O princípio pedagógico fundamental de Marx



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Transcrição:

O princípio pedagógico fundamental de Marx Este artigo pretende discutir o lugar e a importância do princípio da união trabalho e ensino dentro da perspectiva marxiana da educação. Como se sabe, este princípio é considerado na tradição marxista como o princípio pedagógico fundamental de Marx. Sem dúvida, trata-se de uma das formulações marxianas mais importantes para a educação e está na base de importantes formulações feitas dentro do marxismo depois de Marx, como a escola unitária de Gramsci, a escola do trabalho de Pistrak, entre outras. O princípio da união trabalho e ensino aparece de dois modos distintos nas elaborações de Marx. Em determinados momentos ele se coloca como proposta articulada à realidade contraditória do trabalho abstrato. Nesse caso, esse princípio surge como proposta para enfrentar as questões mais imediatas que afligem as classes trabalhadoras. É um modo de contraposição aos malefícios da degradação do trabalho e uma maneira que visa o fortalecimento teórico e prático dos trabalhadores, seja como força de trabalho que precisa enfrentar como mercadoria as relações de mercado, seja como sujeito social revolucionário. Noutras ocasiões aparece como reflexão que pensa a articulação entre trabalho e ensino no contexto de novas relações sociais que tenham superado as contradições capitalistas. Em Marx, este princípio adquire a complexidade e importância que não tinha antes 1 justamente porque passa a compor o quadro de análise crítica do trabalho alienado, da coisificação, da desumanização do homem, da exploração econômica e da degradação do trabalho. Retomando a distinção apontada acima, a união trabalho e ensino é proposta para atenuar as mazelas causadas pelas condições do trabalho em que a fragmentação e especialização das tarefas tendem a reduzir o trabalhador a simples acessório consciente de uma máquina parcial 2. Mas, o princípio da união trabalho e ensino aparece também como dado das relações livres, isto é, como o próprio modo de ser das relações em que não mais se 1 Apesar da forte identificação marxiana o princípio da união trabalho e ensino já aparece em Owen. Ver MARX, K. O Capital - Para a Crítica da Economia Política. 13 a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989, 6 vols, p. 554. 2 Idem, p. 555.

separariam o momento da formação e o momento do trabalho, nem tampouco estariam os indivíduos determinados de antemão a certos desenvolvimentos específicos. Aqui o princípio de união trabalho e ensino seria a própria base da formação do homem onilateral 3. No texto de 1848 4 aparece pela primeira vez a proposta da união trabalho e ensino, sob a seguinte redação: Educação pública e gratuita para todas as crianças; supressão do trabalho fabril de crianças, tal como praticado hoje. Integração da educação com a produção material, etc.. Esta é a última das dez tarefas enumeradas no programa do Manifesto as quais correspondem ao período de transição em que o proletariado é elevado a classe dominante e sua implementação depende da possibilidade do exercício da hegemonia proletária e do êxito na abolição da propriedade privada e de todo o conjunto de relações econômicas, sociais, políticas e jurídicas correspondentes. O princípio da união trabalho e ensino também se coloca como proposta imediata em meio às complexas questões da ordem do dia dos trabalhadores, por exemplo, quando estes trabalhadores são levados a discutir a situação do trabalho infantil. Neste caso, a posição adotada por Marx defendia que: A proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existência da grande indústria, portanto, um piedoso desejo, porém nada mais. Pôr em prática esta proibição - supondo-a factível - seria reacionário, uma vez que regulamentada severamente a jornada de trabalho segundo as diferentes idades e aplicando as demais medidas preventivas para a proteção das crianças, a combinação do trabalho produtivo com o ensino, desde uma tenra idade é um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade atual 5. 3 O conceito de formação onilateral adotado aqui se distingue de formação politécnica ou tecnológica, como prefere Manacorda exatamente porque diz respeito a uma formação humana em sentido mais amplo, que depende da ruptura com a sociabilidade burguesa; com a correspondente divisão social do trabalho; com as relações de alienação e estranhamento; com o fetichismo; com o antagonismo de classes. A formação onilateral não se realiza em articulação com o mundo do trabalho abstrato ou numa instituição formal de educação - por mais progressista que seja. Ela depende, decisivamente, das mediações que se realizam na totalidade do intercâmbio social não-estranhado. 4 MARX & ENGELS. Manifesto do Partido Comunista. In: O Manifesto do Partido Comunista 150 anos depois. REIS FILHO, D. A. (org.). Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 28. Vale a pena lembrar que a redação final do Manifesto foi feita por Marx, mas teve como texto base os Princípios do comunismo, de 1847 de autoria de F. Engels, daí a co-autoria do Manifesto. 5 MARX, K. Crítica ao Programa de Gotha. In: MARX e ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa- Omega, s/d. vol. 1, p. 224.

