MOVIMENTO NEGRO: MARCANDO A HISTÓRIA, A EDUCAÇÃO E A CULTURA PERNAMBUCANA



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Transcrição:

Cadernos Imbondeiro. João Pessoa, v.3, n.2, 2014. MOVIMENTO NEGRO: MARCANDO A HISTÓRIA, A EDUCAÇÃO E A CULTURA PERNAMBUCANA Irene Kessia das Mercês do Nascimento Glauciane da Silva Vieira Marilene Severina de Oliveira Maria da Conceição dos Reis UFPE (orientadora) Introdução O movimento social negro vem, ao longo de sua existência identificando que há temas, como a educação e cultura, que são negadas a uma grande parcela da população brasileira. Nos espaços escolares, por exemplo, a prática educativa desenvolvida tem incidido por escolhas hegemônicas e negadoras da diversidade cultural, regional, étnicoracial do Brasil. Além de que o Brasil, ao longo de sua história, estabeleceu um modelo de desenvolvimento excludente, impedindo que milhões de brasileiros tivessem acesso à escola ou nela permanecessem (BRASIL, 2004). Como consequência da histórica pressão do Movimento Negro do Brasil por educação, em 2003 foi aprovada a Lei Federal Nº 10.639/2003 obrigando as escolas de educação básica a incluir no currículo escolar a história e cultura afro-brasileira e africana. Como consequência, a lei também interfere no currículo de formação docente, considerando que a Universidade é um espaço de construção e socialização de todo conhecimento produzido pela humanidade ao longo dos tempos. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, entende-se que os cursos oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior devem incluir nos conteúdos e atividades curriculares a Educação das Relações Étnico-Raciais de acordo com o Parecer CNE 3/2004. Passados mais de 10 anos da aprovação da referida lei, constasse que ainda há muito que fazer. Os educadores necessitam de incentivos e conhecimentos teóricos metodológicos, além de oportunidades para desenvolver e aprofundar a questão. Considerando essas ausências e dificuldades dentro do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em julho de 2014, mês em que o movimento negro de Pernambuco completa 35 anos, foi lançado o Projeto 35 anos de Educação e Cultura do Movimento Negro em Pernambuco. Em seus objetivos constam: Celebrar os 35 anos de educação e cultura proporcionados pela existência do movimento negro em Pernambuco; Fortalecer a inserção da temática étnico-racial nos espaços educativos das faculdades e universidades da região metropolitana do Recife; Apresentar a história do movimento social negro de Pernambuco enquanto expressão da identidade diversidade e resistência negra; Proporcionar momentos de intercâmbio entre os grupos de movimento social, estudo e pesquisa sobre a negritude; Construir espaços de conhecimento reconhecimento da história e cultura negra. Por isso, o segundo semestre letivo de 2014 no Centro de Educação da UFPE, foi marcado por atividades relacionadas a apresentar a relevante existência do movimento negro, através de mesas temáticas, oficinas, apresentações culturais, músicas e seminários, proporcionando amplo conhecimento histórico, educativo e cultural, desse movimento na história, educação e cultura afropernambucana. Este texto tem o objetivo de apresentar as experiências pedagógicas do Projeto que destaca a história do Movimento Negro de Pernambuco enquanto expressão da identidade e resistência negra. Considerando a indissolubilidade entre ensino, pesquisa e extensão, as atividades

