Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos



Documentos relacionados
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

JOVEM ÍNDIO E JOVEM AFRODESCENDENTE/JOVEM CIGANO E OUTRAS ETNIAS OBJETIVOS E METAS

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA LEITURA DOCENTE

CAPÍTULO 2 DEMOCRACIA E CIDADANIA

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

OLIMPIADAS DE MATEMÁTICA E O DESPERTAR PELO PRAZER DE ESTUDAR MATEMÁTICA

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

LEVANTAMENTO SOBRE A POLÍTICA DE COTAS NO CURSO DE PEDAGOGIA NA MODALIDADE EAD/UFMS

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

VIOLÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ESCOLA CAMPO

A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES

Carta de Adesão à Iniciativa Empresarial e aos 10 Compromissos da Empresa com a Promoção da Igualdade Racial - 1

DIÁLOGOS PARA A SUPERAÇÃO DA POBREZA

Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal. 1 Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE.

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº, DE 2009 (de autoria do Senador Pedro Simon)

9. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Paulo Freire. A escola é

Opinião N13 O DEBATE SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E NA ÁFRICA DO SUL 1

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UMA EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ENTORNO DO LIXÃO DE CAMPO GRANDE - MATO GROSSO DO SUL.

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

Balanço social: diversidade, participação e segurança do trabalho

JUSTIFICATIVA DA INICIATIVA

FINANCIAMENTO NO PNE E OS DESAFIOS DOS MUNICÍPIOS. LUIZ ARAÚJO Doutor em Educação Professor da Universidade de Brasília Diretor da FINEDUCA

A Sustentabilidade e a Inovação na formação dos Engenheiros Brasileiros. Prof.Dr. Marco Antônio Dias CEETEPS

A APRENDIZAGEM DO ALUNO NO PROCESSO DE INCLUSÃO DIGITAL: UM ESTUDO DE CASO

5 Considerações finais

DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO DA INICIATIVA

Carta de Princípios dos Adolescentes e Jovens da Amazônia Legal

POLÍTICAS PÚBLICAS Aula 14. Prof. a Dr. a Maria das Graças Rua

O USO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: A UTILIZAÇÃO DO CINEMA COMO FONTE HISTÓRICA Leandro Batista de Araujo* RESUMO: Atualmente constata-se a importância

PARA ONDE VAMOS? Uma reflexão sobre o destino das Ongs na Região Sul do Brasil

Relatório: Os planos do governo equatoriano: incentivo ao retorno da população migrante 38

Breve histórico da profissão de tradutor e intérprete de Libras-Português

PÁTRIA EDUCADORA QUE DISCURSO É ESSE?

ASSISTÊNCIA SOCIAL: UM RECORTE HORIZONTAL NO ATENDIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

O Marketing e suas áreas...

RAÇA E EDUCAÇÃO: PERFIL DOS CANDIDATOS COTISTAS AUTONOMEADOS NEGROS DE ESCOLA PÚBLICA DO PROGRAMA

O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ANÁLISES E PERSPECTIVAS

A UTILIZAÇÃO DO RÁDIO NO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE EM MATO GROSSO Débora Roberta Borges IE/UFMT. 1.0 Utilização do rádio no processo educativo

FACULDADE INTERNACIONAL DO DELTA PROJETO PARA INCLUSÃO SOCIAL DOS SURDOS DA FACULDADE INTERNACIONAL DO DELTA

Exercícios de Revisão RECUPERAÇÃO FINAL/ º ANO

Disciplina Corpo Humano e Saúde: Uma Visão Integrada - Módulo 3

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

Educação escolar indígena: diagnósticos, políticas públicas e projetos UNIDADE 2

O COORDENADOR PEDAGÓGICO COMO FORMADOR: TRÊS ASPECTOS PARA CONSIDERAR

Ministério da Educação. Universidade Tecnológica Federal do Paraná Reitoria Conselho de Graduação e Educação Profissional

EIXO II EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: JUSTIÇA SOCIAL, INCLUSÃO E DIREITOS HUMANOS PROPOSIÇÕES E ESTRATÉGIAS

Propostas para uma Política Municipal de Migrações:

Educação Patrimonial Centro de Memória

EDUCAÇÃO E DOMINAÇÃO EM KARL MARX

A INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS EDUCATIVAS NAS SÉRIES INICIAIS SOB A VISÃO DO PROFESSOR.

