A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL. José Eduardo Saboia Castello Branco



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Transcrição:

A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL José Eduardo Saboia Castello Branco TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE TRANSPORTES. Aprovada por: Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Dr. Ing. Prof. Hostilio Xavier Ratton Neto, Dr. Prof. Raul de Bonis Almeida Simões, D. Sc. Prof. Enilson Medeiros dos Santos, D. Sc. Prof. Newton Rabello de Castro Júnior, Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL SETEMBRO DE 2008

Castello Branco, José Eduardo Saboia A Segregação da Infra-Estrutura como Elemento Reestruturador do Sistema Ferroviário Brasileiro. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2008. XIII, 209 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho Tese (doutorado) UFRJ/COPPE/Programa de Engenharia de Transportes, 2008. Referencias Bibliográficas: p. 194-209. 1. Transporte Ferroviário. 2. Exploração. 3. Segregação da Infra-Estrutura. I. Orrico Filho, Rômulo Dante. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Engenharia de Transportes. III. Título. ii

AGRADECIMENTOS Aos professores do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ, pela oportunidade que tive de assimilar novos conhecimentos, parte dos quais permitiram o desenvolvimento deste trabalho acadêmico. Ao meu orientador, Rômulo Dante Orrico Filho, por ter aceitado o desafio de trabalhar cooperativamente em algo novo, complexo e desafiador. À minha família, pelas horas de convívio trocadas pelas despendidas neste trabalho acadêmico. iii

Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.) A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL José Eduardo Saboia Castello Branco Setembro/2008 Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho Programa: Engenharia de Transportes Este trabalho desenvolve um novo modelo de exploração ferroviária, aplicável ao sistema de transporte de cargas por esse modo no Brasil, baseado na segregação da infraestrutura, aqui considerada como caso especial de desagregação de estrutura verticalizada (unbundling), gerando uma situação em que a via férrea, de maneira semelhante a uma rodovia, é franqueada, sob certas condições, a novos operadores, estimulando a competição intra-trilhos e conferindo maior eficácia a ativos ferroviários subutilizados. Um detalhado estudo de caso corrobora a viabilidade do modelo proposto, e um novo conjunto de diretrizes institucionais e operacionais é proposto, já que o sistema ferroviário nacional possui peculiaridades que não permitem a simples transposição de práticas similares adotadas em outros países do mundo, em especial as da Comunidade Européia. iv

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.) THE INFRASTRUCTURE SEGREGATION AS A REESTRUCTURING ELEMENT FOR THE RAILWAY FREIGHT SYSTEM IN BRAZIL José Eduardo Saboia Castello Branco September/2008 Advisor: Rômulo Dante Orrico Filho Department: Transportation Engineering This work develops a new model of railway operation, applicable to freight transportation through this mode in Brazil, based on the segregation of the infrastructure, here considered as special case of a verticalized structure breakdown (unbundling), creating a situation where a railway, in similar way of a highway, is franchised, under certain conditions, to new operators, stimulating competition intra-rails and giving greater efficiency to underutilized railway assets. A comprehensive case study confirms the feasibility of the proposed model, and new institutional and operational guidelines are proposed, as the national rail freight system has peculiarities that do not allow the simple transposition of similar practices adopted by other countries in the world, particularly those in the European Community. v

ÍNDICE DO TEXTO 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1 1.2 O PROBLEMA 3 1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO 5 1.4 OBJETIVO DO ESTUDO 6 1.5 JUSTIFICATIVA 7 1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO 7 2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR 2.1 DIFERENTES FASES 9 2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO 11 2.2.1 América do Norte 11 2.2.2 Europa 23 2.2.3. Ásia e Oceania 29 2.2.4 América do Sul 34 2.3 RESUMO 60 3 PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO 3.1 PRELIMINARES 62 3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO 65 3.2.1 Oligopolização (Fusões e Cisões) 65 3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura 68 3.3 PRIVATIZAÇÕES 71 3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA 77 4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL 4.1 PRELIMINARES 84 4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS 85 4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS 90 4.3.1 Preliminares 90 vi