2 do projeto possibilitam momentos científicos e culturais que representam a construção de um espaço político-cultural-acadêmico da identidade negra na comunidade da UFPE. Para maiores informações sobre os temas que fundamentaram e foram discutidos durante o projeto, apresentamos a seguir o contexto histórico das políticas públicas sobre as relações étnico-raciais, levando em consideração as lutas sociais vividas pela população negra, como também destacaremos a diversidade étnico-racial e a formação do educador sobre essas relações e diversidades. Finalmente, apresentamos resultados das experiências vividas pelo projeto. Políticas Públicas das Relações Étnico-Raciais A fim de compreender as políticas públicas relacionadas às questões étnicoraciais, consideramos necessário fazer um breve histórico relatando o processo de lutas e conquistas da população afrobrasileira, no tocante as questões educacionais, sociais e política, desde o período da colonização. Segundo Romanelli, (2006), a educação escolar no Brasil foi inaugurada pela companhia de Jesus no período colonial, teve seu início sem considerar todo o contingente brasileiro: era necessário ser homem branco e filho de dono de terras ou dos colonizadores para poder ter acesso a essa educação escolarizada ofertada pelos jesuítas. O objetivo desse ensino era garantir a instrução quanto a cultura geral básica, além disso, aos filhos de colonos também era reservado a catequese, assim como aos índios. A partir disto, é correto afirmar que, para a população negra era destinado o trabalho escravo sem que esta tivesse ao menos a possibilidade de ter o mínimo de educação, visto que a esta era de caráter separatista, sem preocupação com políticas públicas voltadas para a população negra. Após a abolição da escravatura em 1888, na qual foi dada a esta população o que podemos nominar de falsa liberdade, a população negra escravizada foi entregue a própria sorte, em uma sociedade que não estava preparada ou pensada para receber os cidadãos ditos livres. Como ressalta Fernandes (1978): A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo. (FERNANDES, 1978, p. 20). O que fazer com esta liberdade? Para onde ir? Onde morar? Onde trabalhar? Como viver e atuar nesse contexto social? Tais questionamentos foram dando origem aos movimentos de lutas por igualdade de direitos. A partir da década de 30, do século passado, especificamente no ano de 1931, com a criação do movimento social negro contra a discriminação racial acentuasse a luta pela igualdade educacional, visto que a população negra não tinha o devido acesso a educação, a mesma possuía um sentimento de inferioridade aos outros cidadãos, pois: A política e a ideologia do branqueamento exerceram uma pressão psicológica muito forte sobre os africanos e seus descendentes, foram pela coação, forçados a alienar sua identidade, transformando-se cultural e psicologicamente brancos. (MUNANGA, 1999, p.89). Outro ponto importante a ser mencionado é que, com a redemocratização do país em 1945, surge a oportunidade de o negro ser inserido no contexto político e econômico

3 através de projetos nacionais do estado. A partir disto, começaram a se intensificar as reivindicações do movimento negro, com os interesses voltados à igualdade social, abolição do preconceito em todas as formas, ir à luta em prol de mudanças na constituição, enfim, combater o racismo. Vale ressaltar que em 1996, com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Nº 9394/96, no seu artigo 26, destaca-se que o ensino de história do Brasil deverá levar em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as de matriz africana, indígena e europeia. Esse artigo foi regulamentado por meio da aprovação da Lei nº 10.639/2003, a qual estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio. Como mais conquistas, podemos destacar a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), e ainda a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afrobrasileiro e Africana, intitulado em 10 de março de 2004 pelo Conselho Nacional da Educação. Dentro desse contexto, entende-se que ações afirmativas, além destas mencionadas, são constituídas por projetos, planos de ação e pela própria legislação, que tem como objetivos, afirmar o direito a diversidade ético-racial na educação escolar rompendo com o silêncio sobre a realidade afroabrasileira nos currículos e práticas escolares, afim de conscientizar crianças, adolescentes, jovens e adultos quanto à sua própria identidade, bem como o respeito ao próximo, levando-os a entender que todos são coparticipantes desse processo de conscientização por igualdade, independente de cor, etnia, e gênero. De fato, todas essas ações afirmativas são válidas, entretanto, sabe-se que tudo o que fora realizado até o momento tem como objetivo corrigir a desigualdade étnicoracial contra esse segmento populacional, ou seja, os negros do nosso país. Destarte, é por tudo isso que dizemos que, as diferenças são construções sociais que são adquiridas gradativamente e que é preciso que esse olhar preconceituoso, a não aceitação do diferente, nesse caso o negro, precisa ser desmistificadas e superadas para que possamos olhar o nosso próximo não apenas como igual porque consta na lei, mas, romper com esse mito de democracia racial, tendo em vista que todos têm a mesma essência. Diversidade Étnico-Racial É correto afirmar que o Brasil, possui uma diversidade étnico-racial, devido à miscigenação das diferentes culturas e povos, o que contribui satisfatoriamente para a riqueza cultural do nosso país. Nesse sentido, para que possamos entender esta, é necessário conhecer alguns conceitos básicos, que nos permitirão um entendimento mais aguçado da temática em estudo. Como bem sabemos, o conceito de diversidade é múltiplo, entretanto, se a enxergamos como um processo histórico, que acompanha as mudanças sócio-políticas e étnicas culturais da sociedade ao longo do tempo, deixaremos de lado a crença de que, a mesma, se associa aos fenótipos e diferenças sociais e passaremos a entendê-la como um meio de trocas de experiências culturais, permitindo que a sociedade reflita sobre a importância de cultivar o respeito e a igualdade social independente de cor, gênero ou etnia. Pois, cada povo apresenta sua especificidade sociocultural, produz sentidos e experiências, fazendo com que cada um desses apresente identidades distintas. Mas como são constituídas as identidades?

