PENSAMENTO POLÍTICO DE TOMÁS DE AQUINO: UMA LEITURA CRISTÃ DA FILOSOFIA ARISTOTÉLICA NA UNIVERSIDADE



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Transcrição:

PENSAMENTO POLÍTICO DE TOMÁS DE AQUINO: UMA LEITURA CRISTÃ DA FILOSOFIA ARISTOTÉLICA NA UNIVERSIDADE. Tatyana Murer Cavalcante, Universidade Estadual de Maringá. INTRODUÇÃO O objetivo desta comunicação é tecer algumas considerações acerca da importância da leitura de Aristóteles na elaboração do pensamento político de Tomás de Aquino. Dentre os diversos pensadores que discutiam as novas questões que o Ocidente Medieval no século XIII se colocava, entendemos que a elaboração desse autor é extremamente relevante. Sua obra abrange um grande leque de conhecimentos, dentre os quais destacaremos o debate político. Não temos a ambição de definir a política nesse autor, apenas pretendemos, ao longo do texto, evidenciar a importância da retomada de Aristóteles na formulação de Tomás de Aquino, apontando as possibilidades que esse procedimento proporcionava àquele contexto. Para atingir nosso objetivo, apresentaremos algumas características da produção do conhecimento no século XIII, vinculando-as àquele contexto histórico para, em seguida, discutir algumas posições do autor. Considerando os limites desta comunicação, selecionamos apenas o Tratado da Lei (ST, I a II ae, q. 90-97), extraído da Suma de Teologia de Tomás de Aquino. A ELABORAÇÃO DO CONHECIMENTO NO SÉCULO XIII O Ocidente Cristão do século XIII criou uma nova instituição dedicada ao saber: a Universidade. Como afirma Oliveira (2005a) é importante entender que o nascimento dessa instituição não se constitui um fato isolado, mas é resultado de profundas transformações na sociedade, em todos os níveis de relações sociais, especialmente na cultura. Entre essas transformações, verificamos o fortalecimento do poder real 1. A universidade medieval, enquanto instituição dedicada ao saber, tratou não apenas do ensino, mas dedicou-se profundamente ao conhecimento do real, debatendo as questões mais atuais e relevantes do século XIII. No interior dela, os mestres universitários elaboraram diferentes doutrinas, buscaram soluções para os problemas daquela sociedade. 1 Nossa comunicação não pretende discutir o conjunto dessas transformações. No entanto, vale lembrar que diversas alterações se colocaram à sociedade medieva a partir do ano mil, como o renascimento do comércio e das cidades, que promoveram a ampliação do universo cristão; processo intensificado nos séculos posteriores. O Ocidente experimentou um lento fortalecimento dos poderes universais e recuo dos poderes locais. Nas cidades, novas instituições surgiram: no século XII, a corporação organizava o trabalho de uma forma nova. No mesmo século, o interesse pelo conhecimento aumentou e com ele se expandiram as escolas urbanas (das catedrais e dos mosteiros).

