Metáforas, ou por exemplo as cadeiras



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Metáforas, ou por exemplo as cadeiras Ítalo Rodrigues Faria 1, Prof. Dr ª Kathya M. ª Godoy 2 Resumo Quais os significados de uma cadeira? Uma cadeira vazia, uma cadeira de balanço, uma cadeira de rodas, uma cadeira com as vestes de alguém, uma cadeira com um brasão, uma cadeira elétrica... A presença da cadeira, conforme Ribeiro (1997), introduzida no espaço da cena, tanto na dança quanto no teatro, nos traduz um hiper-realismo associado ao que é humano, assim como todos os rituais a ela associados. Tais questões permearam o processo de criação o qual me levou a investigar a presença da cadeira em Metáforas, ou por exemplo as cadeiras. O formato escolhido para esta obra foi a videodança, que surgiu de minha pesquisa de mestrado no Instituto de Artes-UNESP; a obra é inspirada no livro Por Exemplo a Cadeira: um Ensaio das Artes do Corpo de António Pinto Ribeiro. A videodança é uma forma de expressão artística que permite um trânsito entre as linguagens do vídeo, da dança, das artes plásticas e visuais e a música; nesta obra, vislumbramos possibilidades metafóricas e junções dessas linguagens artísticas. Em Metáforas..., como resultado, a cadeira é re-significada e indaga sobre a condição do homem diante da realidade, sobre o sujeito e objeto de um legado que transita entre o racional e o fantástico. O arquivo completo da videodança está disponível em: http://vimeo.com/7831071 Palavras chave: dança-teatro, videodança, cadeira, metáforas, dança contemporânea, processo de criação. 1 Mestrando em Artes Instituto de Artes Unesp Universidade Estadual Paulista 2 Orientador/docente Instituto de Artes Unesp Universidade Estadual Paulista

Por Exemplo a Cadeira Diante de uma cadeira, em um espetáculo de dança, teatro, dança-teatro, teatro físico, o criador se pergunta: quais os significados de uma cadeira? Uma cadeira no espaço cênico pode ser: de balanço, de rodas, de aço, de madeira, de ouro, com as vestes de alguém, com uma coroa real, estar diante de um martelo de juiz, de um brasão de uma república ou monarquia qualquer, pode estar diante de uma cruz e outras situações quaisquer. Os significados da cadeira, trazida à cena, se multiplicam em um contexto deslocado do seu cotidiano. A cadeira simboliza um sinal de contenção de energia, nas palavras de Ribeiro (1997), sua presença significa uma epoché 3, ou seja, no sentido fenomenológico, uma suspensão provisória de nossos pré-conceitos por um tempo, um descanso momentâneo para uma ação futura. Em Café Müller, de Pina Bausch (Wuppertal, 1978), Ribeiro (1994) reflete acerca da importância da cadeira e seu um papel de transfiguração ou metamorfose (p. 38). Na dança-teatro de Bausch, os cenários sofrem uma mutação, sendo que se manifesta nestes espaços cênicos a vontade de encenar o trágico. O cenário de Café Müller, um exemplo dessa transfiguração, é composto por inúmeras cadeiras, onde um cenógrafo vai arrumando o espaço cênico durante a apresentação, dispondo as cadeiras para que outras três personagens possam se movimentar mais facilmente. Porém, aquelas cadeiras transfiguram-se em lápides de um espaço que mais se parece com um cemitério (p. 39), por onde trafegam seres errantes, fantasmagóricos, encarnando um acontecimento trágico. No princípio do século XIX, o romantismo criara na dança um corpo etéreo, volátil, desmaterializado; um corpo que literalmente voava, pendurado em fios para poder representar mais eficazmente a ideia da descolagem, do irreal. Conforme Ribeiro (1997), essa tecnologia do voo simulado, e também do corpo que deslizava pelo solo por meio das sapatilhas de ponta, produzia para a cena um efeito metamórfico em que a bailarina flutuava, traduzindo-se em seres espirituais, distantes do mundo real. 3 Palavra de origem grega que significa suspensão. Na fenomenologia tem o sentido de deixar de lado todos os nossos pré-conceitos, numa suspensão provisória das nossas convicções, dos nossos conhecimentos preestabelecidos, dos nossos julgamentos, para apreendermos as coisas em si, no seu estado primitivo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/epoché> Acesso em: 04 de agosto de 2009.

