CONDOMINIOS HORIZONTAIS FECHADOS: NOVAS FORMAS DE MORADIA EM TRÊS LAGOAS - MS Willian Cesar Dadalto willdadalto@gmail.com PET Geografia UFMS Três Lagoas Palavras chave: Três Lagoas, Condomínios fechados, auto segregação. INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada na disciplina de Geografia urbana e industrial e objetivou analisar a reestruturação espacial da cidade de Três Lagoas, a partir da criação de condomínios horizontais fechados, que alteram a dinâmica espacial, a cultura no que concerne a forma de morar e acentuam ainda mais as diferenças entre as classes sociais. Os procedimentos metodológicos adotados pautaram-se na leitura da literatura pertinente a temática como Spósito (2006), que tem as cidades médias como uma das áreas de pesquisa, e contribui com estudos sobre condomínios fechados no interior do estado de São Paulo, Maia (2006) e Sobarzo (2005), que analisam as mazelas da privatização do espaço público e Souza (2008), que discute a questão urbana. Os trabalhos de campo possibilitaram a coleta de dados com os agentes imobiliários responsáveis pela venda dos lotes de cada empreendimento, visitas aos locais onde se localizam os condomínios fechados e ainda a espacialização dos empreendimentos na planta urbana da cidade. Três Lagoas se localiza na Meso Região Leste de Mato Grosso do Sul (Ver Figura 1), está a 314 km da capital Campo Grande, se divisa ao norte com Selvíria e Inocência, a oeste com Água Clara, ao sul com Brasilândia e a leste o rio Paraná demarca a fronteira com Castilho e Itapura, que são municípios paulistas e possui em torno de 90 mil habitantes. Três Lagoas-MS até meados da década de 1990 tinha sua economia pautada na pecuária, mas com a lei de incentivos fiscais vigente no Estado, várias empresas se instalaram no município que dispõem de eficaz sistema de transporte que possibilita o escoamento das mercadorias para o Sudeste, milhares de trabalhadores oriundos de diversas regiões do país disponíveis no mercado de trabalho para construção, instalação e produção dessas indústrias, sendo a maior delas, a FIBRIA, que mobilizou mais de 12 mil trabalhadores. 1
Figura 1: Localização do município de Três Lagoas em Mato Grosso do Sul. Org.: MILANI, P. H, (2009). Os trabalhadores das classes sociais que detêm maior poder aquisitivo, e, caracterizados como mão de obra qualificada, levaram hábitos e costumes diferentes dos vigentes na cidade, destacando a forma de morar. Os engenheiros e demais trabalhadores que possuem poder aquisitivo maior e, oriundos de grandes centros, optam por moradias que garantam segurança, privacidade e conforto, seja por meio da verticalização, os condomínios verticais, as vilas de trabalhadores das empresas e os condomínios horizontais fechados. Estas são as formas de morar que correspondem aos desejos das famílias recém chegadas à cidade. A ênfase neste trabalho será para os condomínios horizontais fechados, que diferentemente dos condomínios verticais ocupam grandes áreas dentro de uma cidade e alteram ainda mais a dinâmica socioespacial. CONDOMINIOS HORIZONTAIS FECHADOS Cumpre salientar que As condições existentes nesta ou naquela região determinam a desigualdade no valor de cada pessoa, tais distorções contribuem para que o homem passe literalmente a valer em função do lugar onde vive [...] (SANTOS, 2007, p.140). Por 2
conseguinte, acabam recebendo rótulos, fazendo parte de distintas classes e adquirindo alto status sociais. Uma das formas de mostrar seu status perante a sociedade é a partir da residência, quanto mais luxuosa, mais status seu proprietário adquire, é possível notar isso no inicio do século XX onde imensos casarões situados na avenida paulista eram símbolos de exuberância e poder. Pode-se dizer que hoje, o símbolo máximo do status atribuído a partir das residências são os condomínios horizontais fechados, pois são tidos como seguros, luxuosos, com alta qualidade de vida e acessível apenas para pessoas das classes media alta e classe alta, ficando separados por muros que os deixam mais seguros e por uma opção separados dos demais moradores da cidade. Atualmente milhões de pessoas vivem em condomínios e loteamentos fechados nos arredores das cidades brasileiras, que buscam segurança e qualidade de vida para suas famílias (MIGLIORANZA, 2005). Maia (2006) diz que os condomínios fechados atuam como formas de diferenciação social e de separação, alteram a configuração do espaço urbano fragmentado ainda mais as várias áreas da cidade. Os condomínios fechados fragmentam as práticas socioespaciais ao