4 Do ponto de vista da antropologia, todas as identidades são construídas, daí o verdadeiro problema de saber como, a partir de que e por que. A elaboração de uma identidade empresta seus materiais da história, da geografia, da biologia das estruturas de produção e reprodução, da memória coletiva e dos fantasmas pessoais, dos aparelhos do poder, das revelações religiosas e das categorias culturais. Mas os indivíduos, os grupos sociais, as sociedades transformam todos esses materiais e redefinem seu sentido em função de determinações sociais e de projetos culturais que se enraízam na estrutura social e no seu quadro do espaço- tempo. (CASTELLS, 1999, p.16). Dentro dessa perspectiva, a identidade negra, deve ser entendida como um processo histórico, dinâmico e contextual e não num discurso ideológico, elaborado por cidadãos que criaram representações e identidades negativas dos mesmos, pois: A identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença de pigmentação ou de uma diferença biológica entre populações negras e brancos e/ ou negras e amarelas. Ela resulta de um longo processo histórico que começa com o descobrimento, no século XV, do continente africano e de seus habitantes pelos navegadores portugueses, descobrimento esse que abriu caminho ás relações mercantilistas com a África, ao tráfico negreiro, á escravidão e enfim á colonização do continente africano e seus povos. (MUNANGA, 2003, p.37). Outro termo que vem sendo ao longo do tempo discutido, é o conceito de raça. Segundo Martins, 1985, o termo raça tem sua origem datada no século XVII, porém, estudos vêm sendo desenvolvidos a fim de demonstrar que não existe raça no sentindo biológico e sim no social, pois a mesma está atrelada a uma classificação de ordem social na qual há uma importância na cor da pele o que ocasiona valores e significados distintos para cada pessoa. No mundo social, raça, além de ser uma categoria política, é analítica também, pois é a única que revela que as discriminações e desigualdades, que a noção brasileira de cor enseja, são efetivamente raciais e não apenas de classe. (GUIMARÃES, 2006, p.46). No que se refere ao termo etnia, pode-se dizer que o mesmo é derivado do grego e que este se refere a povos ou nações. Segundo Cashmore, (2000), o termo etnia diz respeito a um grupo que possui algum grau de coerência, solidariedade, origens e interesses comuns. Um grupo étnico é mais do que um ajuntamento de pessoas, às pessoas deve ser agregado seu pertencimento histórico e cultural. Dentro dessa perspectiva, podemos entender duas vertentes do pensamento desse autor, a primeira relaciona-se a etnia que corresponde a um grupo que partilha afinidades de idioma e cultura. A segunda vertente por sua vez se refere a grupos éticos que podemos entender como aqueles que partilham as mesmas crenças, valores, tradições, e características específicas do seu determinado grupo. Em decorrência desses termos, segundo Brasil (2004), um vocábulo que passou a ser utilizado em nosso país e merece destaque é a expressão étnico-racial, pois seu sentido determina que as tensas relações raciais estabelecidas no país vão para além das diferenças na cor da pele e traços fisionômicos, mas corresponde também a raiz cultural baseada na ancestralidade afro-brasileira que difere em visão de mundo, valores e princípios da origem europeia.