No princípio do século XX, a bailarina Isadora Duncan 4 (1877 1927) está entre as primeiras damas da dança moderna; surge dançando descalça, com suas túnicas esvoaçantes, reivindicando em seus movimentos e em sua técnica corporal a representação do real, pretendendo trazer o realismo do seu comportamento em movimento. Esse movimento, o qual Ribeiro denomina de descida arqueológica, do corpo etéreo e espiritual, para o corpo real e material, simboliza uma aproximação do corpo consigo mesmo, tornando-se assunto de discussões nas décadas que se seguem; testemunhada pelas Artes: literatura, pintura, artes corporais e teatrais, não só em Isadora, mas na sociedade, na paisagem urbana do final do século XIX, com novos espaços -escolas, prisões, avenidas, passeios públicos-, com novas profissões -mineiros, operários, professores-, esse despertar para a realidade possibilitou o surgimento de novos comportamentos, novas práticas de higiene, novos vestuários, novas atitudes corporais e também novos objetos. Conforme Ribeiro, existem objetos que, embora funcionando como adereços ou cenários, adquirem, pelo recurso a que são sujeitos, valores metafóricos, assim como as escadas de Meyerhold e de Martha Graham ; nas Artes do Corpo a introdução da cadeira consubstancia a ideia de descida dos problemas da arte para o humano ; a cadeira que foi introduzida na cena, tanto no teatro, quanto na dança e na performance, nunca é a mesma para todos os espetáculos. O objeto cadeira sofre diferentes conotações nas centenas de obras performáticas, coreográficas e dramáticas. O uso da cadeira pressupõe e considera uma série de ações inequivocamente humanas que se tornam verdadeiros ritos sociais, tais como: refeições, reuniões para planejamentos, discussões, negócios, estudos. Historicamente, conforme Ribeiro, o objeto cadeira vai significar contenção. Trata-se de conter a ação, interromper uma cadeia de movimentos para pensar em uma ação futura. Somente o ser humano tem essa particularidade de suspensão, de quedar-se nesse cerceamento do movimento para pensar essa mesma energia, a energia de contenção de suas ações e movimentos para novamente partir para o movimento. A presença da cadeira, introduzida no espaço da cena nos traduz um hiperrealismo associado ao que é humano, assim como todos os rituais a ela associados, 4 Considerada a pioneira da dança moderna, Isadora causou polêmica ao ignorar todas as técnicas do balé clássico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/isadora_duncan >Acesso em 04 de agosto de 2009.

sejam simbolizando as conversas, a leitura e a escrita, as refeições e todas as formas de se comunicar. Ilustração 1: Merce Cunningham in Antic Meet (choreography by Cunningham; design by Robert Rauschenberg), 1958. Photograph by Richard Rutledge. The New York Public Library for the Performing Arts, Jerome Robbins Dance Division. Na obra de Merce Cunningham Antic Meet 5, filmada em 1964, o bailarino utiliza uma cadeira semelhante às cadeiras de bambu dos cafés de Paris; na obra de Robert Wilson, a cadeira servirá de instrumento de medida e de configuração do humano (RIBEIRO, 1994, p.13); existiram também as inesquecíveis cadeiras dos espetáculos de Pina Bausch que são objetos de metamorfose das qualidades do humano e metáfora do reino animal ; temos nessas obras, assim como em outras, uma espécie de descida que, na Arte, procura aproximar o corpo de si mesmo, em um percurso onde há uma aproximação do corpo à uma realidade social; neste sentido, a cadeira em cena, é vista como uma metaforização da descida ao humano; é vista, também, como um ancoradouro para onde convergirá toda a atividade humana significando o esperar, o 5 Coreografia (com Merce Cunningham). Datação: 1958. Estreia: 14 de agosto de 1958 no 11º American Dance Festival, Connecticut College, New London, CT. Também realizada 16 de fevereiro de 1960 em Phoenix Theatre, em Nova York. Segunda produção: 5 de outubro de 1958 na Kungl. Teatern, em Estocolmo, na Suécia. Bailarinos: Merce Cunningham, Carolyn Brown Viola Farber, Cynthia Stone, Marilyn Wood, Charlip Remy. Música: John Cage: Concerto para piano e orquestra (1957-58). Às vezes: Solo de Piano (1957-58), com Fontana Mix (1958), Disponível em <http://www.johncage.info/cagecunningham/anticmeat.html> Acesso em 04 de agosto de 2009.

