A PSICANÁLISE FREUDIANA: UMA INTRODUÇÃO. Andrea Gabriela Ferrari



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Transcrição:

FERRARI, Andrea Gabriela. A psicanálise freudiana: uma introdução. In: SARMENTO, Dirléia Fanfa; RAPOPORT, Andrea e FOSSATTI, Paulo (orgs). Psicologia e educação: perspectivas teóricas e implicações educacionais. Canoas: Salles, 2008. A PSICANÁLISE FREUDIANA: UMA INTRODUÇÃO Andrea Gabriela Ferrari A Psicanálise pode ser considerada uma teoria sobre a constituição humana que possui um entendimento sobre o adoecer psíquico e propõe um método de tratamento. Inicialmente, surge a partir de uma preocupação com um tipo de neurose comum à época, que intrigava neurologistas e psiquiatras pelo insólito da sintomatologia. Este tipo de neurose era denominado de histeria conversiva onde, predominantemente acontecia uma perda da funcionalidade de algum membro ou órgão sem causa orgânica. Estas pessoas podiam ficar, por exemplo, cegas ou paralíticas de um momento ao outro sem motivo aparente. Em termos médicos não existia explicação adequada para este tipo de sintoma ficando estas pessoas excluídas e mal-vistas, pois eram consideradas fracas e queriam se furtar das obrigações cotidianas, simulando dita sintomatologia. O fundador da Psicanálise foi Sigmund Freud (1856-1939). Formou-se em medicina na Universidade de Viena em 1881 e interessou-se pela neurologia. A neurologia da época cuidava das doenças dos nervos e, a histeria conversiva, era umas das patologias da qual a neurologia se encarregava. O grande mérito de Freud foi, ao contrário dos seus colegas vienenses da época, interessar-se em tentar desvelar os mecanismos envolvidos nesta patologia, desconsiderando o acento preconceituoso com o qual estes pacientes eram tratados. Em busca de maiores subsídios consegue uma bolsa de estudos e parte para Paris, de outubro de 1885 a fevereiro de 1886, para assistir 1

aulas com um iminente neurologista da época Charcot (1825-1893) que entendia que na histeria conversiva não se tratava de uma simulação, mas sim de uma neurose. Para provar isso Charcot submetia os pacientes à hipnose fazendo com que eles deixassem, durante o transe hipnótico, de ter a sintomatologia apresentada e podendo, inclusive, serem levados a modificá-las em função de uma consigna do hipnotizador. Charcot entendia que a neurose histérica era de origem traumática (ROUDINESCO e PLON, 1998). No retorno à Viena Freud se associa a Breuer (1842-1925), importante clínico geral da cidade. Cabe ressaltar que, quando do retorno de Freud a Viena e quando do relato das experiências com hipnose de Charcot, seus colegas fizeram chacota, pois o que Charcot fazia não podia ser considerado medicina. Mas Breuer se interessa pela experiência trazida por Freud e lhe conta que, para acalmar uma de suas pacientes histéricas a hipnotiza e, durante o transe, ela se põe a falar de uma experiência traumática acontecida. Quando desperta, o sintoma desaparece. Breuer entende que sintomas histéricos estariam relacionados a eventos traumáticos esquecidos e teriam como terapêutica a catarse através da qual rememorariam e reviveriam, em hipnose, o evento esquecido. Catarse denomina-se ao processo de reviver a experiência traumática que permite a liberação do afeto sufocado quando do trauma e, conseqüentemente, libera-se do sintoma neurótico. Este fato é importante porque, além do entendimento do quadro psicopatológico, possibilita uma cura. Inicialmente, Freud começou a atender seus pacientes utilizando a hipnose. Considerava que a psique, para defender-se, dividia-se em duas aquilo que se encontrava na consciência e, o evento traumático, que se tornava inconsciente (FREUD, 1914/1990). A noção de inconsciente tem um valor fundamental para a teoria e a prática psicanalítica. É esta noção que fundamenta a psicanálise. 2

