GRUPO EDUCAÇÃO-APOIO: VISUALIZANDO O AUTOCUIDADO COM OS PÉS DE PESSOAS COM DIABETES MELLITUS



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ARTIGOS ORIGINAIS GRUPO EDUCAÇÃO-APOIO: VISUALIZANDO O AUTOCUIDADO COM OS PÉS DE PESSOAS COM DIABETES MELLITUS Maria Seloi Coelho * Denise Maria Guerreiro Vieira da Silva ** RESUMO Trata-se do relato de uma prática educativa em grupo, com objetivo de desenvolver uma proposta de educação em saúde participativa voltada para o autocuidado de pessoas com diabetes mellitus, visualizando a prevenção e o cuidado da complicação do pé diabético. A orientação teórica foi a Teoria do Autocuidado de Orem e a Educação Libertadora de Paulo Freire, a qual foi aplicada em uma unidade ambulatorial de Santa Catarina, com 10 pessoas portadoras de diabetes mellitus, a partir do desenvolvimento de um grupo de convivência, seguindo as fases de formação denominadas 4R. Procuramos identificar os déficits de competência para o autocuidado, problematizando-os no grupo para a construção do conhecimento voltado para o Percebemos que, quando as pessoas constroem o saber a partir de seu contexto, esse passa a ser mais facilmente incorporado em seu processo de cuidado, tornando-se compreensível e incorporado ao seu cotidiano. Palavras-chave: Enfermagem. Educação em saúde. Autocuidado. Diabetes mellitus. Pé diabético. INTRODUÇÃO O diabetes mellitus está hoje entre os principais problemas de saúde pública do Brasil. Sua incidência vem aumentando consideravelmente nos últimos anos, sendo significativo o número de incapacitações bem como os custos envolvidos no seu controle e no tratamento de suas complicações (BRASIL, 2002). O Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) refere que 20% a 25% das internações de pessoas com diabetes devem-se a complicações nos pés, sendo 85% das amputações precedidas por úlceras, destas 80% a 90% por trauma extrínseco, normalmente ocasionado por calçados inadequados, o que poderia ser evitado com educação e autocuidado adequado. Viver com o diabetes pode representar um desafio, tanto para a pessoa quanto para aqueles que estão próximos a ela, pois a condição afeta sua vida como um todo, alterando dramaticamente seu cotidiano (SILVA, 2001; SILVA; SOUZA; MEIRELLES, 2004). Desta forma, a educação em diabetes deve estar voltada para a construção de conhecimentos que favoreçam o autocuidado e a autonomia das pessoas, na perspectiva de que possam ter um viver mais saudável. A educação em diabetes apontada em muitos estudos (TEIXEIRA, 2003; ZAVALA; BRAVER, 2000; PEDROSA et al., 1998; GROSSI, 1998; GUERRA; EVIES; RIVAS; GARCIA, 2005) é considerada como alicerce para a construção do autocuidado consciente, prevenção do surgimento de complicações e, principalmente, para a melhoria da qualidade de vida. * Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: seloicoelho1@brturbo.com.br ** Doutora em Enfermagem. Departamento de Enfermagem da UFSC. E-mail: denise@nfr.ufsc.br.

