1 INTRODUÇÃO. Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013 97. NANDI, Daniele Cristina 1 FRONZA, Dilson 2 GOMES, Douglas Soltau 3 RESUMO



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AUMENTO NA ADESÃO AO EXAME CITOPATOLÓGICO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DA ZONA RURAL DO SUL DO BRASIL APÓS A REALIZAÇÃO DO RASTREAMENTO ORGANIZADO RESUMO NANDI, Daniele Cristina 1 FRONZA, Dilson 2 GOMES, Douglas Soltau 3 Objetivo: Comparar a evolução nos índices de realização do exame citopatológico (CP) para a detecção precoce do câncer do colo de útero antes e após o desenvolvimento do rastreamento organizado numa unidade de saúde da família (USF) da zona rural de Cascavel-PR e atingir os índices preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Métodos: Estudo longitudinal e prospectivo, compreendendo uma coorte de mulheres com idade entre 21-65 anos, no período de junho/2010-junho/2012. As pacientes foram convidadas a participar de campanhas de rastreamento de CP, através de carta convite e visita de agentes comunitárias de saúde (ACS). Foram analisados os índices de adesão anterior e posterior ao início do programa de rastreamento, e a periodicidade que as pacientes realizaram novos exames nos anos posteriores. Resultados: Comparando-se a média do número de coletas realizadas durante os anos de 2007-2009 (152 coletas/ano) com os anos posteriores ao início do rastreamento organizado - 2010-2012 (212 coletas/ano), observou-se um aumento médio de 39,4% na adesão ao CP. Observou-se que das 439 mulheres elegíveis no ano de 2010, 20 (4,5%) completaram três anos consecutivos de CP, 82 (18,6%) realizaram 2 coletas, e 148 (33,7%) realizaram apenas uma coleta no período de três anos. Logo, 291 pacientes (66,3%) não realizaram nenhum CP durante os anos de 2010-2012, com cobertura do rastreamento atingindo somente 33,7 % das mulheres elegíveis em 2010. Conclusão: O desenvolvimento de um modelo de rastreamento organizado aumentou a realização de CP. O índice pode, no entanto, ser aprimorado por meio da manutenção do programa e melhora das ações de educação e promoção da saúde. PALAVRAS-CHAVE: Rastreamento. Diagnóstico. Câncer de colo do útero. INCREASED ADHERENCE TO PAP SMEAR TESTING IN A SOUTHERN BRAZIL REMOTE HEALTH CENTRE AFTER THE INTRODUCTION OF ORGANIZED SCREENING SCHEME TO PREVENT CERVICAL CANCER ABSTRACT Objective: To compare the trend in rates of Pap Smear testing (CP) for early detection of cervical cancer before and after the development of organized screening in countryside Family Health Unit (FHU) of Cascavel-PR and achieve the rates recommended by the World Health Organization (WHO). Methods: A longitudinal, retrospective and prospective study comprising a cohort of women aged 21-65 years, from Jun/2010 to Jul/2012. Women were invited to participate in campaigns tracking CP by letter invitation and visits organized by Community Health Agents (CHA). It was analyzed the adherence index before and after the start of the screening program, as well as the frequency that patients underwent further tests in later years. Results: Comparing the average number of samples taken during the years 2007-2009 (152 samples / year) and the years following the organized screening - 2010-2012 (212 samples / year), there was an increase average of 39.4% in adherence to CP. It was observed that the 439 eligible women in the year 2010, 20 (4.5%) completed 3 consecutive CP, 82 (18.6%) underwent two collections, and 148 (33.7%) had only 1 collection within 3 years. Thus, 291 patients (66.3%) did not perform any CP during the years 2010-2012, and screening coverage reached 33.7% of eligible women in 2010. Conclusion: The development of an organized screening increased the performance of CP. However, the index can be improved by means of program maintenance, and improvement of educational activities and health promotion. KEYWORDS: Screening. Diagnosis. Cervical cancer. 