AÇÕES EUROPEIAS E BRASILEIRAS VOLTADAS PARA A MELHORIA DO BEM-ESTAR DOS SUÍNOS (European and Brazilian actions focused to improve the pig welfare)



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Transcrição:

AÇÕES EUROPEIAS E BRASILEIRAS VOLTADAS PARA A MELHORIA DO BEM-ESTAR DOS SUÍNOS (European and Brazilian actions focused to improve the pig welfare) Cleandro Pazinato DIAS 1* ; Caio Abércio da SILVA 2 ; Xavier MANTECA 3 1 Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: cleandropazinato@uol.com.br 2 Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual de Londrina, Londrina PR. 3 Departamento de Ciência Animal e dos Alimentos da Universidade Autônoma de Barcelona. RESUMO A ciência do bem-estar animal nasceu na Europa com a finalidade de atender a demanda da sociedade por mudanças nas condições em que os animais eram mantidos. O princípio das cinco liberdades surgiu dentro deste contexto, sendo a representação teórica e prática que melhor caracteriza estas ideias. Para a garantia de um padrão mínimo de proteção e bem-estar animal a Comunidade Europeia estabeleceu diretivas e regulamentos para os segmentos da produção, transporte e abate, consolidando a sua vanguarda no tema. No Brasil, as ações públicas e privadas neste sentido foram intensificadas, no entanto, o país segue defasado em relação à União Europeia em todos os segmentos da cadeia produtiva. Na atualidade o país ainda não dispõe de normas efetivas para atender os segmentos de produção e transporte de suínos e está em fase de reedição da norma relativa ao abate humanitário. Compreender o status da legislação europeia e como e quanto devemos avançar é uma discussão que demanda ser tratada com determinação, base científica e eficiência. Palavras chave: Diretivas, Legislações, Produção Animal, Suínos. ABSTRACT The animal welfare is a science that born in Europe in order to answer the society's demand for changes related with the conditions where the animals were submitted. The Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 6

principles of the five freedoms came within this context, being the best theoretical and practical representation of these proposals. Community European established policies and regulations for the production, transport and slaughter's segments to ensure a minimum standard of the animal protection and animal welfare, consolidating its leading in this area. In Brazil, the public and private actions related have been intensified, however, the country is still lagged in relation the European Union, considering all segments of the production chain. Currently the country does not have an effective standard to support the welfare inside the pig production and transport segments and it is reissuing the standard for humanitary slaughter. Then it is important to understand the status of the European laws and how and how much we should advance in relation to this discussion, which demands to be treated with determination, scientific basis and efficiency. Key-words: Animal production, Directives, Laws, Swine. INTRODUÇÃO Os debates sobre as formas como o homem trata os animais são milenares, mas depois da Segunda Guerra Mundial as discussões sobre este tema, em especial voltadas aos animais de interesse econômico, ganharam destaque, provocando intensas mudanças nas condições da sua produção, transporte e sacrifício. A ciência do bem-estar animal nasceu no centro destas discussões, sendo impulsionada por uma sociedade que desejava respostas mais objetivas sobre a questão. Um ponto de destaque foi a publicação, em 1964, na Inglaterra, do livro Animal Machines, The New Factory Farming Industry, da escritora Ruth Harrison (1964). Esta obra questionou a forma como as fazendas da época tratavam os animais de produção, considerando-os meramente como objetos. Como consequência às reações da sociedade ao Animal Machines, o governo britânico estabeleceu uma comissão de especialistas, liderada pelo professor Francis William Rogers Brambell, denominada Comitê Brambell, para investigar as considerações descritas no livro, culminando com a elaboração e publicação de um relatório (Brambell, 1965) que discutiu várias questões associadas com as práticas de produção da época vinculadas ao bem-estar dos animais de produção, apontando que procedimentos deveriam ou não ser mantidos e/ou pesquisados. Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 7

