A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO ECONÔMICO, FILOSÓFICO, POLÍTICO E SOCIAL NA EDUCAÇÃO PROVINCIAL PARANAENSE



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Transcrição:

A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO ECONÔMICO, FILOSÓFICO, POLÍTICO E SOCIAL NA EDUCAÇÃO PROVINCIAL PARANAENSE Vanessa Melo do Nascimento/Bolsista PIBIC/CNPq Maria Elisabeth Blanck Miguel/PUCPR INTRODUÇÃO O estudo do contexto sócio-econômico, político e cultural (entre os quais se situa o filosófico e o educacional) paranaense nasceu do levantamento e tratamento das fontes documentais remanescentes do período provincial (1853-1889). O trabalho relativo às fontes insere-se no projeto de pesquisa Levantamento, catalogação e digitação de fontes primárias e secundárias da história da educação brasileira proposto pelo Grupo de Pesquisa, História, Sociedade e Educação no Brasil (UNICAMP), de abrangência nacional. O Grupo de Pesquisa Educação Brasileira e Paranaense, inicialmente chamado Levantamento, catalogação e digitação de fontes: Curitiba e Região Litorânea, propôs no decorrer dos trabalhos, a interpretação como uma nova categoria que possibilitasse sua continuidade com os dados levantados e não somente o levantamento das fontes. Dessa forma foi possível a proposição de novos projetos de pesquisa vinculados ao que vinha sendo elaborado. A Coletânea da Documentação Educacional Paranaense no período de 1853 a 1889, resultado da primeira fase que compreendeu o levantamento e a catalogação das fontes referentes ao período provincial, foi acolhido pela Sociedade Brasileira de História da Educação como um de seus projetos. A continuação do trabalho, agora com os Relatórios dos Inspetores da Instrução Pública constitui-se também como um dos projetos da Linha de Pesquisa História das Idéias e das Práticas de Educação no Brasil, do Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Assim, os resultados agora apresentados inserem-se tanto no Projeto maior do HISTEDBR quanto no da Sociedade Brasileira de História da Educação. A importância da consulta, manuseio e interpretação das fontes, pode ser avaliada pela necessidade da recorrência às mesmas quando da elaboração de teses e dissertações que sustentam os temas principais da História da Educação do período, e da produção das obras que registram os resultados de pesquisas, reinterpretando a história da educação. Como por

exemplo, cita-se a obra que analisa a relação professor-estado no chamado Paraná tradicional, de autoria de Lílian Anna WACHOWICZ (1984); a obra de Maria Cecília Marins de OLIVEIRA sobre a educação primária no Paraná, de 1854 a 1930, além do estudo sobre a 5ª Comarca de São Paulo, apresentado por Elvira KUBO. Ainda, MIGUEL (1999) analisando as leis referentes ao Período Provincial concluiu que a concepção de educação pública não teve o mesmo sentido de educação popular, embora nas respectivas leis estivesse registrado o direito da criança freqüentar a escola. Na realidade não existia a consciência da necessidade de disseminação do conhecimento para todos. O período compreendido entre 1853, data da criação da Província do Paraná e 1889, quando termina o período imperial, tem uma documentação bastante preservada pelo Arquivo Público e pela Biblioteca Pública do Paraná. Uma leitura desse material, após sua coleta, seleção e classificação, encaminha a pesquisa para os primeiros registros que indicam alguns determinantes da organização escolar, segundo pelo menos duas alternativas: o olhar das autoridades e o olhar dos professores. Ao analisar estas duas leituras, o problema de pesquisa surge da necessidade de melhor compreensão do contexto histórico no qual se originou e desenvolveu a instituição escolar, suas dificuldades e, mesmo assim, seus avanços. Também uma segunda questão aparece como norteadora do estudo: em que aspectos a origem da instituição escolar no Paraná provincial pode ser compreendida como determinante histórica da escola atual? Nesta perspectiva, a concepção da história que orientou a interpretação das informações trazidas pelas fontes para o estudo do contexto sócio-econômico, político e cultural fundamentou-se em Gramsci, para quem todo o ato histórico não pode deixar de ser realizado pelo homem coletivo, isto é, ele pressupõe a obtenção de uma unidade culturalsocial pela qual uma multiplicidade de vontades desagregadas, com fins heterogêneos, se solidificam na busca de um mesmo fim.. (1986, p.36). A construção histórica do sistema escolar no contexto sócio-econômico, político e cultural paranaense, e suas relações com o contexto nacional pode ser percebida como a construção de um fato histórico, no sentido atribuído por Gramsci, uma vez que o mesmo só pode ser construído pelo homem coletivo inserido na sociedade quando esta pressupõe uma determinada unidade cultural-social.