O inconsciente freudiano Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente a de inconsciente (LAPLANCHE e PONTALIS, p. 307, 1988). O inconsciente freudiano pode ser entendido de duas formas como adjetivo ou como sentido tópico. Em relação ao termo inconsciente como adjetivo, está relacionado aos conteúdos atuais que não estão presentes na consciência, ou seja, o inconsciente é um não ter consciência de determinado aspecto. Este sentido sempre existiu, mas a grande descoberta freudiana se refere ao inconsciente no sentido tópico e dinâmico ou seja, como um lugar do psiquismo que funciona através de determinados mecanismos. A novidade relaciona-se à determinação que o inconsciente tem na vida cotidiana e na psicopatologia. Nossos atos e comportamentos não são frutos da nossa vontade, mas da determinação dos desejos inconscientes. Este entendimento vem à tona nas duas obras consideradas inaugurais da Psicanálise Interpretação dos Sonhos (1900) e Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). Nestes textos a partir do entendimento de que os sonhos, os atos falhos e os sintomas têm um sentido, Freud elabora a noção de inconsciente. O inconsciente faz parte, junto com o consciente e o pré-consciente, da Primeira tópica 1. O consciente é aquilo que conhecemos, que nos faz perceber e ter contato com a realidade. O préconsciente é aquele sistema cujos conteúdos podem se tornar conscientes desde que evocados pela memória. A outra função do pré-consciente é tentar fazer uma peneira ou barreira em relação a aqueles conteúdos do inconsciente que querem aparecer na consciência. O mecanismo que utilizado para se defender do inconsciente é o recalque 2. Em relação ao inconsciente, cabe ressaltar que não é um mundo oculto e sem leis. Ele funciona através de determinados mecanismos e cujos conteúdos se fazem presentes, de 1 Primeira e Segunda Tópica: modelos de funcionamento do aparelho psíquico. Cada lugar (instância psíquica) tem características, funções e modos de funcionamentos peculiares. As instâncias da Primeira tópica são: inconsciente, pré-consciente e consciente. As da Segunda Tópica, id, ego, superego. 2 Recalque: o recalque é um mecanismo de defesa que impede que algum afeto proibido se satisfaça ou se torne consciente. 3

maneira deformada, através das formações do inconsciente (sonhos, atos falhos e sintomas). O inconsciente funciona através dos mecanismos de condensação e deslocamento; do princípio do prazer e do processo primário. A condensação é um mecanismo pelo qual uma representação inconsciente concentra os elementos de uma série de outras representações. Pelo funcionamento do inconsciente os investimentos dos representantes pulsionais 3 são livres para ligar-se ou desligar-se em função da possibilidade de atravessar a barreira do recalque, ou seja, satisfazer-se. O deslocamento é outra característica do funcionamento do inconsciente pela qual há um desprendimento do investimento de determinada moção ou traço mnésico 4 que se desloca para outra no intuito de ser descarregada ou satisfeita. A condensação e o deslocamento são modos de passagem de um investimento pulsional a outro no intuito de obter satisfação. Outro principio de funcionamento do inconsciente é o princípio do prazer. Ele tem como finalidade evitar o desprazer, sendo o prazer a possibilidade de diminuição da tensão pela satisfação de uma moção pulsional. O processo primário caracteriza-se, no plano econômico, ao livre escoamento da energia e ao livre deslizamento do sentido. A pulsão é uma força constante, de origem somática, que se apresenta para o psíquico como uma excitação que precisa ser satisfeita. Com o decorrer da prática clínica Freud elabora uma segunda tópica do aparelho psíquico, desta vez dividida em id, ego e superego. O id é a instância mais primitiva, carregada de representantes pulsionais que buscam satisfação. O ego começa a surgir do contato com a realidade. É parte do id que se modifica. Tem como objetivo primordial resistir às tentativas de satisfação das pulsões do id. Parte do ego é consciente e parte 3 Representante pulsional: são os impulsos que fazem com que nossos desejos se movimentem, façam com que o ser humano busque a satisfação. É um estímulo no interior do organismo que é sempre constante e impele o ser humano a viver. 4 Moção pulsional ou traço mnésico: são experiências vividas pela criança que ficam marcadas no inconsciente. 4

