WILLIAM JAMES 1 e BERGSON 2 UM ESTUDO COMPARADO SOBRE O MISTICISMO



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Transcrição:

WILLIAM JAMES 1 e BERGSON 2 UM ESTUDO COMPARADO SOBRE O MISTICISMO MARCO ANTONIO BARROSO MEMBRO DO NÚCLEO DE ESTUDOS IBÉRICOS E IBERO-AMERICANOS DA UFJF. FORMADO EM FILOSOFIA PELA UFJF. ALUNO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DAS RELIGIÕES DA UFJF. MARCOANTONIO@OI.COM.BR O que gostaríamos de propor em nosso estudo é a aproximação, de forma resumida, da teoria em torno do estado místico, criado por estes dois nomes clássicos no estudo das religiões, ambos nascidos em meados do século XIX e que conforme nos é informado por publicação das correspondências que trocaram 3, se influenciaram mutuamente, como podemos observar neste trecho de uma das cartas citadas.[bergson, 2005: 09]. Caro confrade Acabo de ler o livro que tivestes a bondade de me enviar The Varieties of Religious Experience e que dizer-vos da profunda impressão que esta me causou. Eu a comecei há uma dezena de dias e, desde de então, não posso pensar em outra coisa, tão cativante é o livro(...). Lograstes extrair a própria quintessência da emoção religiosa. Sem dúvida sentíamos já que esta emoção é ao mesmo tempo uma alegria sui generis e a consciência de uma união superior; mas qual é a natureza desta alegria e o que é esta união, é o que não parecia nem analisável nem exprimível, e é entretanto o que vós soubestes analisar e exprimir, graças um procedimento novo que consiste em favorecer ao leitor, pouco a pouco, uma série 1 Willian James, psicólogo e filósofo norte-americano (1842-1910). 2 Luis-Henri Bergson, filosofo francês (1859-1941). 3 BERGSON. Cartas a Willian James (in Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 2005.

de impressões de conjunto que interferem e ao mesmo tempo se fundem entre si, no espírito. Acabais de abrir um caminho no qual sereis certamente seguido por muitos outros, mas onde já fostes imediatamente muito longe, que se terá bastante dificuldade para vos ultrapassar e mesmo para vos alcançar. 06 de janeiro de 1903. Como podemos avaliar, previamente, dada a opinião do pensador francês, a mística, ou misticismo, seria para James um sentimento, ou emoção religiosa, comparada a uma alegria ou consciência de uma união superior. Algo de cunho pessoal, mas que possui uma característica avaliável o que a torna exprimível em palavras e que será o objeto de nosso próximo item. 2. Willian James: As variedades da Experiência Religiosa - O Misticismo. Nesta parte analisaremos o pensamento de James sobre o que ele chama de estado místico de consciência., ou melhor, como se desenvolve a citada série de impressões de conjunto a que se refere Bergson, ou seja os relatos que na obra de James se multiplicam e se justificam pois o próprio autor defende, como parte indiscriminável do estudo que apresenta, a experiência pessoal como exclusiva fonte. Para James a verdadeira experiência religiosa pessoal tem sua raiz e seu centro em estados místicos [JAMES s.d.:237]. Mas como identificar este estado chamado de estado místico de consciência e diferenciá-lo dos demais estados de consciência? pergunta sugerida pelo próprio autor, que sugere as seguintes condições para a tal distinção: 1. Inefabilidade a mais jeitosa das marcas pelas quais se classifica de mítico um estado de espírito é negativa. Quem experimenta diz incontinente que ela desfia a expressão, que não se pode fazer com palavras nenhum relato adequado de seu conteúdo. Disso se segue que sua qualidade precisa ser experimentada diretamente; não pode ser comunicada nem transferida a outros. Por essa peculiaridade, os estados míticos semelham muito mais estados de sentimento do que estados de intelecto. Ninguém pode explicar a outra pessoa, que nunca conheceu determinado de sentimento, o que consiste a qualidade ou valor dele... 2. Qualidade noética conquanto muito semelhante a estados de sentimento, os estados místicos parecem ser também, para os que os experimentam, estados de conhecimento, estados de visão interior dirigida a profundezas da verdade não sondadas pelo intelecto discursivo. São iluminações, revelações, cheias de significado e importância, por mais inarticuladas que continuem sento; e, via de regra, carregam consigo um senso curioso de autoridade pelo tempo sucessivo. 3. Transitoriedade os estados místicos não podem ser sustentados por muito tempo. A não ser em casos raros(...). Muitas vezes, quando aparecem, a sua