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID ESPANHOL

A DISLEXIA E A ABORDAGEM INCLUSIVA EDUCACIONAL

NOTA DE ESCLARECIMENTO DA FENEIS SOBRE A EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS (EM RESPOSTA À NOTA TÉCNICA Nº 5/2011/MEC/SECADI/GAB)

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COMPROMISSOS E DESAFIOS

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS: UM ESTUDO DE CASOS RELATADOS EM CONSELHOS TUTELARES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA.

A escola para todos: uma reflexão necessária

POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA: um estudo nas redes municipal de Porto Alegre e estadual do Rio Grande do Sul

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

ERRADICAR O ANALFABETISMO FUNCIONAL PARA ACABAR COM A EXTREMA POBREZA E A FOME.

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO RAFAELA DA COSTA GOMES

Gestão diária da pobreza ou inclusão social sustentável?

Softwares livres, inclusão digital e Ampliação de cidadania.

O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL (PPI) DISCUSSÃO PARA REESTRUTURAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

Composição dos PCN 1ª a 4ª

ALTERNATIVAS APRESENTADAS PELOS PROFESSORES PARA O TRABALHO COM A LEITURA EM SALA DE AULA

25/07 ESBOÇO DE ANÁLISE DE UM TEXTO MIDIÁTICO IMAGÉTICO SOB OS PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO. Maricília Lopes da Silva (PG-UNIFRAN)

GESTÃO DEMOCRÁTICA EDUCACIONAL

A PROTEÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS DO IDOSO E A SUA DIGNIDADE

POR QUE AS EMPRESAS NÃO DEVEM INVESTIR EM PROGRAMAS DE INCLUSÃO?

Declaração de Salvador

A IMPORTÂNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL NOS PROJETOS SOCIAIS E NA EDUCAÇÃO - UMA BREVE ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DO PROJETO DEGRAUS CRIANÇA

INDÍGENAS NO BRASIL DEMANDAS DOS POVOS E PERCEPÇÕES DA OPINIÃO PÚBLICA

Entre 1998 e 2001, a freqüência escolar aumentou bastante no Brasil. Em 1998, 97% das

PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

PLANO DE TRABALHO TÍTULO: PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA DAS CRIANÇAS

NOVAS PERSPECTIVAS E NOVO OLHAR SOBRE A PRÁTICA DA ADOÇÃO:

O Sr. ÁTILA LIRA (PSB-OI) pronuncia o seguinte. discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores. Deputados, estamos no período em que se comemoram os

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Política de cotas para mulheres na política tem 75% de aprovação

A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA PARA A FORMAÇÃO DO CIDADÃO

DIFICULDADES ENFRENTADAS POR PROFESSORES E ALUNOS DA EJA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA

Oficina Cebes DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA E SAÚDE

Educação em Direitos Humanos Extensão

Faculdade Sagrada Família

2. Situação de fato detectada a exigir atuação diferenciada. PROGRAMA: MINISTÉRIO PÚBLICO PARCEIRO DA EDUCAÇÃO

INSTRUMENTOS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

INTRODUÇÃO. Entendemos por risco a probabilidade de ocorrer um dano como resultado à exposição de um agente químico, físico o biológico.

Autor(es) PAULA CRISTINA MARSON. Co-Autor(es) FERNANDA TORQUETTI WINGETER LIMA THAIS MELEGA TOMÉ. Orientador(es) LEDA R.

PREPARADO POR MARIANA GRACIOSO BARBOSA (ESCOLA DE FORMAÇÃO, 2005)

A Administração Pública pode ser entendida como um conjunto de órgãos e de servidores que, mantidos com recursos públicos, são encarregados de

EDUCAÇÃO INFANTIL E LEGISLAÇÃO: UM CONVITE AO DIÁLOGO

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

ipea políticas sociais acompanhamento e análise 7 ago GASTOS SOCIAIS: FOCALIZAR VERSUS UNIVERSALIZAR José Márcio Camargo*

Transcrição:

