RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA-ESCOLA NO CONTEXTO DA INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO DE CASO Laura Borges Fabiana Cia Universidade Federal de São Carlos/Programa de Pós-Graduação em Educação Especial Palavras-chave: Educação especial. Relação família e escola. Educação infantil. Programa de intervenção. Atraso no desenvolvimento. Introdução Atualmente, muito se tem pesquisado sobre a inclusão escolar de alunos público alvo da educação especial (PAEE) no ensino comum, principalmente na educação infantil. Desta forma, estudos têm buscado investigar quais fatores favorecem e garantem o acesso e a permanência dos alunos na escolarização comum desde a educação infantil, visando garantir este processo e beneficiar o desenvolvimento das crianças. Dentre os fatores identificados como favoráveis, a relação família e escola tem ganhado destaque, demonstrando ser uma prática positiva à escolarização (CHACON, 2008; FUSVERKI; PABIS, 2008). Contudo, o que se constata são dificuldades e barreiras no estabelecimento da relação, causados por desinformação e falta de formação específica para efetivá-la. Sendo assim, julgou-se necessário desenvolver e aplicar um programa de intervenção com subsídios informacionais e de orientação para professores, vidando o estabelecimento desta relação. O objetivo deste estudo foi acompanhar e analisar a relação entre a escola e os familiares de um aluno pré-escolar com atraso no desenvolvimento durante a participação de sua professora em um programa de intervenção. Método Participou da pesquisa uma professora de 28 anos, formada em Pedagogia e Psicologia, com especialização em Educação infantil e em Psicopedagogia. A mesma
lecionava em uma creche municipal no período da manhã (foco do estudo) e em uma instituição de educação especial no período da tarde. Foi desenvolvido e aplicado um programa de intervenção de caráter informacional e instrucional às professoras pré-escolares de alunos PAEE matriculados no ensino comum. O programa teve duração de quatro meses, em que ocorreram oito encontros quinzenais com aproximadamente 2h30min de duração cada. Nestes eram realizadas atividades, dinâmicas, discussões, debates, aulas expositivas e orientações quanto à relação família e escola da participante. Para a coleta dos dados, a professora registrou em um Diário de campo entregue pela pesquisadora, as informações referentes ao seu contato com os familiares de seu aluno PAEE matriculado na escola comum. Os diários eram preenchidos e entregues semanalmente, durante todo o programa de intervenção, o que permitiu obter informação sobre a relação entre a professora e os familiares de seu aluno PAEE durante um período de quatro meses. Os dados foram sistematizados e analisados individualmente, em forma de estudo de caso. Resultados Caracterização do caso A professora lecionava para uma sala da Fase II, composta por 12 crianças. Seu aluno PAEE era uma criança de dois, do sexo feminino, com atraso no desenvolvimento. De acordo com a participante, a família da aluna era de nível socioeconômico baixo, composta pela mãe e três filhos. Caracterização dos encontros De acordo com o registrado pela professora, ocorreu um encontro por semana com o familiar do aluno, totalizando 16 encontros ao longo do período acompanhado, sendo 15 presenciais e um via telefone. Os familiares envolvidos nos encontros foram: Mãe (9 encontros); Irmãos (3 encontros); Tios (2 encontros); Avós (1 encontros); Avó e mãe (1 encontros). Quanto à duração destes, houve uma média de 11,6 minutos cada, variando de dois a 20 minutos. Em relação aos assuntos tratados, estes evolveram, sequencialmente: saúde e desenvolvimento; saúde; saúde; desenvolvimento; desenvolvimento e comportamento; saúde e atestado médico; desenvolvimento motor e fisioterapia; tratamentos e exames médicos; estímulos e atividades a serem feitos em casa; relação familiar; resultados de exames; saúde,
tratamentos e avanços no desenvolvimento; avanços e progressos em sala; necessidades da família e trabalho e conjunto; relacionamentos familiares e atividades feitas em casa; progressos e avanços ao longo do ano. Quanto ao responsável por iniciar o contato, 14 ocorreram por iniciativa da professora e dois por iniciativa do familiar (sendo que um destes, para avisar da ausência do aluno, via telefone). Dos 14 encontros de iniciativa da professora, oito foram planejados. Em relação aos fatores que motivaram os encontros, têm-se a busca por informações e esclarecimentos sobre a criança, observações e constatações feitas em sala de aula, busca e fornecimento de devolutivas à família, compreensão da situação, investigações do ambiente familiar e tentativa de incentivar o familiar a estimular a criança. Dos 16 encontros realizados, dois foram interrompidos pela falta de tempo do familiar e da professora e 14 terminaram pelo próprio encerramento do assunto. Quanto à avaliação dos encontros, todos foram considerados produtivos pela professora, e a postura do familiar durante o diálogo foi considerada, sequencialmente, como: desinformado e ausente; preocupado; boa; boa; interessado; preocupado; interessado; boa; interessado; com pouco conhecimento e prestativo; comprometido; interessado; contente e satisfeito; agradecido; prestativo; motivado. Discussão Por meio da análise dos dados do estudo de caso ressalta-se, primeiramente, o tempo dedicado pela professora para o contato com os familiares de sua aluna, pois, mesmo