. REB Volume 3 (3): 105-116, 2010 ISSN 1983-7682 Revista Eletrônica de Biologia Condições higiênico-sanitárias de piscinas em companhia hidromineral conforme análise de indicadores de contaminação fecal Hygienical-sanitary conditions of swimming pools at hidromineral company by analysis of indicators of fecal contamination Naieli Bonatto e Jane Mary Lafayette Neves Gelinski. Laboratório de Microbiologia. Núcleo Biotecnológico da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Videira, Santa Catarina. E-mail: nai_bonatto@yahoo.com.br Resumo A popularidade das atividades recreativas que envolvem a água tem aumentado em todo o mundo, bem como os benefícios das águas termais sobre a saúde das pessoas. Por outro lado, evidências comprovam a relação que existe entre a qualidade de águas destinadas à recreação e a saúde dos indivíduos. Em Santa Catarina existem cinco complexos aquáticos destinados à recreação abastecidos naturalmente com águas termais. Análises microbiológicas foram realizadas para investigar as condições higiênicosanitárias de piscinas de um complexo aquático situado no Oeste de Santa Catarina por análise de indicadores de contaminação fecal. Escherichia coli esteve presente m 100% das amostras e Enterococcus sp. em 60%. Contagem de bactérias heterotróficas totais resultou em 300 UFC ml-1 e para bolores e leveduras em 870 UFC ml-1. Palavras-chaves: Águas recreacionais. Doenças de veiculação hídrica (DVH). Indicadores de contaminação fecal. 105
Abstract The popularity of recreational activities which involve contact with water is growing and related benefits of thermal water have increased in the whole world. But evidences prove that exist a relation between problems related to the low quality of waters destined to the recreation and the health of the individuals. In the state of Santa Catarina, Brazil, exist five thermal aquatic complex designated to recreation. Microbiological analyses were realized to investigate the hygienical-sanitary conditions of water of swimming pools of one of those Key words: Recreational waters. Waterborne diseases. Indicators of faecal contamination. 1) Introdução Muitas evidências têm comprovado a relação entre problemas de saúde e a qualidade das águas destinadas à recreação. Os riscos à saúde decorrentes disso dependem não apenas de sua natureza, mas também das características do corpo d água em questão e do estado imunológico dos usuários. A exposição a contaminantes pode ocorrer por inalação, ingestão, ou pelas vias dérmica e cutânea, por exemplo. A balneabilidade é a qualidade das águas destinadas à recreação de contato primário, sendo este entendido como um contato direto e prolongado com a água (natação, mergulho, esqui-aquático, etc), onde a possibilidade de ingerir quantidades significativas de água é também expressiva (CETESB, 2007). Água poluída pode veicular patógenos causadores de doenças como gastrenterites, verminoses, doenças de pele e até doenças de veiculação hídrica (DVH) mais graves como hepatite, cólera e febre tifóide. Os coliformes fecais por estarem presentes freqüentemente nos meios hídricos usados para fins recreacionais como também pelo seu potencial de disseminação de doenças são freqüentemente usados para definir a balneabilidade dos ambientes estudados. A resolução 274 de 2000 do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA (2000) determina os critérios para a classificação de águas doces, salobras e 106
salinas destinadas à recreação de contato primário. Alguns estados brasileiros possuem legislação específica determinando os limites aceitáveis de contaminação bacteriológica para a água utilizada em piscinas. Em Santa Catarina, tal aspecto é abordado pela Resolução nº 003 de 15 de fevereiro de 2001 da Diretoria da Vigilância Sanitária, DVS (BRASIL, 2001). Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda níveis de sanidade das águas destinadas à recreação em piscinas (WHO, 2006). Entretanto, a gravidade e a incidência dos casos de DVH relacionadas à água destinada à recreação permitem levantar questionamentos quanto à suficiência da verificação do atendimento aos padrões bacteriológicos estabelecidos por lei para garantir a qualidade de águas recreacionais e ainda, se o atendimento a estes padrões realmente protege a saúde dos usuários. O monitoramento da ocorrência de patógenos para avaliar a qualidade sanitária de águas recreacionais em piscinas, embora desejável, nem sempre é viável em virtude de questões técnicas ou econômicas como diversidade de microrganismos e ao alto custo das análises laboratoriais