O Comitê Brambell foi responsável pelas primeiras legislações de bem-estar animal na Inglaterra, impactando imediatamente no resto do continente e posteriormente nos demais países (Rushen, 2008). Segundo o Farm Animal Welfare Council (2009), o relatório do Comitê Brambell foi o mais influente documento relacionado ao bem-estar de animais de produção, mantido em evidência durante todo o século XX. Atribui-se ao relatório a melhora da consciência e do encorajamento dos produtores, governos e da sociedade a favor do bem-estar animal. Nesta vertente, o comitê, com um perfil crítico e questionador, lançou muitas perguntas que motivou o tratamento do tema sob uma base científica, razões que levaram o governo britânico a instituir em 1968 o FAWAC (Farm Animal Welfare Advisory Committee), um órgão consultivo e independente que foi sucedido em 1979 pelo FAWC (Farm Animal Welfare Council) (Farm Animal Welfare Council, 2009). No ano de 2011, o FAWC foi configurado como DEFRA (Department for Food and Rural Affairs in England) com objetivos semelhantes, mas com outra estratégia (Farm Animal Welfare Council, 2011). O papel principal destes órgãos foi o liderar os projetos na área de bem-estar animal. DESENVOLVIMENTO Inicialmente deve ser destacada a importância da sociedade europeia na criação e na viabilização da ciência do bem-estar animal, disseminando o tema e tornando-o de abrangência mundial. No tratamento dos primeiros pontos sobre o bem-estar animal foram estabelecidas as cinco bases para a compreensão deste benefício aos animais. As cinco liberdades, como são tratadas, constituem princípios que permitem uma abordagem prática não apenas no estudo do bem-estar, mas também dos diferentes estágios dos sistemas produtivos, ou seja, seus conceitos se aplicam à granja, ao transporte e ao abate dos animais de produção (Manteca & Gasa, 2008). As cinco liberdades integram, portanto, um padrão mínimo necessário para garantir a boa qualidade de vida aos animais (Farm Animal Welfare Council, 1992) (Tab. 1). Na União Europeia, outra referência foi o reconhecimento do Tratado de Amsterdam, em 1997, que definiu os animais como seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor, prazer e ter consciência de si mesmos e dos demais animais (The Treaty of Amsterdam, Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 8

1997). Assim, a União Europeia passou a incluir os requerimentos de bem-estar dos animais como um conceito em suas legislações. A comunidade europeia, com base no Tratado de Amsterdam, também criou um plano de ação para a proteção e o bem-estar dos animais, que entrou em vigor no ano de 2006, estendendo-se até 2010. Entre as ações deste estavam a criação de um padrão mínimo para proteção e bem-estar; a promoção de políticas orientadas para a pesquisa animal na área, com aplicação dos princípios dos Três Rs (replacement, reduction, refinement); e o suporte às iniciativas internacionais para aumentar a consciência e criar um consenso sobre o bem-estar animal (Farm Animal Welfare Council, 2009). Somados aos passos do Continente europeu, no cenário internacional o bem-estar animal foi identificado como uma das prioridades do plano estratégico da OIE (Organização Mundial de Sanidade Animal) para o período de 2001 a 2005, reconhecendo que a sanidade animal constitui uma componente chave para a questão (OIE, 2013). Assim, desde 2001 a OIE contempla o bem-estar animal em seu plano estratégico, além de apoiar o desenvolvimento de programas educacionais e de pesquisas científicas relacionadas ao tema (CONFERENCIA MUNDIAL DE LA OIE SOBRE BIENESTAR ANIMAL, 2008). Mais recentemente, um grande projeto europeu, com o envolvimento de vários países, foi construído, denominado Welfare Quality (Welfare Quality, 2009). O projeto representa uma das ferramentas mais efetivas, tem grande base científica e apresenta um cunho aplicado dirigido para o estabelecimento de condutas de bem-estar animal. Este projeto obteve financiamento da Comissão Europeia e envolveu especialistas de 44 institutos e universidades oriundos de 13 países europeus e de quatro da América Latina (Velarde & Dalmau, 2012). O Welfare Quality reconheceu que os consumidores identificavam que a qualidade de um alimento não era determinada somente pela condição deste ser natural e seguro, mas também pela condição de bem-estar a que eram submetidos os animais que o produziam, integrando assim a visão do bem-estar animal ao conceito da qualidade do alimento (Blokhuis, 2008). Com relação à espécie suína, as principais legislações europeias de proteção e bem-estar animal, abrangendo toda a vida do animal (produção, transporte e abate) estão apresentadas na Tab.2. Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 9