constituir espaços socialmente homogêneos, difundindo uma socialização privada que se inicia em colégios, clubes, e se acentua por meio de shopping centers e condomínios fechados (SOBARZO, 2005). Esse movimento de fragmentação das demais áreas da cidade que é feito pela classe dominante é denominado de auto-segregação, selecionando as melhores áreas da cidade para si, excluindo-se do restante da população em condomínios exclusivos, protegidos por câmeras de vigilância, dispondo de áreas de lazer (CORRÊA, 1993). A auto-segregação é uma solução escapista. Representa uma fuga e não um enfrentamento, e muito menos um enfrentamento construtivo. Como tal, não passa de uma pseudo-solução. Se, de uma parte, os condomínios exclusivos prometem solucionar os problemas de segurança de indivíduos e família de classes médias ou da elite, de outra parte deixam intactas as causas da violência e da insegurança que os nutre. [...] (SOUZA, 2008, p.73). 3
Mas se auto-segregam e privatizam bens públicos como a rua, os muros destroem qualquer possibilidade de pessoas comuns transitarem por suas ruas, isso é se ainda podemos chamá-las assim, uma vez que não exercem mais a função que lhe é atribuída (MAIA, 2006). Mas o que representa mesmo a figura do condomínio fechado é o muro, é ele que impede a livre circulação de pessoas, impede que sejam observadas as relações e as paisagens presentes ali dentro. Tais condomínios são tidos como uma cidade intramuros onde ao mesmo tempo em que seus moradores desfrutam de todos os elementos da cidade podendo acessar qualquer setor, se excluem em uma parcela que não podem ser desfrutadas por todos. Segundo D Ottaviano (2006) durante a Idade Média, as muralhas eram não só uma barreira física e militar, mas tinham também um valor simbólico, de unidade e segurança para a população. O medo da violência é uma das principais justificativas para quem escolhe morar atrás dos muros e para quem vende a idéia de morar nesses empreendimentos, a idéia de cidade perigosa e violenta faz com que as classes dotadas de capital optem por esses empreendimentos seguros, seja para o trabalho, lazer ou apenas para morar (BARCELLOS, MAMMARELLA, 2007). [...] Segurança significa cercas e muros, guardas privados 24 horas por dia e uma serie infindável de instalações tecnológicas guaritas com banheiro e telefone, portas duplas na garagem, monitoramento por circuito fechado de vídeo etc. Segurança e controle são as condições para manter os outros de fora, para assegurar não só exclusão mas também felicidade, harmonia e até mesmo liberdade. Relacionar a segurança exclusivamente ao crime é ignorar todos os outros significados.[...]. (CALDEIRA, 2000 apud MAIA, 2006, p. 166). Já para Barcellos & Mammarella (2007), o cercamento de uma parcela da cidade é em função da ineficiência e declínios dos espaços públicos, é claro que essa é uma visão a partir do discurso elitista. O cercamento voluntário que ocorre nos condomínios fechados seria uma resposta ao declínio dos espaços públicos nas cidades contemporâneas. Tal urbanização feita de enclaves privados é ainda entendida como uma secessão de elites que se opõem ao sistema de redistribuição que caracterizaria uma sociedade de bem-estar, tendo como pressuposto, de um lado, que a provisão pública de serviços é ineficiente e, de outro, que a construção do espaço é reveladora ou espelha as relações sociais (BARCELLOS, MAMMARELLA, 2007, p. 07). 4
A ineficiência dos serviços públicos é decorrente do interesse de diversos agentes sociais que fragmentam os espaços urbanos, que desprivilegiam uma parcela da população através dos agentes e incentivos públicos para as classes dominantes. Nesse contexto, a valorização das áreas da cidade se dá a partir de investimentos públicos (ruas pavimentadas e de acesso fácil as áreas centrais da cidade, iluminação) ou por meio de amenidades físicas. É claro que a escolha do lugar aonde irá se instalar um condomínio fechado vai bem além da escolha do local, pois as vantagens que esses empreendimentos criam aumentam o valor das propriedades ao seu entorno. Sobarzo (2005) destaca o papel fundamental que as prefeituras exercem nesse processo de implantação de condomínios e loteamentos: Nessa consolidação, além da implantação, em si, dos loteamentos, tem sido fundamental o papel da Prefeitura Municipal, que tem contribuído com uma nova frente para a expansão imobiliária por meio da abertura de novas avenidas nesse setor da cidade. Essa situação demonstra que a concentração de poder econômico, associada aos novos produtos imobiliários, tem