POLÍTICA AFIRMATIVA DE COTAS: O ACESSO DE INDÍGENAS À UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL Simone dos Santos França (UEMS) anhin.1@hotmail.com Maria Leda Pinto (UEMS) 1. Introdução O estado é incumbido de pôr em prática políticas públicas que assegure o direito de todos independente de sua raça ou etnia. Desta forma a adoção de cotas nas universidades que se tornou uma questão bastante polêmica, No entanto, há diferentes produções de sentidos neste sistema de implantação, uma vez que, é a visão do estado em relação ao outro, e não a forma como o negro ou o indígena se representa. Entre as diferentes consequências do debate sobre as cotas, se indica também a questão da identidade do indígena. Sabemos que a trajetória dos povos indígenas é marcada historicamente pela segregação racial que interfere em sua identidade, já que sua língua seus costumes e religião foram ignorados e desrespeitados ao longo de todos esses anos desde a colonização. O ingresso do indígena como cotista em cursos superiores por meio de reservas de vagas as ditas minorias étnicas (índios e negros) tem sido apresentada como uma forma de resgatar o direito a cidadania. No entanto, há muitas críticas a essa proposta, já que pode ser vista apenas como uma forma de os responsáveis pelas políticas públicas apagarem os verdadeiros motivos da discriminação pela qual é, historicamente, responsável. Podemos considerar que o ingresso no meio acadêmico através de cotas representa para o indígena uma maneira de posicionamento político. De forma que podemos perceber a existência de muitos argumentos contrários à política de cotas uma vez que essa fere a constituição brasileira, como por exemplo, no que se refere a todos serem iguais perante a lei. Uma vez que as cotas visam privilegiar as minorias vítimas muitas vezes de discriminação e exclusão. 2. Ações afirmativas: contexto geral A necessidade de lutar contra os preconceitos raciais /étnicos são Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2013 Suplemento. 607

associados historicamente ao período de luta a favor da independência americana e revolução francesa, por volta de 1789, em que se empregam os conceitos de igualdade fraternidade e liberdade. Conceitos esses afirmados pela declaração dos direitos humanos da ONU como fundamentais ao ser humano. Levantam-se a partir daí diferentes bandeiras simbolizando as lutas raciais. Inclusive a luta ao direito à educação. No que tange a educação países como Índia, Malásia, Estados Unidos e África do sul foram os primeiros a planejar ações afirmativas nas áreas da educação e mercado de trabalho. E são justamente essas ações as utilizadas pelo Brasil como parâmetros. O termo ação afirmativa segundo Wedderburn (in SANTOS, 2005) origina-se na Índia no ano de 1919. Por ser uma sociedade dividida em castas (inferiores e superiores) fundamentadas na religião. Segundo relatos históricos um rapaz indiano de nome Ambedkar considerado de casta inferior, ou seja, pertencente ao grupo dos intocáveis, por seu brilhantismo e graças a uma bolsa de estudos conseguiu título de doutor na universidade de Columbia em Nova York. Em 1930 regressa a seu país de origem e passa a ser o líder daqueles que formam a casta inferior. Surgem a partir desse momento as chamadas ações afirmativas por ideia de Ambedkar. Propondo assim uma diferenciação na sociedade, essa ação repercutiu de forma a gerar muitos embates ideológicos. Desta forma, somente em 1950, a índia passa de fato a ter suas cotas para os chamados intocáveis. Já na Malásia foi onde se criou um dos maiores programas para enfrentar a situação de inferioridade econômica na qual viviam alguns grupos que habitavam esse país. Programa que surgiu com o intuito de diminuir e até mesmo eliminar a pobreza do país para que houvesse uma melhora na qualidade de vida dos malaios. Ainda que a intenção fosse boa, não se sabe até hoje medir o quanto de fato esse programa reduziu a pobreza, mas o programa possibilitou maior acesso de malaios à educação em todos os seus níveis, inclusive no nível superior. O que posteriormente acarretou na criação de novas universidades para satisfazer a demanda de estudantes. O número de estudantes no nível superior aumentou tanto que muitos malaios decidiram estudar fora de seu país de origem por falta de vagas nas universidades. O modelo de implantação das ações afirmativas do Brasil tem sido relacionado por diversas vezes com o dos Estados Unidos, uma vez que o Brasil tem se espelhado no modelo americano principalmente no que diz respeito a cotas para negros. Isso porque sabemos que a situação dos negros nos Estados Unidos nem sempre foi como é atualmente, se 608 Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2013 Suplemento.