inconsciente. A parte do ego inconsciente é aquela que tem como tarefa a utilização dos mecanismos de defesa contra a realidade e contra as exigências de satisfação do id. O superego é a última instancia que surge. É herdeira do Complexo de Édipo e tem como função vigiar o ego em relação aos acordos que pode vir a fazer para a satisfação do id e, por outro lado, tem como função colocar os ideais para o ego seguir. Ele é inconsciente. O ego, na segunda tópica é o escravo que serve a dois senhores o id e o superego. O sintoma surge do conflito destas três instâncias. O sintoma é considerado uma formação de compromisso entre a necessidade de satisfação pulsional do id e as exigências morais proibitivas do superego (FREUD, 1923/1990). Para deter-nos mais sobre o conceito de pulsão e da segunda tópica precisamos nos deter em outra idéia freudiana bastante contestada a sexualidade infantil. Sexualidade Infantil Em 1905 Freud escreveu o texto Três ensaios de uma teoria sexual. Neste texto nele sustenta a idéia que, desde o nascimento, o ser humano tem sensações físicas de prazer que poderiam ser caracterizadas de sexuais. Cabe ressaltar que sexual não tem a conotação genital, mas do prazer e da sensação de aconchego que qualquer ser humano, em especial as crianças pequenas, sentem ao ter contato com o corpo de outra pessoa, preferencialmente, seu cuidador primário. Quando do nascimento, a criança é despertada para a vida e o mundo a partir da amamentação. Por esse motivo Freud (1905/1990) faz do chupar o modelo a partir do qual podemos estudar a sexualidade infantil. É através do chupar que a criança exterioriza as suas sensações de prazer/desprazer experimentadas na relação consigo e com o outro. As três características essenciais da exteriorização da sexualidade infantil que o autor aponta são: nasce apoiando-se em uma função corporal (alimentação); é auto-erótica (o bebê ainda não tem noção da diferenciação eu/outro) e encontra-se sob o 5

império de uma zona erógena (parte do corpo altamente excitável). A zona erógena é uma parte do corpo privilegiada pelo cuidado oferecido pelo adulto sendo, em determinado período da vida bastante manipulável nos cuidados primários. Sendo tão manipulável torna-se facilmente excitável e, em geral, é por essa parte do corpo que se obtém satisfação (diminuição do desprazer). A primeira forma de o bebê se relacionar é a partir da boca. A boca e seu entorno tornam-se zonas privilegiadas de contato e de obtenção de prazer. Esta é considerada uma zona erógena, pois a criança se relaciona e conhece o mundo através da boca. A primeira vez que lhe é oferecido o alimento surge uma sensação de prazer e aconchego que ameniza as sensações ruins experimentadas pela mudança de estado intra-uterino para fora do corpo materno. Desde esta primeira mamada se instala aquilo que foi denominado de pulsão que, diferente do instinto, não tem um objeto específico para a satisfação. Este termo é importante porque sustenta a idéia que o ser humano não é guiado pela satisfação instintual, mas pela satisfação pulsional (satisfação considerada aqui a diminuição do desprazer). Pulsão é um conceito limítrofe entre o somático e o psíquico (FREUD, 1915/1990). A psicanálise não fala em instinto porque depois da primeira satisfação de necessidade, a fome, a sua próxima busca não será mais somente para a satisfação da fome, mas também para reencontrar o afeto envolvido na relação da alimentação. É isto que é sexualidade infantil para Freud a possibilidade da satisfação de uma pulsão através da relação de aconchego com outro corpo ou mesmo a satisfação obtida, por exemplo, quando a criança chupa o bico ou seu próprio dedo. Freud quando aborda o desenvolvimento infantil o faz nos termos de desenvolvimento psicosexual. Isto porque, a cada fase do desenvolvimento está em voga uma zona erógena privilegiada não só pela maturação do corpo físico, mas também porque, culturalmente, toma um lugar de cuidado privilegiado. O desenvolvimento psicosexual ocorre em quatro fases fase oral, anal, fálica (onde se encontra situado o complexo de Édipo) e a genital. Entre a fase fálica e a genital se 6