respectivamente. Contudo, a análise microbiológica da água destinada à recreação permite estimar os efeitos adversos à saúde pela presença de microrganismos patogênicos em amostras de águas, para orientar medidas mitigadoras de controle, bem como, para avaliar os possíveis impactos a saúde humana. Além de atender às recomendações previstas tanto pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2006) e pelo CONAMA (2000), instituídas para diminuir a incidência de doenças infectocontagiosas, a análise da sanidade da água destinada à recreação constitui-se em importante ação na área de saúde pública e se justifica também em função da importância representada pela atividade turística de locais de recreação pública, revestindo-se ainda, de grande relevância para o planejamento de ações na área ambiental. 107
O estudo avaliou as condições higiênico-sanitárias de piscinas de águas termais de uma companhia hidromineral em Santa Catarina pela análise de indicadores de contaminação fecal. 2) Metodologia Coleta de amostras. Foram investigadas três piscinas (piscinas A, B e C) de um total de oito existentes no parque recreacional. O critério de escolha do parque foi sua relevância turística para a região e as piscinas foram selecionadas por apresentarem maior afluência de banhistas. Foram realizadas cinco amostragens de água no ano de 2007. Com auxílio de frascos estéreis, foram coletadas duas amostras de água em pontos aleatórios, porém opostos, de cada uma das piscinas a uma profundidade de cerca de 50 cm da superfície. As amostras foram depositadas em um único frasco estéril, totalizando 250 ml por ponto de coleta. Dados de ph e temperatura também foram registrados. Análises microbiológicas. As análises microbiológicas foram realizadas de acordo com o Standard Methods for The Examination of Water and Wastewater, relativo a análises de água de fonte, águas marinhas e águas residuárias tratadas (APHA, 1998): Termotolerantes a 45ºC pela técnica do número mais provável-nmp, pesquisa de Escherichia coli por plaqueamento em meios diferenciais: Fluorocult Escherichia coli Direct Agar-ECD (Merck, Alemanha) e ágar Eosina azul de metileno-emb (Oxoid, Inglaterra); as colônias típicas no primeiro ágar são verdes fluorescentes sob a luz UV e no segundo ágar caracterizam-se como colônias verdes com brilho metálico. A confirmação bioquímica foi baseada no teste IMViC. Outro microrganismo pesquisado foi Enterococcus sp. utilizando-se o Agar Bile Esculina (HiMedia, India). A confirmação bioquímica foi realizadas pelas provas de hidrólise da esculina e crescimento em NaCl a 6,5% (Kit para enterococos Probac do Brasil). Em adição aos indicadores de contaminação fecal foram realizadas 108
análises de contagem total de bactérias heterotróficas e contagem total de bolores e leveduras. 3) Resultados e Discussão No Oeste de Santa Catarina, especificamente na região local das termas pesquisadas, a temperatura média anual fica em torno de 18,4ºC. A Figura 1 evidencia a afluência de banhistas, ou seja, o número de pessoas que visitaram as termas nos dias em que foram realizadas as coletas de amostras de água das piscinas. Verificou-se uma tendência a maior procura pelas termas nos meses de abril e setembro, com temperatura ambiente mínima de 18ºC e máxima de 25ºC, e menor procura dos banhistas nas épocas mais frias do ano (maio e junho). Termotolerantes a 45º C. Os resultados foram interpretados à luz da legislação catarinense, a qual não admite presença de coliformes termotolerantes/e. coli em 10 ml de amostra. Os valores do Número Mais Provável (NMP) de coliformes totais e termotolerantes 109
encontrados nas amostras estão apresentados na Tabela 1. Em todas as coletas e piscinas pesquisadas, exceto para a coleta número 3, o NMP de coliformes termotolerantes foi maior que 23 UFC/100mL (ou maior que 2,3 UFC/10mL). Na terceira coleta esse valor foi igual 23 UFC/100mL (ou igual a 2,3 UFC/10mL). Sendo assim, todos os resultados obtidos para coliformes termotolerantes mostram desacordo com a legislação vigente do Estado de Santa Catarina que exige ausência de coliformes fecais/10ml. Quanto à presença de enterococos, por não haver menção na Resolução 003/2001 da DVS de Santa Catarina, foi utilizado como referência os valores indicados pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos USEPA, por ser o critério mais rigoroso encontrado. Os valores aqui encontrados estão acima dos recomendados pela USEPA, ou seja, inferiores a 0,3 UFC/mL (Tabela 2). 110