aguardar, pois a esta época a da Arte Moderna segue-se uma época de esteticismo : na descida abrupta, das quedas, das colagens do corpo à terra, ou à água (Ribeiro se refere à estéticas realistas do Butô, de Jean Fabre, de Meg Stuart e de Reza Abdoh); é presente e constante a hiper-valorização da descida do corpo à terra, ao humano. Muitos espetáculos aderem à essa descida, influenciando outras áreas. Ribeiro afirma que, graças à essas migrações, deslocamentos de artistas da dança e do teatro para outras áreas, para outros territórios das Artes (plásticas, literatura, e música) num primeiro momento modernista e em seguida para o cinema mudo com seu exagero de gestos ou da fotografia, esses artistas viram a oportunidade e uma opção estratégica para validarem seus trabalhos com uma aura artística, o que não possuíam as práticas de onde provinham: o balé, o teatro e a pantomima. Com isso, o que em épocas anteriores eram apenas: divertimentos, práticas somente recreativas, agora ascendem ao estatuto de Arte. O confronto entre a publicidade do corpo e a resistência a esse mercado, vai resultar na histórica da descoberta dos valores expressivos e comunicativos do corpo. O que chamamos hoje de Artes do Corpo, conforme Ribeiro, não tem sua concepção isolada de outras práticas artísticas com as quais mantêm convivência estreita, cuja as fronteiras lhes são desconhecidos, sendo que existe constantemente transições entre uma e outra, nomeadamente: cinema, música e pintura. Na sua luta contra a mercantilização do corpo, as Artes do Corpo buscam uma aproximação mais direta, mais física, sensorial em relação ao público. Conforme o autor, vemos isso nos diversos segmentos das Artes do Corpo: nas obras de Marinetti (1909), onde se introduz em Le Figaro a presença de performers com intervenções multidisciplinares corporais; na apresentação da poetisa Valentine de Saint-Paul (1913), autora de Manifest of Lust, atuando no Champs Elysées com uma dança associada a recitação de poemas com músicas de Debussy e Satie; há o exemplo ainda dos balés russos (1917) com obras que envolviam vários criadores de renome provindos da música, das artes visuais, da dança em regime de co-autoria; nesse princípio do século XX, muitas já eram as manifestações dessa descida do corpo em direção ao real, ao humano, ao multidisciplinar, onde era possível ver a dança transitando por diversas áreas do campo artístico. Nos anos 30, a performance torna-se muito popular, entre artistas e também público; o termo se reforça quando a multidisciplinaridade nas artes se radica na utilização dos corpos em diversas manifestações; é nessa época que Merce Cunningham