a sua correspondência no poder político, uma vez que os agentes privados produtores da cidade possuem a capacidade de influenciar as ações dessa esfera. (SOBARZO, ANO, p.10). OS CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS FECHADOS NO CONTEXTO TRÊS LAGOENSSE O cenário no qual Três Lagoas se insere vem sendo modificado ano após ano, seja a atividade econômica predominante e as relações de trabalho existentes ou na forma de organização do espaço urbano, Como foi dito, a partir de 1997 através de incentivos fiscais dezenas de empresas chegaram ao município, com isso várias pessoas também se dirigiram para Três Lagoas para trabalhar na construção e na operação dessas empresas. Sendo que o empreendimento que mais mobilizou pessoas e recrutou mão de obra foi a construção da empresa papeleira, pois cerca de 12.000 trabalhadores foram para o município. Os fluxos de pessoas e de informações em Três Lagoas alteraram a configuração do espaço urbano, imprimindo uma nova dinâmica e nova forma de organização do espaço urbano. 5
Alguns desses trabalhadores vieram apenas trabalhar no período de implantação da fabrica e outros para trabalhar após o seu termino no funcionamento delas (engenheiros e outros funcionários de cargos importantes), muitas vezes trazendo consigo suas famílias. Esses novos moradores levaram consigo novos hábitos de moradia que decorriam de suas cidades antigas; hábitos como de morar em prédios, condomínios verticais e condomínios horizontais fechados, tendo em vista a segurança de suas famílias que permaneciam em casa durante o expediente de serviço. Novos empreendimentos imobiliários foram criados para suprir o déficit habitacional, e, dentre os empreendimentos, criou-se nova forma de moradia em Três Lagoas, os condomínios fechados. Para uma cidade de porte médio (90 mil habitantes) o aparecimento desses loteamentos começam a redefinir as estruturas sociais e políticas da periferia, alterando a ordem do centro e periferia (SPOSITO, 2006). A autora destaca um dos atrativos para justificar a proliferação desses condomínios nas cidades de porte médio: O preço mais baixo das terras disponíveis ainda não loteadas é, a nosso ver, uma das especificidades da produção de espaços urbanos em cidades de porte médio. Esse fator possibilita que a implantação dos loteamentos urbanos fechados de grande porte ocorra muito próxima ou mesmo na área urbana já constituída [...] (SPOSITO, 2006, p. 182). Há atualmente em Três Lagoas três (3) empreendimentos, sendo que dois deles integram a malha urbana da cidade e um dista cerca de 6 Km da área central. Salienta-se que, mesmo com a proximidade do centro principal as avenidas que os margeiam são de fluxo rápido e de fácil acesso dando maior mobilidade a seus moradores. CONDOMINIOS HORIZONTAIS FECHADOS EM TRÊS LAGOAS Nos três (3) condomínios horizontais fechados totalizam 700 lotes; sendo que o primeiro deles, Alto dos Ypês, começou a ser construído no final de 2008 e no final deste mesmo ano outros dois começaram a ser implantados; adquirindo feições de condomínio somente no final de 2009 quando as casas começaram a ser construídas. Esses condomínios foram criados em dois setores da cidade. O condomínio Portal das Águas situa-se na porção leste da cidade no prolongamento da avenida Olintho Mancini; 6
o condomínio Alto dos Ypês também no lado leste da cidade, próximo a avenida Ranulpho Marques Leal e da avenida Rosário Congro. Já o condomínio Village do Lago Resort & Residence situa-se ao norte da cidade e mais distante do centro urbano (Ver Figura 2), pois foi criado com o desmembramento de uma propriedade rural na Avenida Jorge Salomão, que constitui uma via de acesso ao Balneário Público Municipal. Figura 2: Localização dos condomínios fechados na cidade de Três Lagoas-MS Org.: W. C. Dadalto, 2010. As terras destes condomínios constituíam propriedades rurais que foram desmembradas e transformadas em terras urbanas. Esses condomínios, além de serem lócus de moradia também exercem papel de clubes com quadras, piscinas e outros equipamentos inacessíveis para uma grande parcela da população. A formação de centros comerciais no entorno é outra característica dos condomínios, ambos dispõem de supermercados, farmácia e outros serviços; um dos agentes imobiliários responsáveis pelo Village do Lago Resort & Residence é também o responsável pela implantação de um centro comercial situado ao lado do empreendimento, para facilitar o acesso dos moradores, uma vez que estão situados fora da malha urbana. 7