encontra um período denominado latência porque, aparentemente, a sexualidade se encontra assim, sem manifestação. Na fase oral, a zona erógena se encontra no entorno da boca. A criança se relaciona e conhece o mundo a partir e através da boca e, além disso, encontra satisfação chupando as coisas. Nesse primeiro período a importância de ter um cuidador ligado afetivamente a esse bebê é fundamental. Ela será essa pessoa que transmitirá à criança a sensação de existir e ser ele mesmo, ou seja, o ajudará a se diferenciar do resto do mundo. Quando o bebê nasce não diferencia o que é ele e o que é o outro. Isto vai acontecendo aos poucos, na medida em que o adulto que o cuida vai lhe apresentado e falando do mundo e, a partir das primeiras experiências de satisfação e frustração. O bebê vai se dando conta que há algo que vai e vem, ora o satisfaz, ora não. As experiências agradáveis e desagradáveis vão sendo registradas no aparelho psíquico (inscrições de traços mnésicos) iminente fazendo com que sejam representadas, modificando aquelas que já se encontravam inscritas. Nesse sentido a relação que o cuidador primário estabelece no ato de amamentar é fundamental. Para além do fato da amamentação ser no seio ou na mamadeira é importante que o vinculo afetivo que o cuidador e o bebê estabelecem seja de contenção e confiança. É o momento no qual o bebê retornará a um estado de relaxação que vai lhe permitir a elaboração das experiências acontecidas durante a vigília. À medida que a criança vai crescendo e se diferenciando do ambiente, a boca deixa de ser o órgão de contato privilegiado. A atenção se desloca para a zona anal, lugar que lhe traz sensações de prazer ou desprazer e que ele descobre poder controlar. A troca de fraldas passa a ser algo muito gratificante e esperado. Chega o momento a partir do qual a criança percebe que pode reter ou expulsar as fezes de acordo com a sua vontade. Esta experiência oferece à criança uma sensação de poder e controle sobre o mundo (mundo que nesta idade se reduz aos cuidadores primários). É nesta fase que a criança terá condições de fazer o controle esfincteriano. Cabe lembrar que este ocorrerá 7

tranqüilamente desde que o entorno o permita. Esta permissão refere-se, principalmente, à possibilidade de oferecer autonomia para experimentar o ambiente e seu próprio corpo com a proteção adequada. Uma questão importante de mencionar é a angustia que pode surgir em algum momento do controle esfinscteriano. Em determinado momento, a criança se dá conta que suas fezes são uma parte do corpo que está se separando e sendo jogada fora. Esta noção pode ativar uma fantasia na criança de que se o cocô vai embora todo seu interior pode ir. Isto porque a diferenciação eu/outo; conteúdo/continente; interno/externo vão se definir de fato após a finalização do controle esfinteriano, sendo esta uma fase importante para sua elaboração. È necessário que, nestes períodos de angustia os pais/cuidadores ofereçam palavras/brincadeiras/jogos que ajudem a criança a elaborar este momento. É um momento que exige tolerância dos cuidadores. É um momento e ambivalência para a criança na qual a dinâmica da fase diz respeito ao reter/expulsar os objetos; ser afetivo/agressivo com os outros gerando no entorno uma certa incógnita pelo comportamento apresentado pela criança. Se tudo correr bem, isto deixa espaço para que ingresse na fase seguinte, a fase fálica. A fase fálica é a mais controversa da psicanálise gerando críticas do público em geral e das feministas, em particular, pelo caráter machista que esta idéia introduz. Não podemos esquecer que esta idéia foi elaborada no início do século XX, momento em que o papel social da mulher se restringia ao cuidado da casa e da família. Nesta fase fálica, a criança descobre seus genitais e os manipula. Isto gera bastante angústia nos adultos que reprimem estes comportamentos masturbatórios. Cabe ressaltar que nestas repreensões os adultos estão transmitindo a cultura às crianças, sendo isso fundamental para que, posteriormente, esta criança possa viver dentro da sociedade que se encontra. Então não se trata de não reprimir, mas amenizar exageros e ir introduzindo as normas na medida das possibilidades das crianças. Geralmente os comportamentos masturbatórios são reprimidos pelos adultos, mas é freqüente que a criança não dê ouvidos a essas ameaças pela intensidade da 8