qualidade pode ser apenas imperfeitamente reproduzida na memória; mas, quando se repetem, são reconhecidos; e de uma ocorrência a outra, são suscetíveis de contínuo enriquecimento no que se sente como riqueza e importância anteriores. 4. Passividade se bem a aproximação de estados místicos seja facilitada por operações voluntárias preliminares,(...), depois que a espécie característica de consciência se impôs o místico tem a impressão de que sua própria vontade está adormecida e, às vezes, de que ele esta sendo agarrado e seguro por uma força superior. (...). Os estados místicos rigorosamente falando, nunca são meramente interrupções. Subsiste sempre alguma lembrança, do seu conteúdo e um sentido profundo da sua importância. Eles modificam a vida interior do sujeito entre os momentos de sua ocorrência... [JAMES s.d.: 238] Podemos depreender das citação acima as seguintes características metodológicas no estudo do estado mítico de consciência: a) que para (re)conhecer esse estado é preciso que se passe por ele, pois como um sentimento ele, se explicado por padrões de conhecimento intelectuais, será entendido de forma medíocre dependendo, assim, de um estado análogo de predisposição espiritual 4 ; b) carregam em si formas de conhecimento não pertencentes ao intelecto discursivo, ligadas a uma verdade; c) são estados temporários que se tornam reconhecidos pela recorrência, e que por essa mesma recorrência se tornam mais profundos e enriquecidos; d) embora possam ser provocados 5, só podem ser reconhecidos como estados místicos de consciência se, por sobre suas lembranças residuais, ele modificar a vida interior do sujeito que o experimenta e ao longo de sua vida mística. O autor ressalta que o rudimento mais simples da experiência mística é aquele produzido em nós principalmente em nossa juventude - por um poema, portas irracionais como ele denomina por onde os mais variados sentimentos se expõem. Já seu estado mais acentuado se parece com um rapto de consciência, onde tudo parece conhecido e novo, paradoxal por assim dizer; Eles trazem um sentido de mistério e da dualidade metafísica das coisas, um alargamento da percepção que se afigura iminente, mas que nunca se completa. 4 Como afirma o próprio autor: os fenômenos são muito mais bem compreendidos quando colocados dentro de uma série, estudados em sua origem e em sua decadência por excesso de madurez e comparados com seus semelhantes exagerados e degenerados [JAMES, s.d.: 238] 5 sobre o uso de drogas para estimular as percepções místicas, afirma o autor: é a muito tempo estiguimatizado como patológico, apesar de certa prática particular e certos lampejos líricos de poesia parecerem dar testemunho da sua idealidade(...). a consciência bêbada é somente uma parte da consciência mística, e nossa opinião total sobre ela precisa encontrar o seu lugar em nossa opinião sobre o conjunto mais amplo.