4.3.2 O Setor de Telecomunicações 91 4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural 93 4.3.4 O Setor de Saneamento 96 4.3.5 O Setor Aéreo 97 4.3.6 Resumo 98 4.4 PESQUISA AMPLA 99 4.5 ENTREVISTAS 100 4.5.1 Justificativa e Metodologia 100 4.5.2 Resultados Obtidos 101 4.5.3 Análise dos Resultados 104 4.5.4 Resumo das Entrevistas 105 5 ESTUDO DE CASO 5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A ESTUDAR 106 5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO 111 5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR 116 5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ SANTOS 121 5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO CORREDOR ESCOLHIDO 123 5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS 124 5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA SEGREGADA 126 5.7.1 Premissas Básicas 126 5.7.2 Aquisição de Material Rodante 128 5.7.3 Manutenção do Material Rodante 131 5.7.4 Combustível e Lubrificantes 132 5.7.5 Pessoal Operativo 132 5.7.6 Administração 133 5.7.7 Trackright 133 5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS 134 5.8.1 Receitas de Fretes 134 vii

5.8.2 Deduções da Receita 134 5.8.3 Depreciação 135 5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro 136 5.8.5 Imposto de Renda 136 5.8.6 Lucro Líquido 137 5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA 137 5.9.1 Questões Básicas 137 5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico 139 5.9.3 Figuras de Mérito Análise de Sensibilidade 139 5.9.4 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 141 5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA 141 5.10.1 Preliminares 141 5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito 143 5.10.3 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 143 6. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL 6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR 144 6.1.1 Preliminares 144 6.1.2 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Poder Concedente 145 6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Concessionário 149 6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas 151 6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS 152 6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas 153 6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas 155 6.2.3 Novas Linhas 159 6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS 162 6.3.1 Preliminares 162 6.3.2 Aspectos Conceituais 163 6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura 168 6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil 170 viii

6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil 172 6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil 175 6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO 177 6.4.1 Preliminares 177 6.4.2 Licença do Gestor e do Operador 178 6.4.3 Certificação em Segurança Operacional 178 6.4.4 Certificação de Compatibilidade 179 6.4.5 Acordos Operacionais 179 6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias 179 6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes 180 7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 7.1 CONCLUSÕES 185 7.2 RECOMENDAÇÕES 189 7.3 SUGESTÕES PARA FUTUROS TRABALHOS 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 192 ix

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial Figura 2: Evolução da rede ferroviária canadense Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão Figura 9: Malha ferroviária australiana Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%) Figura 11: Investimentos federais 1960 1990 Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (tonelada útil x km) Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária Figura 17: Índice de liberalização ferroviário Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor Figura 19: Eficiência alocativa Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária Figura 26: Evolução da distância média de transporte Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a granel Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja x

Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes xi

ÍNDICE DAS TABELAS Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872 Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post) Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post) Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992 Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005 Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641 Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74 Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 1930 Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928 Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926 Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km) Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling no Brasil Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb) Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico Tabela 32: Análise de sensibilidade xii

Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária xiii

1 INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O transporte sobre trilhos, iniciado no século XVII em minas de carvão subterrâneas da Inglaterra, expandiu-se para a superfície no início do século XIX, amparado tecnologicamente na Revolução Industrial inglesa, por sua vez alavancada pelas grandes reservas de carvão mineral, minério de ferro, abundância de mão-de-obra barata e expressivo mercado consumidor desse país. No final do século XIX e início do século XX a ferrovia exerceu o monopólio absoluto sobre os transportes terrestres, fato que pode ser ilustrado pelo sentido etimológico do termo via permanente ferroviária, até hoje empregado para designar o conjunto dos elementos que constituem a estrada por onde circularão os veículos ferroviários (trilhos, dormentes, lastro, sublastro, obras de terra, obras-de-arte especiais e obras-de-arte correntes). Nesse contexto, a ferrovia era um meio de transporte permanentemente aberto ao tráfego, enquanto que as rodovias, ou mais apropriadamente caminhos carroçáveis àquela época, eram freqüentemente intransitáveis em períodos de chuvas, neves, degelo etc., o que portanto reforça o caráter monopolista antes citado. Com o advento do transporte rodoviário, e sobretudo após a Primeira Grande Guerra, o transporte ferroviário observou um lento porém constante processo de declínio, em quase todo o mundo, com a exceção dos países ditos socialistas, onde as forças de mercado eram contidas por rígidas e autocráticas políticas públicas, tendo como agentes empresas do Estado. Com a derrocada da opção socialista, no final do século XX, também nesses países observam-se perdas dos mercados ferroviários para seus competidores. De uma maneira geral, a maioria das ferrovias teve sua origem privada. Sua crise, gerada pelas perdas de mercado no século XX, obrigou a intervenções governamentais diversas, num primeiro momento traduzidas pela estatização de empresas, que posteriormente foram agrupadas em malhas regionais ou mesmo numa única empresa nacional estatal. Outros movimentos regulatórios e de reestruturação organizacional e institucional foram postos em prática para fortalecer a ferrovia, como adiante explicitado. Alguns resultados dessas medidas já podem ser mensurados, como a desregulamentação do transporte ferroviário nos EUA, através do Stagger s Act de 1980, que propiciou seu revigoramento, enquanto que outros ainda dependem de um período de maturação. 1