satisfação obtida na manipulação do seu próprio corpo. Além disso, inicia o que se denomina brincadeiras sexuais infantis de mamãe papai; de médico; de casinha, onde as crianças, meninos e meninas tem a oportunidade de comparar e diferenciar seus corpos. Esta é a fase na qual a criança entra no conflito edípico. O complexo de Édipo é conhecido como a fase em que os meninos se apaixonam pela mãe e as meninas pelo pai. Mas, a forma disso acontecer é diferente para meninos e meninas. Até determinada época, meninos e meninas não percebem a diferença sexual. E é, a partir da percepção da diferença que se dá a entrada no complexo de Édipo na menina e saída do complexo no menino (Freud, 1924/1990; 1931/1990). No caso do menino, apaixonado pela mãe começa a se dar conta que tem um rival que compete pela atenção dela. O menino sente-se muito gratificado nos contatos com a mãe fazendo de tudo para que, cada vez que o pai se aproxime, comece algum tipo de disputa que, muitas vezes, acaba gerando brigas entre o casal. Paralelo a isso ele continua com suas práticas masturbatórias e as brincadeiras sexuais infantis. Quando se dá conta que existem crianças que anatomicamente são diferentes deles, pensa que, na verdade, elas tinham um pênis como o dele, mas o perderam porque não se submeteram às proibições masturbatórias nem se deram por vencido em relação à disputa com o pai. Este sentimento da possibilidade da perda de seu pênis é denominado de complexo de castração e é o que faz com que o menino se submeta à interdição do incesto e saia do conflito edípico. No caso da menina a dinâmica é diferente. Ela entra no complexo de Édipo pelo complexo de castração. A menina também ingressa no período fálico no qual, assim como o menino tem práticas masturbatórias e participa das brincadeiras sexuais infantis. Até a confrontação com a diferença a menina mantinha um laço muito forte com a mãe, mas quando percebe que ela não tem aquilo que o menino tem e gosta tanto, culpa a mãe por não ter lhe dado esse pênis. Isto faz com que se afaste da mãe e se aproxime do 9

pai ingressando, finalmente no complexo de Édipo em função do complexo de castração. Começam as investidas amorosas no pai e as hostilidades em relação à mãe. Mas no fundo, investe amorosamente no pai para que ele lhe ofereça o pênis desejado. Como isto não é possível e também não é possível casar com seu pai, resigna o seu desejo de pênis substituindo-o por um filho no futuro. Esta é a concepção de complexo de Édipo freudiana. Atualmente trabalha-se também com outros entendimentos a respeito da triangulação edípica. O que é importante ressaltar é que é pela passagem do complexo de Édipo que a criança, menino ou menina sente que ela precisa buscar o que ela quer em outro lugar. Isto faz com que as relações com seus pares e com outros adultos comecem a ser fundamentais para a continuação do seu desenvolvimento psíquico. Se a vivencia edípica não ocorre de forma adequada, possivelmente, a criança apresentará algum tipo de sintoma. O que é a resolução adequada do complexo de Édipo? Basicamente que a criança não sinta que venceu essa batalha, ou seja, que não se sinta esposo (a) da mãe ou do pai. Com a sensação que a batalha foi perdida, a criança terá energia para investir em outros lugares como a aprendizagem formal e os laços de amizade. Esta possibilidade ocorre também pelo alívio de saber que o lugar que ocupa na família é o de ser filho desse casal. As pulsões que se satisfaziam no contato com o corpo do outro ou com algum tipo de manipulação no seu próprio corpo precisam encontrar outro caminho para a satisfação. Alguns deles são recalcados (reprimidos) ficando inconscientes, que alimentarão os sonhos, atos falhos e sintomas. Outros se esperam que sejam sublimados. A sublimação é considerada um mecanismo de defesa a partir da qual uma pulsão pode ser satisfeita de uma forma culturalmente aceita e valorizada. Assim, por exemplo, quando do controle esfincteriano a criança tem curiosidade em pegar suas fezes para conhecê-las, este comportamento é inibido, mas se oferece outro material em troca para explorar. Então, no lugar das fezes pode ser 10

oferecido massa de modelar ou argila para que a criança satisfaça sua pulsão fazendo uma obra de arte com valor cultural e afetivo. Esta pulsão não será somente reprimida, mas será satisfeita com um desvio de caminho do sexual ao cultural. Em termos de instâncias psíquicas id, ego e superego, pode-se se dizer que a criança nasce puro id. A partir das satisfações e frustrações vai tomando contato com a realidade e diferenciando eu-outro, constituindo o ego. A criança já sabe que ela é um ser diferenciado dos outros, mas ainda não tem condições de perceber seus limites, não sabe ao certo o que lhe é permitido e o que lhe é proibido. A noção do que pode e não pode vai sendo adquirida aos poucos, a partir das intervenções afetivas/educativas dos adultos. Quando da noção da diferença sexual, a criança entende essa diferença como um castigo de não submissão a uma autoridade maior. A angustia de castração faz com que ela se submeta à autoridade parental, introjetando-a e, por outro lado, faz com que a criança, por perceber que os pais têm outros interesses para além dela, vá buscar satisfações e ideais em outros lugares. Se a dinâmica edípica foi bem conduzida, a criança adquire capacidade sublimatória e pode deslocar satisfazendo aqueles desejos edípicos a partir de outros sentimentos aceitos e valorizados pela cultura. Além disso, permite que a criança satisfaça suas curiosidades não imediatamente e pela manipulação concreta de um objeto, mas mediadas pela linguagem oferecida a partir de um personagem que passa a ocupar o lugar de saber que os pais ocupavam o professor. Se o conflito edípico não foi bem administrado pelos pais e pela criança, possivelmente ela terá dificuldades em renunciar ao seu objeto de amor primordial não aceitando os imperativos que a vida lhe impõe. Isto impede a satisfação das necessidades pulsionais a partir das sublimações dificultando o ingresso à aprendizagem formal. É provável que surja algum tipo de sofrimento psíquico evidenciado no sintoma como, por exemplo, problemas e aprendizagem ou de comportamento. 11