Uma das grandes preocupações da Universidade estava relacionada a possibilidade da separação dos poderes laico e eclesiástico. Com o fortalecimento do poder real a partir do século XII, era evidente a necessidade de discutir e estabelecer os limites para o comando da cristandade, determinar as atribuições da Igreja e dos reis. Para responder a essa e a outras questões 2 os mestres universitários nutriam-se do conhecimento que dispunham: inicialmente, textos dos pensadores cristãos medievais e alguns de filosofia antiga herança das escolas citadinas aos quais foram acrescentados, durante o século XIII, textos de filosofia Antiga 3 (Grecoromana), Judaica e Árabe, dentre os quais, sem dúvida, foi crucial a penetração maciça da obra aristotélica (VERGER, 2001). Até aquele momento, a elaboração do conhecimento assentava-se na tradição agostiniana, que acomodava conceitos filosóficos neo-platônicos à fé. Lembramos resumidamente e por isso mesmo sujeito a generalização que nessa tradição o objetivo do homem era obter a vida eterna, o que implicava na renúncia do corpo para alcançar mais facilmente a verdade (Deus). Com a vida citadina e comercial do século XIII também era necessário responder questões de ordem prática, impulsionando a valorização da vida material. Nesse contexto, os autores antigos foram retomados e Aristóteles principal elaborador de uma filosofia que partia da análise da realidade material para a elaboração do conhecimento obteve lugar de destaque. Entendemos que para construir saberes contrapondo opiniões muito distintas, o principal método da Universidade medieval precisou ser a quaestio disputata (questão disputada); isso porque, em cada tema trabalhado, os mestres podiam contrapor pontos de vista muito distintos, confrontá-los, discuti-los arduamente, para só então apresentarem sua própria solução. Tomás de Aquino (1224-5?/1274) produziu sua obra nessas condições. Reconhecido como um dos maiores autores do medievo, esse mestre dominicano dedicou sua vida ao conhecimento e ao ensino. Em 1231, tornou-se oblato da Abadia Beneditina de Monte Cassino. Entre 1239 e 1244, estudou Artes Liberais na Universidade de Nápoles, situação na qual entrou em contato com a Lógica e a Filosofia Natural de Aristóteles e também com a recém-criada Ordem dos Predicantes (Dominicana), à qual se integrou em 1244. Continuou seus estudos como discípulo de Alberto Magno em Paris (1245/1248) e em Colônia (1248/1252). De volta à Paris, tornou-se professor universitário em 1252; primeiro como Bacharel Sentenciário (até 1252), depois como Mestre Regente, até 1259. Entre 1260 e 1268, 2 Ao nosso ver, as questões principais relacionavam-se mutuamente, uma vez que discutiam os limites entre poder temporal e religioso, entre a ação humana e a divindade, entre a filosofia e a teologia. O estabelecimento de novas relações sociais punha em cheque-mate o objetivo maior do homem cristão. 3 Na obra As universidades na Idade Média, Verger afirma que esforços de tradução no século XII já recaíram sobre filosofia e ciência gregas: a Lógica, a Física e a Metafísica aristotélicas eram conhecidas no final do século XII, faltando descobrir, no século XIII a Retórica, a Ética, a Política e a economia desse autor, bem como a tradução de outros pensadores antigos e alguns árabes (VERGER, J. As universidades na Idade Média. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1990).

manteve-se fora de Paris (Nápoles, Orvieto, Roma e Viterbo), cidade a qual retornou para sua segunda regência, entre 1269 e 1272. Foi Regente de Teologia em Nápoles entre 1272 e 1273 (LAUAND, 1999). Assim como os demais mestres universitários do século XIII, a composição de Tomás de Aquino abarcou filosofia grega e pensamento cristão. Segundo Oliveira (2005a), a formulação desse autor é fundamental porque buscou, no conhecimento produzido pela humanidade, elementos para a construção de um saber verdadeiro, sem negar a importância da Encarnação. Dessa maneira, nosso autor tomava suas fontes como referência para compreensão e a produção de um conhecimento relevante ao seu tempo. Não podemos, portanto, ao estudar as soluções que Tomás de Aquino fornece aos problemas do século XIII, considerá-lo agostiniano ou aristotélico ; parte sim, de um estudo sistemático de suas fontes, entretanto, ao contrapor pensamentos absolutamente distintos, nosso autor não os deixou intactos, transformando profundamente aqueles elementos ao compor sua síntese (TORRELL, 1999). Considerando que Tomás de Aquino interpretava suas fontes, percorreremos as questões 90 a 97 da Prima Secundae da Suma de Teologia Tratado da Lei (ST, I a II ae, q. 90-97) buscando evidenciar a importância da retomada de Aristóteles na formulação política de nosso autor. O TRATADO DA LEI NA SUMA DE TEOLOGIA O texto de Tomás de Aquino selecionado para esta análise O tratado da Lei 4 é parte da Suma de Teologia. As summas são uma criação universitária do século XIII. Estruturadas nos moldes das questões disputadas, tinham por objetivo resumir dizer todo o necessário sobre determinada disciplina e eram organizadas segundo a lógica interna de cada disciplina. Desenvolviam-se internamente em questões e estas, em artigos. Os artigos, por sua vez, eram construídos a partir de uma pergunta dialética, que implicava em pelo menos duas respostas. Cada artigo tomava a forma de uma disputa. Entender como cada artigo é composto nos é essencial, pois nele verificamos a forma pela qual os mestres universitários utilizavam suas autoridades. A parte inicial de cada um deles expunha, em duas séries, os argumentos (ou objeções). Em primeiro lugar, encontravam-se os argumentos em um sentido e, em seguida, os argumentos em sentido contrário. Habitualmente, o autor apresentava, na série inicial, os argumentos favoráveis à opinião da qual ele discordaria, enquanto aqueles em sentido contrário apresentavam a posição com a qual o autor concordava. Em geral, os argumentos pró e contra eram assentados em citações de alguma autoridade (Bíblia, Pais da Igreja ou Filósofos). 4 Utilizamos a tradução de Francisco Benjamin de Souza Neto, constante na obra organizada sob o título Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino, bem como seus estudos introdutórios. Ver referências bibliográficas.