No texto do qual se extraiu a citação acima, em que critica duramente uma proposta de programa para o congresso de unificação do Partido Operário Alemão, Marx de uma só vez combate a atitude defensiva e utópica dos socialistas liderados por Lassalle, que não compreendiam a dinâmica econômica e a correlação de forças de então tentando simplesmente resguardar as crianças do trabalho industrial; ao mesmo tempo em que propunha formas de fazer com que aquela situação adversa pudesse reverter frutos para a formação dos trabalhadores como agentes revolucionários. O trabalho infantil até poderia existir uma vez que não se poderia aboli-lo 6 de todo e simplesmente - desde que obedecesse às condições impostas de regulamentação e associado ao ensino: Partiendo de este punto de vista, declaramos que no debe permitirse ni a los padres ni a los empresarios emplear el trabajo de los jóvenes, salvo en los casos en que este trabajo se halla relacionado com su educación 7. Marx considerava que a tarefa dos trabalhadores deveria ser a regulamentação do trabalho e sua combinação com o ensino, tratava-se de enfrentar objetivamente uma situação real vislumbrando modos de transformar a situação degradante e aniquiladora em meio de formação teórica e prática do sujeito social potencialmente revolucionário. Para Marx, o modo como o capital utilizava a força de trabalho fosse infantil, feminina, adulta, etc., ou como a sociedade compreendia os indivíduos trabalhadores, não se enfrentava com simples declarações de princípio. Ele apostava acima de tudo na exploração política das contradições do trabalho: É igualmente óbvio que a composição do pessoal coletivo de trabalho por indivíduos de ambos os sexos e dos mais diversos grupos etários..., fonte pestilenta de degeneração e escravidão tenha, sob circunstâncias adequadas de converte-se inversamente em fonte de desenvolvimento humano 8. Assim, o princípio da união trabalho e ensino aparece - diferentemente do que se vê no Manifesto como uma a proposta que se apresenta vinculada diretamente ao mundo contraditório do trabalho abstrato. Aqui a educação é um dos elementos que se 6 Marx, todavia, propunha que deveria quedar rigurosamente prohibido por la ley la ocupación de toda clase de personas desde los 9 (inclusive) hasta los 17 años em trabajos nocturnos y en cualquier industria nociva para la salud (MARX K e ENGELS F. Obras fundamentales: La internacional documentos, artículos y cartas. México - DF: Fondo de Cultura económica, 1988, vol. 17, pp. 18-19). 7 Idem, p. 18. 8 MARX, K. O Capital - Para a Crítica da Economia Política. 13 a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989, 6 vols, p. 561.

articulam às contradições das relações de trabalho oferecendo novas possibilidades de organização e fortalecimento das lutas proletárias. A proposta de união trabalho e ensino também havia sido formulada em 1866, nas Instruções aos Delegados do congresso da A.I.T. Neste caso, a formulação ganha em sofisticação e a proposta passa a conjugar o ensino intelectual; educação física, inclusive com exercícios militares; e treinamento tecnológico, baseado nos fundamentos científicos de todos os processos produtivos. Essa proposta incluía ainda o item que propunha a regulamentação da utilização do trabalho infantil obedecendo à classificação das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos em três grupos entre os quais se dividiria gradualmente a carga de ensino e trabalho associados. Mais uma vez Marx enfatiza que Esta combinação de trabalho produtivo, pago com a educação intelectual, os exercícios corporais e a formação politécnica elevará a classe operária muito acima do nível das classes burguesa e aristocrática 9. Em Trabalho Assalariado e Capital, Marx coloca: Outra reforma muito apreciada pelos burgueses é a educação e, particularmente, a educação profissional. Não desejamos destacar a absurda contradição segundo a qual a indústria moderna substitui o trabalho complexo pelo simples, o qual não necessita de nenhuma formação; não queremos assinalar que colocou, cada vez mais, crianças atrás de máquinas, convertendo-as em fonte de benefícios, tanto para a burguesia como para seus pais. O sistema manufatureiro faz fracassar a legislação escolar, como acontece na Prússia. Não desejamos assinalar, finalmente, que a formação intelectual, no caso do operário possuí-la, não teria influência direta sobre o salário; que a instrução geralmente depende do nível das condições de vida, e que o burguês entende por educação moral a memorização dos princípios burgueses, e que no fim das contas a burguesia não tem os meios, nem vontade, de oferecer ao povo uma verdadeira educação (...) O verdadeiro significado da educação, para os economistas filantropos, é a formação de cada operário no maior número possível de atividades industriais, de tal modo que, se é despedido de um trabalho pelo emprego de uma máquina nova, ou por uma mudança na divisão do trabalho, possa encontrar uma colocação o mais facilmente possível 10. 9 MARX e ESNGELS. Crítica da educação e do ensino. Lisboa: Moraes Editores, 1978, P. 223. 10 Idem, pp. 73-74.

