Hobsbawm, ou quando o nacionalismo inventa a nação

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Transcrição:

Ler História 62 2012 Espelho de Clio: Eric J. Hobsbawm 1917-2012 Hobsbawm, ou quando o nacionalismo inventa a nação Carlos Maurício Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/604 DOI: 10.4000/lerhistoria.604 ISSN: 2183-7791 Editora ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa Edição impressa Data de publição: 1 Junho 2012 Paginação: 113-116 ISSN: 0870-6182 Refêrencia eletrónica Carlos Maurício, «Hobsbawm, ou quando o nacionalismo inventa a nação», Ler História [Online], 62 2012, posto online no dia 14 abril 2015, consultado no dia 03 maio 2019. URL : http:// journals.openedition.org/lerhistoria/604 ; DOI : 10.4000/lerhistoria.604 Ler História está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Ler história N.º 62 2012 pp. 113-116 HOBSBAWM, OU QUANDO O NACIONALISMO INVENTA A NAÇÃO Embora durante o século XIX e as primeiras décadas do seguinte diversos pensadores tivessem refletido sobre o significado de nação e a evolução da sua realidade ao longo da história europeia, os estudos contemporâneos sobre o tema só conheceram o seu ponto de partida com a obra de Hans Kohn, The Idea of Nationalism (1944). Nesta obra, Kohn traçava uma clara dicotomia entre nacionalismo cívico e nacionalismo étnico. O primeiro distinguia-se por ser racional, democrático e por conceber a nação como uma comunidade cívica, aberta à incorporação de estrangeiros (exemplo: a França ou os EUA). O segundo caraterizava-se por ser irracional, autoritário e por conceber a nação como uma comunidade de sangue (exemplo: a Alemanha). Esta dicotomia continua ainda a enformar vários estudos sobre nacionalismo, embora bastante reformulada. Hoje é consensual que aquela distinção de Kohn não tem a fixidez geográfica nem temporal que o seu autor pretendia. Os nacionalismos são dinâmicos, como mostra a recente mudança ocorrida na lei da nacionalidade germânica. Até 1999, para se ser alemão era necessário ser-se filho de um cidadão alemão, independentemente do lugar onde se nascesse (jus sanguinis). Já desde 2000, uma criança nascida na R.F.A., filha de imigrantes, adquire a nacionalidade alemã desde que um dos pais resida no território há pelo menos oito anos e seja portador de autorização de residência nos últimos três (jus solis). Desenvolvidos após 1945, quando o nacionalismo no Ocidente era visto como um dos principais causadores de duas Guerras Mundiais, estes estudos entraram numa nova fase, no dealbar dos anos 80, quando um conjunto de obras marcantes mudou o locus belli no campo. Os estudos de John Breuilly (1982), Ernest Gellner (1983) e Benedict Anderson (1983) lançaram os fundamentos da chamada escola modernista, a cujas principais coordenadas rapidamente aderiu a maioria dos praticantes na área. As teorias modernistas emergiram como uma desconstrução polémica das ideologias nacionalistas, procurando também pensar o fenómeno do nacionalismo à escala global. O facto de entre 1945 e 1980 se terem estabelecido no mundo 103 novos Estados, que com a singular exceção da R.F.S. da Jugoslávia retiravam a sua legitimidade do facto de representarem uma nação, não foi alheio a este desenvolvimento. De acordo com os proponentes das teorias modernistas, as nações eram realidades modernas (apenas existentes a partir do século XVIII ou, quando muito, XVI), criadas de cima para baixo, através da manipulação de dados culturais pré-existentes, e que visavam responder às necessidades das elites, culturalmente unificadas, de homogeneizar as suas populações, culturalmente fragmentadas. Ao contrário do que pensavam os doutrinadores 113