Também o conhecimento do modo como a instituição escolar foi sendo construída localmente contribui para a história da educação brasileira, pois que, como diz Boaventura de Sousa SANTOS (1999, p.47) o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal... Mas sendo total, é também local. Constitui-se em redor de temas que em dado momento são adotados por grupos sociais concretos como projetos de vida locais, sejam eles reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às necessidades locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar uma doença. Etc., etc.. DESENVOLVIMENTO O objeto de estudo consistiu no levantamento, leitura e análise dos relatórios da Instrução Pública Paranaense, relatórios oficiais (elaborados pelo Inspetor Geral da Instrução Pública e enviados ao Presidente da Província ou à Assembléia Legislativa) e não-oficiais: ofícios (relatórios anuais elaborados pelos professores ou Inspetores Paroquiais locais- e enviados ao Inspetor Geral da Instrução Pública. Era a partir destes relatórios que os Inspetores Gerais elaboravam os relatórios oficiais). Cabe ressaltar que oficialmente o único órgão que possui os ofícios no Paraná é o Arquivo Público do Paraná. Os ofícios revelam as diferentes correspondências do Governo, dentre elas os relatórios elaborados pelos professores ou Inspetores Paroquiais. A interpretação das informações trazidas pela documentação alicerçou-se na leitura das obras já indicadas no decorrer deste trabalho e ainda em IANNI (1988) quando estudou a questão do escravo no Brasil tomando como referência o Paraná (Curitiba), São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Rio Grande.do Sul. Quando da leitura desta obra, se identificou não apenas a evolução do papel do escravo no Paraná, mas também o autor apontou diferentes aspectos da sociedade de então e da organização do trabalho. Segundo IANNI (1988) Lutando pela abolição do trabalho escravizado, os brancos lutavam em benefício dos seus próprios interesses, conforme estavam consubstanciados ou poderiam objetivar-se num sistema econômico-social fundado no trabalho livre. Por isso é que o abolicionismo foi uma revolução branca, isto é, um movimento político que não se orientava no sentido de transformar como se afirmava, o escravo em cidadão, mas transfigurar o trabalho escravo em trabalho livre.(p.205) A transformação que a escola era chamada a promover, mesmo que apenas em nível dos discursos dos Presidentes das Províncias e dos Inspetores da Instrução Pública inseria-se