se junta à comunidade de artistas e estudantes, alguns oriundos da Bauhaus, dando início ao que se tornaria a dança pós-moderna. Nos anos 1940, o gênero performance se estabiliza com a imigração de diversos artistas europeus. Nos anos 60, as Artes do Corpo ganham uma conceituação ainda maior, é o ano das dissoluções de fronteiras que ainda existem entre os gêneros da dança, teatro, performance e música. Alguns exemplos: John Cage, Cunningham, Meredith Monk, entre outros. São anos de conflitos sociais em que o corpo, o do artista e o do público, se tornam objetos de reflexão e de trabalho. Na pintura, os artistas recuam a tela para o próprio corpo, utilizam a pele como suporte de suas manifestações artísticas: a tatuagem, utilizada como último recuo da pintura, penetrando na carne com pincéis e tinta... Surgem os happenings, recursos em que o cidadão dispunha de seu próprio corpo como instrumento de manifestações artísticas recorrendo a técnicas que podiam ser aprendidas na rua. (RIBERIO, 1997, p.21). Nas palavras do autor, é o fim do ensino nas academias, nos conservatórios, nos professores privados. Um exemplo desse aprendizado autodidata, individual é o contato-improvisação: técnica que mistura os corpos profissionais com os amadores, trazendo a dança para a rua, anulando fronteiras entre a arte e a terapia. Nos anos 80, o autodidatismo da performance corporal a torna uma arte popular: no palco era permitido comer, beber, urinar, lutar... A performance só acontece ao vivo e só o vivo é presente ; não pode ser filmada, fotografada, reproduzida; não pode entrar no circuito da representação das representações. O corpo se torna o lugar do poder, do poder se expressar, do poder de ignorar regras pré-estabelecidas. Ribeiro nos revela que o Judson Dance Group(1960) foi um dos criadores do movimento pós-modernista na América do Norte e deste grupo de pesquisadores vários artistas influenciaram e continuam influenciando as novas gerações de performers do corpo. Desse grupo de artistas temos, entre outros, a presença do coreógrafo e dançarino Steve Paxton 6 com sua nova técnica denominada Contact-Improvisation7. Os princípios do Contato-Improvisação, conforme Paxton, além de ser uma forma de mediação, treinamento e criação, propõe a improvisação a partir da escuta do outro, de um apurado 6 7 Bailarino, coreógrafo com experiência em ginástica olímpica e Aikido que teve como treinamento corporal uma trajetória de trabalho na dança moderna e experimental com Merce Cunningam, Robert Ellis Dunn, com as cooperativas de performances Judson Church Dance Theatre e Grand Union. (CARVALHO LEITE, 2005, p. 91) Contato-Improvisação.

treinamento, trazendo-nos um novo olhar para a dança a dois. Em Por exemplo a cadeira, Ribeiro diz que: assim como em 'La fontaine' de Duchamp - a obra iniciadora da arte moderna-, a cadeira de Antic 8 de Merce Cunningham abriu espaço para as Artes do corpo. Abriu espaço para o público e o privado, para o intimismo, o existencial, o experimental, para os problemas do corpo e a materialidade do cotidiano. Vemos a partir de então, o que há de mais visceral: o malestar, a doença, a paixão, diversas formas de violência trazidas ao palco pelos corpos e sobre os corpos, devolvendo ao mundo, nomeadamente ao mundo das artes, toda a humanidade dessa descida. A grande metáfora do uso da cadeira reside na retração da atividade motora nas artes corporais. Significa a contenção da energia, para a retomada da ação. A presença da cadeira significando a suspensão temporária de uma ação corporal em prol de uma ação futura. Metáforas, ou por exemplo as cadeiras: processo de criação Metáforas, ou por exemplo as cadeiras, é uma videodança que surge de minha pesquisa de mestrado no Instituto de Artes-UNESP. A obra foi Inspirada no livro Por Exemplo a Cadeira: um Ensaio das Artes do Corpo de António Pinto Ribeiro. A cadeira é metamorfoseada, transfigurada, vestida, se torna um personagem vivo que anda, respira, come, faz sexo... Simboliza uma suspensão provisória de nossos pré-conceitos, um descanso momentâneo para uma ação futura. A cadeira em Metáforas... é re-significada; indaga sobre a condição do homem diante da realidade, sobre o sujeito e objeto de um legado que transita entre o racional e o fantástico. Diante do tema e suas possibilidades, decidi pela utilização da videodança, na qual desenvolvi a investigação partindo do objeto: cadeira. Por meio da cadeira, na obra de Ribeiro, pude iniciar um processo de criação em que fui buscar elementos de 8 Merce Cunningram é um divisor de águas na história da dança, ele faz a ponte entre a dança moderna e a dança pós-moderna; foi por Cunningham que a dança libertou-se da música, indo além da própria metodologia; ele não via na dança a obrigação de contar uma história, propunha, com seus bailarinos movimentos que não precisavam ter uma explicação. Seu legado, com mais de 200 coreografias, foi principalmente nos dado por meio de suas rupturas: um exemplo foi seu espetáculo eyespace (2006), ele distribuiu ipods com diversas opções de trilha sonora para que o público escolhesse o que quisesse ouvir durante o espetáculo de dança. Até mesmo em seu testamento, ele deixou escrito que após sua morte, a sua companhia deveria fazer uma turnê de dois anos e enfim se separar. O Merce Cunningham Trust, encarregada de administrar a obra dele, teria o controle de todas as coreografias com o propósito de licenciá-las. (LAGE, 2009)