12 COELHO, M.S.; SILVA, D.M.G.V. Buscamos em Orem (Teoria do Autocuidado) e em Paulo Freire (Teoria da Educação Libertadora) subsídios para desenvolver uma proposta de educação em grupo. Apesar de Freire e Orem serem de linhas de pensamento distintas e de terem vivenciado contextos culturais diferentes, trabalhamos com a complementaridade de suas obras. A união do pensamento desses teóricos pode nortear o caminho da enfermagem, dando sustentação para uma prática mais humana. A Teoria do Autocuidado focaliza a importância de reconhecer a pessoa como aquela que tem direito de exercer o controle sobre si e sobre sua assistência. Na educação para o autocuidado, o indivíduo deve participar da decisão, considerando seus valores, crenças, nível de conhecimento, habilidades e motivação. Quando Orem define os Sistemas de Enfermagem para a atuação do enfermeiro a partir dos déficits de autocuidado, o sistema apoio-educação abre a perspectiva educacional para as ações de enfermagem (OREM, 1995). Freire (2001) defende uma educação em que as pessoas aprendem a partir de suas experiências, fugindo do modelo tradicional de educação no qual as pessoas recebem as informações de outras que detêm o conhecimento. A inspiração neste autor ajuda a desenvolver uma prática educativa da enfermagem mais humana, participativa, valorizando o diálogo. No presente artigo relatamos a experiência educativa desenvolvida para promover o autocuidado às pessoas com diabetes mellitus, visualizando a prevenção e o cuidado do pé diabético como proposta da disciplina de Prática Assistencial do Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. IMPLEMENTAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA A implementação da prática assistencial ocorreu através de um grupo de convivência (TRENTINI; GONÇALVES, 2000), denominado grupo de educação-apoio, considerando que as atividades desenvolvidas foram centradas no Sistema de Apoio-Educação proposto por Orem, no qual a pessoa com diabetes tem potencial para executar medidas de Integraram a prática educativa dez pessoas com diabetes mellitus tipo 2, que faziam acompanhamento ambulatorial e manifestaram interesse e disponibilidade. Dentre essas pessoas, seis eram do sexo feminino e quatro do masculino, com idades entre 52 e 76 anos. O tempo de diabetes variou entre seis e quarenta anos. No processo de desenvolvimento do grupo, foram realizados três encontros tendo como orientação metodológica a proposta de Trentini e Dias (1997) denominada 4 Erres (4R). Esse referencial apresenta quatro fases na formação de um grupo de convivência, que seriam: fase do reconhecimento, fase da revelação, fase do repartir e do repensar. Obtivemos por escrito o Consentimento Livre e Esclarecido de todos os participantes, sendo garantidos o sigilo e o anonimato, bem como o respeito aos princípios éticos. Grupo de educação-apoio Os encontros foram organizados considerando a possibilidade de todos participarem espontaneamente, sem obrigatoriedade ou sensação de exclusão. Procuramos abrir espaço para que pudessem expressar suas percepções, conhecimentos, desejos e o momento pelo qual passavam. Os déficits de autocuidado relacionados ao pé diabético foram identificados nesses encontros e construídas possibilidades de superação dos mesmos. Primeiro encontro: Reconhecimento e Revelação O primeiro encontro foi marcado pelo início das relações no grupo e exteriorização das expectativas, desejos, sentimentos e opiniões. À medida que as pessoas se apresentavam, manifestavam alguns conhecimentos sobre as alterações nos pés e significados, evidenciando os déficits de conhecimento relacionados ao pé diabético. Não sei se é do diabetes, sempre tomo um chóquinho no pé. (e1)

Grupo Educação-Apoio: visualizando o autocuidado com os pés de pessoas com Diabetes mellitus 13 Como eu tenho esse joanete, esses problemas todinhos são do joanete. (e2) Buscando desenvolver o auto conhecimento, realizamos uma dinâmica para que as pessoas identificassem em si alterações relacionadas ao diabetes. Foram problematizadas no grupo cada uma das alterações, de modo que as pessoas refletissem sobre o que ocorria. A discussão teve a intenção de que os portadores de diabetes olhassem para si mesmos, desenvolvendo o autoconhecimento e a reflexão sobre a doença e compartilhando com os demais. Durante os depoimentos, as principais manifestações nos pés eram decorrentes de complicações do diabetes, mas nem sempre assim percebidas pelos portadores. No processo de discussões houve considerável avanço na associação entre o que percebiam e/ou sentiam e a complicação do diabetes. Segundo encontro: Buscando o autoconhecimento Com base nos déficits de autocuidado identificados no encontro anterior, criamos uma situação-problema com informações a serem decodificadas pelo grupo, com o auxílio da facilitadora. Elaboramos um painel com colagens de figuras e de fotografias de pés de pessoas com diabetes com algum tipo de alteração. Nessa dinâmica as pessoas observavam as imagens e procuravam identificar alterações que associavam ao diabetes, discutindo porque elas ocorriam. Essa daqui é aquela micose que dá no meio dos pés, isso já me aconteceu. (e3) Também é falta de se cuidar, ficar muito tempo sem enxugar, daí acontece isso. (e4) Em um segundo momento propusemos uma avaliação dos pés. As pessoas mostraram espontaneamente os próprios pés e o grupo procurou verificar se haviam alterações, sempre pontuando características