Analisando esta passagem, Manacorda 11 vai afirmar que Marx estaria destacando o caráter utópico e reformista de Engels, expresso nos Princípios do Comunismo, que apostava no ensino politécnico conjugado ao trabalho produtivo, proposta esta que o próprio Marx incorpora e defende em várias outras ocasiões. A esse respeito Nogueira 12 afirma que Manacorda equivoca-se por não levar em conta que Engels refere-se às vantagens do ensino politécnico, mas tratando do momento de hegemonia proletária, enquanto que Marx está atendo-se às condições imediatas. Para ela, os dois textos são complementares e comungam do reconhecimento de que a educação realmente livre, dos trabalhadores só é possível sob sua hegemonia. O princípio da união trabalho e ensino apresenta, assim, um caráter duplo que não é nada mais nada menos que a expressão da própria natureza contraditória do trabalho no capitalismo. Do mesmo modo que o trabalho, que nega o homem ao mesmo tempo em que é pressuposto das relações de homens livres, assim também se coloca o princípio da união trabalho e ensino. Ele, igualmente, aparece como meio de favorecer tanto o desenvolvimento político dos trabalhadores, isto é, seu desenvolvimento enquanto força revolucionária, quanto de amenizar os malefícios causados pela divisão do trabalho e fortalecer sua organização com vistas à derrubada da sociedade burguesa. Uma vez estabelecidas relações de produção livres, entre indivíduos de uma sociedade emancipada, em que todos são igualmente possuidores dos meios de produção e se tenha, portanto, abolido a propriedade privada, tal princípio continua como meio importante dentre os demais momentos da sociabilidade livre - para a formação do homem onilateral. O lugar e a importância do princípio da união trabalho e ensino dentro da perspectiva marxiana da educação A questão que se coloca é: se a grande questão que subjaz a toda a obra de Marx é a perspectiva da emancipação humana; e se esta apenas se mostra possível pela revolução proletária, então como pode a união trabalho e ensino ser o princípio pedagógico fundamental de Marx? Como pode um princípio imanente às relações emancipadas, futuras, ser fundamental para o processo de emancipação atual? Ou, noutros termos, como pode uma proposta que, em certa medida, é uma simples medida 11 MANACORDA, M.A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo, Cortez, 1991, p. 19. 12 NOGUEIRA, Maria A. Educação, saber, Produção em Marx e Engels. São Paulo, Cortez, 1990.