Levando em consideração as diretrizes dos diferentes órgãos para a qualidade microbiológica de piscinas (OMS; CONAMA, pela legislação sobre balneabilidade 357/2001 e a DVS-SC pela Resolução 003/2001), pode-se indagar sobre perigo microbiológico que a contaminação encontrada pode oferecer, ou seja, se a presença dos microrganismos nas doses encontradas pode ser associada à doença ou a um agravo específico. Dessa forma, estudos vêm demonstrando a importância de monitorar continuamente a qualidade microbiológica em piscinas. Signorelli et al. (2006) cita que a partir do momento que uma pessoa sadia entra numa piscina, são deixadas cerca de 4 mil bactérias diferentes provenientes de sua superfície corporal. Estima-se que na superfície perianal de um indivíduo esteja presente, em média, 111
0,14 g de fezes. Em uma criança, esse valor pode chegar a 10g. Um grama de fezes libera aproximadamente um bilhão de microrganismos na água e a amônia presente na urina, eleva o ph da água além de ser nutriente para microrganismos (CAVALCANTI et al., 2005). Conforme ainda Signorelli et al. (2006), esses microrganismos muitas vezes encontram na água da piscina as condições ideais para sua sobrevivência e multiplicação, sobretudo quando a temperatura é elevada. Assim, as piscinas termais são um importante veículo de transmissão de infecções entéricas, cutâneas, oftálmicas, auriculares e das vias respiratórias (Tabela 3), contrariando os benefícios que deveriam proporcionar. Hadjichristodoulou et al. (2006) pesquisaram a microbiota de 374 piscinas antes e durante os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. Os resultados evidenciaram que 16% das amostras coletadas um ano antes das olimpíadas 112
estavam em desacordo com os parâmetros da OMS. De janeiro a maio de 2004 houve desacordo em 10,1% das amostras coletadas e em 5,2% das amostras coletadas de maio a junho de 2004. Contudo, durante os jogos, em agosto de 2004, nenhuma amostra estava em desacordo com a OMS. Em outro estudo envolvendo 48 piscinas da costa oeste da Palestina, todas as amostras estavam em desacordo com as recomendações da OMS (AL-KHATIB; SALAH, 2003). Leoni et al. (1999) apud Papadopoulou et al. (2007), investigaram piscinas em Bologna, na Itália e verificaram que 34,2% das piscinas estavam foram dos padrões da OMS sendo que 21,1% excediam 200 UFC/mL permitidas pela OMS para bactérias heterotróficas totais, 13,2% continham indicadores fecais, 10,5% continham Streptococcus faecalis em concentrações entre 1 e 10 UFC/L e 2,6% continham Escherichia coli. Quanto a suscetibilidade antibiótica de isolados bacterianos, Pinto et al. (1999) encontraram cepas de enterococos resistentes à penincilina, Com relação aos dados de temperatura e ph verificou-se que a temperatura da água não apresentou grande variação, ficando em média em 35 C. Os valores de ph variaram entre 7,92 e 8,62. Contudo, não houve concordância entre os valores encontrados e a Resolução 003/2001 da DVS que limita o ph de no mínimo 7,2 e no máximo 7,8. A OMS limita os níveis de ph levando em consideração o tipo de tratamento dado a água. Para águas tratadas com compostos a base de cloro, o ph deve ficar entre 7,2 e 7,8. Quando a água é tratada com compostos a base de bromo, os limites devem estar compreendidos entre 7,2 e 8,0. Outro critério que a OMS considera, é o fato de que em piscinas abastecidas com água mineral ou termal, os tratamentos convencionais da água podem eliminar ou injuriar certos elementos químicos de interesse medicinal que possam estar presentes, como os sais de enxofre e por isso indicam o uso de tratamentos alternativos (WHO, 2006). Em um estudo conduzido por Senta; Zebec e Jakovcic (1996), concluiu-se que águas termais sulfurosas não devem ser cloradas, pois a cloração afeta a turbidez e a 113
coloração da água além de eliminar compostos terapêuticos ativos. Considerando estas adversidades, Signorelli et al. (2006) desenvolveram um estudo sobre tratamento de águas termais e recomendam métodos alternativos, que não afetam a composição físico-química da água e são eficientes biocidas, a exemplo da utilização de radiação ultravioleta ou ozônio. Contudo, apesar de eficientes, estes métodos podem não ser viáveis do ponto de vista econômico. 4) Conclusões As análises realizadas mostraram desconformidade da qualidade microbiológica da água das piscinas frente ao desejável pelos parâmetros utilizados. Sendo assim, nos dias pesquisados, as piscinas investigadas ofereciam risco biológico aos usuários sendo que estes riscos constituem-se em contrair DVH, principalmente aquelas da ordem de contaminação fecal, a exemplo das gastroenterites. 5) Referências Bibliográficas 114
115
116