Apresentados os argumentos, seguia a resposta (ou solução) do problema, conhecida como corpo do artigo. Constituía a parte mais importante, na qual melhor se pode identificar a concepção do autor, pois nela encontramos sua tomada de decisão a partir dos argumentos apresentados. Nos textos de Tomás verificamos, diversas vezes, que o autor concordava em parte ou de certa forma com alguns dos argumentos iniciais. Finalmente, a última parte do artigo era dedicada a resposta individual em geral refutação de cada um dos argumentos iniciais. Nos textos de Tomás de Aquino algumas vezes nos deparamos com a fórmula fica patente a resposta ao argumento apresentado pois nosso autor se esquivava de refutar certos argumentos de autoridade. Apresentada a escrita das Summas, resta-nos dizer que a obra da qual extraímos nosso texto Suma de Teologia é dedicada ao conhecimento de Deus, organizada segundo a lógica interna da teologia e dividida em três partes. Ao contrário do que poderíamos supor uma obra dedicada à Teologia restringir-se ao conhecimento de Deus em si mesmo para nosso autor, a Ciência Divina incluía também o conhecimento de Deus como princípio e fim das criaturas. Por esse motivo, a Suma de Teologia reconhecida como sua principal obra nos interessa tanto. A Segunda Parte da Obra é dedicada aos fins últimos da vida humana e aos meios de realizá-los. Segundo Grabmann: A segunda parte da Suma teológica considera o homem enquanto ser livre moral e, como tal, podendo tender para Deus como para seu fim último, mas também afastar-se deste fim supremo (1944, p.137). Essa parte da Suma de Teologia é também divida em outras duas. O texto que selecionamos consta, mais precisamente, na Primeira Parte (Prima Secundae), composta em 1271, na seção consagrada ao estudo exterior dos atos humanos (q. 90-114). Segundo Tomás de Aquino, o princípio exterior das boas ações Deus move-nos para o bem de dois modos: pela instrução da lei (q. 90-108) e pela ajuda da graça (q. 109-114). Dessa forma, interessam-nas as questões gerais da lei, seus fundamentos metafísicos, psicológicos e morais (q. 90-97). O TRATADO DA LEI Do conjunto de questões que nos interessam 90 a 97 as cinco primeiras delineiam as leis divina, natural e humana, enquanto as três últimas versam exclusivamente sobre as leis humanas. Seguindo a lógica interna da disciplina, nosso autor parte do que é comum na lei para, em seguida, examinar suas partes. A seguir, apresentaremos brevemente cada questão, valorizando os pontos que consideramos nevrálgicos ao nosso estudo isto é, a importância da leitura aristótelica na formulação do Aquinate. 5 5 Nossa opção em não expor rigorosamente toda a questão considera os limites dessa comunicação. No entanto, a introdução de Souza Neto à obra Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino, utilizada neste trabalho, é significativa. Ver referências bibliográficas.