antes na necessidade da concretização do trabalho livre, do que na transformação de todo o homem em cidadão. Embora a identificação das necessidades de educação fizesse parte dos relatórios, parece que a constatação de que tudo estava por fazer era uma constante realidade, mesmo nos anos que antecederam à república. Dizia o Presidente da Província, Dr. Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, no início da instalação da 2ª sessão da 15ª legislatura, no dia 1º de outubro se 1883: Em concreto é problema que se investiga com indefessa assiduidade e ardor, que se apura a todos os recursos dos processos experimentais, que se apostolisa na sua realização integral, já com o senso prático, com a perseverança frutificante de uma irrepremível urgência social, que insta em brados por soluções imediatas e cabais. Ainda mal o povo onde nessa questão cardeal é tão pouco, tão rudimentar, tão mofino o que se tem feito, que sem exagero se pode afirmar, que tudo está por fazer. Limitada pelas condições concretas da realidade sócio-econômica e cultural paranaense, a instituição escolar persistia e atendia à população escassa em alguns lugares, mas já presente, em número significativo em cidades, vilas e colônias de imigração. Os relatórios dos Inspetores da Instrução Pública, assim como dos Presidentes da Província eram uníssonos em apontar os problemas da precariedade escolar, da também precária formação do professor, da inconveniência da co-educação e da necessidade de articulação entre o professor bem formado e a melhoria da qualidade da educação. Também a necessidade de inspeção regular do ensino era percebida como fator fundamental para o bom encaminhamento das questões educacionais. Embora essas autoridades percebessem a necessidade de articulação entre a formação do professor e a melhoria da educação, não viam a escolha do mestre por concurso, como ato legítimo da administração pública, A nomeação dos professores era percebida como um ato de escolha do Estado, numa concepção de vontade pessoal. É o que se depreende dos discursos de tais autoridades. No relatório do Vice- Presidente da Província Ildefonso Pereira Correia apresentado ao Presidente Cesário de Miranda Ribeiro ao passar-lhe a administração da Província em 30 de junho de 1888, o primeiro afirmava o seguinte:

O vicioso provimento das cadeiras de instrução primária por meio de concursos e contratos, não oferece absolutamente critério seguro para seleção da aptidão profissional dos que pretendem dedicar-se à missão de educadores de crianças. O concurso está hoje condenado unanimemente em todos os países civilizados e por todos os educacionistas conhecidos, como um meio ilusório de verificação de capacidade, como mera solenidade ostentosa em que só brilham os espíritos disertos, ousados e superficiais. Nele não é possível aquilatar-se da educação pedagógica do espírito do professor, de sua vocação (em itálico no original), de suas qualidades morais, de que depende principalmente a eficácia de todo ensino. E, a seguir discorria sobre a vantagem das nomeações com graduações, acessos e incentivos indicados no luminoso projeto da comissão de instrução pública, de 12 de setembro de 1884, de que foi relator o ilustre publicista Conselheiro Ruy Barbosa.(Relatório do Vice- Presidente da Província do Paraná, Sr, Ildefonso Pereira Correia, 30 de junho de 1888). A questão da melhoria da educação ainda não passava pela profissionalização do professor, mas sim pela sua formação percebida como necessidade de se educar professoras mulheres, porém de uma forma diferenciada da educação masculina. A co-educação não era aconselhada; na verdade os relatores dos documentos públicos pareciam mesmo rejeitá-la com veemência e atribuiam qualquer tendência à educação conjunta dos sexos, ao fato do curso pedagógico ser ministrado junto ao Instituto Paranaense. Dizia em 1888, Idefonso Pereira Corrêa em Relatório ao Presidente Cesário de Miranda Ribeiro: Funcionando como está a Escola Normal da Província conjuntamente com o Instituto Paranaense, não há que esperar-se que seja ela freqüentada por alunas. Mesmo que não fosse simultâneo o funcionamento da Escola e do Instituto, não poderia aquela satisfazer aos intuitos do Regulamento de 18 de janeiro de 1882, isto é prestar-se ao ensino normal de alunos e alunas, segundo artigos 33 e 34 e outros deste regulamento. É a questão da coeducação dos sexos. Esta co-educação que no país é admissível na primeira e até na segunda infância e tem seu tipo nas escolas primárias mistas, é de todo ponto repugnante aos nossos costumes na idade da adolescência. Percebendo a co-educação como um costume importado dos Estados Unidos, o Vice Presidente ainda recorria à opinião de notáveis higienistas para defender a tese de que tal prática ia contra as leis naturais, uma vez que cada sexo tinha necessidades diversas. Este argumento servia também para embasar a proposta de uma escola normal somente para moças, em lugar diverso do Instituto. Em nada inferior ao homem em faculdades intelectuais e capaz de percorrer com brilho todos os domínios da ciência, a mulher em sua primeira mocidade não pode sujeitar-se, sem extrema violência ao seu organismo e ao pudor, ao mesmo regime disciplinar de estudos que o homem. As conseqüências funestas deste sistema igualitário para sua vida ulterior são indubitáveis e são postos em saliente relevo por todos os educacionistas