5 Sendo assim, tanto raça quanto etnia é termo que faz parte do nosso vocábulo, ambos com significações específicas, mas que podem produzir formas de pensar e enxergar o mundo em todos os aspectos que nos cercam. Questões Ético-Raciais na Formação do Educador. Considerando conhecer a história e cultura afrobrasileira historicamente renegada, acreditamos na possibilidade de transformação a partir da educação e de sua relação com o processo de valorização da cultura, entendendo cultura como ação, baseada na necessidade do homem e da mulher de (re) inventar o mundo a partir dos seus significados; cultura como processo histórico, que faz as pessoas se transformar, e se transformando, reconstrói o mundo com outros significados e valores (FÁVERO, 1983, p. 16). Nesta perspectiva, Gramsci (1991) e Freire (1997) destacam a importância do processo educacional está voltado para o cotidiano do educando reinventado e recriando sua realidade, tendo a educação e a cultura função especial e destaque no processo de transformação e inserção social. Por isso, se justifica a luta de tantos movimentos que surgem no Brasil em prol das minorias. Pois, não se pode negar a contribuição dos movimentos sociais para a implementação de políticas que representaram avanços, como por educação de qualidade e com igualdade de condições de acesso e permanência. Como exemplo, temos a Lei nº 10.639/2003 que, de acordo com Souza, Reis e Menezes (2013) foi uma conquista do movimento social negro por uma educação das relações étnico-raciais. No entanto, para uma prática educativa que contribua com o processo de libertação é necessária que a formação docente seja repensada. As mudanças sociais exigem cada vez mais novas atitudes desse profissional, que precisa estar preparado para enfrentar os desafios. Por isso, fazer opções e manter a coerência de sua prática é uma exigência feita a todos os educadores que buscam mudança. Freire (2011) lembra que, ao optar por uma educação progressista, o educador precisa considerar e agir através de uma prática democrática; precisa ter competência científica, dominando o conhecimento dos conteúdos que ensina e das técnicas que facilitam este ensinar, para que possa gerar nova aprendizagem para si e para o educando, despertando a disciplina intelectual, expressividade, curiosidade, criatividade e criticidade. Transpondo a concepção freireana para a educação das relações étnicoraciais, cabe aos educadores à sensibilidade e a capacidade em direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes e palavras preconceituosas (BRASIL, 2004). Sendo assim, a educação das relações étnico-raciais é aquela que fortalece e desperta a consciência negra nas pessoas negras, através do orgulho de sua identidade e, também, entre as pessoas brancas permitindo-lhes identificar a importância do outro em sua própria história, forjando significativas relações étnico-raciais. Entendendo que estas relações impõe aprendizagens entre brancos e negros, troca de conhecimentos, quebra de desconfianças e projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual e equânime (BRASIL, 2004), entende-se que a educação das relações étnicoraciais deve está direcionada a todos os educandos, independente de sua raça, cor ou etnia, pois a pessoa negra não vive sozinha na sociedade.

