Agência de Notícias Brasil-Árabe - SP 19/04/2010-08:30 Consolidação da indústria da cana é necessária A opinião sobre as fusões e aquisições no setor é do presidente da Unica, Marcos Jank. Em entrevista à ANBA, ele disse que vão existir menos empresas melhor capacitadas para os momentos difíceis. Alexandre Rocha São Paulo A consolidação, por meio de fusões e aquisições, passou a ser uma tendência também no setor sucroalcooleiro brasileiro, tradicionalmente dominado por empresas de menor porte e de origem familiar. De acordo com o presidente da União da Indústria de Cana-deaçúcar (Única), Marcos Sawaya Jank, o movimento é necessário para garantir a companhias do ramo melhor estrutura para passar por momentos difíceis, como a crise financeira internacional. Nós vamos ter um menor número de empresas, empresas com melhor estrutura de capital para aguentar os momentos difíceis, que vão trabalhar com escalas maiores, algumas delas grupos internacionais, mas também grupos nacionais, disse Jank em entrevista exclusiva à ANBA. Segundo ele, a grande novidade é a entrada no ramo de companhias brasileiras e estrangeiras que atuam em outros segmentos, como a Odebrecht e a Shell, e das grandes Niels Andreas/Unica Apesar das grandes empresas, Jank diz haver espaço para médias tradings que atuam em outras áreas do agronegócio. Jank ressaltou, no entanto, que há espaço para empresas médias. Eu vejo, para grupos nacionais que estejam bem estruturados, uma grande oportunidade, afirmou. Ao falar sobre mercado externo, o executivo avaliou que este ano será bom para o açúcar, mas ruim para o etanol. Para ele, o mercado mundial de álcool combustível poderá melhorar a partir de 2011, caso os Estados Unidos diminuam a barreira tarifária imposta há anos ao produto brasileiro. Leia a seguir os principais trechos da entrevista: ANBA - Como está o cenário externo este ano para o setor?
Marcos Sawaya Jank - Eu acho que para o açúcar ainda vai estar bom. A gente teve um ano em que as exportações cresceram, mas existe ainda uma demanda mundial não atendida, então vai continuar crescendo. O etanol deve cair pelo menos uns 35% este ano, em função, primeiro do fato de que não há muito mercado lá fora nesse momento, porque há uma grande safra de milho nos Estados Unidos, e depois porque, aqui dentro, nós tivemos esse problema recente de abastecimento, que foi resultado, na verdade, da crise financeira global e das chuvas. Então a maior parte do etanol vai ser usada internamente mesmo, como, aliás, já vem sendo. Nós não vamos ter ainda um crescimento das exportações. O senhor falou do abastecimento interno, houve um salto muito grande dos preços no começo do ano. Como é possível evitar que isso ocorra? Houve um pedido de crédito para o governo... Na verdade é o seguinte: o etanol é uma commodity como as outras, ele tem uma flutuação de preços em função de condições de oferta. Foi um ano totalmente atípico, em que houve uma crise financeira que nunca tinha havido antes, que atingiu duramente uma parte das empresas, que não tinham dinheiro, e que, no começo da safra, para fazer dinheiro, venderam álcool muito baixo. Por causa disso houve uma flutuação grande. A gente começou com um preço na usina de 50 centavos [de real por litro] e terminou com um preço de mais de um real. No auge, no final da entressafra, a variação foi de mais de 100%. O preço esteve alto realmente da segunda quinzena de janeiro até meados de março. Nesse momento ainda há algum reflexo das chuvas, mas a safra já está entrando a toda. Nós voltamos a falar em [crédito para viabilizar a] estocagem porque este é um programa que o governo deveria ter todos os anos, que permitisse que as empresas, no começo da safra, ao invés de saírem vendendo álcool a um preço muito baixo, guardassem esse álcool para suprir o momento da entressafra. Nós não estamos falando de subsídio, estamos falando de um programa a juros de mercado que permita que uma parte do álcool seja estocada pelas usinas logo no começo da safra. Existe uma pretensão do Brasil de incentivar a transformação do etanol em uma commodity mundial. Esse tipo de flutuação no preço e na oferta não pode atrapalhar uma pretensão como esta? Niels Andreas/Unica Difundido no Brasil, etanol ainda engatinha lá fora Eu acho que não, porque, na verdade, nós estamos falando de uma situação de curtíssimo prazo, que aconteceu agora nessa última safra e que vai se regularizar agora, já a partir deste mês, dentro de uma realidade que, de fato, 85% do álcool fica no mercado doméstico. A exportação de álcool hoje praticamente não existe, é um mercado muito pequeno e muito volátil, que abre e fecha dependendo do ano. Certamente 2010 vai ser um dos piores anos de exportação, assim como 2006 e 2008 foram anos muito bons porque houveram oportunidades, principalmente no mercado americano. Hoje não existe um fluxo regular porque o etanol ainda não foi consolidado como uma commodity de aquisição regular nos países que têm programas de álcool. Veja só, hoje a gente exporta 70% do nosso açúcar e menos de 15% do nosso etanol. Eu acho que, a partir de 2011, com o reconhecimento que nós tivemos nos Estados Unidos de que o etanol de cana é um biocombustível avançado, que reduz as emissões em mais de 60%, se as tarifas americanas caírem no final deste ano - porque isso ainda é um problema -, aí sim a gente vai poder ter um fluxo de investimentos que permita uma maior exportação. Mas é preciso que exista, antes de mais nada, uma sinalização de demanda.