1 INTRODUÇÃO O câncer de colo do útero representa mundialmente o terceiro tipo de neoplasia mais comum entre as mulheres. Entretanto, com exceção do câncer de pele, é o que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente (INCA, 2011a). As mais recentes estimativas mundiais apontam 529 mil novos casos de câncer do colo do útero em 2008, responsabilizando-se pela morte de 275 mil mulheres neste período, a maioria localizada nos países em desenvolvimento. Isto se justifica pela ineficiência de programas de rastreamento. No Brasil, o câncer de colo do útero é a segunda neoplasia que causa maior mortalidade entre as mulheres brasileiras. A taxa de mortalidade específica para neoplasia de colo do útero em 2010 foi de 5,1/100.000 mulheres, sendo o número total de óbitos de 4.986 mulheres (DATASUS, 2011). Em 2012, esperava-se 17.540 casos novos, com um risco de 17 casos a cada 100.000 mulheres (INCA, 2011). O exame citopatológico (CP) demonstrou ser efetivo em diminuir os índices de mortalidade desta doença. Para tanto, é necessário garantir a organização, a integralidade e a qualidade do programa de rastreamento, bem como o seguimento das pacientes. Segundo o Ministério da Saúde (MS), A frequência recomendada para a realização do exame é anual nos dois primeiros exames e se ambos os resultados forem negativos, devem ser realizados a cada três anos e interrompidos quando, após os 65 anos, as mulheres tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos (INCA, 2011b). Entretanto, o Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras (ACOG) recomenda o rastreamento mais precoce, a partir dos 21 anos, com periodicidade semelhante ao do MS. A maior mudança nas 1 Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz (FAG), e-mail: danielenandi@gmail.com. 2 Médico. Especialista em Medicina da Família e da Comunidade. Professor Mestre do Curso de Medicina da FAG, e-mail: fronzad@gmail.com 3 Médico. Especialista em Mastologia, Ginecologia e Obstetrícia. Professor Mestre do Curso de Medicina da FAG, e-mail: drdouglasgomes@gmail.com Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013 97

Daniele Cristina Nandi - Dilson Fronza - Douglas Soltau Gomes diretrizes de rastreamento do câncer cervical pelo ACOG é para mulheres com idades entre 30-65 anos. Para essas, a estratégia de pesquisa preferida atualmente é o CP combinado com o teste de HPV uma vez a cada cinco anos. Quando este não estiver disponível, o teste de Papanicolau sozinho uma vez a cada três anos é aceitável para as mulheres nessa faixa etária (ACOG, 2012). A estratégia de saúde da Família (ESF) tem sido designada a principal iniciativa do governo brasileiro a fim de fortalecer a atenção primária e reorganizar o modelo de atenção à saúde. A ESF tem incorporado ações de promoção de saúde, atuando de forma preventiva, formando equipes multiprofissionais com maior participação social e intersetorialidade (BRASIL, 2012). Segundo as diretrizes nacionais de rastreamento, ações programadas, com população e periodicidade definidas são recomendadas para diagnosticar precocemente o câncer de colo do útero. Porém, países como o nosso mantém uma procura ocasional dos serviços de saúde para a realização do CP. Essa modalidade tem sido denominada rastreamento oportunístico, o qual tem sido ineficaz em reduzir as taxas de incidência e mortalidade do câncer de colo do útero (VALE et al., 2010; ZEFERINO e DERCHAIN, 2006). O objetivo deste estudo foi analisar os índices de realização do exame citopatológico do colo de útero após a implementação de um sistema de rastreamento organizado e obter um resultado satisfatório, atingindo 80% da população-alvo, índice considerado mínimo pela OMS. Assim, justificou-se por contribuir com a organização de um sistema para rastrear uma doença prevalente e de elevada morbi-mortalidade, possibilitando não somente o planejamento em ações de saúde coletiva, como também o benefício das pacientes no diagnóstico precoce do câncer de colo do útero. 