e sensações a serem observadas. Discutimos a importância do auxílio de outras pessoas quando os portadores apresentavam dificuldades para manter o autocuidado, especialmente aquelas relacionadas à dificuldade visual ou à diminuição da mobilidade. Foram identificadas também algumas formas de cuidado inadequadas, levando a risco para lesão. Bem seco eu tiro ele, eu corto ele...com alicate. (e7) Ao emergirem essas situações no grupo, fizemos questionamentos que conduziam a manifestações das experiências individuais, a uma reflexão conjunta e a uma avaliação consciente sobre as ações dos portadores. Isto abriu perspectivas para a construção de um novo olhar na perspectiva do Terceiro encontro: Construindo o autocuidado com os pés A dinâmica desse encontro foi Relacionando objetos ao autocuidado com os pés. Apresentamos vários objetos às pessoas: sapatos de diversos modelos; meias de nylon, com e sem costuras; tesoura para unhas; alicate para cutículas; lixas de pé e de unhas; pedra pome; bandaid; creme hidratante e bacia e solicitado que as pessoas escolhessem alguns e discorressem sobre eles, associando-os ao Conforme as pessoas pegavam os objetos eram discutidas as influências destes no cuidado com os pés, bem como os riscos do uso de objetos inapropriados. Ao mesmo tempo, as pessoas se identificavam no uso de determinados objetos e trocavam informações e experiências e assim foi sendo construído um novo conhecimento para auxiliar no Pegando a bacia: Falando do risco: Pegando calçados: Eu uso a bacia para lavar os pés deixo de molho. (e1) De queimar né, uma vez eu fiz isso saí correndo. (e1) Esse sapato preto deve ser o inimigo número um para quem tem joanete não é? (alto com tiras). (e2) Surgiu a referência do calçado como conforto e o calçado inadequado como fator provocador de lesões e de outros objetos e sua relação com o cuidado adequado ou não aos

14 COELHO, M.S.; SILVA, D.M.G.V. pés. Percebemos que através das vivências as pessoas vão mudando os comportamentos, conscientes de seu Os quatro erres (4R) no desenvolvimento do grupo educação-apoio: No processo de formação e desenvolvimento do grupo foi possível observarmos as quatro fases denominadas 4R. No primeiro encontro, ficou mais presente a fase do reconhecimento, na qual as pessoas se apresentaram individualmente e iniciaram o processo de identidade enquanto grupo, contemplando não somente o reconhecer o grupo, mas também a si mesmas enquanto integrantes do grupo. O revelar iniciou à medida que se estabelecia uma relação de confiança. As pessoas revelavam o que pensavam, sentiam e suas expectativas em relação ao grupo. Ao revelarem situações pessoais, já passavam para a fase do repartir, em que surgiam as dificuldades, os problemas e a busca de soluções. Nessa fase, os portadores repartiam as alterações que percebiam nos pés, os cuidados que realizavam, os significados, os sentimentos e a esperança do viver melhor. O repensar foi o pensar novamente após terem experienciado o processo. Com a troca de experiências estavam sempre repensando sobre o que faziam, avaliando e construindo um novo pensar em grupo. AVALIAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA PARA O AUTOCUIDADO O referencial adotado nos fez perceber as potencialidades das pessoas com diabetes e o poder que estas detêm sobre suas ações na transformação consciente de sua situação saúde-doença e de seu ambiente. A educação em saúde participativa apresentou-se como fundamental estratégia para reflexão e discussão das situações de saúde, levando à tomada de consciência, o que conduziu a um melhor enfrentamento das situações vivenciadas. Na construção do conhecimento em grupo de educação-apoio, fundamentado em uma educação libertadora mediante o diálogo participativo, todos contribuem para a formação do saber, aprendem e ensinam. Não é somente um momento educativo, mas de estabelecimento de laços de amizade e apoio e, até mesmo, de terapia e lazer. Nesse espaço, as pessoas podem falar, serem ouvidas e compreendidas. A prática educativa, que considera o ser humano na construção do processo de cuidado, é uma contribuição à pessoa com diabetes no sentido de tornar o autocuidado uma realidade e diminuir os riscos de desenvolver essa complicação do pé diabético, que traz repercussões para a autonomia e o bem estar. EDUCATION-SUPPORT GROUP AND THE FOOT SELF-CARE FOR PEOPLE WITH MELLITUS DIABETES ABSTRACT This article deals with a practice of group education. Its objective was to develop an educational health care proposal geared towards foot self-care in people with diabetes mellitus, envisioning prevention and care, given the complication involved in a diabetic foot. Theoretical orientation was based upon Orem s Self-Care Theory and Liberation Education by Paulo Freire. The study was developed in an ambulatory unit in Santa Catarina, involving 10 people with diabetes mellitus. It was carried out based on the integration of the nursing consultation and the education group, following the formation phases denominated as 4R. The deficits of self-care were sought, and discussed in the group for the construction of knowledge in the area of self-care. It became clear that when people construct knowledge based on their own context, it becomes easily incorporated into their care process, more comprehensible, and better accepted into their daily life. Key words: Nursing. Education in health care. Self-care. Diabetes mellitas. Diabetic foot.