No caso brasileiro, todos os cerca de 9.500 km de ferrovias legados pelo Segundo Império à República foram empreendimentos que começaram privados, estimulados grandemente pelos institutos da garantia de juros e da subvenção quilométrica. Na República Velha, as ferrovias foram pouco a pouco foram sendo absorvidas pela União e pelo Estado de São Paulo, em função de déficits financeiros crescentes. Em 1957, as ferrovias federais foram consolidadas numa única empresa: a Rede Ferroviária Federal S.A. RFFSA; o mesmo ocorrendo com as ferrovias paulistas em 1972, aglutinadas na empresa Ferrovia Paulista S.A. Fepasa. Em 1996, exaurida a capacidade do poder público de financiar tanto o gasto de custeio como o de capital dessas empresas, iniciou-se o processo de concessionamento à iniciativa privada, concluído em 1999 com a federalização seguida de privatização da Fepasa. Decorridos cerca de dez anos do início do processo de concessionamento das ferrovias ao setor privado, observa-se que o modelo ferroviário brasileiro, hoje sob a égide da iniciativa privada, inclusive com algumas concentrações acionárias perigosas, tem apresentado alguns impasses de difícil solução. Como salienta Resende (2005), o principal deles recai sobre a expectativa de investimentos na direção de equipamentos e redes capazes de transportar produtos de maior valor agregado e peso bruto menor, submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização. As operações atuais estão excessivamente concentradas em granéis sólidos, com forte ênfase no minério de ferro. E tais operações não garantem alternativas ferroviárias para quem precisa reduzir o custo do transporte ou acessar mercados e portos de interesse. Cálculos feitos pelo autor mostram que a produção do transporte ferroviário brasileiro, no período 1998 2006, expressa em momentos de transporte (toneladas x km úteis tku), cresceu de maneira expressiva, com acréscimo de cerca de 45% no período em questão. Contudo, 80% desse acréscimo derivam do incremento do transporte do complexo minério de ferro (minério bruto e pelotas 70%) e do complexo soja (grãos e farelo 10%), onde a ferrovia já era monopolista ou detentora de expressiva fatia desse mercado de transporte na fase pré-privatização. Isso significa que no período pós-privatização o transporte ferroviário, com algumas exceções como no caso da operadora ALL (Garrido, 2006), concentrou suas ações nos denominados corredores de exportação, por onde fluem os grandes volumes de minério de ferro e soja, em detrimento de outras rotas e mercadorias, fazendo com que a participação das ferrovias na matriz de transporte continue muito baixa, da ordem de 21% (CNT, 2005), considerada como unidade de medição o momento de transporte (tonelada útil x quilômetro). 2

