FORMAÇÃO E TRABALHO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES MARTINS, Diléia Aparecida PUC-Campinas GT-15: Educação Especial Introdução O trabalho do intérprete de língua brasileira de sinais (Libras) e língua portuguesa no campo educacional se apresenta como um desafio diante do cumprimento de propostas educacionais inclusivas. O levantamento de publicações sobre a interpretação de Libras no campo educacional revela poucas produções que, em geral, remetem a atuação do intérprete em sala de aula do ensino fundamental (Lacerda, 2002; Quadros, 2006). O objetivo deste trabalho é estudar as trajetórias de formação e as condições de trabalho do intérprete de Libras e língua portuguesa certificado pelo exame nacional de proficiência para tradução e interpretação, que atua no ensino superior. Considera-se que a educação especial enquanto uma modalidade de ensino deve estar presente em todos os níveis de ensino, inclusive na educação superior. O referencial teórico que fundamenta este estudo é o histórico crítico; compreende-se que a educação e a educação da pessoa surda é um processo histórico e cultural, datado no tempo e lugar social (Vigotski, 1997; Bueno, 2007; Soares, 2005). A conquista e o reconhecimento do intérprete de Libras Ao analisarmos a educação de surdos no Brasil, nos deparamos com indicadores de fracasso escolar que, de acordo com Góes (2002), manifestam a ineficácia da metodologia de ensino e organização escolar fundamentada na orientação oralista. Nessa visão, a prática educacional com os alunos surdos visaria à apropriação da língua oral enquanto língua majoritária na sociedade e, portanto necessária à integração da pessoa surda. Esta concepção esteve presente por muitos anos no contexto escolar, em oposição ao uso de sinais. Com o avanço dos movimentos organizados de pessoas surdas, houve o reconhecimento da língua de sinais como meio de comunicação e expressão pela lei nº. Diléia Aparecida Martins, mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, PUC Campinas. Orientadora: Profa. Dra. Kátia Regina Moreno Caiado Laboratório de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação.
2 10.436 de 24 de abril de 2002 1 e pelo Decreto 5.626 de dezembro de 2005 2. Nesse sentido, o trabalho pedagógico junto a pessoas surdas passa a incorporar essa condição bilíngüe Libras e língua portuguesa. Em concordância com Soares (2005) reconhecemos a necessidade de observar as condições pedagógicas proporcionadas aos alunos surdos para o desenvolvimento da aprendizagem. Diante dessa realidade, o trabalho do intérprete de Libras pode ser considerado um direito para garantia do acesso à escolarização sendo este, um profissional que trabalha na educação de pessoas surdas. Diferenciando o intérprete de Libras dos demais profissionais da educação de surdos Os participantes desta pesquisa são intérpretes aprovados no exame nacional de proficiência (Prolibras) para tradução e interpretação de Libras e língua portuguesa, em nível superior. De forma geral são membros de associações de intérpretes inscritos em grupos virtuais e/ou cadastrados no Ministério da Educação pela inscrição no Prolibras e assim, souberam do desenvolvimento da pesquisa pela divulgação de associações de intérpretes de todo o país. Os dados foram obtidos por um questionário que esteve disponível no período de novembro de 2007 a abril de 2008, no endereço http://www.dileiamartins.blog.br. Na página inicial do site, o visitante encontrava uma opção de cadastro, posteriormente o termo de consentimento livre e esclarecido e mediante a aceitação em participar da pesquisa, acessava o questionário composto por quarenta e uma questões, sendo nove referentes à trajetória de formação, oito referentes a condições de trabalho, vinte e 1 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Define a Libras como um sistema lingüístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituindo um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. 2 Regulamenta a Lei n o 10.436, de 24 de abril de 2002 e dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e o art. 18 da Lei n o 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Contempla a inclusão da disciplina Língua Brasileira de Sinais no currículo do ensino fundamental e de cursos de formação de professores e o oferecimento de cursos superiores para formação de tradutores/intérpretes de Libras e língua portuguesa. A legislação expõe também os recursos materiais e humanos que devem compor o sistema de ensino público.