Carlos Maurício Hobsbawm, ou quando o nacionalismo inventa a nação 114 nacionalistas, a nação não era o fruto natural do amadurecimento de um conjunto de marcadores culturais num determinado território (língua, religião, raça, memórias em comum, etc ), mas da seleção e manipulação política desses mesmos marcadores. Nascida entre o último quartel de Setecentos e o primeiro do seguinte, a ideologia nacionalista criava nações sem Estado em territórios falhos de soberania política (as colónias europeias nas Américas e as províncias imperiais na Europa), ao mesmo tempo que impunha o figurino nacional aos velhos reinos do Ocidente (via revoluções liberais). Nação, nacionalismo e a sociedade internacional de Estados-nação (plasmada na S.d.N. ou na ONU) eram portanto o produto histórico de condições modernas como o capitalismo, a industrialização, a burocracia, a urbanização e o secularismo. Semelhante visão minava profundamento os resquícios nacionalistas que ainda permeavam muito do trabalho dos estudiosos do fenómeno. Ante a investida da chamada escola modernista, os praticantes que concebiam a nação como uma realidade histórica profunda, cuja origem faziam remontar à época medieval ou a eras mais remotas, e que entendiam o nacionalismo como o «acordar» dessa nação multisecular, recuaram para posições defensivas. O académico que mais se tem distinguido em mapear o campo dos estudos sobre o nacionalismo Anthony D. Smith 1 designa estes resistentes por primordialistas ou perenialistas. Mas o seu mapa, muito reconhecido entre os seus pares, denota também uma intenção legitimadora. É que o próprio Smith tem vindo a militar por um conceito de nação distinto tanto da visão dos perenialistas/primordialistas como da dos modernistas (o virtuoso meio-termo tão cultivada pela retórica). No centro da sua teoria, por ele batizada como etno-simbolista, está a ideia de que todas as nações têm núcleos étnicos dominantes, sendo portanto errado concebê-las enquanto produtos politicamente fabricados ex-nihilo. Daí a importância, conferida por esta escola, ao estudo dos símbolos, dos mitos e das memórias sobre os quais operam os construtores das nações. Smith concede que o nacionalismo é um fenómeno moderno, só que muitas vezes as nações têm raízes pré-modernas. «Será que as nações têm umbigo?» foi o título do debate, travado em 1995, opondo Anthony Smith ao seu mestre (e orientador de doutoramento) Ernest Gellner. Smith respondia positivamente. Por último, importa referir que a oposição entre modernistas (e pós-modernistas), por um lado, e etno-simbolistas, perenialistas e primordialistas, por outro, se manifesta também em termos de futuro. Para o primeiro destes grupos, sendo a nação um produto da história recente, ela deve ser vista como um 1 Anthony D. Smith desenhou este mapa em diversas ocasiões. A melhor construção encontra-se em «Theories of nationalism: alternative models of nation formation», in Michael Leifer (ed.), Asian Nationalism, London, Routledge, 2000, pp. 1-20.