A questão 90, composta de quatro artigos, trata da essência da lei. No artigo segundo, ao debater o fim da lei, nosso autor afirma que toda lei é ordenada ao bem comum. O terceiro, dedicado a causa da lei, complementa o anterior: Deve dizer-se que a lei própria, primeiro e principalmente, visa a ordenação para o bem comum. Ora, ordenar algo para o bem comum compete a toda a multidão ou a alguém a quem cabe gerir fazendo as vezes de toda a multidão. Portanto, estabelecer a lei pertece a toda a multidão ou à pessoa pública à qual compete cuidar de toda a multidão. Isso porque, em todos os demais casos, ordenar para o fim é competência daquele a quem é próprio o referido fim (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 90, a. 3, c. ). Na primeira questão sobre a lei já nos deparamos com uma formulação da ética aristotélica. Para Aristóteles (2001) o homem, animal político, 6 atinge seu fim, sua máxima perfeição na vida pública. Mas o bem maior da vida pública não é bem individual e sim o bem coletivo. Portanto, o bom governante para Aristóteles e Tomás de Aquino cuida do bem comum. A questão 91 (do Tratado da Lei) considera a diversidade das leis e é composta de 6 artigos, que discutem: se há lei eterna, natural, humana e divina. Nesta questão, nosso autor acata uma posição teológica que o permite desenvolver uma posição filosófica em absoluta comunhão. O Aquinate esclarece que toda a comunidade do universo é regida pela razão divina (a. 1), bem como afirma a existência da lei natural, acessível à todos pela participação 7 (a. 2). Dessa forma estabelece uma continuidade entre a razão divina e a razão humana. No entanto, a razão prática dedicada à ação humana versa sobre o singular e contingente e pode não ser infalível (a. 3). Há portanto a necessidade, acima de uma lei natural e humana, de uma lei divinamente dada imune a erro (a. 4). Já a questão 92 trata dos efeitos da lei e é composta de apenas dois artigos. No primeiro discute se é efeito da lei fazer homens bons. Para responder, Tomás de Aquino novamente tem por base a ética aristotélica. Afirma: a lei não é senão o ditame da razão naquele que preside e por quem são governados os súditos (ST, I a II ae, q. 92, a. 1, c. ). Segundo nosso autor, se a intenção do legislador não for o bem comum, a lei não faz bons homens. Adiante (a. 1), ao responder ao quarto argumento, lembra que se a lei for tirânica, não é lei, mas certa perversão dela. Já no segundo artigo da mesma questão, o Aquinate discute se os atos da lei foram adequadamente enumerados por Isidoro de Sevilha (ordenar, proibir, permitir e punir); respondendo afirmativamente. A partir da questão 93 passa a consideração de cada lei em si (eterna, natural, humana, antiga e nova). 6 Pólis: cidade; portanto animal de vida pública. 7 Participação: trabalhamos esse conceito no terceiro capítulo de nossa dissertação de mestrado (CAVALCANTE, T. Aspectos educacionais da obra de Santo Tomás de Aquino no contexto escolástico-universitário do Século XIII. Campinas, UNICAMP, 2006).

Na questão 93, composta de seis artigos, o assunto é a lei eterna. No sexto artigo, Tomás de Aquino afirma que as coisas humanas estão sujeitas à lei eterna e que somos inclinados por natureza a possuir virtudes; nos maus, essa inclinação é imperfeita e de alguma forma corrompida. A questão 94, também composta de seis artigos, trata especificamente da lei natural. O quarto artigo Se a lei da natureza é uma em todos muito nos interessa. Ao recuperar o pensamento de Aristóteles, nosso autor afirma que a razão especulativa trabalha sobretudo na esfera do necessário. Se na esfera especulativa a mesma resposta é para todos, o mesmo não acontece na ordem prática. Segundo Tomás Tomás de Aquino: [...] quanto às conclusões próprias da razão prática, nem é a mesma para todos a verdade ou retidão, nem para aqueles para os quais é a mesma, é igualmente conhecida (ST, I a II ae, q. 94, a. 4, c. ). No quinto artigo, Tomás discute se a lei da natureza pode ser mudada. O artigo nos interessa por esclarecer a necessidade humana das mudanças, diante das novas possibilidades colocadas ao século XIII. Segundo nosso autor, os princípios primeiros da lei da natureza não podem ser mudados, mas os preceitos segundos podem: algo pode ser acrescentado ou subtraído à lei, tanto por ação divina quanto humana, para a utilidade da vida. Tomemos como exemplo a resposta ao terceiro argumento desse artigo: Com efeito, a distinção das posses e a servidão não foram introduzidas pela natureza, mas pela razão dos homens, para utilidade da vida humana. E, assim, nisto a lei da natureza não foi mudada a não ser