2 MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo longitudinal e prospectivo. A população compreendeu uma coorte de mulheres com idade igual ou superior a 21 anos e igual ou inferior a 65 anos, cadastradas na USF São Francisco, zona rural do Município de Cascavel-PR, no período de junho de 2010 a junho de 2012. Por meio de dados disponíveis na Unidade de Saúde desde 2007, realizou-se a compilação destes até o ano de 2010 para comparação com os que seriam gerados no estudo, quando então se iniciou o rastreamento organizado. As mulheres selecionadas para o estudo foram convidadas a participar do rastreamento desenvolvido pela USF através de carta convite e visita de agentes comunitárias de saúde (ACS). Este modelo de rastreamento vem sendo desenvolvido pela equipe desta USF desde novembro de 2009. As pacientes da área de abrangência foram visitadas pelas ACS no mês do seu aniversário, sendo então orientadas sobre a importância da realização do exame CP do colo do útero. Seu exame é, então, agendado para um dia conforme a disponibilidade de vagas de exames para a USF. Como medida de proteção, os exames foram realizados em ambientes adequados, com todos os materiais necessários e por profissionais capacitados. Após realização do CP, o médico da unidade analisa os laudos e as pacientes são informadas dos resultados pelas ACS em sua residência. Caso seja necessário, uma consulta é agendada com o médico da unidade ou a paciente é encaminhada a um especialista. Foram analisados os índices de adesão antes e após o início do programa de rastreamento, bem como a periodicidade que as pacientes realizaram novos exames nos anos posteriores. Os dados foram copilados e analisados em um banco de dados informatizado utilizando o software Excel 2010. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Assis Gurgacz (Parecer n 213/2011). 3 RESULTADOS Previamente ao estudo iniciado em 2010 não havia na Unidade de Saúde banco de dados para uma estimativa real do número de mulheres elegíveis para a coleta de CP. Apesar disso, estavam disponíveis os números de CP realizados nos três anos prévios à este estudo, correspondendo à 161, 156 e 139 coletas nos anos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente (Tabela 1). Nesse período, a coleta do CP era ocasional, ou seja, ocorria em dias aleatórios, conforme disponibilidade e desejo da própria paciente, sendo definido como um rastreamento oportunístico. Com a contabilização destes números, o estudo pôde caracterizar um comparativo com os números realizados após inserir um programa de rastreamento organizado. Após a realização do censo das mulheres da área de abrangência da USF, as elegíveis para o estudo foram convidadas durante os três anos do estudo, sendo então verificado que apenas parte delas realmente realizou a coleta do CP (Tabela 2). Comparando-se a média do número de coletas realizadas durante os três anos prévios (152 coletas/ano) e dos três anos posteriores (212 coletas/ano) ao início do rastreamento organizado na Unidade de Saúde da Família São Francisco, observou-se um aumento médio de 39,4% na adesão ao exame CP para prevenção do câncer de colo do útero (Gráfico 1). 98 Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013

Aumento da Adesão ao Exame Citopatológico do Câncer de Colo de Útero em uma Unidade de Saúde da Família da Zona Rural do Sul do Brasil após a realização do Rastreamento Organizado Tabela 1 - Número de preventivos realizados nos anos anteriores ao rastreamento organizado. ANO PREVENTIVOS 2007 2008 2009 161 156 139 Tabela 2 - Porcentagem de realização de CP durante o período de rastreamento organizado. ANO POPULAÇÃO-ALVO PREVENTIVOS % 2010 2011 2012 439 451 457 148 209 279 33 46 61 Gráfico 1- Evolução do número de coletas de CP 300 P A C I E N T E S 250 200 150 100 50 0 2007 2008 2009 2010 2011 2012 ANO Quando comparados os resultados por coleta sequencial das pacientes elegíveis para os três anos consecutivos, observou-se que apenas 20 mulheres das 439 elegíveis no ano de 2010 (4,5%) completaram os três anos consecutivos de coleta de CP. Seguindo esta mesma avaliação, 82 pacientes (18,6%) realizaram duas coletas no período dos três anos, e 148 pacientes (33,7%) realizaram apenas uma coleta no período de três anos. Logo, 291 pacientes (66,2%) não realizaram exame CP durante o período de compilação (2010), e tampouco após o início do rastreamento organizado. Ou seja, a cobertura do rastreamento atingiu 33,7 % das mulheres elegíveis em 2010. 