Psicanálise e Educação Desde seus primórdios Freud preocupava-se com o excesso de castigo e repressão que as crianças eram submetidas. Acreditava que era esse excesso o responsável por muitas das doenças neuróticas que chegavam no seu consultório. Orientava educadores a amenizar as repressões e satisfazer as curiosidades das crianças. Aconselhava, por exemplo, a não mentir a respeito do nascimento dos bebês e a não inventar estórias como a da cegonha porque a criança, no fundo, sabia que isso não era verdade. Assim, talvez o grande mérito da psicanálise em relação às crianças e conseqüentemente à educação seja, por um lado, dar ouvidos a aquilo que a criança apresenta e, por outro, ajudar a que a criança, a partir das necessidades de sua fase, vá adquirindo capacidades sublimatórias que a possibilitarão enfrentar as dificuldades da vida de outra forma. Outra questão importante de se referir é que, com a descoberta do inconsciente, trabalha-se alguns dos problemas de aprendizagem como sintoma 5. Isto explica o fato de, atualmente, apesar das técnicas pedagógicas estarem voltadas para as necessidades das crianças, ajudarem as crianças a pensar e não somente memorizar e permitirem as sublimações das pulsões, ainda existe um grande número de crianças com problemas de aprendizagem. Há algo que escapa à vontade e se repete apesar do sofrimento que isto gera (nos pais, professores e crianças). O acento dado às primeiras relações afetivas permite abordar outro aspecto importante da psicanálise com a educação. Esta se refere à noção de transferência. Transferência é uma relação que se estabelece na situação analítica na qual ocorre uma reedição das primeiras relações afetivas com a pessoa do analista. Com a continuação dos estudos e atendimentos foi percebido que estas reedições ocorrem em qualquer interação humana. A diferença reside no fato de que, com o psicanalista, elas são 5 Sintoma é a expressão do recalcado, expressão da realização de uma fantasia inconsciente (CHEMAMA & VANDERMERCH, 2007) 12

desveladas. Na relação com o educador isto também ocorre. Repetimos, na relação com nossos professores os mesmos padrões de relacionamento que tivemos/temos com nossos cuidadores primários. O professor, assim como os pais, ocupa um lugar de saber e autoridade perante a criança fazendo com que transfira para a relação com os educadores os padrões afetivos que tem com os pais. Além disso, pelo lugar de ideal que ocupam, os educadores são tomados, com a finalização do complexo de Édipo, como modelos identificatórios que a criança toma. São muitas as questões que se pode trabalhar na articulação psicanálise e educação. Muitas delas estão sendo colocadas em jogo a partir do surgimento de outra ciência a psicopedagogia, que tenta responder e propor intervenções que estejam relacionadas às dificuldades de aprendizagem nos diferentes âmbitos da vida humana. Referências Bibliográficas CHEMAMA, R. & VANDERMERSCH, B. (2007). Dicionário de Psicanálise. São Leopoldo: Editora Unisinos. FREUD, S. (1900/1990). La interpretación de los sueños. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1901/1990). Psicopatologia de la vida cotidiana. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1905/1990). Tres ensayos de teoria sexual. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1915/1990). Pulsión y destinos de pulsión. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1923/1990). El yo y el ello. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1924/1990). El sepultamiento de complejo de Édipo. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. FREUD, S. (1931/1990). Sobre la sexualidad femenina. Em S. Freud. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu ed. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J. (1988). Dicionário de Psicanálise. Rio de janeiro: Martins Fontes 13