hoje ainda existem discriminações e luta por seus direitos antes o quadro era bem pior. Com a aprovação da lei de Direitos Civis em 1964, sancionada pelo Presidente Lyndon B. Johnson, foram criadas as ações afirmativas, proibindo que houvesse discriminação por motivos de raça, cor, religião ou nacionalidade para assistencialismo em programas governamentais ou mesmo no acesso ao mercado de trabalho. Após a implantação dessa lei, várias outras ações afirmativas foram sendo implantadas nos Estados Unidos com o propósito de oportunizar grupos tidos como marginalizados pela sociedade, possibilitando maior acesso à educação e oportunidades de trabalho. Passados mais de quarenta anos de implantação de ações afirmativas nos Estados Unidos, o quadro geral aponta uma diminuição das diferenças raciais, uma diminuição que apenas indica que há muito ainda que se fazer, e vários desafios a serem vencidos. Com o passar dos anos, as cotas nos Estados Unidos no âmbito escolar deixam de ser apenas programas assistencialistas por questões de raça e passam a atender estudantes de origem carente, incluindo desta forma tanto negros quanto brancos que não tem condições de acesso às universidades por sua condição econômica precária. E como afirma Moehlecke (2004, p. 104) as políticas de ação afirmativa tiveram impacto positivo nas condições de vida da população negra e na diminuição das diferenças em termos de acesso à educação existente entre brancos e negros nos Estados Unidos. Na África as ações afirmativas constituíram-se de forma concreta após o apartheid, com o Programa de Reconstrução e Desenvolvimento, no qual se tinha como meta gerar empregos, moradias mais acessíveis, fornecimento de eletricidade, água e sistema de esgoto, assim como acesso a educação, considerando critérios raciais. No entanto, o que se fez foram medidas tidas como emergenciais. E a partir dessas medidas as ações afirmativas foram sendo implementadas, principalmente no que se refere à educação. As ações afirmativas atuam até os dias atuais no âmbito educacional principalmente no acesso à educação superior para negros sulafricanos. Apesar das conquistas existe ainda um difícil trabalho a frente para que os negros ocupem os lugares de destaques como cargos políticos, gerências, lideranças assim como os brancos o tem feito, diminuindo assim as desigualdades raciais. Com base no panorama geral das condições que embasaram o surgimento das ações afirmativas podemos declarar com base em Medei- Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2013 Suplemento. 609

ros (2005) que o termo ação afirmativa surgiu de fato nos Estados Unidos da América por meio de um decreto presidencial em 1961. O termo ações afirmativas torna-se mais expressivo a partir das conclusões da chamada Comissão Nacional sobre Distúrbios Civil (National Commission on Civil Disorders), também nomeada como Comissão Kerner, no fim dos anos sessenta, visava investigar o porquê dos conflitos raciais que surgiam nos grandes centros dos Estados Unidos, retratando de forma bastante violenta o fim da esperança dos afro-americanos depois que Martin Luther King foi assassinado. Surgem então apontamentos que levam a necessidade de haver providencias que promovessem as pessoas negras. Foi então que essa forma de promoção começou a se estender também para outras chamadas minorias como os indígenas, asiáticos entre outros. Antes de dar continuidade, trazendo a discussão para o Brasil, é preciso ressaltar que políticas muito parecidas têm sido postas em prática em vários outros países, em alguns casos até antes de a expressão ter surgido no contexto norte-americano, como no Brasil, ainda que o termo ação afirmativa seja sempre associado à experiência norte-americana, e reduzida à política de cotas. No entanto, a ideia de um tratamento diferenciado a grupos específicos em função da discriminação de que são vítimas, está presente na legislação brasileira faz muito tempo. Um bom exemplo é a Lei dos Dois Terços, implementada na década de 1930 com o propósito de garantir a participação majoritária de trabalhadores brasileiros em empresas que funcionavam no Brasil, isso em tempos que muitas empresas de propriedade de imigrantes discriminavam trabalhadores nativos, principalmente em São Paulo e nos Estados do Sul do país. Sobre isso, é importante considerarmos a palavra do ministro Marco Aurélio Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que acredita ser necessário resgatar o que chama de dívidas históricas para com as minorias. Diz então: [...] É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação; urge contar-se com programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral, de modo a tirar o menor da rua, dando-se-lhe condições que o levem a ombrear com as demais crianças. O Estado tem enorme responsabilidade nessa área e pode muito bem liberar verbas para os imprescindíveis financiamentos nesse setor; pode estimular, mediante tal liberação, as contratações. (MELLO, 2001:5). 610 Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2013 Suplemento.

