Audiência Pública na Câmara dos Deputados Comissão de Ciência, Tecnologia e Informática Brasília, 14 de junho de 2016 Rafael A. F. Zanatta
Que papel tem o Idec no debate das franquias?
Primeira ONG a indicar os efeitos das franquias de dados na internet brasileira Criação da Campanha Internet Livre Formulação de Ação Civil Pública (14/04/2016) Representante da sociedade civil no GT de Telecomunicações do Ministério da Justiça Representante da sociedade civil no Comitê de Defesa dos Usuários (CDUST) da Anatel Papel ativo na mídia e no diálogo com o Legislativo
Por que as franquias são um problema?
Oferta dos planos de Internet sempre ocorreu por velocidade e capacidade de transmissão (megabits por segundo) Importação do modelo da Internet móvel: imposição de limite de volume de dados (megabytes por mês) Expansão do uso da Internet fixa no Brasil (em 2004, 20% da população brasileira estava conectada à Internet; em 2014, o número saltou para 50%). Políticas de inclusão digital, transformação do serviço público e cidadania digital
Como consumimos dados na Internet? Consumo em 1 hora (mb) Navegação e pesquisa (Chrome) Plataformas de vídeos em HD (Netflix) Streaming no Youtube (TV Câmara) Voz sobre IP (Skype) 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Consumo em 1 hora (mb) Fonte: Adrenalyne (2016)
O quanto isso representa em um mês? 5 horas de navegação e pesquisa no Google Chrome: 2 gigabytes 2 horas de aulas em um curso de formação online: 2 gigabytes 1 hora de entretenimento (Netflix): 2 gigabytes Consumo em 1 dia de uso: 6 gigabytes Consumo em 30 dias de uma pessoa: 180 gigabytes Consumo em 30 dias de três pessoas: 540 gigabytes
Os planos das 3 maiores empresas NET: franquias de 30GB a 500GB Vivo: franquias de 10GB a 130GB Oi: franquias de 20GB a 130GB Limitações que afetarão os mais pobres (planos mais baratos com franquias menores) Estratégia: induzir a compra de pacotes adicionais de dados (quanto custará?)
Problema econômico: mercado oligopolizado onde o consumidor não tem para onde correr (86,7% no mercado controlado por 3 grandes empresas) Problema social (desigualdade): mais pobres contratam planos mais econômicos, onde as franquias são menores. Possibilidade real de criar uma Internet dos ricos e uma dos pobres. Problema social (desenvolvimento): limitação das capacidades humanas em ambientes online em razão de orçamento mensal. Retração da inclusão digital. Problema jurídico: grave violação do Código de Defesa do Consumidor e do Marco Civil da Internet
Ausência de justa causa (Art.39, CDC) Desconexão ilegal prevista em contratos (Art. 7, IV, MCI) Elevação arbitrária de lucro e abuso de poder econômico (Lei do CADE) Direitos violados
Como a Anatel reagiu? E qual foi a interpretação da sociedade civil?
Estratégia da Cautelar da Superintendência de Relações com Consumidores (18/04): problema está na transparência Anatel não atacou o problema da ausência de justa causa (precisamos de franquias?) Sinalização para o mercado: após cumprimento de algumas medidas, franquias estão autorizadas depois de 3 meses Reação contrária da sociedade civil e da OAB Protestos, #ImpeachmentDaAnatel, invasão hacker, memes, críticas dos YouTubers (jovens)
A segunda reação da Anatel: suspensão por tempo indeterminado
Estratégia da agência: esfriar o debate com recuo estratégico Mudança de competência: Conselho Diretor da Anatel Sinalização para o mercado: questão será definida posteriormente Falsa sensação de alívio: o problema está mesmo resolvido?
Desdobramentos em maio de 2016 CDUST GT de Telecom Propostas concretas para Anatel
Propostas do CDUST (09/05/2016) Revogação dos dispositivos de 2013 Adequação com Marco Civil e contexto do uso da Internet no país Ação regulatória com participação Audiências públicas e sistema multissetorial Avaliação de impacto regulatório Quais os grupos afetados? Economia? Desenvolvimento social?
