixar-se nos morros próximos do centro que já vinham sendo ocupados. Surgem então os primeiros conglomerados de moradias, geralmente sem nenhuma infra-estrutura urbana, como água potável e esgotamento sanitário. Primeiramente esses espaços não foram preocupantes para as autoridades, o que na verdade se resume até hoje. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 95

A cidade do Rio de Janeiro durante o Século XX sofreu grandes transformações por conta do forte crescimento da população. No gráfico a seguir mostraremos esse aumento, principalmente no século passado. Evolução demográfica da cidade do Rio de Janeiro Nº de Habitantes Períodos de tempo Fonte: IBGE 3.2. O auge da Industrialização De fato, durante esse período a dinâmica da favelização em lugares na cidade ganha uma característica própria, e nesse contexto que começaremos a explicar o nascimento e crescimento da comunidade de Rio das Pedras. A cidade do Rio impulsionada pela forte processo de industrialização entre as décadas de 60 e 80 irá crescer para áreas até então inabitadas, quase todas localizadas na zona oeste do da cidade. Dentre esses bairros focaremos em Jacarepaguá e Barra da Tijuca, que junto aos seus crescimentos tiveram o surgimento de novas comunidades, dentre elas a favela de Rio das Pedras. O boom imobiliário na Barra da Tijuca e o forte crescimento da atividade industrial em Jacarepaguá foram fatores relevantes para o crescimento da comunidade pesquisada, pois a mesma localiza-se em uma região estratégica com facilidade de acesso e transporte para esses dois bairros. Segundo relato de moradores que foram pesquisados pela equipe da Puc-Rio durante a idealização do livro Utopia da Comunidade, Rio das Pedras Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 96

uma favela carioca, a formação da comunidade inicialmente baseava-se em um pequeno loteamento irregular as margens do rio que irá dar nome à favela. Esse loteamento pertencia a apenas uma família, que no decorrer do tempo foram ganhando novos moradores. Durante o governo do Estado da Guanabara de Negrão de Lima, os moradores são ameaçados de serem retirados pelo proprietário do terreno, porém eles conseguem que as terras sejam desapropriadas junto ao governo, com as condições que obedecessem aos limites propostos. A partir daí forma-se a consolidação do núcleo original da favela, o que se chama hoje de Rua Velha (foto 2). Todo esse terreno começou a ser divido em pequenos lotes que se estendiam em uma das margens do rio até a estrada de Jacarepaguá em outro extremo da comunidade (foto 3). Essa processo pode ser visto na fala de moradores antigos que deram depoimento ao livro da equipe de pesquisadores da PUC - Rio, tudo isso aqui era do meu pai. Meu pai criou boi ali, não tinha casa nenhuma, isso era um matagal. Depois minha mãe vendeu um pedaço... Na mesma linha outro morador afirma: isso tudo aqui era do meu avô... Aí, para cada filho, ele foi dando um pedacinho de terreno... Entre as décadas de 70 e 80 a comunidade ganha novos vetores de crescimento por conta das invasões que eram organizadas pela associação de moradores, que tinha acabado de se formar no ano de 1979. Esta vai atuar a partir de então, como órgão de divisão e organização dos lotes. É durante esse período que temos a invasão da localidade chamada de Vila Caranguejo (foto 4) nas margens de uma avenida que corta a comunidade. A partir daí a favela vai se expandir em direção a Estrada de Jacarepaguá e sua estrada variante denominada de Rua Nova, onde se encontra hoje a sede comercial e política de Rio das Pedras (Foto 5) 3.3. Década de 90 É na década de 90 que a comunidade ganha um forte impulso de crescimento. A grande demanda por mão de obra nos dois bairros já mencionados atrai cada vez mais pessoas para Rio das Pedras principalmente os nordestinos e moradores de outras comunidades do Rio de Janeiro. Nesse contexto, iremos expor brevemente os motivos de atração dessas pessoas para a comunidade, mas agora iremos prosseguir na formação de outras partes Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 97