A consciência mística proporciona um reencontro interior entre formas interiores de consciência ou formas potenciais de consciência. A Tonica dessas consciências seria a reconciliação (paz interior?) que poderia ser facilitada pelo transe místico. Todavia nosso psicólogo reconhece a dificuldade de expressar estas idéias, pois são como ele diz afirmações obscuras. [JAMES, s.d.: 241] Outro aspecto muito interessante ressaltado pelo autor é, que no estado estudado, há uma espécie de união com algo maior, arriscaria dizer que muitas vezes uma noção panteísta de união com o todo, ou mesmo diluição neste exceção feita aos santos cristãos, que se sentiriam recolhidos nos braços Divinos (afirma Jesus: Eu e o Pai somos um. Ou Paulo: andamos e respiramos Nele ). Reproduziremos um dos vários exemplos citados pó Willian James [JAMES,s.d.:247]: Acredito em ti, minha alma... Vaga comigo na relva, desata o nó da tua garganta;... Só gosto da bonança, do zumbir da tua voz aveludada. Lembro-me de como, de uma feita, nós nos deitamos, numa transparente manhã de verão Rápida se ergueu e espalhou à minha volta a paz, e o conhecimento que sobrelevam todos argumentos da terra, E sei que o espírito de Deus é irmão do meu, E que todos os homens já nascidos são também meus irmãos e as mulheres minhas irmãs e amantes, E que a sobrequilha da criação é o amor Walt Whitmam Temos ainda a consciência cósmica que é uma:...consciência do cosmo, i. é, da vida e da ordem do universo. Como a consciência do cosmo ocorre uma iluminação intelectual que, sozinha, colocaria o indivíduo num novo plano de existência faria dele quase um membro de uma nova espécie. A isto se acrescenta um um estado de exaltação, um sentimento indescritível de elevação, júbilo e felicidade, e uma aceleração do senso moral, tão notável e mais importante do que o poder intelectual intensificado. Como eles vêem o que podemos denominar sentido de imortalidade, consciência de vida eterna, não a convicção de que ele terá, mas de que ele já tem. [JAMES, s.d.: 249] Nas páginas 250 e 251 demonstra como o êxtase místico está na base das grandes religiões mundiais e como se dá seu cultivo metódico através de práticas ritualísticas. Ressaltando que a incomunicabilidade do êxtase é a tônica do misticismo, que a verdade mística existe para quem as tem e para mais ninguém. Todavia há aqueles que tentam

mesmo assim dizer este indizível, e entre estes os místicos cristãos ganham destaque pronunciado, para James em suas notações 6 - temos principalmente os exemplos de Sta. Tereza d Ávila, S. João da Cruz e Santo Inácio de Loyola, Eckhart... Ao final de sua conferência sobre o misticismo James destaca as seguintes perguntas, seguidas de suas resposta, vejamos primeiramente as perguntas: podemos invocar o estado místico como autoridade, se fornece ele alguma garantia da verdade do renascimento, da sobrenaturalidade e do panteísmo que favorece? E em seguida encontramos as respostas: 1.Os estados místicos, quando bem desenvolvidos, geralmente são e tem direito de sê-lo, autoridades absolutas sobre os indivíduos que os experimentam. 2.Deles não emana autoridade alguma que obrigue os que estão de fora a lhes aceitarem as revelações sem nenhuma crítica. 3. Eles quebram a autoridade da consciência não-mística ou racionalista, que se baseia apenas no intelecto e nos sentidos. Mostram que esta não passa de uma espécie de consciência. Abrem a possibilidade de outras ordens de verdade, nas quais, na medida em que alguma coisa em nós responda vitalmente a elas, possamos continuar livremente a ter fé. (Grifos nossos ) [JAMES, s.d.: 263] Concluo esta parte de meu estudo relembrando a afirmação de Willian James de que o misticismo é a base da religião pessoal, pois é dessa assertiva que nosso próximo pensador parte para fundamentar sua filosofia da religião. Influenciado entre outros por James, Henri Bergson tenta demonstrar em seu livro As Duas Fontes da Moral e da Religião, que a base do que ele denomina Religião Dinâmica tem sua fonte no sentimento místico, todavia, para o autor francês, a mística seria o topo do élan vital, no desenvolvimento do espírito na cadeia evolutiva. 3. Bergson: A Religião Dinâmica. Novamente gostaria de citar a seguinte passagem da carta escrita por Bergson endereçada a James [BERGSON, 2005: 09] para poder dar prosseguimento a nosso estudo: Caro confrade Acabo de ler o livro que tivestes a bondade de me enviar The Varieties of Religious Experience e que dizer-vos da profunda impressão que esta me causou. Eu a comecei há uma dezena de dias e, desde de então, não posso pensar em outra 6 Esta característica deve-se a nossa herança filosófica grega