Deliberações do GT/Senacon/Ministério da Justiça (10/05/2016) Apoio ao voto do CDUST Anatel precisa rever resolução com participação social e exaustão técnica Infraestrutura e concentração Problemas graves de concentração e calibragem do investimento Abusividade das ofertas Empresas continuam ofertando planos com franquias em seus contratos
Quais os argumentos falaciosos apresentados pelas teles?
Congestionamento das redes (argumento Netflix) Incapacidade de investimento (argumento tributação) Precificação injusta (argumento heavy user)
O que diz a literatura especializada? Geist (2011): Considerando a inexistência de um mercado competitivo de acesso à internet no Canadá, é preciso elaborar princípios (guidelines) para a Internet Billing Usage Management Practice. Tais princípios são necessários para franquia de dados no varejo e eles incluem requerimentos de transparência e razoabilidade para proteger os consumidores de práticas anticompetitivas e contra esquemas de precificação exorbitantes Canada's Usage Based Billing Controversy: how to address the wholesale and retail issues (Geist, 2011)
O que diz a literatura especializada? Open Technology Institute (2012): franquias de dados, especialmente em redes fixas, não são uma necessidade, mas parecem ser motivadas por um desejo de aumentar receitas de clientes existentes e proteger serviços, como de televisão à cabo, da competição de serviços de Internet. Há pouca evidência técnica para as franquias de dados, especialmente considerando que o congestionamento ocorre em momentos de pico, enquanto que as franquias desencorajam o uso em todo o tempo, mesmo em horários leves, onde a rede possui plena capacidade. Capping the Nation's Broadband Future (New America's Open Technology Institute, 2012)
O que diz a literatura especializada? Chetty, Banks, Brush, Donner & Grinter (2012): Franquias de dados possuem implicações no modo como nós desenhamos ou utilizamos tecnologias em rede e seus conteúdos. Em estudo feito com 12 unidades familiares com franquias de dados na África do Sul, percebemos que as famílias lidam com três incertezas: (i) balanços invisíveis (ausência de controle, cortes abruptos e efeitos emocionais negativos nas unidades familiares), (ii) processos misteriosos (insuficiência de informação sobre como dados são consumidos, desatualização de antivírus e softwares para economizar dados e retorno de CDs e pen-drives para trocas de arquivos) e (iii) múltiplos usuários (dificuldade de controle do uso de tablets e celulares no wi-fi, aumento de conflitos familiares). You're Capped! Understanding the Effects of Bandwith Caps on Broadband Use in the Home (Chetty, Banks, Brush, Donner & Grinter, 2012)
O que diz a literatura especializada? Poularakis, Pefkianis, Chandrashekar & Tassiulas (2014): Nós descobrimos que em mercados altamente competitivos com altos custos de tráfego, as franquias de dados podem ajudar as provedoras de serviço de conexão à internet a manejar seus custos enquanto resultam em custo de dados por unidade mais justo para seus usuários. No entanto, na ausência de um mercado altamente competitivo, ou quando os custos de tráfego são baixos, as franquias de dados servem somente para beneficiar as provedoras em detrimento de seus clientes. Pricing the Last Mile: data capping for residential broadband (Poularakis, Pefkianakis, Chandrashekar, Tassiulas, 2014)
O que diz a literatura especializada? Kehl & Lucey (2015): Franquias de dados promovem um clima de escassez de banda, que pode beneficiar as provedoras de conexão à internet, mas que tem um efeito prejudicial nos usuários comuns. Em especial, franquias de dados podem tornar mais difícil que consumidores façam escolhas informadas; diminuir a adoção e uso de serviços online existentes; e minar a segurança online. Mais ainda, é cada vez mais claro que eles possuem um efeito desproporcional em grupos de baixa renda e populações minoritárias, bem como estudantes. Artificial Scarcity: how data caps harm consumers and innovation (Kehl & Lucey, 2015)
O que concluímos? A franquia de dados na Internet fixa é interessante para as grandes empresas justamente por que não há mercado competitivo Não há escassez de dados ou da Internet, mas sim de infraestrutura. A criação de escassez é artificial. Os padrões de consumo de Internet no Brasil são incompatíveis com os planos anunciados em 2016. Não há razoabilidade. Até que ponto o interesse comercial de poucas empresas irá se sobrepor um projeto de cidadania, inclusão digital e justiça social no Brasil?
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