1.2 O PROBLEMA A excessiva concentração do transporte ferroviário brasileiro em um reduzido leque de produtos e rotas, embora reforce o típico papel de uma ferrovia grandes volumes a grandes distâncias traz consigo pelo menos dois relevantes aspectos negativos para a sociedade, quais sejam: a ausência de oferta de transporte ferroviário para expressivo contingente de mercadorias, que dessa maneira praticamente só podem ser escoadas pelo modo rodoviário, cujos custos logísticos, para um amplo conjunto de produtos (excluído o minério de ferro dado o caráter do monopolista da ferrovia em relação ao transporte do mesmo), são em média 25% superiores aos do modo ferroviário (Banco Mundial, 1997); o abandono e a subtilização de parte da malha ferroviária brasileira, sendo que no primeiro caso Toller-Gomes (2003) afirma que cerca de 30% das linhas já não teriam mais tráfego, algo corroborado por Pereira (2006), que atesta estarem inoperantes atualmente 10.000 km de ferrovias. Esse panorama, por seu turno, deriva de um conjunto de situações endógenas e exógenas, a seguir exemplificado. Em primeiro lugar, o transporte ferroviário brasileiro, nas últimas décadas, esteve atrelado em grande medida ao setor siderúrgico, como mostrado no Capítulo 2, adiante mostrado. Portanto, a expansão do transporte ferroviário, nesse segmento, segue uma tendência histórica, acelerada ainda pela desvalorização do real e pelo aumento do consumo de minério de ferro pela China, no período pós-privatização. Em segundo lugar, a evidente necessidade de pronto retorno do investimento por parte das concessionárias privadas. Nesse sentido, a operação com trens unitários de granéis, de menor complexidade e passível de substanciais economias de escala, é a que produz resultados mais rápidos. Em terceiro lugar, o sistema ferroviário brasileiro é marcado por graves impedâncias estruturais, como a ilha de bitola larga no Sudeste rodeada de sistemas de bitola métrica ao Norte e ao Sul, além do concessionamento à iniciativa privada segundo regiões geográficas, fatos que estimulam o transporte intramuros e diminuem a distância média de transporte, tornando a ferrovia menos competitiva ante o caminhão. A título comparativo 3

apenas, verifica-se que no Brasil a distância média de transporte é atualmente de 550 km (sem variação no período de pós-privatização), contra 1.250 km nos EUA (AAR, 2005). Isso tudo mostra que o sistema ferroviário brasileiro, embora revigorado pelo processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a concentração de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa inexistência de oferta de transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e soja, e a conseqüente subtilização ou abandono de vários segmentos da malha. O que está em jogo é, portanto, conferir-se um uso mais eficiente ao sistema ferroviário, que aliás não é uma questão única do Brasil. Nos EUA, a despeito da pujança das suas ferrovias, diversas medidas reestruturadoras foram implementadas para aumentar sua eficiência na segunda metade século XX, variando desde a intervenção estatal no setor privado na década de 70, passando pela total eliminação do transporte de passageiros de média e longa distâncias a cargo setor privado, pela desregulamentação na década de 80 e chegando às mega-fusões da década de 90. Isso porque se estava diante de num cenário onde não se construía um único segmento de ferrovias há décadas e mais de 150.000 km de linhas tinham sido erradicadas desde o pico de 1916 (AAR, 2005). Na Europa Ocidental, a necessidade de se conferir maior eficiência às ferrovias passou a ser uma questão de sobrevivência desse modo de transporte. De fato, a participação modal das ferrovias no transporte de passageiros (média e longa distâncias) passou de 10,9% para 6,2%, no período 1970-1994 (CE, 1996). No caso das ferrovias de carga, a situação ainda é mais dramática, com a participação da ferrovia despencando de 21,1% para 8,4%, no período 1970-1998 (CE, 2001). A situação européia, em especial a das ferrovias de carga, chegou a tal ponto que no Livro Branco sobre Transportes na Comunidade Européia é dito que: O declínio da participação modal da ferrovia, no período 1970-1994, se deu num cenário onde a expansão do transporte de passageiros foi de 40% e a do transporte de cargas de 30%. Dessa maneira, não se exclui a possibilidade de novas quedas nessa participação, significando a real possibilidade do transporte ferroviário vir a desaparecer de vários e expressivos segmentos do transporte de mercadorias (CE, 1996). Como parte do processo de soerguimento de suas ferrovias, as autoridades governamentais européias tornaram compulsória, para os países-membro da CE, a segregação da infra-estrutura ferroviária, como adiante detalhado. 4