3. Ações afirmativas no Brasil No Brasil podemos perceber que existe uma predominância da presença de negros, indígenas e pardos que supera consideravelmente a de brancos. E é nesse país com tanta miscigenação que mestiços e afrodescendentes lutam pelo reconhecimento e respeito da sociedade. A ausência de políticas afirmativas consistentes e programas desenvolvidos pelo estado não consideram e envolvem de forma efetiva as tradições culturais afrodescendentes e indígenas. Conforme Medeiros (in: SANTOS, 2005) no Brasil o termo ação afirmativa geralmente é associada à questão dos negros que se reduz somente a cotas e baseadas no modelo dos Estados Unidos. No entanto, as ações afirmativas já fazem parte da legislação do Brasil desde a década de 30, no governo do então presidente Getúlio Vargas, quando entra em vigor a lei dos dois terços que previa maior e efetiva participação de trabalhadores brasileiros em empresas e postos de trabalhos. No ano de 1980, segundo Medeiros (2005), momento em que o movimento negro se reorganiza e se mobiliza, o descaso da democracia racial começa a ser denunciado, sendo assim, o poder público é pressionado ao enfrentamento dos problemas raciais. E é nesse momento de reivindicações que se promulga a nova Constituição Federal (1988), indicando reconhecimento dos problemas de ordem da discriminação racial, étnica e de gênero. Acirram-se então os debates sobre inclusão de grupos raciais historicamente segregados. Gradativamente expande-se o debate sobre ações afirmativas principalmente por conta do Seminário Internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos (1996), acontecimento que desencadeou a percepção do país para uma democracia racial cada vez menos consensual e ainda, que diferentes níveis da sociedade tivessem como tema de debate o racismo agora como elemento constitutivo da sociedade. Em 2001 surgem aparatos legais de cunho federal, são duas leis que estabelecem a reserva de vagas (ou cotas) de 40% para população negra e parda e 50% para candidatos oriundos de escola pública. Em relação à reserva para estudantes indígenas, aconteceu também em 2001. Assim, o primeiro curso de Licenciatura Intercultural foi criado, na Universidade do Estado de Mato Grosso. Inegavelmente, o contexto internacional foi importantíssimo para subsidiar discussões sobre racismo, discriminação e preconceito, decorrentes da colonização de países latino- Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2013 Suplemento. 611

americanos e africanos e contribuindo para a mobilização do governo ao adotar medidas que contemplam os anseios, existentes há décadas no Brasil. 4. Indígenas e a implantação de cotas nas universidades Ao longo da história do Brasil, o indígena tem sido vistos de maneira preconceituosa intercalada à forma idealizada, e podemos observar que a discriminação parte principalmente daqueles que convivem com esses povos, apesar de conhecê-los e manter certa convivência. No entanto, pouco a pouco e de forma mais intensa nos últimos anos a sociedade como um todo tem se conscientizado que os indígenas fazem parte de nossa sociedade, vivem no mesmo país, participam das mesmas leis e disputam os mesmos espaços sociais. Segundo dados da FUNAI o Brasil possui imensa diversidade étnica e linguística, e cerca de 220 povos são indígenas, mais de 70 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há informações específicas. Mas, é importante ressaltar que as várias culturas das sociedades indígenas modificam-se constantemente e se reestruturam com o passar do tempo, o que ocorre com a cultura de qualquer outra sociedade. Referente à identidade étnica, as mudanças ocorridas em diferentes sociedades indígenas, como o fato de falarem português, usarem roupas como às dos outros membros da sociedade com que está em contato, utilizarem tecnologias (como câmeras de vídeo, máquinas fotográficas etc.), não fazem com que percam sua identidade étnica e deixem de ser indígenas. No entanto, conforme afirma Hall (2005, p. 18) a identidade se modifica de acordo com o modo como o sujeito é tratado ou representado, a identidade não é automática, mas pode ser ganha ou perdida. Para discutir o sistema de cotas e a inserção dos indígenas nas universidades brasileiras temos que refletir a respeito de uma série de questões, como por exemplo, se os indígenas realmente usufruem das cotas e como é sua permanência na instituição. O que sabemos é que a população em geral se divide, alguns são a favor de que as cotas sejam por critérios socioeconômicos e outros por questões culturais ou mesmo étnicas. O que podemos afirmar com certeza, é que a implantação de cotas tem sido prática de algumas universidades, podemos citar como pioneiras nesse campo principalmente a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), uma das primeiras a implantar sistema de cotas para ingresso de alunos na graduação. Ao nível federal, a criação de cotas tem sido 612 Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2013 Suplemento.