coisa, tão cativante é o livro(...). Lograstes extrair a própria quintessência da emoção religiosa. Sem dúvida sentíamos já que esta emoção é ao mesmo tempo uma alegria sui generis e a consciência de uma união superior; mas qual é a natureza desta alegria e o que é esta união, é o que não parecia nem analisável nem exprimível, e é entretanto o que vós soubestes analisar e exprimir, graças um procedimento novo que consiste em favorecer ao leitor, pouco a pouco, uma série de impressões de conjunto que interferem e ao mesmo tempo se fundem entre si, no espírito. Acabais de abrir um caminho no qual sereis certamente seguido por muitos outros, mas onde já fostes imediatamente muito longe, que se terá bastante dificuldade para vos ultrapassar e mesmo para vos alcançar. 06 de janeiro de 1903. É a partir dessa deixa que destaco minha fala, que deseja demonstrar a concordância existente entre os pensamentos de Bergson e do já estudado psicólogo norte-americano. Devido a nosso pouco espaço de tempo e a complexidade do tema tratado no livro As Duas Fontes da Moral e da Religião tentaremos expor de forma sucinta o pensamento bergsoniano sobre o misticismo O que pretende Bergson em sua teoria sobre a religião, ao contrário de outros filósofos contemporâneos, não é destruir ou antropomorfizar a religião, mas sim coloca-la em seu devido lugar, como afirma Jean Guitton; no campo da religião o que pretende (Bergson) é deszenonizar 7 a operação redutora a elementos como o totem, feitas por Durkhein, por exemplo, que recompõe as formas mais elevadas da vida religiosa com este elemento, que ele considera, baixo, primitivo e por assim dizer quantitativo.[bergson, 1964;32] A religião é para Bergson, em seu sistema, dinâmica e mística, como vemos em seu livro As duas fontes da Moral e da Religião. Tanto a filosofia social como sua filosofia moral(ética) bergsoniana se erguem sobre as bases da religião 8. Mas qual religião? A que 7 Bergson faz uma dura crítica a idéia de tempo de Zenão de Eléia, pois considera esta como algo fora da vida, simples matemática que espacializa o tempo. 8 Que sera-ce, si nous apercevons derrière l'impératif social un commandement religieux! Peu importe la relation entre les deux termes. Qu'on interprète la religion d'une manière ou d'une autre, qu'elle soit sociale par essence ou par accident, un point est certain, c'est qu'elle a toujours joué um rôle social. Ce rôle est d'ailleurs complexe ; il varie selon les temps et selon les lieux ; mais, dans des sociétés telles que les nôtres, la religion a pour premier effet de soutenir et de renforcer les exigences de la société. Elle peut aller beaucoup plus loin, elle va tout au moins jusque-là. La société institue des peines qui peuvent frapper des innocents, épargner des coupables ; elle ne récompense guère ; elle voit gros et se contente de peu : où est la balance humaine qui pèserait comme il le faut les récompenses et les peines? Mais, de même que les Idées platoniciennes nous révèlent, parfaite et complète, la réalité dont nous ne percevons que des imitations grossières, ainsi