da favela. A localidade conhecida como Pinheiro (Foto 6) fica na parte alta da comunidade e é delimitada pela floresta da Tijuca e cortada pela Estrada de Jacarepaguá. Essa região era toda privada e foi ocupada por uma invasão organizada pela associação de moradores, sendo que boa parte dos invasores já moravam na comunidade. Esse fator traz uma dinâmica diferente em comparação as outras áreas favela, sendo percebível na divisão e utilização do espaço, na qual essa região recebe certa valorização pela sua aproximação com a sede administrativa e os serviços que são oferecidos por ela. Isso se torna mais visível quando comparamos com a região dos Areais (Foto 7), que fica localizada em áreas alagáveis próximas a lagoa de Jacarepaguá, onde as condições pantanosas do solo dificultam a construção das moradias e a criação de redes de esgoto, água encanada e outros serviços públicos. Nos Areais é evidente também uma menor presença dos serviços oferecidos pela associação que está ligado diretamente ao seu surgimento, no qual foi coordenado por pessoas de outras favelas e imigrantes nordestinos. Basicamente o processo de consolidação da comunidade de Rio das Pedras, é resumido a esses movimentos de ocupações que foram na maioria coordenadas pela associação de moradores. E está ligado diretamente com a formação de mercado de trabalho nos bairros da Barra e Jacarepaguá. Explicaremos a seguir como a força política da comunidade irá atuar de diversas formas para se obter reconhecimento e de boa parte dos seus moradores. 3.4. A associação de moradores de Rio das Pedras A Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras assumirá um forte papel político dentro da comunidade, mediando os problemas que envolvem moradores e a relação da favela com os órgãos governamentais. Quando nasceu era basicamente formada por comerciantes e líderes das localidades dentro da favela, onde tinha como objetivo atuar como mediadora entre os moradores e os governantes para melhorar as condições de vida da população. Aos seus 31 anos de existência a associação de moradores, ofereceu e ainda oferece à população benefícios e obrigações que o Estado deveria oferecer. Cobra-se uma taxa no valor de R$ de 2,00 para cada associado, que Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 98

segundo fontes da associação seria para manter a estrutura da mesma e as atividades sociais realizadas no local. É pela ausência do Estado que existem nas favelas poderes paralelos que exercem poder e liderança perante seus moradores. Em Rio das Pedras esse poder paralelo terá grande importância para o crescimento da comunidade. Conhecida como Polícia Mineira, esse grupo de policiais, ex-bombeiros e moradores, tem sua origem na comunidade e irá atuar nas áreas de segurança, fiscal e assistencial, tornando-se independente do Estado. 3.5. A Polícia Mineira Conhecida atualmente por milícia, essa força para-militar atua nas comunidades cobrando taxas a moradores em troca de segurança e outros benefícios. Recentemente vem sendo constante nas páginas de jornal por denúncias em várias favelas do Rio por estarem realizando práticas ilegais. Dentre tantas se destacam o cartel no fornecimento de botijão de gás, o controle de TV a cabo irregular, além do controle sobre a distribuição de água potável, luz elétrica, e transporte alternativo, etc. Rio das Pedras é o berço da prática desses grupos, foi lá que nasceu e se expandiu para outras favelas do Rio. Ainda durante formação da comunidade, vivia-se o medo por parte da população da entrada do tráfico de drogas na favela. Segundo depoimentos de antigos moradores para a equipe da PUC-Rio, esse grupo na verdade foi retaliado pelos moradores pois de início cobravam taxas abusivas aos mesmos, porém com a tomada do tráfico na maioria das comunidades cariocas os próprios moradores começaram a praticar essa proteção que ao longo do tempo foi recebendo mais e mais integrantes. Atualmente, sabe-se que a associação é liderada por milicianos, que acabam controlando em diversos setores na favela. Porém, para os moradores, essa prática e o que ganha-se com ela é mais um benefício por morar na comunidade. Na pesquisa realizada por nós é visível o grau de contentamento por boa parte da população por essa chamada tranqüilidade que só o Rio das Pedras tem. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 99