composição e dramaturgia, procurando elaborar um roteiro de ações, onde o olho digital e o olho do intérprete-criador se revezavam na saga do personagem. A cena se desenrola em um ambiente fechado, delimitado por cadeiras cenográficas trabalhadas uma a uma, com temas específicos: ligados à infância (cadeira chupeta de bebê na grama), à guerra (cadeira com armas e tanques), à sexualidade (cadeira com pênis de madeira), ao consumo (cadeira propaganda), ao sonho (cadeira noiva), a trivialidade do cotiano (cadeira vaso-sanitário), ao lazer (cadeira de rodassofá). Ilustração 2: Ítalo Rodrigues em: Metáforas, ou por exemplo as cadeiras. A criação do personagem, a partir do elemento cadeira, procurando metamorfosear a própria cadeira, teve como objetivo tornar a cadeira viva, com sentimentos, com sensações e vontades próprias. A composição cênica seguiu um roteiro preestabelecido, utilizando como fio condutor e composição do personagem, a improvisação em dança, dentro das propostas contidas no roteiro, e também, conforme a linha de direcionamento impetrada pelo videomaker. Na realização cênica, várias foram as tomadas e ângulos realizadas pela câmera, trabalhando, dessa forma, processos de repetição de movimento, ações, com gestos do cotidiano, com dança contemporânea, e também com elementos da expressão corporal. Este olhar foi direcionado para questões que foram pensadas e trabalhadas durante o processo de edição de imagens e finalização da obra. O personagem Bicho-Cadeira nasceu dessa configuração e interação entre dança, dança-teatro, artes plásticas e vídeo. Traduziu em cena, a metáfora da cadeira, compondo cena e cenografia em uma dramaturgia permeada pela linguagem poética. O arquivo completo da videodança está disponível em <http://vimeo.com/7831071>

Ficha Técnica Produção, Edição de vídeo, Roteiro e Cenografia: Ítalo Rodrigues Criador-intérprete: Ítalo Rodrigues Videomaker: Freddy Leal Iluminação: Daniel Avilez Trilha Sonora: Apoio: IAdança, GPDEE Grupo de Pesquisa Dança Estética e Educação, Unesp e Proex. Agradecimentos: Profa. Dra. Kathya Godoy e Prof. Dr. Pelópidas Cypriano

Bibliografia CAGE, John. John Cage Database. Disponível em <http://www.johncage.info/cagecunningham/anticmeat.html> Acesso em 04 de agosto de 2009. CARVALHO LEITE, Fernanda Hübner de. Contato improvisação (contact improvisation): um diálogo em dança. Movimento em Foco, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p.89-110, maio/agosto de 2005. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/movimento/article/view/2870/0>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2009. FERNANDES, Ciane. Do Funcional ao Estético: O Trabalho na Dança-Teatro Contemporânea. In: Cadernos GIPE-CIT. Salvador: n. 7 p. 15-20, 1999. LAGE, Janaina. Morre Merce Cunningham, o mestre dos mestres! Folha de São Paulo, Ilustrada. São Paulo, 28 de julho de 2009. Disponível em <http://colunistas.ig.com.br/geraldthomas/2009/07/28/morre-merce-cunningham-omestre-dos-mestres/ > Acesso em 04 de agosto de 2009. RIBEIRO, António Pinto. Dança Temporariamente contemporânea. Lisboa: Vega.1994.. Por Exemplo a Cadeira: Ensaio sobre as Artes do Corpo. Lisboa: Livros Cotovia, 1997. Wikipedia. Isadora Duncan. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/isadora_duncan >Acesso em 04 de agosto de 2009.