4 DISCUSSÃO Nos anos de 2002 e 2003, foi realizado um inquérito domiciliar em 16 capitais, que demonstrou uma cobertura estimada do exame de Papanicolau variando entre 74% e 93%. Contudo, o percentual desses exames realizados pelo SUS variou entre 33% e 64%, o que pode, em parte, explicar o diagnóstico tardio e a manutenção das taxas de mortalidade, bem como as altas taxas de incidência observadas no Brasil (INCA, 2006). O estudo desenvolvido na USF São Francisco demonstrou cobertura dentro dos índices do Inquérito Domiciliar pelo SUS, atingindo valores entre 33,7% em 2010 até 61% em 2012, após implementação e adequação do rastreamento organizado. Esse incremento em termos de adesão foi também visto em outros trabalhos que utilizaram a mesma estratégia para captar as mulheres elegíveis, e que nunca se interessaram em realizar o CP. Um desses trabalhos demonstrou que a Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013 99

Daniele Cristina Nandi - Dilson Fronza - Douglas Soltau Gomes visita domiciliar por agentes comunitários de saúde foi efetivo para aumentar o número de mulheres rastreadas para os cânceres de colo do útero e mama, assim como o caso deste estudo (BAIRD et al., 2008). A participação das ACS, realizando os convites pessoalmente, permitiu um avanço significativo nos números de coleta. Apesar do avanço dos métodos diagnósticos, a adesão à realização do CP através da demanda espontânea das pacientes aos serviços de saúde, principalmente os localizados em zonas rurais, ainda é insuficiente para um adequado controle desta neoplasia. Devido às peculiaridades do modo de vida e trabalho da zona rural, mulheres destas localidades apresentam dificuldades em procurar e ter acesso aos serviços de saúde (MAUAD et al., 2009). Demonstrase uma maior mortalidade por câncer em pessoas de zonas rurais, sendo que o encaminhamento dos pacientes com neoplasias ocorre em fases mais avançadas da doença em comparação com pessoas que residem em zonas urbanas, indicando um padrão diferente de assistência conforme o local de moradia (ZEFERINO e DERCHAIN, 2006; BAIRD et al., 2008). Diante dessa realidade, este estudo foi realizado em uma USF da zona rural, possibilitando uma avaliação pertinente da adesão à realização do CP após o início de um programa de rastreamento organizado para o câncer de colo do útero. Oferecendo assim, maiores possibilidades de diagnóstico precoce e posterior tratamento do câncer de colo do útero. O rastreamento organizado do câncer de colo do útero é uma ação factível na atenção primária e aumenta a procura das pacientes pelo exame CP em relação ao rastreamento oportunístico. Os crescentes índices de adesão das pacientes elegíveis para o rastreamento da área de abrangência da USF observados entre 2010 e 2012 em relação aos anos de 2007 a 2009, demonstram que o rastreamento organizado, baseado em um contato maior entre as ACS e as pacientes, desempenha importante papel nos aumentos da taxa de adesão. A incidência e mortalidade pelo câncer de colo de útero podem ser prevenidas por ações de saúde pública como a citada neste estudo. Além disso, as análises do modo de rastreamento utilizado e do impacto dessas ações podem gerar indicadores importantes para se obter maior eficiência deste programa em termos de saúde pública, evidenciando a significância do comparativo de um rastreamento oportunístico e organizado (MADLENSKY et al., 2003). A reorganização da atenção primaria à saúde é o principal objetivo da Estratégia de Saúde da Família, tendo como premissa o desenvolvimento de uma porta de entrada para os usuários do Sistema Único de Saúde (UNESCO, 2002). Assim, com ações de prevenção do câncer de colo de útero e equipes multiprofissionais, pode haver uma contribuição efetiva para ações de promoção a saúde e prevenção de doenças (BOTTARI et al., 2008). Segundo a OMS, para se obter um impacto significativo na mortalidade por câncer do colo do útero a cobertura de rastreamento deve atingir 80% ou mais da população-alvo (INCA, 2010). No estudo em questão, apesar do aumento na adesão, a cobertura do rastreamento atingiu o máximo de 61% das mulheres elegíveis no último período do estudo (2012). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos resultados obtidos conclui-se que a implementação de um modelo de rastreamento organizado para detecção do câncer do colo do útero aumentou a realização do exame citopatológico do colo do útero em pacientes da zona rural. Entretanto, esse aumento na adesão ainda está aquém do recomendado pela OMS. Então, a manutenção deste rastreamento, assim como a melhora da educação e promoção de saúde são necessárias para uma significativa efetividade das ações de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce do câncer de colo do útero. REFERÊNCIAS ACOG - AMERICAN CONGRESS OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Screening for cervical cancer. Obstet Gynecol. Practice bulletin n. 131, nov. 2012. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23090560>. Acesso em 06 mar. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção básica. Brasília (DF), 2012, 110p. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf>. Acesso em 02 jan. 2013. BAIRD G. et al. Travel time and cancer care: an example of the inverse care law? Rural Remote Health, v. 8, n. 4, p. 1003, oct./dec. 2008. Disponível em <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19012470>. Acesso em 06 mar. 2013. BARBARA S. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, 2002. p. 207-245. 100 Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013

Aumento da Adesão ao Exame Citopatológico do Câncer de Colo de Útero em uma Unidade de Saúde da Família da Zona Rural do Sul do Brasil após a realização do Rastreamento Organizado BOTTARI C. M. S. et al. Câncer cérvico-uterino como condição marcadora: uma proposta de avaliação da atenção básica. Cad Saúde Pública, v. 24, n. 1, p. 111-122, 2008. DATASUS. Informações de saúde. Estatísticas vitais. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Brasília (DF), 2011. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2013. INCA - INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ), 2011a, 118p. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf>. Acesso em 12 mar. 2013.. Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero. Rio de Janeiro (RJ), 2011b, 104p. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/inca/arquivos/diretrizes_rastreamento_cancer_colo_utero.pdf>. Acesso em 25 jul. 2012.. Nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas: Recomendações para profissionais de saúde. Rio de Janeiro (RJ), 2006, 65p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nomenclaturas_2_1705.pdf>. Acesso em 13 set. 2012.. Plano de ação para redução da incidência e mortalidade por câncer do colo do útero: sumário executivo. Rio de Janeiro (RJ), 2010, 40p. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/inca/arquivos/sumario_colo_utero_versao_2011.pdf>. Acesso em 17 nov. 2011. MAUAD E. C. et al. Adherence to cervical and breast cancer programs is crucial to improving screening performance. Rural Remote Health, v. 9, n. 3, p. 1241, jul./sep. 2009. Disponível em <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19778158>. Acesso em 06 mar.2013. MADLENSKY L. et al. Assessing the evidence for organised cancer screening programmes. European Journal of Cancer, v. 39, n. 12, p. 1648-53, 2003. VALE D. B. A. P. et al. Assessment of the cervical cancer screening in the Family Health Strategy in Amparo, Sao Paulo State, Brazil. Cad Saúde Pública, v. 26, n. 2, p. 383-90, 2010. ZEFERINO L. C.; DERCHAIN S. F. Cervical cancer in the developing world. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. v. 20, n. 3, p. 339-54, 2006. Revista Thêma et Scientia Vol. 3, n o 1, jan/jun 2013 101