alvo de intensos debates após a apresentação da proposta de criação de cotas em todas as universidades federais. A proposta partiu de uma decisão do governo federal na qual se determina a reserva de 50% das vagas das universidades federais para alunos oriundos da rede pública do ensino médio, incluindo proporcionalidade para grupos étnicos de acordo com a proporção na unidade federada. Conforme o Projeto de Lei 3627/04, Art. 2º fica estabelecido que Em cada instituição de educação superior, as vagas de que trata o art. 1 serão preenchidas por uma proporção mínima de autodeclarados negros e indígenas [...]. O que podemos perceber, pelas pesquisas que acompanham a implantação de cotas é que não existe uma relação direta entre distribuição da população indígena pelo território nacional e iniciativas de ações diferenciadas de acesso ao ensino superior, já que as iniciativas deveriam estar mais presentes nos estados que possuem populações indígenas maiores, no entanto isso não tem ocorrido. Isso porque os dados coletados a respeito da população indígena não são precisos, ou seja, não refletem a realidade. 5. Análise do discurso: um breve relato Atualmente pode-se declarar que a análise do discurso de linha francesa é uma disciplina relativamente popular na área da linguagem e das ciências humanas, isso porque no espaço acadêmico vem possibilitando práticas de interpretações de diferentes discursos, de maneira a utilizar a historicidade e a teoria do sujeito para isso. E com a necessidade de novos instrumentos teóricos para construção de sentidos de discursos mais contemporâneos vemos a análise do discurso, se configurar em meio a influência marxista, a psicanálise e a teoria de Saussure. No início a análise do discurso tinha como foco os discursos de natureza política, no entanto na configuração atual temos um contexto bem mais amplo que vai desde os discursos que remetem a contemporaneidade até formulações que marcam a identidade e/ou cultura de determinada comunidade. A análise do discurso de linha francesa nasceu na década de 60 na França com as teorias de Pêcheux, junto à figura de Jean Dubois linguista e lexicólogo envolvido com as questões linguísticas de sua época. No entanto, essa disciplina teórica já vinha sendo incorporada desde o século XIX a partir da semântica histórica. Como o próprio nome sugere a análise do discurso estuda o discurso de forma a fazer uma interpretação da produção de sentidos. Lembrando que conforme Pêcheux (apud Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2013 Suplemento. 613

MAINGUENEAU, 1993, p. 11): A análise do discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando o sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos à ação estratégica de um sujeito. A análise do discurso entende que sentidos não são postos, e as palavras não possuem um sentido único, no entanto um dominante. Desta forma para a análise do discurso, a enunciação de uma mesma materialidade linguística, em diferentes condições, pode gerar vários efeitos de sentidos. A língua, sob a ótica teórica da análise do discurso, é incompleta, é heterogênea, uma vez que é afetada pela história, a língua está favorável aos deslizes, aos diversos sentidos, à ambiguidade. A análise do discurso não se ocupa da gramática e da língua, ainda que estas sejam relevante foco de interesse, mas se dedica ao discurso, à palavra em movimento, e ao seu sentido. Sentido que é atribuído pelo sujeito pertencente a uma dada comunidade e das condições de produção desse discurso. Então, pode-se considerar que o discurso não é formado no sujeito, mas, o sujeito é formado por um processo sócio-histórico e ideológico que torna possível a criação do discurso. Analisar as condições em que o sujeito está inserido é imprescindível a análise do seu discurso. Retomando, o discurso é justamente onde a ideologia se materializa, e é produzido por determinadas formações discursivas, compostas por formações ideológicas. Desta forma, o discurso é permeado por formações discursivas nas quais está imerso. Como nos remete Pêcheux, as formações ideológicas e as várias formações discursivas estão interligadas e determinam o que pode ser dito ou não. Um dos nomes ligado a análise do discurso é Michel Foucault, ainda que seja um dos que mais se distancia da linguística, uma vez que para ele é fundamental contrapor análise do discurso e linguística. Foucault via o discurso não como um conjunto de enunciados e sim o que ocorre antes deles, ou seja, o que permite sua ocorrência. Para entender as ideias de Foucault é imprescindível entender o que é linguagem segundo sua concepção. Lembrando que ele considerava o discurso como um pensamento coberto de signos transformados em visíveis pelas palavras, ou seja, estruturas que produzem efeito de sentido. Entender um acontecimento discursivo não seria levar em conta a perspectiva do sujeito que produz o discurso com suas intenções. 614 Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2013 Suplemento.