ele chama de religião dinâmica, forma de religião essencial e maleável. Todavia essa também precisa ser fundamentada, onde pois, encontrar tal base firme, onde estaria a verdadeira religiosidade da religião? A resposta dada por Bergson foi a mística 9 : devido a sua proximidade com o conceito de intuição 10, pode-se ter a mística como uma espécie de intuição potencializada, o que possibilitaria a percepção do mundo, pela consciência, em sua verdadeira face, ou seja em estado de duração. A duração real é, de fato, o dado da consciência, despojado de toda superestrutura intelectual ou simbólica e reconhecido em sua simplicidade originária, é o que podemos chamar de realidade imediata ou tempo vivido [ABBAGNANO,1984] Vejamos algumas palavras do próprio autor: (...);reaprendamos o mundo exterior como ele é, e não somente na superfície, no momento atual, mas em profundidade, como o passado imediato que o pressiona e que lhe imprime seu elã; habituemo-nos, numa palavra, a ver todas as coisa sub specie durations; imediatamente o que estava entorpecido se distende, o que estava adormecido acorda, o morto ressuscita em nossa percepção galvanizada. As satisfações que a arte somente fornecera a privilegiados pela natureza e pela fortuna, e apenas de vez em quando, a filosofia assim entendida oferecerá a todos, em todos os momentos, reinsuflando a vida nos fantasmas que nos rodeiam e revivendo a nós mesmos.[bergson,1974;74] Enfim, o que desejamos aludir, é que mesmo em sua filosofia da religião, Bergson, não se afastou de seus conceitos de intuição nem de duração, e que esta é, também aqui, o fundamento de seu pensar..., havendo, assim, intrinsecamente ligação entre a percepção de tempo e a dinâmica mística do verdadeiro agir religioso. la religion nous introduit dans une cité dont nos institutions, nos lois et nos coutumes marquent tout au plus, de loin en loin, les points les plus saillants. Ici-bas, l'ordre est simplement approximatif et plus ou moins artificiellement obtenu par les hommes ; là-haut il est parfait, et se réalise de luimême. La religion achève donc de combler à nos yeux l'intervalle, déjà rétréci par les habitudes du sens commun, entre un commandement de la société et une loi de la nature.[bergson,1932: 07] 9 Les vrais mystiques s'ouvrent simplement au flot qui les envahit. Sûrs d'eux-mêmes, parce qu'ils sentent en eux quelque chose de meilleur qu'eux, ils se révèlent grands hommes d'action, à la surprise de ceux pour qui le mysticisme n'est que vision, transport, extase. Ce qu'ils ont laissé couler à l'intérieur d'eux-mêmes, c'est un flux descendant qui voudrait, à travers eux, gagner les autres hommes. [BERGSON, 1932: 53] 10 Para Nicola Abbagnano em seu dicionário de filosofia temos o seguinte: É a visão do espírito por parte do espírito. Consciência imediata, visão que apenas se distingue do objeto visto, conhecimento que é contato e por fim conhecidência [ABBAGNANO, 1999: 700]. Já e sua história da filosofia encontramos que: A intuição pode ter significados diversos e não se pode definir univocamente. Todavia, sua característica fundamental é que pensa em termos de duração, isto é, de espiritualidade ou de consciência pura [ABBAGNANO, 1984: 21].

O místico é assim, para Bergson, aquele que está ligado ao élan vital e por isso raro é se encontrar um verdadeiro místico 11. Na fala dessa pessoa há algo que ecoa, ou ecoaria se permitido fosse, na alma de quem a houve. 12 Para Bergson os verdadeiros místicos jamais poderiam ser chamados de loucos, ou desiquilibrados, pois ele seriam homens(mulheres) de grande evolução interior 13 [BERGSON, 1978: 188]. Identifica o autor francês que para este tipo de místico (puro) as visões são apenas acidentes em sua busca pela identificação junto ao divino: Eles foram os primeiros a precaver seus discípulos contras as visões que podiam ser puramente alucinatórias. E suas próprias visões, quando as tinham, atribuíam importância meramente secundária. [BERGSON, 1978: 188]. O misticismo nada diz, absolutamente nada, a quem não o sentiu um pouco dele. Todos poderão, pois, compreender que o misticismo vem de longe em longe inserir-se, originalmente e inefável em uma religião pré-existente, formulada em termos de inteligência, ao passo que será difícil impor a idéia de uma religião que só exista pelo misticismo... [BERGSON, 1978: 196]. Podemos, novamente aqui, perceber a necessidade analógica em relação sentimento místico para a que ele ecoe na alma humana, e também que o autor sugere que o misticismo se apresenta na forma social da religião (estática) em que se insere. Observemos a seguinte citação: O que o místico encontra diante de si é, pois, uma humanidade que foi preparada para ouvi-lo por intermédio de outros místicos, invisíveis e presentes na religião. Seu próprio misticismo está, de resto, impregnado dessa religião, dado que começou por ela. Sua teologia será em geral de acordo com as dos teólogos. Sua inteligência e sua imaginação utilizarão, para exprimir com palavras o que ele sente e em imagens materiais o que vê espiritualmente, o ensino dos teólogos. (...). Assim, seu misticismo beneficia-se da religião, até que a religião enriqueça de seu misticismo.[bergson, 1978: 197]. 11 Como podemos estudar no capítulo III do livro As duas fontes... Bergson considera verdadeiro místico aquela pessoa que consegue conjugar contemplação, ação prática e verbalização do sentimento derivados da experiência mística. Podemos comparar este tópico com as mudanças sugeridas por James em seu livro A variedade das experiências religiosas. 12 Para Bergson nem o estado hipnótico nem o uso de drogas levariam a um misticismo originário por si mesmos, mas poderiam converter-se nisso, ou pelo menos anunciar e preparar o misticismo verdadeiro, pela sugestão que neles se insinuasse [BERGSON, 1978: 184] 13 Há (...) uma saúde intelectual solidamente assente, excepcional, que se reconhece sem dificuldades. Ela se manifesta pelo gosto da ação, a faculdade de adaptar-se e de se readaptar-se às circunstâncias, a firmeza junto à maleabilidade, o discernimento profético do possível e do impossível, um espírito de simplicidade que triunfa sobre as complicações, enfim, um bom senso superior. [BERGSON, 1978: 188]