O condomínio Alto dos Ypês surgiu de maneira diferente, os agentes imobiliários promoveram a venda de terrenos formando bairros de alto status, e, posteriormente a isso, após consolidar uma área com amenidades sociais elevadas, constituíram o projeto Alto dos Ypês, vendendo lotes em uma área ainda mais valorizada. A Figura 2 revela que a localização dos condomínios segue uma lógica, ou seja, na porção leste da cidade, onde estão os condomínios Portal das Águas e Alto dos Ypês é tida como uma área destinada a moradores com poder aquisitivo maior, decorrente das dinâmicas espaciais aplicadas pelos agentes imobiliários. Já o condomínio Village do Lago Resort & Residence instalado na parte norte da cidade com amenidade física por situar-se ao lado do balneário e do rio Sucuriú (Ver Figura 3). Por outro lado, os conjuntos habitacionais populares criados pelo Estado, cujo público alvo são moradores de baixp poder aquisitivo situam-se na porção sul e oeste da cidade, precário de infra-estrutura e de serviços públicos. Figura 3: Vista parcial do Condomínio Village do Lago Resort & Residence Fotos: W. C. Dadalto, 2010. CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações existentes entre as pessoas do meio urbano após a inserção de barreiras na sociedade definem severas diferenças presentes na morfologia da cidade, vislumbradas nas possibilidades econômicas e hábitos de consumo. Tais diferenças se acentuam devido a um poder ideológico que cria uma cidade fragmentada social e espacialmente, ou seja, o espaço é segmentado em decorrência da condição social dos seus moradores. Esses espaços ilegais que privatizam ruas e outros serviços públicos alteram a dinâmica urbana da cidade; as necessidades não são mais pensadas coletivamente, os muros não estão ali para proteger os citadinos, mas sim pela individualidade, separação dos diferentes. 8
Nessa perspectiva ainda convém ressaltar que [...] nenhum indivíduo isolado consegue desenvolver seu ser social na sua privacidade, precisando necessariamente dos outros para isso [...] (SOBARZO, 2005, p. 11). A tendência na produção física de espaços exclusivos segmenta parcela da população, e em Três Lagoas se evidencia que os setores mais periféricos, sem serviços básicos, comércio e infraestrutura integram a cidade, assim como os condomínios horizontais fechados e dotados de infra-estrutura e serviços especializados. Todavia, o conteúdo social e o ato de morar se balizam pelo poder de compra que cada um tem. Para muitos, a segregação é forçada, imposta, sem alternativa, enquanto que alguns promovem a auto-segregação, pelo hábito e opção de morarem em condomínios fechados, assim como ocorre nas médias e grandes cidades. Bibliografia BARCELLOS, T. M. de; MAMMARELLA, R. O significado dos condomínios fechados no processo de segregação espacial das metrópoles. Secretaria do Planejamento e Gestão. Porto Alegre (RS), 2007. CORREA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ártica, 1993. D OTTAVIANO, M. C. L. Condomínios fechados na região metropolitana de São Paulo: fim do modelo centro rico versos periferia pobre? Anais... XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambú (MG), 2006. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/abep2006_590.pdf> Acesso em: 26 mar. 2010. MAIA, Doralice Satyro. Lotes e ruas: componentes para análise da produção dos loteamentos fechados. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOBARZO, Oscar (Org.). Cidades médias: produção do espaço. São Paulo: Expressão Popular, 2006. MIGLIORANZA, Eliana. Condomínios fechados: localização de penduralidade um estudo de caso no município de Valinhos. Dissertação de mestrado, Campinas SP, 2005 Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000378386> Acesso em: 26 mar. 2010. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: EDUSP, 2007. SOBARZO, Oscar. A produção do espaço público em Presidente Prudente: reflexões na perspectiva dos loteamentos fechados. Anais... I Simpósio Internacional Cidades Médias: Dinâmica Econômica e Produção do Espaço Urbano, 2005, Presidente Prudente, 2005. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/labes/publicacoes/artigos/oscar/a%20producao%20do%20espaco%20 publico%20em%20presidente%20prudente%20osc.pdf> Acesso em: 26 mar. 2010. SOUZA, Marcelo Lopes de. O medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. 9
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas Brasil. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOBARZO, Oscar (Org.). Cidades médias: produção do espaço. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 10