4. A Migração Integrado a historia de rio das pedras, a migração, principalmente nordestina,desenvolve no seu contexto fatores de compreensão da ocupação e valor agregado do espaço, destacando o processo migratório da região. Com base no livro A utopia da comunidade de Marcelo Burgus e a tese A des-reterritorialização dos migrandes nordestinos na comunidade de Rio das Pedras de Luciano Ximenes Aragão. Como já mostrado na origem da comunidade, o seu surgimento datado da déc.60, possui um crescimento recente e extremamente rápido que se deu a partir dos anos 90, e continua até os dias atuais. Esse ligeiro crescimento é sustentado pelo intenso fluxo migratório, principalmente por retirantes nordestinos que vem para a cidade do Rio à procura de melhores perspectivas de vida. Apesar de enfatizarem a presença do nordestino, há existência significante de migrante de outros estados, como MG, ES e SP, ambos são atraídos pelo mesmo motivo, que serão citados e explicados mais adiante. Dentro desse espaço que abriga algumas diferenças, há uma rede de relações sociais que muito contribui para a vinda do imigrante por consequência a expansão do território. O assentamento ou a chegada na favela para aí se estabelecer sempre é agenciada por um conhecido ou parente que já vive na comunidade, embora ocorra sob a observação da associação, que funciona como um poder público dentro do território, que gerencia a chegada na comunidade e todo controle de ocupação da área. Observamos que na teoria a comunidade é dividida em regiões por estado de origem dos moradores, como se uma determinada área fosse ocupada majoritariamente por cearenses e outra por alagoanos por exemplo. Porém visto no texto de Luciano Aragão, essa divisão seria apenas nominal. Na prática a ocupação é heterogênea, a Associação de moradores destaca um caráter de unidade, com a presença de moradores de vários estados de origem, entretanto uma hegemonia nordestina. Ao contrário do que pensam a habitação do espaço se deu de forma aleatória e não pela origem dos moradores como mostra o parágrafo acima.. Os fatores mencionados anteriormente, que influenciam na vinda e permanência na comunidade são fundamentais para entender o motivo da Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 100

grande procura pelo local. Um deles é a ausência de violência, pela favela não ser regida por tráfico, segurança oferecida pela milícia e a intervenção do associação de moradores em conflitos internos, atuando como mediadora. A facilidade de moradia, como baixos aluguéis, áreas doadas pela associação para construção e energia elétrica e água não tarifados. Muitos migrantes são atraídos também por acharem que há uma facilidade de acesso ao mercado de trabalho, sistema de educação e saúde pública. No entanto são surpreendidos com a extrema dificuldade de arranja trabalho e a situação precária. Um dos serviços mais elogiados pelos moradores, durante nossa pesquisa de campo, foi a eficiência do sistema de transporte, que abrange várias áreas. Por fim, a facilidade de entrada de ajuda comunitária e governamental, implantação de ONGs, projetos sociais e participação de voluntários. Esses podem ser considerados os principais motivos de atração. Dentro desse contexto de migração, existe outro processo ocorrendo em paralelo, o deslocamento interno, que acontecem de duas maneiras. Primeiramente o movimento de entrada de moradores de outras comunidades e localidades, que tentam abrigo solicitando ajuda à associação de moradores. Alguns locais como o Pantanal, área totalmente insalubre para habitação, recebem ex moradores de rua, recém-chegados que não tem condições de pagar aluguel. O outro movimento de ocorrência dentro da própria comunidade, na qual os inquilinos que já não tem mais condições de arcar com suas despesas mudam-se para áreas menos valorizadas onde podem manter-se,por exemplo o Areal. De outra forma, moradores que conseguem uma pequena ascensão financeira deslocam-se para áreas de melhores infraestrutura, por exemplo: Pinheiro. Entretanto, é notório uma pequena redução no número de retirantes nordestinos que vem, pelos atrativos que a cidade oferece. Todavia, percebese um processo que iniciou-se a pouco e cresce lentamente. Evidentemente, a incessante violência no Rio de Janeiro e a ilusão da facilidade de obter dinheiro, já não enganam mais, e também o início de um crescimento econômico em alguns centros do nordeste, são fatores que influenciam nesse processo. Mesmo assim, cerca de 2000 nordestinos chegam por mês no Rio de Janeiro. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 101