Grupo Educação-Apoio: visualizando o autocuidado com os pés de pessoas com Diabetes mellitus 15 GRUPO EDUCACIÓN-APOYO: VISUALIZANDO El AUTOCUIDADO CON LOS PIES DE PERSONAS CON DIABETES MELLITUS. RESUMEN Se trata del relato de una práctica educativa en grupo, con objetivo de desarrollar una propuesta de educación en salud participativa vuelta para el auto cuidado de personas con diabetes mellitus, visualizando la prevención y el cuidado de la complicación del pie diabético. La orientación teórica fue según la Teoría del Auto cuidado de Oren y la Educación Libertadora de Paulo Freire, la cual fue aplicada en una unidad ambulatorial de Santa Catarina, con 10 personas portadoras de diabetes mellitus, a partir del desarrollo de un grupo de convivencia, siguiendo las fases de formación denominadas 4R. Buscamos identificar el déficit competencial para el auto cuidado, problematizandolos en el grupo para la construcción del conocimiento dirigido para el auto cuidado. Percibimos que, cuando las personas construyen el saber a partir de su contexto, éste llega a ser más fácilmente incorporado en su proceso de cuidado, haciéndose comprensible e aceptado durante su cotidiano. Palabras Clave: Enfermería. Educación en salud. Auto cuidado. Diabetes mellitus. Pie diabético. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus. Manual de hipertensão arterial e diabetes. Brasília, DF, 2002.. Grupo de Trabalho Internacional Sobre Pé Diabético. Consenso Internacional sobre pé diabético. Brasília, DF, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GROSSI, Sonia Aurora. A prevenção de úlceras nos membros inferiores em pacientes com diabetes mellitus. Rev. Esc. Enferm. USP., São Paulo, v. 32, n. 4, p. 377-385, dez. 1998. GUERRA, Carmen Amarilis; EVIES, Any; RIVAS, Aleida; GARCIA, Lilia. Educación para el autocuidado de pacientes diabéticas embarazadas. Texto & Contexto Enferm., Florianópolis, v. 14, n. 2, p. 159-166, abr./jun. 2005. OLIVEIRA, R. M. P. (Org.). Indícios marginais: imaginário coletivo na saúde. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2003. p. 46-76. OREM, Dorothea. Nursing concepts of practice. 5th ed. St Louis: Mosby Year Book, 1995. PEDROSA, Hermelinda et al. O desafio do projeto salvando o pé diabético. Terapêutica em diabetes. São Paulo, v. 4, n. 19, maio/jul. 1998. SILVA, Denise Guerreiro Vieira da. Narrativas do viver com diabetes mellitus: experiências pessoais e culturais. 2001. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização)- Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. SILVA, Denise Guerreiro Vieira; SOUZA, Sabrina da Silva de; MEIRELLES, Betina. O itinerário terapêutico de pessoas com problemas respiratórios crônicos. Texto & Contexto Enferm., Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 50-56, jan./mar. 2004. TEIXEIRA, E. R. A doença do sangue doce: representações sociais em saúde. In: LOYOLA, C.; OLIVEIRA, R. M. P. (Org.). Indícios marginais: imaginário coletivo na saúde. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2003. p. 46-76. TRENTINI, Mercedes; DIAS, Lygia Paim Müller. Sermais: uma possibilidade de promover saúde pela prática educativa. Acta Paul. Enferm., São Paulo, v. 10, n. 1, p. 53-61, jan./abr. 1997. TRENTINI, Mercedes; GONÇALVES, Lucia Hisako Takase. Pequenos grupos de convergência: um método no desenvolvimento de tecnologias na enfermagem. Texto & Contexto Enferm., Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 63-78, jan./abr. 2000. ZAVALA, Adolfo; BRAVER, Daniel. Semiologia do pé: prevenção primária e secundária do pé diabético. Diabetes Clínica, São Paulo, v. 4, p. 137-144, 2000. Endereço para correspondência: Maria Seloi Coelho. Rua dos Marimbaus, 656, Jurerê Internacional. Florianópolis-SC, CEP: 88.053-436. E-mail: seloicoelho1@brturbo.com.br. Recebido em: 10/12/2005 Aprovado em: 06/03/2006