pó uma adição (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 94, a. 5, ad 3m). Dessa forma, nosso autor considera possível mudanças na lei da natureza. As questões 95, 96 e 97 investigam a lei humana. Nelas, temos a possibilidade de entender a relação conciliatória entre a Teologia e a Filosofia na obra do Aquinate. Na primeira questão desse grupo 95 o assunto é a lei humana considerada em si mesma. É composta de quatro artigos que discutem sua utilidade, origem, qualidade e divisão. O primeiro questiona se é útil serem algumas leis impostas pelos homens. Entendemos que, ao respondê-lo, a retomada de Aristóteles é decisiva. Mais uma vez se coloca a necessidade da vida junto aos outros homens, para a realização da natureza humana. E ainda mais: para a realização plena, é necessario que os homens recebam (aprendam) a disciplina de outros, principalmente no caso dos mais jovens. No entanto, se a alguns, mais inclinados à virtude, basta a disciplina paterna (conselho), para outros, mais inclinados aos vícios, a coação (pela força e pelo medo) é necessária na condução à virtude. Nas palavras de Tomás de Aquino: ora, uma tal disciplina, que obriga pelo medo da pena, é a disciplina das leis. Donde, fez-se necessário, em vista da paz dos homens e da virtude, que se estabelecessem leis, pois como diz o Filósofo assim como o homem, quando é perfeito por sua virtude, é o melhor dos animais, da mesma forma, quando se separa das leis e da justiça, é de todos o pior (Política, I,2,1253a31). Isto porque o homem tem a arma da razão para satisfazer as suas concupiscências e sevícias, o que não possuem os outros animais (ST, I a II ae, q. 95, a. 1, c).

Já o artigo segundo discute a possibilidade de toda a lei humanamente imposta derivar da lei natural. Para o Aquinate, toda lei humana que discorda da lei natural não é, na realidade lei, mas corrupção, deturpação daquela. Os artigos três e quatro da questão 95 são dedicados ao estudo da qualidade e divisão das leis propostas por Isidoro de Sevilha. O quarto artigo nos releva a posição do autor sobre a divisão das leis; divide o direito positivo em direito das gentes (relativo aos princípios) e direito civil (determinações particulares). Nele também verificamos a flexibilidade da filosofia política do autor, uma vez que não há imposição de um único modelo de direito. Para Tomás de Aquino cada civitas 8 deve determinar o que lhe é mais adequado. A mesma flexibilidade pode ser encontrada na discussão Das diferentes formas de governo, na Política de Aristóteles (1998). Em seguida, Tomás sustenta que, ao ordenar-se ao bem comum da cidade, a lei humana deve dividir-se em função da diversidade daqueles que prestam um serviço especial ao bem comum (como os sacerdotes, que oram pelo povo de Deus, e os soldados, que lutam por sua defesa) aplicando-se a esses homens certos direitos especiais. Por fim, trata da razão da lei humana ser instituída pelo governante da comunidade de uma cidade. Neste ponto de sua resposta, nosso autor insere sua teoria dos regimes: E, quanto a isto, distinguem-se as leis humanas segundo os diversos regimes das cidades. Desses, o primeiro é, segundo o Filósofo (Política, III, 5, 1279a32;b4), o reino, no qual a cidade é governada por um só e neste caso que fala-se das constituições dos príncipes. Um outro regime é a aristocracia, ou seja, o principado dos melhores e superiores, caso em que fala dos pareceres dos prudentes e das resoluções do senado. Outro regime é ainda a oligarquia, o principado de uns poucos, ricos e poderosos; é a esta que se atribui o direito pretório, dito também honorário. Um outro regime é também o de todo o povo e este denomina-se democracia; são-lhe atribuídos os plebiscitos. Há ainda um outro, o tirânico, de todo corrupto, do qual não deriva nenhuma lei. Há, enfim, um regime que é a mescla de todos estes, o qual é melhor e dele deriva a lei que os maiores por nascimento sancionaram juntamente com as plebes, como diz Isidoro (Etimologias, V, 10, PL 82, 200; cf. II, 10, 130). Em quarto lugar, pertence à razão da lei humana ser diretiva dos atos humanos. Em conformidade com isto, distinguem-se as leis segundo a diversidade daquilo em vista do que são promulgadas, as quais recebem os nomes de seus autores: assim se distinguem a Lei Júlia sobre os adultérios, a Cornélia sobre os sicários e outras mais, não por causa de seus autores mas das coisas das quais são (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 95, a. 3, c). 8 Preferimos, nesse caso, usar o termo civitas para denominar uma unidade política, que pode ser entendida como cidade (pólis), reino ou mesmo império.