tática de resistência à exploração do capital, ser considerada o princípio pedagógico fundamental para a emancipação? A importância do princípio de união trabalho e ensino é inquestionável, e foi destacada em muitos estudos sobre o tema, o que se questiona aqui é sua elevação a princípio pedagógico fundamental. Este artigo procura demonstrar exatamente que a união trabalho e ensino não é o princípio pedagógico fundamental de Marx 13 nem em seu caráter imediato, como proposta articulada à realidade do trabalho abstrato, no contexto estranhado da sociedade burguesa, nem em seu caráter mediato, como questão própria das novas relações emancipadas. A questão que se coloca é precisamente esta: a perspectiva marxiana de educação compõe-se da instrução em instituições formais de educação (escola), do processo de formação articulado ao mundo do trabalho, dos exercícios militares, da ginástica e da auto-educação política dos trabalhadores, além das demais atividades cotidianas realizadas na família, nos locais de moradia, etc., que formam um todo articulado. Assim, a perspectiva marxiana de educação não se reduz à dimensão educativa da categoria trabalho, ela sem complementa com a categoria da práxis 14, que acrescenta outras características da atividade humana que não se confundem imediatamente com o momento laborativo. A união trabalho e ensino refere-se sempre a uma formação limitada na medida em que diz respeito aos conteúdos de atividades produtivas e de instituições ou formas 13 Mazzotti também questiona o destaque dado ao princípio educativo do trabalho, mas sem entender a perspectiva marxiana da educação como uma totalidade e apontando que para Marx o fundamental seria o tempo de não-trabalho como espaço privilegiado para a formação do homem novo. MAZZOTTI, Tarso B. Educação da classe trabalhadora Marx contra os pedagogos marxistas. In: Interface _ Comunic, Saúde, Educ, v.5, n.9, 2001, pp. 51-65. 14 Em relação à categoria trabalho, a categoria da práxis contempla mais amplamente a diversidade das atividades humanas. Por isso a união trabalho e ensino parece um princípio mais particular e menos abrangente do que o princípio pedagógico da práxis. Konder (KONDER, L. O futuro da filosofia da práxis; o pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p.125), afirma que a práxis, que nasce do trabalho, vai além dele afirmando potencialidades que se multiplicam num sujeito que se diferencia. Kosik (KOSIK, K. Dialética do concreto. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995: 224) argumenta que assim, a práxis compreende além do momento laborativo também o momento existencial: ela se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como na formação da subjetividade humana, na qual os momentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança, etc., não se apresentam como experiência passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da realização da liberdade humana. Sem o momento existencial o trabalho deixaria de ser parte da práxis (Grifos do autor).

educacionais determinadas. O fundamental para Marx é sempre a educação como processo amplo, construído no conjunto da sociabilidade e constituído de elementos diversos. A consideração da união trabalho e ensino como princípio pedagógico fundamental em Marx parece reducionista. Semelhante ao que afirmou Enguita, discutindo a amplitude da posição de Marx em relação à educação: "reduzir esse componente à educação que se ministra no âmbito escolar seria apenas agarrar-se à concepção burguesa da educação, ao reflexo ideológico do estágio atual da divisão do trabalho, que converteu a educação, num ramo separado" 15. No caso de Nogueira (Op. Cit.), não se trata de se confundir com o conceito burguês de educação, nem tampouco de se restringir a educação à escola, mas, de qualquer forma, trata-se de reduzir a educação à união trabalho e escola, o que é absolutamente estranho a Marx. Ele freqüentemente cita o princípio de união trabalho e ensino como parte do processo mais amplo de transformação, este sim, fundamental: "Mas não há dúvida de que a conquista inevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos trabalhadores. Também não há dúvida de que a forma capitalista de produção e as correspondentes condições econômicas dos trabalhadores se opõem diametralmente a esses fermentos de transformação e ao seu objetivo, a eliminação da divisão do trabalho. Mas o desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma" 16. De forma alguma aquele princípio pode ser considerado o princípio pedagógico fundamental de Marx. Como proposta imediata ele não passa de mais um tipo de fermento das transformações ; como proposta mediata, tampouco, pois nas novas relações, a práxis livre no trabalho ou no tempo de não-trabalho é que, em última instância, educa definitivamente o ser social emancipado. A discussão sobre o problema do tempo livre, do tempo de não-trabalho no comunismo ajuda a entender a questão. 15 ENGUITA, M. F. Trabalho, Escola e Ideologia - Marx e a Crítica da Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993, p. 99. 16 MARX, K. O Capital - Para a Crítica da Economia Política. 13 a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989, 6 vols, p. 559.