Com relação às normas que abordam o segmento da produção na União Europeia, a Diretiva 98/58/CE (Consejo de La Unión Europea, 1998) é uma norma geral, pois trata das condições mínimas para proteção dos animais de produção de alimentos, lã, couro e pele. Como exemplo, a norma estabelece que os animais devem receber uma alimentação sadia, adequada à idade e em quantidade suficiente para manter sua saúde e necessidades nutricionais. Já a Diretiva 2008/120/CE (Consejo de La Unión Europea, 2008) é específica para a espécie suína. A mesma estabelece, por exemplo, que todas as fêmeas prenhes (porcas e leitoas) devem gestar coletivamente entre a quarta semana após a cobertura e o sétimo dia antes da data prevista para o parto, seguramente um dos itens mais polêmicos do bem-estar dirigido para a espécie. No segmento do transporte, o Regulamento (CE) Nº 1/2005 (Consejo de La Unión Europea, 2005) concentra os aspectos mais importantes, como o estabelecimento de que a densidade de suínos de 100 kg de peso vivo no veículo não deva ser superior a 235 kg/m 2. No segmento do abate, o Regulamento (CE) Nº 1099/2009 (Consejo de La Unión Europea, 2009) é o documento que trata do bem-estar animal nesta etapa do processo. Parte-se do princípio que o procedimento do abate pode provocar dor, medo ou sofrimento aos animais, mesmo diante de excelentes condições técnicas e físicas. Portanto, os animais devem ser sacrificados unicamente após a insensibilização. Neste regulamento, por exemplo, são descritos os métodos de insensibilização mecânicos, elétricos, por meio de gás, além de outros, e as condições de uso destes métodos para evitar sofrimentos desnecessários. No Brasil, a Comissão Técnica Permanente de Bem-estar Animal (CTBEA), que é coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), é a base responsável pelas ações oficiais voltadas para as questões do bem-estar animal. Com relação às ações governamentais brasileiras, as principais normas vigentes de proteção e bem-estar animal e demais iniciativas oficiais envolvendo a espécie suína estão sintetizadas na Tab. 3. No segmento da produção intensiva confinada, o Brasil não possui nenhuma norma específica, o que deixa a maioria de nossos sistemas de produção desprovida de regulação. Já na área da produção orgânica, a Instrução Normativa nº 46 (Brasil, 2011) Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 10

estabelece o regulamento técnico para os sistemas orgânicos e aborda o bem-estar, representando a única norma que trata do tema no segmento da produção de suínos. No que tange ao transporte, a Portaria 575 de 2012 (Brasil, 2012) representa a ação governamental mais importante, tendo como objetivo a criação de normas que atendam o bem-estar dos animais durante esta etapa. Os esforços devem ser concentrados na definição dos requisitos mínimos para os veículos destinados ao transporte de carga viva e no treinamento dos condutores destes veículos. No segmento do abate, a Instrução Normativa nº 3 (Brasil, 2000) trata do manejo préabate e do abate humanitário. Esta legislação está em fase final de revisão e deverá ser reeditada em breve, contemplando as diretrizes mundiais da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e da União Europeia (UE). Além das ações governamentais, a cadeia produtiva, através da iniciativa privada, desempenha um papel fundamental na evolução do tema no Brasil, e vem trabalhando em consonância com os órgãos públicos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) firmou com a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) um termo de cooperação com a finalidade de trabalharem em conjunto no estabelecimento de diretrizes sobre o bem-estar dos suínos, com a criação de um cronograma de trabalho que atenda toda a cadeia produtiva (ABCS, 2014). Na esfera privada, a BRF, que é a maior empresa integradora de suínos do país, anunciou que no prazo de 12 anos deverá eliminar o alojamento individual de matrizes de suas granjas. Neste período ocorrerá a migração das unidades atuais para o modelo coletivo, e os novos projetos já nascerão com esta concepção. Este anúncio pode indicar o caminho a ser seguido por outras empresas do segmento (BRF, 2014). CONCLUSÃO Com o surgimento da ciência do bem-estar animal na Europa as iniciativas em prol da melhoria do bem-estar ganharam uma grande impulsão, que se consolidaram através da criação de legislações dedicadas ao tema. O Brasil tem intensificado as ações voltadas para a melhoria do bem-estar, buscando atender as mudanças em curso e já estabelecidas nos países europeus. No entanto, ainda há muitas etapas a serem superadas para que a cadeia produtiva de suínos brasileira Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 11