modernos. É de urgência, pois criar-se nesta província a Escola Normal de senhoras em edifício separado e darlhe a organização especial que o seu fim exige. Os relatórios, além de chamar atenção dos pesquisadores para as questões que se constituíam em preocupação dos governantes, mas que também revelavam as percepções que os mesmos tinham da educação pública, do professor, bem como da população que procurava as escolas, permitem ainda, perceber as vinculações mais ou menos estreitas com a política nacional. Cabe aqui refletir sobre, até que ponto, as questões educacionais paranaenses enquanto expressões regionais se inseriam nas questões mais amplas nacionais ou se constituíam em expressões singulares da educação local. Procurando compreender essas relações buscamos em alguns autores a fundamentação teórica. ALVES (2001) quando analisa a história de educação de Mato Grosso discute as relações entre o nacional e o regional e entende que os termos regional e nacional são expressões, em escalas diferentes, do singular. (p.164) Também, segundo SAVIANI (1999) é importante na pesquisa histórica encontrar a justa relação entre o local, o nacional e o internacional. Trata-se, segundo ele, de evitar tomar o que é local ou nacional pelo universal e vice-versa mas também de detectar em que grau o local ou o nacional constituem expressões de tendências que se impõem internacionalmente. (p.11-12) No caso do estudo da influência dos contextos sócio-econômicos, políticos e culturais na organização da instituição escolar paranaense faz-se necessário distinguir as questões locais das regionais e nacionais, sem perder de vista as relações existentes entre elas. Assim, parecenos que é possível afirmar que o isolamento e a rarefação da população escolar são questões locais, mas que sofreram a influência de fatores regionais como o desenvolvimento do comércio do mate e do aluguel de terras para a pousada de mulas no caminho entre Viamão e Sorocaba no período de mineração em Minas Gerais. A forma de economia do Estado foi determinante de núcleos urbanos que, por sua vez solicitaram a escola à medida em que ela foi-se tornando uma instituição necessária. WACHOWICZ (1984, p.17) ressalta que O contexto sócio-econômico em que surgiram os primeiros núcleos urbanos, de Paranaguá e Curitiba foi o da mineração. No século XIX a atividade mineradora já praticamente extinta, a atividade criatória e de comércio de