A elaboração que o autor nos apresenta é assentada da política de Aristóteles: Tomás de Aquino segue a discussão sobre o governo da Política (1998) aristotélica, tanto no que diz respeito ao número de governantes quanto a justiça de cada um: de um (monarquia e tirania), de poucos (aristocracia e oligarquia), de muitos ( república e democracia ), 9 bem como às virtudes de cada regime e por fim, o justo meio, a mescla dos governos, que pode mais facilmente atingir o bem comum. Já a questão 96, composta de seis artigos, trata do poder da lei humana. Mais uma vez nosso autor reitera que as leis humanas devem proporcionar o bem comum; no entanto, lembra que ele tem muitos componentes, sendo necessário levar em conta as diferenças (negócios, pessoas, tempo). Também atenta à necessidade de não se instituir leis para durar um tempo limitado (a. 1). O Aquinate sustenta que a lei humana deve coibir apenas os vícios mais graves, que são aqueles cometidos em detrimento de outros (a. 2) e preceituar tão somente sobre as virtudes que se ordenam ao bem comum (a. 3). O quarto artigo da questão 96 se a lei humana impõe ao homem a necessidade no foro da consciência mostra claramente a condição do homem como ser livre moral na teologia/filosofia de Tomás de Aquino: as leis humanas podem ser justas ou injustas; se justas, [...] têm a força de obrigar no foro da consciência por causa da lei eterna da qual derivam (ST, I a II ae, q. 96, ª 3, c.). Desse modo, a obediência às leis exige a reflexão sobre as mesmas, não sendo lícito observar leis injustas. Com essa elaboração, nosso autor coloca o homem na ordem do dia : a convivência política exige reflexão, deliberação e ação para a realização do bem comum que, no entanto, também realiza o homem enquanto criatura de Deus, em virtude da derivação da razão divina. A questão prossegue com a discussão se todos estão sujeitos à lei. Mais uma vez observamos a flexibilidade da elaboração tomasiana: para nosso autor, pessoas submetidas às leis de um príncipe não estão submetidas às leis de outro. Essa consideração aponta a possibilidade da existência concomitante de diferentes formas de organização política. O sexto e último artigo dessa questão discute a possibilidade de descumprimento da lei por parte daqueles à ela submetidos. Esse artigo nos é fulcral: Tomás de Aquino afirma que algumas coisas frequentemente úteis ao bem comum podem ser nocivas algumas vezes; isso acontece porque o legislador não pode considerar os casos singulares e sim os casos mais comuns. Afirma também que se a observância da lei não constitui perigo imediato, cabe dispensá-la apenas os príncipes; já em caso de perigo imediato, a própria necessidade carrega a dispensa. A última questão a ser apresentada 97 trata da mudança das leis humanas e contém quatro artigos. O Aquinate afirma ser dupla a causa da lei que pode ser 9 Preferimos usar os dois termos entre aspas, uma vez que os tradutores dos textos de Tomás de Aquino e Aristóteles fizeram diferentes opções de tradução: na tradução de Roberto Leal Ferreira à Política de Aristóteles, o bom regime de muitos foi traduzido por república e o pervertido como democracia ; já a tradução de Francisco Benjamin de Souza Neto ao texto de Tomás de Aquino, o bom regime foi traduzido por democracia.