3 quatro sobre a realidade socioeconômica dos participantes e um espaço aberto para comentários. Na análise inicial dos dados, identificou-se, dentre os visitantes do site, a existência de cinco grupos de profissionais envolvidos com a interpretação de Libras sendo que no grupo de intérpretes certificados pelo Prolibras enquadram-se profissionais com formação de nível médio e superior. A distribuição dos visitantes por grupo profissional é apresentada na Tabela 1. Neste estudo, consideram-se como participantes os vinte e nove profissionais aprovados no exame de proficiência, certificados para exercer a profissão na educação superior conforme apresenta a tabela abaixo: Tabela 1 Grupos de profissionais que responderam o questionário GRUPOS QUANTIDADE % 1. Pessoas surdas e/ou com deficiência auditiva guiaintérpretes 6 5% 2. Pessoas que não se submeteram ao ProLibras 19 15% 3. Pessoas reprovados pelo ProLibras 40 30% 4. Pessoas aprovados pelo Prolibras - nível médio 37 28% 5. Pessoas aprovadas pelo Prolibras - nível superior 29 22% Total de pessoas que responderam ao questionário 131 100% Os dados revelam ainda que, dentre os vinte e nove participantes 77% dos profissionais certificados para trabalhar na educação superior atuam predominantemente na área educacional e no ensino superior. Ao reconhecer a língua de sinais como uma conquista da comunidade surda e sendo o trabalho do intérprete de Libras um direito alcançado a partir da reivindicação dessa comunidade, atualmente essa conquista pode ser percebida na presença desse profissional em espaços que extrapolam o campo dos movimentos sociais.
4 Podemos visualizar no gráfico 1, logo abaixo: Gráfico 1: Lócus de atuação 77% Educação Superior Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série Igrejas Congressos e eventos Ensino Fundamental de 1ª à 4ª série Ensino Fundamental - Escolas Especiais Associação de surdos, FENEIS, CBS etc Jurídico Nessa perspectiva existem elementos que diferenciam o intérprete de Libras dos demais profissionais que atuam na educação de surdos. Pouco se conhece sobre esse profissional e muitas perguntas se colocam: quem são os intérpretes de Libras certificados para trabalhar no ensino superior? Quais as trajetórias de formação desses intérpretes? Como participam do trabalho educacional? Quais as condições de trabalho nos lugares em que atuam profissionalmente? Qual é o seu posicionamento e reconhecimento na instituição de ensino? Resultados parciais Numa análise preliminar trabalha-se com três eixos temáticos: 1. Trajetórias de formação, 2. Condições de trabalho e 3. Realidade socioeconômica. Podemos refletir a partir dos seguintes aspectos referentes aos eixos temáticos: 1. Trajetórias de formação O Decreto 5.626 de dezembro de 2005 propõe o oferecimento, de cursos superiores para formação de tradutores e intérpretes de Libras e língua portuguesa
5 propondo um prazo para que, as instituições de ensino superior se organizem com vista à viabilização dessa proposta. Diante da ausência de cursos superiores que proporcionassem a formação desses profissionais, nos deparamos com intérpretes que viveram trajetórias de formação distante desses cursos. A análise referente à formação acadêmica dos participantes revela que 58% dos profissionais possuem formação em nível de pós-graduação especialização. Consideramos ainda que 86% são ou já foram envolvidos com atividades de pesquisa. Vejamos no gráfico 2. Gráfico 2: Formação acadêmica Mestrado 21% Especialização 58% Graduação 21% Dentre esses participantes constatamos que 39% estabeleceram relação efetiva com movimentos da comunidade surda representada por federações e associações de surdos e de intérpretes. O fato é que na medida em que esses profissionais têm acesso à formação acadêmica ocorre a extensão do trabalho primeiramente exercido nos espaços de convivência da comunidade surda. Podemos observar esse dado no gráfico 3:
6 Gráfico 3: Relação com pessoas surdas 1 7% 39% 32% Parente próximo (pai, mãe e irmão) Parente próximo por casamento Colega de trabalho Colega de classe Feneis, Associações de surdos e intérpretes Vizinho Com relação a interação e aos valores apreendidos pela convivência com essa comunidade, podemos refletir acerca do conhecimento adquirido através das relações sociais. De acordo com os dados da pesquisa a convivência com um grupo possibilitou ao intérprete a apropriação de elementos fundamentais para sua formação. 2. Condições de trabalho Com relação às condições de trabalho, os dados revelam que os intérpretes de Libras têm se deparado com tipos variados de contratos de trabalho, sem o estabelecimento de um piso salarial e de direitos trabalhistas para essa categoria. De acordo com os dados 25% dos intérpretes são contratados como autônomos e 21% como prestador de serviço temporário, conforme observamos no gráfico 4.
