Os impactos do Plano Temer nas políticas sociais: o caso do Bolsa Família. Fundação Perseu Abramo - Partido dos Trabalhadores.



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Transcrição:

maio de 2016 foto: Senado Federal Fundação Perseu Abramo - Partido dos Trabalhadores Os impactos do Plano Temer nas políticas sociais: o caso do Bolsa Família 1

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Expediente Esta é uma publicação da Fundação Perseu Abramo. Diretoria Executiva Presidente Marcio Pochmann Vice-Presidenta Iole Ilíada Diretoras Fátima Cleide, Luciana Mandelli Diretores Joaquim Soriano, Kjeld Jakobsen Conselho Curador Hamilton Pereira (presidente), André Singer, Artur Henrique Silva Santos, Eliezer Pacheco, Elói Pietá, Emiliano José, Fernando Ferro, Flávio Jorge Rodrigues, Gilney Viana, Gleber Naime, Helena Abramo, João Motta, José Celestino Lourenço, Maria Aparecida Perez, Maria Celeste de Souza da Silva, Nalu Faria, Nilmário Miranda, Paulo Vannuchi, Pedro Eugênio, Raimunda Monteiro, Regina Novaes, Ricardo de Azevedo, Selma Rocha, Severine Macedo, Valmir Assunção 3

4

Sumário Os impactos do Plano Temer nas políticas sociais: o caso do Bolsa Família Da universalidade para o residual: a proposta do Plano Temer A perspectiva da regressão do Programa Bolsa Família Considerações finais 07 08 09 15 5

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Os impactos do Plano Temer nas políticas sociais: o caso do Bolsa Família A aprovação da Constituição Federal, em 1988, permitiu reconstituir a política social brasileira em novas bases. Resumidamente, a transformação da política social submetida à condição pregressa de mera reguladora da cidadania para a estruturação de um verdadeiro complexo de proteção e promoção do desenvolvimento. Para tanto, o sistema de proteção e promoção social procurou voltar-se ao conjunto da sociedade, afastandose do tipo meritocrático (somente aos detentores de emprego formal) para assumir características universalistas. Este movimento, contudo, não se mostrou simples, com avanços e retrocessos verificados desde então. A começar por sua regulamentação, ocorrida durante o predomínio dos governos neoliberais nos anos de 1990, que terminou por comprometer parte dos objetivos constitucionais previstos para a montagem do sistema de proteção e promoção social. Exemplo disso foi a ausência do orçamento da Seguridade Social, cuja reunião das receitas propriamente definidas permitiriam financiar melhor as despesas com saúde, assistência e previdência social. Apesar disso, o Brasil passou a contar, a partir da década de 2000, com avanços consideráveis na política social diante da elevação da oferta de equipamentos e serviços públicos e sustentação de renda da população. A elevação no ritmo de crescimento econômico a partir de então permitiu não apenas abandonar a estagnação da renda per capita das duas últimas décadas do século 21, mas também financiar mais e melhor a política social brasileira. Mesmo durante a grave crise de dimensão global iniciada em 2008, o Brasil rompeu com o padrão governamental de internalizar medidas recessivas conforme constatado desde 1981. Com isso, não houve corte de gastos sociais, o que permitiu proteger melhor a população em geral, sobretudo a situada na base da pirâmide social. Ao contrário desta perspectiva, o viés restritivo dos fiscalistas segue identificando a política social brasileira como um problema de dimensão contábil e, portanto, passível de ser enfrentado através de corte generalizado nas despesas públicas. Com o simplista argumento de que a política social não cabe mais no orçamento, sobretudo nesta fase de prevalência do rebaixamento do ciclo de expansão econômica, ressurge com força a proposição do desfazimento da Constituição de 1988. O sistema tributário em geral e o Imposto de Renda em particular seguem contribuindo para o financiamento privado da saúde, assistência e previdência privada, esvaziando o caixa para sustentar o orçamento da seguridade social, assim como a permanência da Desvinculação das Receitas da União que retira 20% das receitas para o gasto social. Diante disso, o presente estudo busca analisar o impacto da implementação provável do Plano Temer no sistema de proteção e promoção social, especial e inicialmente no Programa Bolsa Família (PBF). A referência para a realização das estimativas apresentadas neste estudo encontra-se no documento Travessia Social Uma ponte para o futuro, publicado recentemente pela Fundação Ulysses Guimarães do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Na mensuração dos pobres e da taxa de pobreza no Brasil, foram adotados como base microdados oficiais mais recentemente disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, a Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliar (PNAD) referente ao ano de 2014. Para as informações de benefícios e beneficiários do PBF foi utilizada a Matriz de Informação Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), com referência ao último dado disponível até a conclusão deste estudo, mês de abril/2014. Por fim, destaca-se que as possíveis discrepâncias que possam haver em relação às informações aqui adotadas e as utilizadas pelo MDSA, cuja referência assenta-se no Censo Demográfico do IBGE para 2010, devem-se à preferência pelo uso da PNAD, que não contém informações municipais. 7