tropas nos campos gerais, e a indústria extrativa da erva-mate, caracterizavam a economia paranaense, como induzida e periférica.(em itálico, no original) E, ainda, ao contextualizar a educação escolar afirma: A população somente passa a reivindicar a educação escolar, quando os grupos urbanos se tornam expressivos e se organizam para a vida social, o que ocorre no final do século XIX, no Paraná tradicional, coincidindo com a modernização da indústria do mate, e com a influência da imigração européia, que representou um contingente de população quantitativamente significativo na época, introduzindo, além disso, mudanças qualitativas de comportamento produtivo. Pelas leituras das fontes documentais até aqui abordadas evidencia-se a relação entre educação e evolução da sociedade paranaense. Como somente a elite, da qual provinham aqueles que dirigiam a Província era educada e mantinha contato com outros países, bem como conheciam a literatura da época, as prescrições permaneciam em nivel literal, uma vez que o desenvolvimento econômico e social não conformava solicitações mais bem estruturadas como a instituição escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS As conclusões parciais apresentadas neste trabalho restringem-se à análise dos discursos dos dirigentes. Afirmamos no início que os registros, a partir das fontes levantadas apontam para duas alternativas: o olhar das autoridades e o olhar dos professores. Porém, no atual momento da pesquisa só analisou-se a primeira perspectiva, ficando para a seqüência, a leitura e análises dos demais discursos. Procurou-se manter, na interpretação dos dados, a leitura da história da educação paranaense como obra de um sujeito coletivo. No entanto, porque a economia ainda era insuficientemente desenvolvida, a ocupação do território paranaense rarefeita, e somente uma pequena parte da população tivesse acesso ao saber cultural, o homem enquanto sujeito coletivo e pertencente a uma determinada unidade cultural-social, como queria Gramsci, capaz de reivindicar e dar forma às instituições como a escolar, permanecia ausente do cenário. Portanto, as questões educacionais não se restringiam somente aos aspectos educacionais, mas englobavam questões sociais, políticas, econômicas e culturais. O problema proposto para estudo foi parcialmente respondido, uma vez que se analisam e se cruzam as informações obtidas e referentes aos vários contextos. No decorrer desse processo, mais se compreende a construção histórica da educação paranaense, bem como se busca a gênese das questões educacionais ainda presentes. Muitas das indicações são singulares enquanto expressão local; por exemplo o fato de que as figuras de maior expressão na vida política da Província e que falam sobre a educação terem como base econômica a exploração, beneficiamento e comércio do mate. No entanto as expressões locais se relacionam às nacionais, como exemplo a preocupação com a fundação e real funcionamento da Escola Normal e a crença no preceito de educação separada para ambos os sexos. Ainda, a precariedade da escola enquanto uma instituição pública e destinada a todos, também fazia parte do quadro nacional.

Finalmente, a melhor compreensão da história da educação paranaense contribui para o mesmo objetivo em nível nacional.acreditamos que a busca de fontes, sua análise e interpretação no contexto local e nacional em muito contribuem para uma nova leitura da construção da instituição escolar no Paraná e no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, G. L. Nacional e regional na história da educação brasileira: um análise sob a ótica dos estados mato-grossenses. In:Educação no Brasil: história e historiografia/sociedade Brasileira de História da Educação.(Organizadora) Campinas, SP: Autores Associados: São Paulo: SBHE,2001. (Coleção memória da educação) IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2ª ed. São Paulo/ Curitiba:1988. GRAMSCI,A.Concepção dialética da história. Trad.Carlos Nelson Coutinho.6ªed. Rio de Janeiro:1986. KUBO,E.,M. A legislação e a instrução pública das primeiras letras na 5ªComarca da Província de São Paulo.,Curitiba:Paraná memória momento. Biblioteca Pública do Paraná. Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, 1986. MIGUEL.M.,E.,B.Coletânea da Documentação Educacional Paranaense no Período de 1854 A 1889. (org.) Campinas: Ed. Autores Associados, 2000. --------------------O significado da educação pública no Império (Paraná-Província) In:MENDES FILHO. Pesquisa em história da educação-perspectivas de análise- Objetos e Fontes. Belo Horizonte: HG Edições,1999. OLIVEIRA, M.,C.,M. O Ensino Primário na Província do Paraná (1853-1889). Curitiba: Paraná memória-momento. Biblioteca Pública do Paraná. Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, 1986. PARANÁ. Relatório do Presidente da Província do Paraná Luiz Alves de Oliveira Bello na instalação da 2ª. Sessão da 15ª legislatura em 1º de outubro de1883.curityba: Typ.Perseverança. PARANÁ. Relatório do Vice-Presidente da Província do Paraná Ildefonso Pereira Correia na transmissão de cargo ao Presidente Cesário de Miranda Ribeiro em 30 de junho de 1888. Curityba: Typ. da Gazeta Paranaense, 1988. SAVIANI,D. História das Idéias Pedagógicas:reconstruindo o Conceito.In:MENDES FILHO (org.) Pesquisa em História da Educação- Perspectivas de Análise- Objetos e Fontes. Belo Horizonte: HG Edições, 1999.

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