Verifica-se, dessa maneira, que em diversos países do mundo a problemática ferroviária tem gerado uma incessante busca pela maior eficiência desse modo de transporte. O caso brasileiro, dadas suas peculiaridades, apresenta, como já dito, como ineficiência básica o abandono de significativa parte da malha ferroviária existente e a concentração do tráfego em algumas mercadorias e rotas preferenciais, com a ausência de oferta de opção de transporte mais barata a inúmeros segmentos do mercado de fretes. Será esse o problema a tratar neste trabalho acadêmico, à luz das experiências reestruturadoras implantadas em outros países. 1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO No subitem anterior definiu-se como problema a tratar a limitação da oferta de transporte ferroviário de carga no Brasil, e, portanto a impossibilidade de se ter fretes mais baratos para a carga geral, fruto da concentração dos esforços das operadoras em poucos fluxos e rotas e do abandono de 30% da malha existente. A relevância do assunto está, portanto, intimamente, de um lado, ao denominado custo Brasil, que majora o custo final das mercadorias, dadas as ineficiências diversas em seus custos logísticos. Em termos financeiros, pode-se estimar, de um lado, o uso ineficaz de ativos no valor de U$ 10 bilhões, representados pela porção da malha ferroviária não mais utilizada pelos atuais concessionários, considerando-se um total de linhas inoperantes de 10.000 km, valoradas à razão de U$ 1 milhão por quilômetro. De outro lado, uma maior participação da ferrovia no mercado de fretes poderia propiciar reduções no valor dos fretes. Para cada ponto porcentual de aumento das ferrovias na matriz de transportes de carga, capturado ao modo rodoviário, ter-se-ia uma economia de R$ 100 milhões anuais em fretes, cálculo esse que teve como base: valor anual de produção de transporte de 795 bilhões de tku (CNT, 2005); produto médio ferroviário de R$ 36,4 por mil tku (CEL, 2005); valor médio da redução do frete ferroviário em relação ao rodoviário de 25% (Banco Mundial, 1997). Evidentemente, ao valor de economia em fretes poderiam ser adicionadas as externalidades positivas do modo ferroviário frente ao modo rodoviário, tais como redução de acidentes, redução do consumo de combustível e redução do custo operacional de 5

manutenção de rodovias (menor desgaste do pavimento), o que realça a relevância do uso mais eficiente das ferrovias, e, por conseguinte, deste trabalho. 1.4 OBJETIVO DO ESTUDO Nos subitens anteriores foram caracterizados, em essência, alguns aspectos relevantes da problemática ferroviária brasileira e a relevância de medidas que visem sua mitigação. Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo o estudo de medidas reestruturadoras capazes de potencializar o uso da malha ferroviária existente, como forma de ampliar a oferta de transporte ferroviário, na solução do problema de melhor utilização ao patrimônio público e redução do denominado custo Brasil através de fretes mais baratos. O escopo do trabalho trata exclusivamente do transporte ferroviário de carga, de grande interesse ao desenvolvimento nacional, tendo em vista o caráter marginal do transporte ferroviário de passageiros de média e longa distâncias no Brasil. Nesse sentido, este trabalho visa estudar a aplicabilidade de uma das mais promissoras e revolucionárias medidas reestruturadoras do setor ferroviário: o livre acesso à infra-estrutura ferroviária, tornado compulsório na Europa Ocidental, Austrália e Nova Zelândia, ao final do século XX, denominado na literatura estrangeira por unbundling. Por esse mecanismo, implanta-se a competição intratrilhos, estabelecem-se competências de operadores em certos nichos de mercado e cria-se maior dinâmica operacional, o que deve ser confrontado com a perda de coordenação e de eventuais economias de escala, típicas de empresas ferroviárias verticalizadas. Dados os condicionantes jurídicos que regem as atuais concessões ferroviárias, pretende-se verificar as possibilidades da segregação da infra-estrutura em situações específicas, de forma voluntária, pelo convencimento técnico e econômico de suas vantagens junto às operadoras, procurando-se reduzir conflitos que certamente adviriam de reformulações abruptas nos contratos de concessão. 6