Da universalidade para o residual: a proposta do Plano Temer Na proposta Travessia Social Uma ponte para o futuro há indicações inegáveis a respeito de como deve ser conduzida a política social brasileira a partir do governo Temer. Com base na página 9, por exemplo, registra-se que:... a totalidade da população brasileira, excetuados apenas os 5% mais pobres, está já conectada à locomotiva econômica nacional e deriva sua renda de ocupações produtivas, exercidas no mercado. A primeira coisa será expandir o sistema de proteção social para os 10 milhões de brasileiros que compõem os 5% mais pobres e que, por variadas razões, não estão integrados na economia nacional. Uma focalização especial neste segmento de excluídos não requer uma revisão substancial da política social brasileira, mas sim um aprofundamento daquilo que já fazemos bem, com mais descentralização, pois se trata aqui predominantemente de grupos humanos esparsos, vivendo em pequenas comunidades isoladas. Isso significa manter e aprimorar os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Disso, identifica-se que: 1. A população brasileira inserida na economia deverá financiar a proteção dos riscos ao exercício do trabalho (desemprego, formação, saúde e acidente de trabalho, invalidez, aposentadoria, entre outros) pelo mercado, não mais pelas políticas sociais do Estado; 2. O sistema público deverá voltar-se fundamentalmente aos 5% mais pobres, justamente porque não se encontram ainda inseridos na economia, enfatizando o papel meramente assistencial, pontual e temporário para as políticas sociais; 3. Se os 5% mais pobres do Brasil residem em comunidades isoladas, os equipamentos e serviços públicos e programas de sustentação de renda devem ser descentralizados, deslocando-se para as tais localidades empobrecidas e esvaziando suas presenças nos centros metropolitanos do País. Desde a ascensão do interino governo Temer, várias manifestações nesse sentido foram observadas: 1. O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP PR) informou que o país não tem condições de sustentar mais os direitos que a Constituição garante, como a universalidade do acesso à saúde. Em 2015, Ricardo Barros enquanto deputado federal relator do Orçamento Geral da União, propôs oficialmente, por exemplo, o corte de 10 bilhões de recursos para o PBF, o que significaria a retirada 23 milhões de pessoas do programa de transferência de renda, sendo 11 milhões das quais constituídas de crianças e adolescentes de até 18 anos de idade. Atualmente, diz: Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las. (FSP, 16.05.2016). 2. O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM PE) também informou que defende a cobrança de mensalidades para os cursos de extensão e pós-graduação profissional nas universidades públicas. No ano de 2015, como deputado federal, foi favorável ao projeto de lei sobre a cobrança de mensalidades no ensino superior público (UOL, 15.06.2016). 3. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, responsável pela condução da reforma previdenciária, indicou redução de direitos, ampliação da idade mínima, a partir de grupo de estudo com este objetivo de reduzir o gasto público com a previdência social no Brasil. Ele informou: Não prometemos valores que não podem ser cumpridos. Despesas públicas são sempre pagas pela população, e a Previdência também. (G1, 14.05.2016) Em síntese, percebe-se que a condução da política social do governo Temer se orienta pela reconfiguração 8