Ler história N.º 62 2012 pp. 113-116 dispositivo transitório, a ser superado no mundo pós-nacional anunciado por cientistas políticos e por teóricos da globalização. Já os praticantes que se posicionam contra os modernistas não encontram alternativas credíveis à nação enquanto forma de organização superior das coletividades humanas. Ou como inquiria Anthony D. Smith num artigo académico da década passada: onde estão os soldados dispostos a dar a vida pela União Europeia? Chegados a este ponto, importa analisar o pensamento e o posicionamento de Eric Hobsbawm nestes debates. Embora a sua reflexão em torno destes temas recuasse até aos anos 60, foi só a partir de Nations and Nationalism since 1780: Programme, Myth, Reality (1990) que as suas ideias se tornaram conhecidas entre os praticantes da área. O autor alinhava abertamente do lado dos modernistas. As suas dívidas para com a obra de Ernest Gellner e o estudo pioneiro de Miroslav Hroch (ambos checos) eram reconhecidas logo na Introdução. Vejamos os principais argumentos de Hobsbawm. (A) A nação era uma construção moderna, própria da era industrial. A sua construção devia portanto ser analisada no quadro do contexto político, do desenvolvimento tecnológico e económico e das necessidades do aparelho administrativo onde emergia. (B) O nacionalismo antecedia as nações, e não o inverso. Ele não necessitava apoiar-se numa língua, religião ou percurso histórico comum. Muitas vezes só o estabelecimento do Estado criava culturalmente a nação de que este afirmava ser o fruto. A Itália, como Hobsbawm gostava de lembrar, era uma nação criada antes de existirem italianos, isto é, um povo com uma língua e uma história comuns. (C) Adotando a divisão em três fases, avançada por Miroslav Hroch (Social Preconditions of National Revival in Europe, 1985), para a taxonomia dos movimentos nacionalistas no Velho Continente, Hobsbawm optava por centrar o seu livro na transição da fase B para a fase C e sobre esta última. Essa foi a época em que os programas nacionalistas de uma «minorité agissante» começaram a ser desenhados com o objetivo de ganhar o apoio das massas, competindo muitas vezes com outras identidades (como a de classe) para obter o estatuto de objeto último da lealdade delas. (D) Ao mesmo tempo, e demarcando-se de Gellner, Hobsbawm salientava que a construção das nações era um fenómeno dual. Construídas essencialmente a partir de cima, não podiam ser compreendidas se não fossem tidas em conta as esperanças, as necessidades, os desejos e os interesses das pessoas comuns as quais não eram necessariamente nacionais (i. é, etnicamente afins aos obreiros da nação em construção) e, muito menos, nacionalistas. (E) Por último, e apesar do ressurgimento recente dos nacionalismos 2, Hobsbawm não tinha dúvidas 115 2 O último capítulo da obra foi reescrito para a 2.ª edição, de 1992, a fim de refletir sobre a desagregação do mundo soviético e a multiplicação de estados-nação na Euro-Ásia.

Carlos Maurício Hobsbawm, ou quando o nacionalismo inventa a nação 116 em proclamar que o nacionalismo deixara de ter a importância que tivera na formatação do mundo, entre o início do século XIX e o pós-i Guerra Mundial. E que a nação vinha perdendo boa parte das suas funções clássicas, como a manutenção de uma «economia nacional». Visto retrospetivamente, Nations and Nationalism since 1780 (oito edições e/ou reimpressões, em inglês, só na primeira década de vida) mereceu maior atenção pelo prestígio da sua proveniência do que pelas ideias avançadas. A obra evolve no seio do paradigma criado por Gellner- -Anderson-Breuilly, estando a sua carga inovadora centrada na ênfase na análise dos sentimentos e interesses das camadas populares na construção de um nacionalismo de massas eficaz. Para além desta sugestão heurística, deixada aos praticantes na área, o livro de Hobsbawm destaca-se pela clareza e acutilância da argumentação, pela franca antipatia pelas aspirações nacionalistas (identificadas como um fator causador de maiores problemas que de soluções) e por estar muito centrado no espaço europeu. Daí que, Hobsbawm coloque o declínio do nacionalismo, enquanto programa político global, no início do século XX, quando é exatamente nessa época que ele se está a globalizar, pela entrada do Médio Oriente, depois da Ásia e depois da África Subsariana na fase B (para recorrer à tipologia de Hroch). E se na génese dos cerca de 140 Estados estabelecidos no mundo após 1945 (73% de todos os existentes hoje) estão sobretudo fatores como a descolonização, a revolução e a intervenção externa (p. 178), está por demonstrar: (1.º) se a mesma mistura de ingredientes não existiu noutras épocas passadas basta pensar no período entre 1789 e 1830, à escala da Europa e da América; (2.º) se algum desses três fatores é incompatível com o nacionalismo. Basta pensar que todos os movimentos anti-coloniais triunfantes, após 1945, imaginaram os territórios colonizados segundo parâmetros nacionalistas, como os estudos de Partha Chatterjee e Gyan Prakash não cessam de nos recordar, e que a revolução socialista está longe de ser incompatível com o nacionalismo, como os casos chinês, vietnamita e cubano tão bem elucidam. Carlos Maurício CEHC, ISCTE-Instituo Universitário de Lisboa