Com relação a veracidade cientifica dos estados místicos, Bergson declara que não se pode alegar infalibilidade as experimentações científicas, pois a ciência é mutável e suas verdades temporais, ele nos dá o exemplo das mapas cartográficos que eram feitos pelos relatos de homens respeitados, na sociedade em que viviam, através de suas viagens. Para o filósofo francês o mesmo se daria com os relatos místicos, pois esse estado de consciência já foi alcançado por muitas pessoas, algumas o atingiram totalmente e outras parcialmente. Declara que Willian James dizia nunca haver jamais experimentado estados místicos; mas acrescentava que se ouvia falar disso por homem que tivera a experiência, alguma coisa ressoava nele. Como o próprio James, o pensador francês afirma que a experiência mística é, portanto, real para quem a experimenta e quem não a aceita deve calar-se com seus protestos, mas que por si mesma ela também não se sustenta, exigindo um novo método para sua avaliação pois sabe e afirma que não existe outro fonte para o conhecimento que não seja a experiência. O método sugerido se baseia na observação da experiência mística, para que através das somas das possibilidade possa-se alcançar uma que equivalha praticamente à certeza daí a necessidade da analogia de sentimentos para a experimentação 14.[BERGSON, 1978: 202-205] Conclusão Pudemos observar a imensa analogia entre as conclusões de ambos pensadores aqui avaliados apesar da diversidade de métodos utilizados e que tentarei relatar em minha conclusão. Para nossos autores o misticismo existe como um fato pessoal subjetivo sendo assim a fonte pessoal da religião, e segundo sugerido a essência da religião comunitária. O uso de drogas ou fórmulas dogmáticas na estimulação do estado de consciência mística não denota que esta essa original isso só se pode concluir através da repercussão mudanças ocasionadas- pelo estado atingido na vida cotidiana do sujeito. A consciência mística objetiva se relacionar com uma força maior de forma se unir, ou mesmo se apagar nesta 15. 14 Cremos que esta metodologia sugerida se aproxima, em muito, da experimentação fenomenológica, sugerida por Husserl, Otto etc. 15 Esse desejo varia conforme a sociedade (religião estática) em que se insere esta figura.

É uma realidade para o sujeito que o experimenta, só podendo ser avaliado de forma objetiva por que já experimentou algo similar dado ser um sentimento. Existe a exigência de uma nova hermenêutica para sua compreensão, pois este estado quebra autoridade da consciência não-mítica, racionalista. Bibliografia: ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Lisboa: edições 70, 1984.. Dicionário de Filosofia. México: F.C.E., 1999. BERGSON, Luis-Henri. As duas Fontes da Moral e da Religião. Rio de Janeiro: Zaar, 1978.. Les Deux Sources de la Morale et de la Religion. Paris: Gallimard, 1932. (in: www.uqc.uquebec.ca.) JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa. São Paulo: Cultrix, 1995.