6 Portanto, são éticas, política e socialmente autênticas as históricas demandas dos Movimentos Sociais Negros em prol de uma educação que requalifique e ressignifique as condições de subalternidade e inferioridade histórica das pessoas negras no Brasil. Experiências Vivenciadas no Projeto 35 anos de Educação e Cultura do Movimento Negro em Pernambuco Desde julho de 2014 o Projeto de extensão: 35 anos de educação e cultura do Movimento Negro em Pernambuco vem comemorando os 35 anos do movimento negro em Pernambuco com várias atividades no Centro de Educação da UFPE- Universidade Federal de Pernambuco. Entre elas: cerimônia de abertura do projeto, aula pública, mesa redonda, seminário; Dia da Consciência Negra, além de reuniões sistemáticas de formação da equipe de estudantes e professores que encaminha este projeto, a fim de se organizarem para as execuções das atividades do projeto. Durante todo desenvolvimento do projeto, as atividade desenvolvida foram de extrema relevância para a formação dos estudantes, pois, além deles estarem envolvidos com a organização do evento, passaram por experiências de presenciar e conhecer a luta das pessoas negras em busca de seus ideais; refletem sobre a questão étnico-racial em diversos aspectos educacionais, culturais e históricos que contribuíram para formação de identidade negra no Brasil, tais como costumes culturais, estéticos, culinário e dentre outros. O projeto 35 anos de educação e cultura do movimento negro em Pernambuco, que tem o objetivo de celebrar os 35 anos e favorecer a reflexão sobre preconceitos, e valorização da identidade. Compreender as dificuldades da população negra é também reconhecer de onde viemos. Durante esse projeto foi mais fácil reafirma, com toda autenticidade, a frase: Sou Negra (o) e tenho orgulho da minha cor, principalmente para aqueles estudantes que se esforçaram para realizar as atividades do projeto, que contribuíram com suas colocações nas discussões sobre como deveria ser encaminhadas as atividades e outros que observaram e tiraram suas conclusões. A cerimônia de abertura, a mesa redonda e a aula pública, foram momentos especiais que apresentou a história de luta do movimento negro até os dias atuais. Foi um momento rico de aprendizado, como também conhecimento sobre a cultura negra, com as apresentações culturais e comida típica onde todos se sentiram felizes e acolhidos com as músicas e danças que ocorreram nas apresentações culturais. No IV Seminário Estadual de Educadoras Negras e Educadores Negros tivemos momentos bastante proveitosos. Através de oficinas pedagógicas com temas que contribuíram para a formação de todos os participantes, que poderão discutir sobre o tema tratado: políticas públicas e as relações étnico-raciais, projeto didático sobre a cultura afrobrasileira e a lei 10.639/2003; o conhecimento sobre a escritora Carolina de Jesus e suas implicações. O dia 20 de Novembro dia da Consciência Negra foi um dia dinâmico e festivo com ocorrência no Hall do Centro de Educação, onde as pessoas tiveram a oportunidade de dialogar sobre esse dia, fazer tranças e colocar turbantes nas canecas, saborear com comidas africanas, compreendendo o verdadeiro sentido desse dia no Brasil. Enfim, o desenvolvimento do projeto ampliou o que se tinha como objetivo, pois fez com que todos os participantes pudessem conhecer a sua própria história através da história do movimento em negro em Pernambuco desde sua origem até os dias atuais. Sendo um projeto de extensão, o público presente nas atividades do projeto não foi apenas da UFPE, tivemos a presença de estudantes e professores de outras universidades e a presença também de militantes e ativistas do movimento de diversos

7 lugares de Pernambuco, sendo um momento de troca de experiência como também de aprendizado e fortalecimento da militância negra. As experiências vivenciadas em todas as etapas do projeto oportunizou que todos os participantes, ampliassem seus conhecimentos e refletissem sobre as questões étnico-raciais no campo da educação, na cultura, na sociedade e em sua vida. Destacamos as discussões nas oficinas pedagógicas, nos debates no auditório, na roda de diálogo e o encantamento da cultura afrobrasileira e africana apresentadas. O projeto deu vida à educação a cultura do Movimento Negro, sendo destaque nas páginas dos principais jornais do estado de Pernambuco. A celebração dos 35 anos de educação e cultura do movimento negro de Pernambuco se deu de fato, mas será na vida diária que confirmamos o que aprendemos na teoria. Considerações O Movimento Negro, a cada ano, vai ganhando espaço e formalidade na sociedade, obtendo várias conquistas demonstrando solidificação na sociedade brasileira. Porém, a necessidade de reivindicar o respeito quanto à questão racial e cultura em nosso país ainda é constante, pois várias pessoas continuam sendo vítimas do racismo no campo social, profissional ou educacional. São esses os principais motivos das lutas do movimento negro em Pernambuco, como no Brasil. As atividades proporcionadas pelo Projeto 35 anos de Educação e Cultura do Movimento Negro em Pernambuco, como os seminários, palestras oficinas e atividades culturais, foi de fundamental importância, para a sensibilização das pessoas, no Centro de Educação da UFPE, sobre importância desse movimento levando em consideração suas lutas e conquistas. Referências BRASIL. Resolução CNE/CP 01/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana. Diário Oficial da União. Brasília, 22 de junho de 2004. CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000. CASTELLS, Manuel. Le Pouvoir de l Identité. Paris: Fayard, 1999. FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. SP: Paz e Terra, 1997.. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: no limar de uma nova era. (Vol. 1) São Paulo, Ática, 1978.

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