do atual sistema de proteção e promoção social de sentido universalista para a tipologia residual, focalista. Para isso, a promoção do desfazimento da Constituição Federal de 1988. A perspectiva da regressão do Programa Bolsa Família O Programa Bolsa Família, reconhecido e premiado nacional e internacionalmente, está atualmente sob o ataque mais pesado. Mesmo sendo responsável por manter próximo de 36 milhões de pessoas distantes da linha de pobreza e ter acumulado 3,1 milhões de famílias que se desvincularam voluntariamente do PBF, constata-se que se o Plano Temer vier a ser implementado, a sua regressão estará consolidada. De acordo com a proposta Travessia Social Uma ponte para o futuro, a política social deve ser focalizada nos 5% mais pobres da população brasileira. Neste caso, segundo as informações oficiais do IBGE e disponibilizadas pela PNAD de 2014, o contingente dos 5% mais pobres seria de 3,4 milhões de famílias, equivalendo a cerca de 12,2 milhões de pessoas. O rendimento médio destas famílias era de apenas R$ 176,00 mensais (R$5,87 por dia para família ou R$1,63 per capita ao dia). Para o ano de 2014 e o mesmo parâmetro de pobreza, contabilizava-se pela PNAD o contingente de 14,3 milhões de famílias de pobres. Pelo PBF, 13,9 milhões de famílias eram atendidas em abril de 2016, o que equivalia a cobertura de 97,3% dos pobres estimados pelas informações do IBGE de 2014. A região Centro-Oeste era a que possuia maior cobertura média da pobreza, 103,8% 1 (717 mil beneficiários), seguida da região Nordeste, com 101,2% (7 milhões de beneficiários), região Norte com 99% (1,7 milhões de beneficiários), Sudeste com 91,9% (3,5 milhões de beneficiários) e Sul com 84,9% (918 mil beneficiários). Gráfico 01 Brasil: Atendimento do Programa Bolsa Família e famílias em situação de pobreza Fonte: IBGE/PNAD e MDSA (elaboração própria) Pelo gráfico anterior, nota-se que os estados que se destacam em número de atendidos e maior cobertura da pobreza pelo PBF são: Mato Grosso do Sul, com 139.333 famílias beneficiárias e 133,3% de cobertura, 1. Tal cobertura não é de se estranhar, pois além de o pesquisador não possuir o mesmo conhecimento do território e maior tempo para coleta de informações que o gestor público municipal que realizada o cadastro do PBF, pode ocorrer também ao pesquisador de campo falta de sentimento de pertencimento, dificuldade de se obter informações sobre rendimentos em certos contextos, erros amostrais pré e pós-campo, entre outras dificuldades apontadas por Maria A. G. Álvaro/IBGE, em O IBGE bate à porta: vivência e perspectiva dos que trabalham na coleta de dados. 9

Pernambuco, com 1.134.200 e 110,1%, Pará, com 915.780 e 102,7%, e Bahia, com 1.837.668 famílias beneficiárias PBF e 102,1% de cobertura da pobreza. Já os estados que se destacam com menor cobertura são Santa Catarina (72,8% e 124,6 mil famílias beneficiárias), Distrito Federal (72,9% e 80,6 mil), Rondônia (75,5% e 100 mil) e Espírito Santo (76,5% de cobertura e 183 mil famílias beneficiárias). Com a implementação possível do Plano Temer de atender 5% das famílias mais pobres (3.377.857 pessoas segundo a PNAD 2014), a cobertura média nacional da pobreza cairia para somente 23,7%, com 10,9 milhões de famílias pobres não atendidas, o que corresponde a 39,3 milhões de pessoas, cerca de uma em cada cinco pessoas do país. Gráfico 02 Brasil: Plano Temer para o Programa Bolsa Família e famílias em situação de pobreza Fonte: IBGE/PNAD e MDSA (elaboração própria) O impacto regional derivado da implementação da proposta do Plano Temer seria muito grande. A região Centro-Oeste, que atualmente possui a maior cobertura nacional, passaria a ter a menor proporção de cobertura da pobreza do país, com apenas 20% das famílias no perfil atendidas, cerca de 137,7 mil famílias assistidas, seguida da região Norte, com 21,2% e 370 mil famílias, região Sul com 21,8% e 236 mil, da região Sudeste com 22% e 843 mil famílias, e da região Nordeste, com 25,9% das famílias pobres atendidas, cerca de 1,8 milhões de famílias. Alguns dos estados que seriam mais prejudicados em termos de proporção de atendimento ou menor quantidade de famílias assistidas são: Amapá (16,1% de cobertura e somente 9,5 mil famílias atendidas), Rio de Janeiro (16,3% e 133,3 mil famílias), Distrito Federal (18,2% e 20,1 mil famílias), e Paraná (19,3% e 86,3 mil famílias atendidas). Não existem estados os quais possam ser enquadrados como pouco prejudicados. 10

Mapa 01 Brasil: Proporção de Famílias em situação de pobreza Futuramente não atendidas pelo PBF Pela perspectiva do mapa 1, obtém-se uma visão ampliada de como as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte serão as mais afetadas negativamente. Ressaltam-se também os estados de Roraima, Acre e Goiás, com mais de 80% de famílias em situação de pobreza não atendidas cada, seguidos dos estados Tocantins, Maranhão e Paraíba, que, apesar de serem os menos afetados, ficariam próximos de uma situação muito similar aos demais, sem futuras coberturas da pobreza pelo PBF, equivalendo de 71 a 72,7%. No mapa 2, observa-se a concentração das prováveis 10,9 milhões de famílias que deverão ficar de fora do atendimento do PBF. Nota-se ainda a figura de um semi-arco no mapa do país ao longo de todo litoral e adentrando para a Amazônia, com destaques para os estados da Bahia (1,3 milhões de famílias não atendidas), São Paulo (1,1 milhões de famílias), Minas Gerais (1 milhão de famílias), Ceará (840 mil famílias) e Pará (700 mil famílias). 11