alcance o mesmo nível de regulamentação praticado na União Europeia, fato que deve exigir de todos determinação, conhecimento e efetividade nestas ações. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABCS. ABCS lidera diálogo sobre bem-estar animal no Brasil. Acesso em 27 nov. 2014. Disponível em: http://www.abcs.org.br/informativo-abcs/1912-abcs-lidera-dialogo-sobrebem-estar-animal-no-brasil. BLOKHUIS, H, J. International cooperation in animal welfare: the Welfare Quality project. Acta Veterinaria Scandinavica, Copenhagen, v. 50, Suppl. 1, n. S10, p. 1-5, 2008. BRAMBELL, F. W. R. Report of the technical committee to enquire into the welfare of animals kept under intensive husbandry systems. London: Her Majesty s Stationary Office, 1965. (Cmnd 2836). BRASIL. Instrução Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000. Aprovar o Regulamento Técnico de Métodos de Insensibilização para o Abate Humanitário de Animais de Açougue. Diário Oficial da União, Brasília, 24 jan. 2000, Seção 1, p.14. BRASIL. Instrução Normativa nº 46, de 6 de outubro de 2011. Estabelece o regulamento técnico para os sistemas orgânicos de produção animal e vegetal, bem como as listas de substâncias para uso nos sistemas orgânicos de produção animal e vegetal. Diário Oficial da União, Brasília, 7 out. 2011, seção 1, p. 4. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 575, de 25 de junho de 2012. Instituir Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de elaborar e propor regulamentação de transporte de animais de produção ou interesse econômico por meio rodoviário e de desenvolvimento de material técnico, visando qualificação dos atores envolvidos nesta etapa da cadeia produtiva. Diário Oficial da União, Brasília, 26 jun. 2012, seção 2, p. 4. BRF. BRF se compromete a adotar o sistema de gestação coletiva na produção de matrizes suínas. Acesso em 25 nov. 2014. Disponível em: http://www.brf-br.com/ imprensa/impressao.cfm?codigo=534. CONFERENCIA MUNDIAL DE LA OIE SOBRE BIENESTAR ANIMAL, 2., 2008, El Cairo, Egipto. Recomendaciones El Cairo: OIE, 2008. Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 12

CONSEJO DE LA UNIÓN EUROPEA. Directiva 2008/120/CE del Consejo de 18 de diciembre de 2008 relativa a las normas mínimas para la protección de cerdos (Versión codificada). Acesso em 1 dez. 2012. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legalcontent/es/txt/?uri=celex:32008l0120. CONSEJO DE LA UNIÓN EUROPEA. Directiva 98/58/CE del Consejo de 20 de julio de 1998. Relativa a la protección de los animales en las explotaciones ganaderas. Diario Oficial de la Unión Europea, n. L 221, 8 ago. 1998, p. 23. CONSEJO DE LA UNIÓN EUROPEA. Reglamento (CE) nº 1/2005 Del Consejo de 22 de diciembre de 2004. Relativo a la protección de los animales durante el transporte y las operaciones conexas y por el que se modifican las Directivas 64/432/CEE y 93/119/CE y el Reglamento (CE) nº 1255/97. DO nº L 3 de 5.1. 2005, p. 1. CONSEJO DE LA UNIÓN EUROPEA. Reglamento (CE) nº 1099/2009 Del Consejo de 24 de septiembre de 2009. Relativo a la protección de los animales en el momento de la matanza. DO nº L 303 de 18. 11. 2009, p. 1. DIAS, C. P.; SILVA, C. A.; MANTECA, X. Bem-estar dos suínos. Londrina: Ed. Midiograf, 2014. FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL. Farm animal welfare in Great Britain: Past, present and future. 2009. Acesso em 10 abr. 2012. Disponível em: http://www.fawc.org.uk. FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL. FAWC updates the five freedoms. Veterinary Records, London, v. 17, p. 357, 1992. FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL. Final report. 2011. p. 1-14. Acesso em 8 abr. 2012. Disponível em: http://www.fawc.org.uk. HARRISON, R. Animal machines: the new factory farming industry. London: Vincent Stuart Publishers, 1964. MANTECA, X.; GASA, J. Bienestar en el ganado porcino. Barcelona: Boehringer Ingelheim, 2008. OIE. Logros de la OIE en el ámbito del bienestar animal. 2013. Acesso em 27 jun. 2013. Disponível em: http://www.oie.int/es/bienestar-animal/temas-principales/. RUSHEN, J. Farm animal welfare since the Brambell report. Applied Animal Behaviour Science, Amsterdam, v. 113, p. 277-278, 2008. Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 13