6. Considerações finais A educação é um direito social a todos assegurado pela constituição federal. Mas, as cotas garantem educação de qualidade e adequada aos indígenas? Ou esse processo de inclusão vem apenas contribuir com a exclusão? Sabemos que as respostas são divergentes até mesmo entre os próprios indígenas e que alguns resultados apontam para a exclusão, isso se for considerada a não permanência desses acadêmicos cotistas nos diferentes cursos superiores. O desrespeito à cultura indígena e o fato de apenas transmitir o conhecimento do não indígena aos indígenas tem mostrado que a diversidade não tem cumprido seu papel que é o de possibilitar troca de experiências, que possamos aprender uns com os outros, uma troca de conhecimento e não apenas transmissão por parte de um único grupo, o dos brancos. Com toda polêmica gerada em torno das cotas não podemos esquecer que o sistema de cotas oportuniza o indígena ter voz e vez, representação discursiva, ainda que seu ingresso tenha afetado/afeta suam identidade assim como a forma como ele se via e como se vê agora que ingressou na universidade, acaba por afetar também o não indígena. A busca pela dignidade pessoal, o respeito público e não o afastamento da convivência social ainda que essa seja marcada por constantes tensões E ainda que a permanência do cotista indígena na universidade pareça passiva revela uma posição de certa forma ativa, pois, reivindica seus direitos e reconhece a importância de sua história marcada pela exclusão e o preconceito. O debate sobre as cotas continuará produzindo diferentes efeitos de sentidos, ao passo que traz a tona outras questões como o preconceito, o racismo, a discriminação, a opressão que muitas vezes aparecem camufladas, já que muitos não admitem o preconceito que permeia nossas relações sociais. Desta forma, não podemos esquecer que como política pública a chamada lei das cotas ainda tem muito para ser reestruturada do ponto de vista social e compensatória por todos esses anos de marginalização e apagamento de sua cultura não permitindo que se representem como indígena. Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2013 Suplemento. 615

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HERINGER, R. Mapeamento de ações e discursos de combate às desigualdades raciais no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, Ano 23, n. 2, p. 291-334, dezembro de 2001. MEDEIROS, C. A. Ação afirmativa no Brasil: um debate em curso. In: SANTOS, Sales Augusto dos (Org.). Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas. Brasília: MEC-SECAD, 2005, v. 5, p. 121-139. MEDEIROS, C. A. Ação afirmativa e promoção da igualdade: uma visão comparativa. In: SILVERIO, Valter Roberto; MOEHLECKE, Sabrina (Orgs.). Ações afirmativas nas políticas educacionais: o contexto pós- Durban. São Carlos: EDUFSCar, 2009. SANTOS, Augusto Sales. (Org.). Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas. Brasília: MEC Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e diversidade. 2005. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.: Tomaz Tadeu da Silva. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Tradução de Freda Idusky. Campinas: Pontes/Unicamp, 1993. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do obvio. Trad.: Eni Pulcinelli Orlandi et al. Campinas: Unicamp, 1995.. O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad.: Eni Orlandi. Campinas: Pontes, 1997. POSSENTI, Sírio. Sobre língua e discurso. In: REZENDE, L. M.; AL. (Org.). O que são língua e linguagem para os linguistas. Araraquara: FCL/Unesp Cultura Acadêmica, 2007, p. 41-52. POVOS indígenas: identidade. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm#identidade>. Acesso em: 18-05-2012. PROJETO de lei 3627/2004 <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ref_projlei3627.pdf>. Acesso em: 18-05-2012. 616 Revista Philologus, Ano 19, N 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2013 Suplemento.