7 Gráfico 4: Tipos de contrato Autonomo 25% Estagiário Contrato CLT temporário 21% CLT efetivo 50% Mediante a natureza desses contratos de prestação de serviços indaga-se sobre as possibilidades existentes, para que seja desenvolvida a interpretação, não como uma atividade mecânica e sim como um trabalho fundamentado na organização educacional, didática e pedagógica. 3. Realidade socioeconômica A análise da realidade socioeconômica dos participantes revela que o processo de escolarização no ensino fundamental de 50% dos participantes ocorreu a maior parte ou toda em escola pública, concluindo o ensino médio na rede regular conforme apresenta o gráfico 5: Gráfico 5: Escolarização 2 9% 18% 50% 2 27% Toda em escola privada (particular) A maior parte do tempo em escola privada (particular) Metade em escola pública e metade em escola privada Toda em escola pública A maior parte do tempo em escola pública
8 Considera-se ainda que somente 29% desses profissionais passaram por um curso profissionalizante de magistério. Ao observarmos os dados referentes a escolaridade dos pais desses intérpretes podemos perceber que, quase 50% possui o ensino médio completo. Gráfico 6: Escolaridade dos pais Ensino Superior 1 21% Ensino Médio 48% 4 Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série 7% 21% Ensino Fundamental de 1ª à 4ª série 1 31% Escolaridade do pai Escolaridade de mãe Relacionando esse dado aos dados da trajetória de formação dos intérpretes, o fato de 39% dos profissionais serem envolvidos com associações reforça a hipótese de que, o posicionamento social favorece o acesso a determinado conhecimento. Essa questão pode ser vista ainda a partir de Bourdieu (1998) considerando a que sendo esse movimento da comunidade surda de procedência popular, os intérpretes envolvidos nessa causa viveram próximos da realidade social vivida por essa comunidade. Ao mesmo tempo os resultados parciais revelam que, a formação desses intérpretes ocorreu a partir de elementos apreendidos da interação com os valores da comunidade surda, pela apropriação do saber cientifico e nas relações de trabalho. Por ser esta uma pesquisa em desenvolvimento, contamos a princípio com algumas aproximações acerca da formação do intérprete de Libras. É preciso ressaltar ainda que a intenção não é esgotar a discussão e sim apresentar possíveis reflexões nessa temática.
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. O capital social notas provisórias. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Organizado por Maria Alice Nogueira e Afrânio Cattani. Petrópolis-RJ, Vozes, 1998. BUENO, J. G. S. Inclusão escolar e desigualdades sociais. In: VI Congresso Internacional do Instituto Nacional de Surdos - INES/MEC, 2007, Rio de Janeiro. Anais do VI Encontro Internacional do INES-MEC. Rio de Janeiro - RJ : INES - Ministério da Educação, 2007. v. 1. p. 1-13. GÓES, Maria Cecília Rafael. Linguagem, Surdez e Educação. Campinas: Editora Autores Associados, 2002. LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. O Intérprete Educacional de língua de sinais no Ensino Fundamental: refletindo sobre limites e possibilidades. In LODI, Ana Claúdia B. HARRISON, Kathryn M. P. CAMPOS, Sandra R. L. de. TESKE, Ottmar. (organizadores) Letramento e Minorias. Porto Alegre: Editora Mediação, 2002. QUADROS, Ronice Muller. Políticas lingüísticas e educação de surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Caderno CEDES. Vol. 1 n. 1 São Paulo: Cortez; Campinas: Caderno Cedes, maio/ago. 2006, vol.26, no.69, p.141-161. SOARES, Maria Aparecida Leite. A Educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas V Fundamentos de Defectología. Madrid: Visor, 1997.