1.5 JUSTIFICATIVA Muito embora alguns aspectos que justificam o estudo estejam disseminados nos tópicos anteriores, faz-se necessário frisar que o estudo do unbundling em segmentos selecionados da malha ferroviária brasileira tem como fato gerador a necessidade de se conferir maior eficiência, eficácia e efetividade a esse modo de transporte, algo que o processo de privatização, de per si, não mostra evidências de poder superar quando não estão em jogo grandes fluxos de granéis para a exportação. Mais ainda, deve-se destacar o fato que diversos serviços públicos, operando sob a forma de redes, já adotam o princípio do unbundling, como telecomunicações e energia, onde a infra-estrutura física, em muitos casos, é partilhada por diversos operadores. Portanto a extensão desse conceito à área ferroviária segue uma tendência mundial, não sendo portanto fruto de nenhum modismo ou atividade prospectiva ou exploratória apenas. Destarte, espera-se que esse trabalho, caracterizada sua positividade, possa motivar ferrovias, órgãos reguladores, transportadores de carga em geral e outros atores a aumentar o transporte de carga sobre trilhos no País, em fluxos e corredores que não necessariamente os de exportação, reduzindo as chances de apagões logísticos e minorando o custo Brasil. Ademais, é importante observar que o tema da segregação da infra-estrutura ferroviária é novidade no meio acadêmico nacional, de sorte que as contribuições aportadas por este trabalho certamente estarão grafadas com a marca da originalidade e poderão embasar futuras teses e dissertações na área do transporte de carga sobre trilhos. 1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO A metodologia de trabalho desenvolvida envolve: uma retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte competidores; uma revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para reversão ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling; elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling; 7

entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o ferroviário; estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso; modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura. 8

2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR 2.1 DIFERENTES FASES O transporte guiado em superfície, que originou o modo ferroviário, vem do tempo dos romanos, tendo sido encontrados vestígios de sulcos em blocos de calcário, formando trilhas para as rodas de carroças com tração animal, usadas na exploração de jazidas de material rochoso (Setti, 2000). O uso de trilhos de madeira como superfície de rolamento, associado a vagonetes com rodas flangeadas, remonta ao século XVI, na Alemanha, como facilitador da movimentação de carvão extraído de minas subterrâneas a curtas distâncias, em geral rumo a canais ou rios navegáveis, fazendo-se uso da tração animal. Essa prática foi rapidamente assimilada pela Grã-Bretanha, que não só a implementou em suas vastas províncias carboníferas, como a estendeu, no início do século XVII, ao transporte de produtos em geral, como foi o caso, por exemplo, da ligação entre Strelley e Wollanton, na região de Nottingham. Ainda com base em Setti (2000), tem-se que em 1776, em minas de carvão de Shropshire, na Inglaterra, os trilhos de madeira são substituídos por trilhos de ferro, de maior durabilidade, cunhando-se então o termo ferrovia. Já no século XIX, em 1801, o governo inglês autoriza o início da operação na Surrey Iron Railway, ligando Wandsworth a Croyden, com tração animal. Essa tração é substituída pela mecânica quando da abertura ao tráfego em 1825 da Stockton e Darlington Railway, Inglaterra, onde foi empregada uma locomotiva a vapor com razoáveis condições de tração e aderência, projetada por George Stephenson, um engenheiro de minas, especialidade precursora de engenharia ferroviária. Após as primeiras experiências na Inglaterra, a ferrovia se expande de forma notável pelos quatro continentes, sobretudo na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Segundo Encyclopaedia Britannica (2006), o auge da expansão ferroviária, em termos de extensão, ocorre em 1917, com a existência de cerca de 1.600.000 km de linhas implantadas em todo o mundo, das quais 30% situadas na América do Norte. Observe-se, por oportuno, que esse pico é fortemente influenciado pelo ápice da implantação ferroviária nos EUA, ocorrido em 1916, ocasião em que esse país dispunha de uma malha de 254.000 milhas (406.400 km), conforme levantamento de Hallberg (2004). 9