mudada justamente: primeira, da razão (passagem do imperfeito ao perfeito); segunda, por parte dos atos regulados por ela, em virtude da mudança das condições dos homens (a. 1). Segundo nosso autor, o critério para mudança da lei deve ser a utilidade evidente, uma vez que a mudança diminui o seu poder coercitivo (a. 2) e afirma que o costume regulado pela razão pode também adquirir vigor de lei (a. 3). Por fim afirma ser lícito aos chefes da multidão dispensar da lei uma pessoa que se encontra sob sua autoridade se o motivo da dispensa for a razão, no interesse do bem comum. Ao completarmos o percurso das questões 90 a 97 da Primeira Parte da Segunda Parte da Suma de Teologia, verificamos a importância da leitura da Ética e da Política aristotélicas no pensamento do autor; é notável, entretanto, que Tomás de Aquino não retoma simplesmente Aristóteles: há um trabalho árduo de conciliação entre o pensamento do filósofo da Antiguidade e os textos cristãos, no interesse de responder às necessidades políticas impostas àquela sociedade. Esse movimento delineia a gênese do pensamento político moderno. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na elaboração da filosofia política de Tomás de Aquino, nos parece nevrálgica a leitura das obras de Filosofia Antiga, principalmente aristotélica. A vida citadina e comercial do século XIII, ao aproximar os homens em seu cotidinano, criou novos problemas e novas perspectivas ao Ocidente Medievo: como entender e organizar adequadamente esse novo modo de viver? O conhecimento produzido até então mostrava-se insuficiente; era necessário estudar outras possibilidades e, nesse sentido, a retomada dos textos de filosofia antiga abria um leque que possibilidades, que não foram retomadas em si mesmas, mas levadas à reflexão por meio das questões disputadas. Ao contrapor escritos de ordem teológica aos de filosofia antiga num ambiente citatino, os mestres universitários do século XIII deram início a uma nova construção do conhecimento. Assim, como em outras áreas do saber, também nascia uma nova filosofia política. A nosso ver, os escritos políticos de Tomás de Aquino são fundamentais por manifestarem uma leitura conciliatória entre os textos antigos e os cristãos, tão necessária ao século XIII. Ao estabelecer uma continuidade entre a teologia e a filosofia, entre o saber divino e o saber humano, entre o viver para a alcançar a vida eterna e o viver para o bem comum, esse mestre pôde estabelecer a necessidade das ações humanas. Ao mesmo tempo, definiu, de maneira clara, os limites da lei divina e da lei humana, apontando a importância da pessoa e do agir ético. Entendemos que o autor colabora para a gênese do pensamento político moderno, não porque sua ética aponte para a existência do indivíduo ou sua política para um estado autônomo. Muito pelo contrário. A ética que encontramos em Tomás de Aquino pauta-se na liberdade moral e a política no bem comum, numa participação consciente, que também corresponde a uma postura teológica.

Autores posteriores a ele elaboraram filosofias políticas ligadas à individualidade e ao estado autoritário. Essas posturas pareceriam ao Aquinate tirania e sua legislação não mereceria ser cumprida. Para nós, em pleno século XXI, em meio ao desabamento de nossas instituições políticas, acirra-se a necessidade de reflexão. Que debates podemos travar no seio de nossas universidades? Que leituras devemos retomar, não para defender, mas para abrir nosso leque de possibilidades de criação? Consideramos, pelo exposto, de fundamental importância o estudo dos grandes pensadores de Filosofia Antiga e Medieval, para auxiliar-nos na tarefa de refletir sobre e para o nosso tempo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 4 a ed. Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 2001.. A política. 2 a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. GRABMANN, M. Plano da Suma Teológica. In:. Introdução à Suma Teológica de Sto. Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1944. p. 132-156. LAUAND, J. Tomás de Aquino: vida e pensamento estudo introdutório geral. In: TOMÁS DE AQUINO. Verdade e conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 1-80. OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo/Porto: Mandruvá/ Univ. do Porto, 2005.. As Universidades na Idade Média (séc. XIII). São Paulo/Porto: Mandruvá/Univ. do Porto, 2005a. SOUZA NETO, F. Introdução. In: TOMÁS DE AQUINO. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 1-32. TOMÁS DE AQUINO. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995. VERGER, J. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. Bauru, SP: EDUSC, 2001. TORRELL, J-P, OP. Iniciação a SantoTomás de Aquino: sua pessoa e sua obra. São Paulo: Loyola, 1999.