Mapa 02 Brasil: Quantidade de famílias em situação de pobreza futuramente não atendidas pelo PBF Se por estado da federação a fragilidade da futura estratégia se mostra pontualmente preocupante, é por grande região que os prováveis resultados demonstram a dimensão nacional que pode atingir. Apenas a região Nordeste contará com 5,1 milhões de famílias em situação de pobreza não atendidas. As regiões Sudeste com 3 milhões, Norte com 1,4 milhões, Sul com 850 mil e Centro-Oeste com 550 mil, completam o quadro da possível tragédia social que se avizinha. Do conjunto das 10,5 milhões de famílias passíveis de exclusão pela proposta do Plano Temer, 49,6% pertencem à região Nordeste, 25,5% ao Sudeste, 12,9% ao Norte, 6,5% ao Sul e 5,5% ao Centro-Oeste. E da economia dos R$20,9 bilhões, 51,7% deixarão de ir para a região Nordeste, 23,1% ao Sudeste, 14,5% ao Norte, 5,8% ao Sul e 5% ao Centro-Oeste. 12

Gráfico 03 Brasil: Famílias excluídas e valores em reais economizados Em outras palavras, a queda estimada no repasse será de 75,4% para o Brasil como um todo. Os estados a serem mais afetados no repasse dos recursos poderão ser o Roraima (92,3%), Amapá (88,2%), Acre (84,8%) e Mato Grosso do Sul (82,4%). Em contrapartida, os estados menos afetados poderão ser Santa Catarina (62,4%), Distrito Federal (64,4) e Alagoas (65,3%). 13

Gráfico 04 Brasil: Redução no repasse dos recursos ao Programa Bolsa Família com a proposta do Plano Temer (em %) 14

Considerações finais De acordo com este estudo, a implantação da proposta Temer, conforme presente no documento Travessia Social Uma ponte para o futuro, o Brasil pode vir a seguir o sentido da regressão de suas políticas sociais. Pode-se, resumidamente estar diante da transição de um complexo, diversificado e universalista sistema de proteção e promoção social para o de focalização e residualista. No caso do Programa Bolsa Família -em destaque analisado os prejuízos ao enfrentamento da pobreza poderão ser ainda mais dramáticos, com o corte de 10,5 milhões de famílias e de R$20,9 bilhões de reais. As famílias pobres das regiões Norte e Centro-Oeste deverão ser as mais afetadas negativamente, tendo destaque os estados do Roraima e Amapá. Para além do agravamento da fragilidade financeira de tais famílias, outros indicadores também poderão ser afetados. Entre 2000 e 2010 verificou-se, por exemplo, que a redução na exclusão social apresentou correlações significativas, com coeficientes de Pearson da ordem de 0,1, resultado do fato de que, dos 4.226 municípios brasileiros que possuíam mais de 75% de famílias em situação de pobreza atendidas pelo PBF, 91% apresentaram redução da exclusão social. (Boletim de Análise da Conjuntura, no. 02 - FPA de abril/2016). Também se destacam a diminuição da pobreza para o mesmo período (coeficiente de -0,194), a queda na desigualdade social, cujo Índice de Gini nas regiões com maior concentração de beneficiários variou com coeficientes de 0,188 a 0,092, de acordo com a região do país. O aumento da escolaridade, com a correlação chegando a 0,119 na região Sudeste, ampliação da presença do jovem na escola e impactando a redução da violência, uma vez que a cada 1% de mais jovens nas escolas, os homicídios tendem a cair 2%, em média (Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, IPEA/2016). Por outro lado, o aumento do emprego no setor de comércio e serviços como extensão do PBF. Com isso, os efeitos da sustentação de renda ampliada que torna mais favorável o desenvolvimento local, tendo apresentado no período de 2003 a 2013, a correlação de 0,064, com destaque para as regiões Centro Oeste e Sudeste. Neste sentido, o aumento na quantidade de micro e pequenos estabelecimentos empregadores criados, com coeficiente de 0,079 para todo o país e variação positiva no Produto Interno Bruto, cuja maior variação atingiu o setor de comércio e serviços, com o coeficiente de Pearson de 0,28 para o país. Pelo âmbito econômico, segundo o IPEA, a cada R$ 1,00 gasto com o Bolsa Família, R$ 1,78 são adicionados ao PIB. Isto ocorre porque a família pobre costuma gastar uma parcela maior de sua renda mensal do que outras classes econômicas. Em consequência, chega-se ao cálculo de que os 27,6 bilhões gastos em 2015 com transferência aos beneficiários gerou um incremento de 49,2 bilhões de reais no PIB nacional do mesmo ano. Enquanto, por exemplo, os EUA Estados Unidos da América comprometem 2% de seu PIB em programas focalizados, o PBF respondeu em 2015 por 0,46% do PIB brasileiro. 15

http://www.fpabramo.org.br 16