5. O especulador-imigrante e o mercado imobiliário Para falarmos em especulador-imigrante na favela do Rio das Pedras é preciso entender os fatores, condições e características desse morador dentro da comunidade e sua transformação de renda a partir de um mercado imobiliário com diversas vertentes que expõe a apropriação e venda de vários lugares. Este morador pesquisado impulsionado por melhores oportunidades inicia seu processo de habitação nas áreas periféricas por conta do baixo custo de vida em comparação a parte central da comunidade, porém num processo lento de deslocamento interno ele inverte sua ação e localização no espaço através do trabalho. Podemos exemplificar quando um morador dentro da situação mencionada constrói edificações irregulares para moradia própria e locação em áreas como os Areais, em seguida este com melhores condições financeiras muda-se para regiões centrais da comunidade onde encontra-se melhores condições de infra-estrutura dos serviços públicos. Dentro desta dinâmica cria se um mercado imobiliário peculiar, no qual o morador promove uma especulação, investindo essa renda obtida em diversas atividades em diferentes regiões, podendo ser na própria comunidade, no entorno ou no lugar de origem do imigrante. 5.1. Verticalização Há um processo que vêm alterando a dinâmica espacial das comunidades do Rio de Janeiro, e torna-se mais evidente em Rio das Pedras, a verticalização. Diante dos limites que delimitam a comunidade (Parque Nacional da Tijuca, lagoa de Jacarepaguá e suas áreas alagáveis), a escassez de terrenos para a construção e a forte procura por moradias desenvolve este tipo de crescimento, no qual a laje (Pavimento) desempenha um papel de adensamento populacional, exemplificado em boa parte das edificações na favela que chegam a ter até dez andares sem nenhuma consulta técnica de profissionais da área. (foto 8 e 9) 5.2 A relação contratual É uma forma de contrato existente na locação e venda dos imóveis, ficando ausente qualquer tipo de escritura ou garantia jurídica entre o Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 102

proprietário e o inquilino. Permanecendo somente a confiança e o negócio vulgarmente falado como boca-a-boca. Finalizando todo o processo de especulação do território, o investimento proporcionado por este ocasiona a inversão do capital, gerado pela negociação de áreas impróprias, aplicando-o no comercio, pecuária, agricultura, compra de terras e outros setores dentro da legalidade. Sintetizando os pontos explicitados durante o trabalho é notória a inter-relação destes com o mercado em crítica. 6. Conclusão Diante dos dados obtidos através da pesquisa de campo, dos textos, das referências bibliográficas e do contato com associação de moradores do Rio das Pedras, concluímos que a especulação imobiliária na comunidade está fortemente ligada aos processos descritos ao longo do trabalho, como a valorização do espaço, a migração e o contexto histórico da cidade do Rio de Janeiro, uma vez que estes proporcionam uma dinâmica de relações sociais e formação de uma paisagem urbana com alto grau de adensamento populacional, em uma região sem condições de ser habitada. Logo, o trabalho nos proporcionou uma maior compreensão sobre as complexidades espaciais dos centros urbanos e suas vertentes e resultantes em um determinado lugar. 7. Bibliografia BURGUS, M. Utopia da comunidade: Rio das Pedras, uma favela carioca. Rio de Janeiro: Puc-Rio: Loyola, 2002. CARLOS, Ana Fani A. A cidade. São Paulo: Editora Contexto, 2005. CARLOS, Ana Fani A. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. ARAGÃO, Luciano. A des-re-territorialização dos migrantes nordestinos na comunidade de Rio das Pedras. Niterói: Imprensa Universitária, 2004. MORAES,A.;COSTA W. A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO 2ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1987. Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 103

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Gráfico estatístico da evolução da população do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1º acesso no dia 2 de junho de 2010 Revista GEO-DEMO. Vol 1, Nº 1. Setembro, 2010. 104