THE TREATY OF AMSTERDAM. Protocol on protection and welfare of animals. Official Journal, C 340, 10 nov. 1997. VELARDE, A.; DALMAU, A. Animal welfare assessment at slaughter in Europe: Moving from inputs to outputs. Meat Science, Barking, v. 92, p. 244-251, 2012. WELFARE QUALITY. Welfare Quality assessment protocol for pigs: sows and piglets, growing and finishing pigs. Lelystad, Netherlands: Welfare Quality Consortium, 2009. Tabela 1- Princípio das cinco liberdades com seus respectivos desdobramentos propostos pela Farm Animal Welfare Council (FAWC). Princípio (liberdade) Livre de fome e sede Livre de desconforto Livre de dor, injúria e doenças Desdobramento Acesso à água fresca e a uma dieta para completa manutenção da saúde e vigor. Fornecimento de um apropriado ambiente, incluindo abrigo e uma confortável área de descanso. Prevenção ou rápido diagnóstico e tratamento. Livre para expressar Fornecimento de espaço suficiente, instalação adequada comportamento normal e companhia de animais da mesma espécie. Livre de medo e diestresse* Garantia de condições e tratamento, que evitem sofrimento mental. Fonte: Modificado de Farm Animal Welfare Council (1992). *Diestresse (termo em inglês que designa estado de sofrimento físico e mental intenso). Tabela 2- Legislações europeias de bem-estar animal envolvendo a espécie suína, relacionadas aos segmentos da produção, transporte e abate. Legislação Segmento Diretiva 98/58/CE Produção Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 14

Diretiva 2008/120/CE Regulamento (CE) Nº 1/2005 Regulamento (CE) 1099/2009 Produção Transporte Abate Fonte: Modificado de Dias et al. (2014). Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 15

Tabela 3 - Legislações em vigor e iniciativas oficiais brasileiras na área de proteção e bem-estar animal envolvendo a espécie suína. Documento Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934 Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952 Constituição Federal, de 5 de outubro de 1998 Portaria nº 711, de 1º de novembro de 1995 Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 Instrução Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000 Termo de cooperação técnica MAPA/WSPA 2007 Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007 Ofício Circular nº 001/2007/DICS/CGI/DIPOA Instrução Normativa nº 56, de 06 de novembro de 2008 Ofício Abrangência Estabelece medidas de proteção aos animais Regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal (RIISPOA) Fomento à produção agropecuária, proteção do meio ambiente e contra atos de crueldade aos animais Aprova as normas técnicas de instalações e equipamentos para abate e industrialização de suínos Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências Regulamento técnico de métodos de insensibilização para o abate humanitário de animais de açougue Capacitação dos fiscais federais agropecuários que atuam no Serviço de Inspeção Federal (SIF) para atender às boas práticas de manejo do abate humanitário de bovinos, suínos e aves Regulamenta a lei no 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica Autorização para o abate de suínos imunocastrados por meio de vacina Estabelece os procedimentos gerais de recomendações de boas práticas de bem-estar para animais de produção e de interesse econômico (REBEM) Circular Boletim sanitário, informações de campo para Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 16

5/2009/DICS/CGI/DIPOA Ofício Circular 11/2009/DICS/CGI/DIPOA Ofício Circular 12/2010/GAB/DIPOA Portaria nº 524, de 21 de junho de 2011 Instrução Normativa nº 46, de 6 de outubro de 2011 Termo de cooperação técnica MAPA/EMBRAPA, de 17 de outubro de 2011 Portaria nº 575, de 25 de junho de 2012 Memorando de Entendimento e Cooperação Técnica em bemestar animal entre MAPA e DG SANCO (Direção-Geral da saúde e da proteção ao consumidor da Comissão Europeia). Janeiro/2013 suínos enviados ao abate Retirada da ração e descanso regulamentar préabate Padronização das frequências e planilhas para verificação oficial dos elementos de inspeção Instituir a comissão técnica permanente de bemestar animal (CTBEA) Estabelece o regulamento técnico para os sistemas orgânicos de produção animal e vegetal Treinamento de transportadores de suínos em bem-estar e qualidade de carne Instituir grupo de trabalho com o objetivo de elaborar e propor regulamentação de transporte de animais de produção ou interesse econômico por meio rodoviário Estabelecer grupo de trabalho específico para troca regular de informação e cooperação técnica em bem-estar dos animais de produção Fonte: Modificado de Dias et al. (2014). Fortaleza, CE, Brasil, 08 a 12 de junho de 2015 17