trabalhando em dois períodos e tendo, provavelmente, uma rotina preenchida por diversas tarefas demandadas pela profissão, a mesma reservava tempo para o contato individual com os familiares da aluna. Verifica-se uma situação bastante comum na qual, além das reais e atuais condições de trabalho do professor do ensino público brasileiro, permeada por longas horas e várias jornadas de trabalho, pouco ou nenhum amparo e recurso físico/material nas escolas, salas de aulas lotadas, dentre tantas outras situações (SCHARTZMAN, 2005; CAPELLINI, 2012), o professor ainda necessita utilizar seu horário livre para estabelecer contato com os familiares de seus alunos. Outro fato a ser considerado refere-se à possibilidade que a professora tinha de estabelecer contato com diversos familiares de seu aluno. Esse fator torna-se favorável, pois possibilita que a mesma obtenha informações de diferentes fontes sobre os assuntos
relacionados à criança, além de facilitar o conhecimento e a compreensão da dinâmica e do funcionamento familiar do aluno. Desta forma, torna-se possível a identificação de diversas características do contexto do aluno, o que, por sua vez, auxilia na escolha das estratégias de aproximação e troca de informações entre pais e profissionais escolares (TANCREDI; REALI, 2001). Por outro lado, essa diversidade de familiares envolvidos também pode significar um desafio à professora, pois pode favorecer o desencontro ou a ausência de informação, tornar necessário a repetição de um mesmo assunto a outros familiares e/ou dificultar o estabelecimento de um diálogo contínuo e linear sobre determinado assunto. Sendo assim, é necessário que o professor esteja preparado para usufruir ao máximo dos benefícios desta pluralidade e buscar minimizar os possíveis prejuízos. Em relação aos assuntos conversados, além abordar os relacionados à saúde e ao desenvolvimento do aluno, ressalta-se a abordagem daqueles ligados ao relacionamento e às necessidades da família e o incentivo à estimulação e realização de atividades com a criança em casa, que vão além da troca de informações sobre a rotina da criança em casa e na escola. Estes dados podem indicar que a professora buscou incorporar em sua prática profissional as instruções e orientações fornecidas durante o programa de intervenção. Verifica-se que os dados que a professora demonstra buscar são específicos e possibilitam-na orientar os familiares ao nível prático e de colaboração, além de favorecerem a aquisição de subsídios que podem nortear suas intervenções com a criança e com a família, tornando o processo de escolarização mais proveitoso. A percepção da família como parceira e a tentativa de colaboração indica o caminhar para um envolvimento sólido e produtivo, pois, de acordo com Oliveira (2010), o sucesso educacional do aluno pauta-se na colaboração entre família e escola. Por fim, ressalta-se a avaliação positiva sobre o encontro e a mudança de postura dos familiares ao longo do período, sendo que, inicialmente, mostraram-se desinformados e preocupados e, sequencialmente, mostraram-se prestativos, comprometidos, agradecidos e motivados, indicando envolvimento no trabalho em prol da criança e reconhecimento dos benefícios advindos. Considerações finais
O acompanhamento dos encontros entre os familiares e a professora do aluno permitiu conhecer e compreender um pouco mais sobre os aspectos ligados à relação família e escola de crianças com atraso no desenvolvimento matriculadas na escola comum. Constatou-se que, mais importante que a quantidade dos encontros, é a qualidade e profundidade dos mesmos, pois verificou-se que a professora conseguiu extrair e fornecer as informações pretendidas e utilizá-las de em prol de sua prática profissional, incorporando também, orientações, estratégias e sugestões fornecidas pela pesquisadora ao longo do programa. Contudo, identifica-se que ainda há barreiras de caráter organizacional, como a falta de condições para que o professor disponha de tempo e recursos para trabalhar em conjunto com as famílias, o que dificulta a relação e revela a necessidade de uma reorganização da atividade docente no ensino público brasileiro. Ainda, que o programa de intervenção se mostrou uma ferramenta interessante no sentido de investigar, orientar e favorecer a relação família e escola. Referências CHACON, M. C. M. Família e escola: Uma parceria possível em prol da inclusão. In: MARTINS, L. A. R.; PIRES. M. J.; PIRES, G. N. L. (Orgs.). Políticas e práticas educacionais inclusivas. Natal: Edufrn, 2008, p. 309-322. CAPELLINI, V. L. M. F. Formação continuada por meio da consultoria colaborativa: compromisso com a aprendizagem de todos os alunos. In: MENDES, E. G.; ALMEIDA, M. A. (Orgs.). A pesquisa sobre inclusão escolar em suas múltiplas dimensões: teoria, política e formação. ABPEE: Marília, 2012, ed 1. p. 247-262. FUSVERKI, E. V.; PABIS, N. A. A participação dos pais na escola influencia para uma melhor aprendizagem. Revista Eletrônica Latu Sensu, Paraná, v. 3, n. 1, p. 1-15, 2008. OLIVEIRA, M. C. G. L. Relação família-escola e participação dos pais. Dissertação de Mestrado em Educação, Instituto Superior de Educação e Trabalho, Porto, 2010. TANCREDI, R. M. S. P.; REALI, A. M. M. R. Visões de professores sobre as famílias de seus alunos: um estudo na área de Educação Infantil. 2001. 24a Anped - GT Educação Infantil, 2001. SCHWARTZMAN, S.; BROCK, C. Os desafios da educação no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p. 318.