Nogueira 17 afirma que em Marx o tempo livre "constituía condição para o desenvolvimento intelectual humano". Ela tenta colocar o entendimento de Marx sobre o tempo livre como tempo importante para o livre desenvolvimento do homem e assegura: "Em contrapartida, na sociedade socialista a redução do tempo de trabalho necessário à satisfação das necessidades sociais far-se-á... visando liberar tempo para o livre desenvolvimento das individualidades, através da formação científica, artística, em síntese, cultural dos trabalhadores" 18. Reforçando o argumento, ela cita o Marx dos Manuscritos de 1844 onde se lê que o tempo livre é o "tempo para poder criar intelectualmente e saborear as alegrias do espírito ; em seguida recorre aos Grundrisse, afirmando o tempo livre como tempo que serve ao desenvolvimento completo do indivíduo ; e, para completar, traz uma citação d O Capital, onde se verifica que o tempo livre é o tempo conquistado para a livre atividade espiritual e social dos indivíduos ou, por último, que é o tempo para a educação humana, para o desenvolvimento intelectual. Pelo que demonstra a autora, nota-se com clareza que em Marx a atividade trabalho em si e somente não é a única responsável pela formação do homem nas circunstâncias históricas da sociedade livre, especialmente porque o trabalho necessário à satisfação das necessidades é reduzido gradativamente a períodos cada vez menores, restando tempo para a atuação dos homens em diversas tarefas diferentes e livres. No entanto, a autora, não entendendo a totalidade da vida social livre, incluindo o tempo de trabalho e o tempo de não-trabalho, como o momento da educação completa dos homens aponta apenas o tempo livre como momento dessa educação como se fora tese de Marx e coloca ainda que este apresenta a formação do homem no tempo de nãotrabalho separada do trabalho. Ela afirma que: Se, por tanto assim como acabamos de mostrar, Marx concebe o tempo livre como requisito para o enriquecimento cultural de homens, parecenos que a este nível, ele pensa a cultura geral... como algo exterior à produção material e sem ligações com ela 19. Com efeito, a compreensão da perspectiva marxiana como constituída de dois momentos, entre os quais se encontra a consideração genérica da formação do homem 17 Op. cit.: 132. 18 Idem, p. 135. 19 Idem, p. 135.

no conjunto das relações sociais ajuda a entender esta questão. Ora, para Marx o trabalho é categoria fundante para se pensar a sociabilidade, mas esta é, em si, uma totalidade de relações objetivas educadoras. Por sua vez, nas relações livres as novas formas de trabalho, não-alienadas, são fundamentais para a formação do homem, mas não esgotam o processo de educação do homem livre. Nogueira não considera de maneira alguma a práxis como categoria que, assim como o trabalho e até mais amplamente que este, traduz uma perspectiva pedagógica. Nogueira esquece o papel que a atividade vital livre tem para a formação do homem, a qual Marx destaca desde os escritos de juventude. Mas o fundamental é que ela esquece a transformação que ocorre no trabalho quando se passa do reino da necessidade para o reino da liberdade. O trabalho, para ela, continua o mesmo da sociabilidade burguesa, ou seja, simples meio de vida e não manifestação humana mesma, como atividade vital. Por um lado, Nogueira atribui ao princípio da união trabalho e ensino - tanto como proposta para superar as relações capitalistas de produção quanto como princípio imanente às relações emancipadas - um caráter fundamental como princípio pedagógico em Marx. Por outro lado, ela retira da categoria trabalho nas novas relações de produção sua importância fundamental, como categoria que encerra em si um princípio pedagógico atribuindo esta importância exclusivamente ao tempo de não-trabalho, separado da produção. A perspectiva de educação ampla, pelo todo da sociabilidade, que está colada à categoria da práxis é de tal forma fundamental em Marx, sobretudo no estágio histórico superior à sociedade burguesa, que Enguita, por exemplo, afirma: De um ponto de vista marxista, não há dúvida de que, a longo prazo, a escola deve desaparecer, dando lugar a sociedade pedagógica... 20. Nogueira desconhece a dimensão pedagógica da categoria da práxis como educação fundamental e total donde nascem todas as formas específicas e particulares que a compõem: escolares e não-escolares. Esquece ainda que a emancipação é resultado da práxis revolucionária, que deve ser considerada como processo educativo essencial, para o qual contribui de forma bastante importante o princípio da união trabalho e ensino; e que a questão da educação em Marx deve ser discutida como prática vital, imanente à vida relacional da práxis social dos sujeitos históricos. 20 ENGUITA, Op. Cit, p. 100.

É importante considerar que o programa marxiano de educação é mais completo, ou seja, que ele não se reduz a uma proposta particular e que deve ser compreendido como uma totalidade. Uma vez reduzida a um aspecto particular a perspectiva marxiana de educação perde seu vigor, o qual reside justamente na articulação das várias dimensões da práxis no cotidiano proletário como um amplo processo formador: escola, trabalho, autoformação política nas organizações de classe, nos movimentos sociais e no tempo de não-trabalho. A elevação do princípio de união trabalho e ensino a princípio pedagógico fundamental em Marx implica no risco da supervalorização do mundo formal/institucional do trabalho e da escola e no conseqüente desprezo ou secundarização dos processos de educação desenvolvidos fora daqueles espaços, ou seja, no mundo da práxis cotidiana. Esta posição pode acabar sendo funcional para aqueles marxistas pouco afeitos ao envolvimento direto com o trabalho organizativoeducativo da/com a massa trabalhadora.