maior exportação. Mas é preciso que exista, antes de mais nada, uma sinalização de demanda. Pouco adianta falar: Vocês não têm oferta para atender o potencial do mercado norteamericano. Ora, se esse potencial não se realizar com a queda da tarifa e [ao mesmo tempo] se a gente tiver uma oferta monstruosa aqui, significa que a renda aqui vai cair brutalmente, porque nós não vamos ter para quem vender. A gente sempre fala o seguinte: Não existe oferta se não houver uma demanda clara. E hoje não existe uma demanda clara de etanol no mercado mundial. Existe sim uma demanda clara de açúcar. Esse é o grande desafio: nós ganhamos o passaporte, com o reconhecimento do álcool brasileiro como sendo três vezes melhor do que o álcool de milho, mas ainda não conseguimos comprar a passagem para poder viajar, porque, para comprar a passagem, a tarifa tem que cair. Existe uma perspectiva clara de que a tarifa caia? O que existe é que essa tarifa naturalmente desaparece até 31 de dezembro deste ano, se ela não for renovada pelo Congresso Americano. Cabe aos grupos interessados na tarifa tentarem renovar. Por isso que, faz duas semanas, há um imenso debate pela internet a respeito da tarifa, do qual nós estamos participando. Lançamos um site nos Estados Unidos esta semana (semana passada), onde a gente defende o etanol como uma alternativa energética para os EUA, reduzindo a dependência de fósseis; como elemento para reduzir o custo da gasolina no país, porque quando se usa um álcool mais barato a gasolina também pode ficar mais barata; e como uma forma adicional de proteger o meio ambiente pela maior redução de gás de efeito estufa. Essa campanha mostra uma alternativa. Inclusive ela se chama Sweeter Alternative, o que quer dizer uma alternativa mais doce, que tem a ver com a cana-de-açúcar. A gente acha que esse debate vai ser muito intenso nos Estados Unidos, existem vários grupos se posicionando contra a tarifa, a favor de que ela não seja renovada, que vão desde os usuários de milho, até gente preocupada com os custos que esse processo vai ter para o consumidor americano, se tarifas e subsídios continuarem altos. Eu diria que é o grande tema que vai ser debatido em Washington daqui até o final do ano. Mas o que nós vimos até agora do governo [do presidente dos EUA, Barack] Obama, especialmente no caso do algodão no qual foi necessária uma ameaça [brasileira] de retaliação para o governo americano se posicionar -, dá para ter esperança de que o próprio governo americano... Eu acredito que esse assunto é muito forte naquele ambiente lá de Washington, porque, inclusive, como a tarifa é uma atribuição do Congresso, e não do Executivo, o debate vai se dar no Congresso. É completamente diferente do caso do algodão, que na verdade foi um direito que o Brasil conquistou na OMC (Organização Mundial do Comércio) de retaliar. O Brasil ameaçou retaliar em bens e propriedade intelectual, e os americanos fizeram uma contraproposta para que não houvesse essa retaliação. O que o Brasil tem no caso do algodão não é uma negociação com o governo americano por um abaixamento tarifário, não é nada disso, é simplesmente uma decisão da OMC que está sendo cumprida e que levou a uma compensação. Fora dos Estados Unidos existe hoje algum mercado que poderia demandar etanol em larga escala do Brasil? Tem vários mercados. Nosso principal importador são os Estados Unidos, mas nós temos o mercado europeu, que é um mercado importante há muitos anos, tem vários países europeus que são bons compradores de álcool brasileiro; temos um mercado na Ásia. Lembre-se que o etanol não sai só para carburante, nós também exportamos etanol para a indústria química, que
é usado como álcool mesmo, até mesmo álcool para bebidas. Esses mercados existem, nós temos uma grande quantidade de pequenos países que compram nosso álcool, mas os que chamam mais a atenção são os Estados Unidos e a União Européia. Faz algum tempo houve um monte de anúncios de interesses de investidores externos nessa área, depois a coisa esfriou um pouco e agora nós começamos a ouvir falar de novo de grandes negócios acontecendo. Está havendo um ressurgimento dos anúncios, principalmente de aquisições. Como vocês avaliam que a atração de investimentos vai se comportar no futuro próximo? A gente sempre vai ter um movimento de consolidação depois de um período ruim como o que passou. A consolidação resulta da crise financeira e dos preços baixos, que agora tiveram uma alta, mas que no começo do ano passado estavam muito baixos. É óbvio que quando existem empresas em dificuldades surgem movimentos. A novidade é que os movimentos agora estão atraindo grandes consolidadores. De um lado você tem, por exemplo, uma empresa como a Cosan que não só cresceu, mas fez uma parceria estratégica com a Shell, que é um novo paradigma, é uma operação grande entre a maior empresa de açúcar e álcool do país e uma das maiores petroleiras do mundo. Tem o caso de uma empresa que estava muito forte na área de químicos e de eletricidade, como o grupo Odebrecht, que agora entra no etanol para fazer três coisas: combustível, gerar eletricidade de biomassa e bioplásticos. Tem o caso da empresa Shree Renuka Sugars, da Índia, que entrou porque está olhando perspectivas do mercado de açúcar. Você tem as grandes tradings agroindústrias, como Cargill, ADM, Bunge, Dreyfus - principalmente Dreyfus e Bunge -, que se tornaram grandes agora nesse setor. Ou seja, nós vamos ter um menor número de empresas, empresas com melhor estrutura de capital para aguentar os momentos difíceis, que vão trabalhar com escalas maiores, algumas delas grupos internacionais, mas também grupos nacionais. Obviamente o que é muito interessante é a vinda de grupos de áreas que antes não tinham nada a ver com a cana, como petróleo, por exemplo, petroleiras e químicas. A participação do capital externo no setor tem aumentado? Tem, ela era 7% e hoje está próxima de 22%. Em quanto tempo [houve esse aumento]? Em dois anos. Só que ainda é um setor muito nacionalizado, apesar de [a participação estrangeira] ter crescido, é um setor onde predomina o capital nacional e, particularmente, empresas familiares. Eu acho que alguma consolidação como está havendo é necessária. É importante dizer que ela não é só na direção de capital externo, ela também ocorre aqui dentro. Eu, particularmente, acho que seria muito bom se a gente conseguisse desenvolver também grupos nacionais mais fortes, mas todos os investidores são bem vindos. Nesse ciclo mais recente, por causa das multis agroindustriais que entraram e da operação Shell-Cosan, houve uma internacionalização, mas eu entendo que as empresas nacionais continuarão muito fortes, porque elas conhecem a cana como ninguém. Uma empresa como a Shell, por exemplo, conhece o mundo do petróleo, mas ela não tem nenhuma experiência em cana-de-açúcar, o que a Cosan tem há muitas décadas. Existem muitos projetos novos, ou o maior movimento é mesmo de compra de empresas?
Naquele ciclo de crescimento de 2006 e 2007 se faziam greenfields, novas usinas em áreas que tinham pastagem ou agricultura e que têm aptidão para a cana. Nesse momento, o que nós estamos vendo é uma consolidação das empresas pré-existentes por causa de suas dificuldades financeiras. Eu tenho impressão que, daqui para frente, as duas coisas vão acontecer. Por um lado nós vamos continuar tendo consolidação, porque existe uma heterogeneidade muito grande de situações nesse setor. Você tem empresas muito capitalizadas e empresas em dificuldades, tem uma heterogeneidade em termos de condições de custos, de logística, mesmo de gestão, estruturas de capital muito diferentes também, inclusive problemas sucessórios em alguns grupos. Agora, ao mesmo tempo, eu acho também que, na medida em que forem existindo mercados, particularmente o mercado internacional de etanol, isso poderá levar a um crescimento no sentido da construção de novas unidades. Existe algum receio de que esse processo de consolidação possa gerar uma concentração muito grande no setor? Não, eu acho que nós estamos muito longe de poder chamar de um setor concentrado. Sob qualquer ótica que se olhe, esse setor é dos mais fragmentados que existem no próprio agronegócio. As indústrias da laranja, da soja, dos fertilizantes, são muito mais concentradas. É um setor ainda em mudança, de uma nova dinâmica de players que estão entrando, mas ainda é um setor muito fragmentando. Mas a tendência é mesmo que o perfil mude um pouco. Eu acho, mas não é aquela ideia que surgiu de que necessariamente vão ser megaoperações. Existem vários grupos médios que poderiam perfeitamente passar por um processo de consolidação regional, aproveitando eficiência no nível local. Lembre-se que a cana é totalmente diferente da soja, por exemplo. Enquanto na soja eu posso colocar a indústria num lugar e trazer a soja de mais longe, a cana tem que estar muito próxima da usina, porque ela é um produto muito mais perecível do que boi e soja, tem que ser moída poucas horas depois de colhida e ela não anda mais do que 30 ou 40 quilômetros. A eficiência não é ter 20 usinas em 20 lugares diferentes, mas ter clusters de três, quatro, cinco usinas que consigam operar numa mesma região. Esses agrupamentos podem ser feitos por grandes ou por médias empresas. Eu vejo, para grupos nacionais que estejam bem estruturados, uma grande oportunidade. O senhor tem notícias de investimentos do mundo árabe vindo para cá? O que existe são grupos árabes que compram açúcar brasileiro e redistribuem. Por exemplo: um dos maiores compradores de açúcar brasileiro é um grupo de Dubai que, basicamente, compra o nosso açúcar bruto, depois refina, faz o açúcar em pequenos pacotes e aproveita o frete de retorno dos contêineres que vão para lá. Esse tipo de aproveitamento a gente tem visto, mas a aquisição de empresas sucroenergéticas por árabes eu não tenho conhecimento neste momento. http://www.anba.com.br/ www.inovsi.com.br